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Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX) / Revista Brasileira de História da Educação / 2020
As palavras não são as coisas (Foucault, 2016). Estado, nação, civilidade, emancipação, progresso, educação, são rastros de realidades que se constituíram ao longo do tempo, e de diferentes formas, a partir dos movimentos dispersos, aleatórios ou deliberados de muitos sujeitos. História e memória são elementos da ordem das palavras que transformam o passado em coisas. Nesse processo de legitimação, tais coisas seriam, posteriormente, lembradas, (re)definidas, celebradas, esquecidas.
Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória da Independência brasileira, implica na análise de sua função, visto que ela se integra às tentativas de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento (Pollak, 1989). Assim, se forjam lugares onde a memória se cristaliza e se refugia a partir de um determinado passado, definitivamente morto. Como nos ensina Pierre Nora, a história é exatamente o que as nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado. Para ele, os lugares de memória são, antes de tudo, restos, a forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama (Nora, 1993). Neste sentido, a coletânea composta aqui se insere nas investigações acerca das palavras (memória, história, narrativas, representações, celebrações, fontes) sobre as coisas (independência, nação, política, educação).
Na perspectiva da historiografia brasileira, a definição de ‘emancipação política’ proposta no verbete do Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889), identifica dois momentos: o primeiro deles que considera 1822 como um momento decisivo na construção da nacionalidade, a independência foi analisada por muitas décadas, como o ponto final de um processo contínuo e linear, que desde o século XVIII até o XIX, forjara uma consciência nacional. E, um segundo momento da historiografia, identificado nas últimas décadas do século XX, procurou inserir o processo da independência brasileira na longa duração e na dinâmica mais profunda do Antigo Regime (Vainfas, 2008).
No sentido de interrogar tanto o acontecimento histórico da independência (Brasil, 1822 e demais países), quanto suas representações posteriores (em livros, fontes, documentos, imagens) ou efemérides (cinquentenário, centenário, bicentenário), buscando destacar o papel da educação nesse processo de constituição de memórias (por sujeitos, instrumentos, instituições, políticas) e de forças (Estado, Nação), que se consolidaram os propósitos do presente Dossiê.
Resultado da segunda chamada pública da Revista Brasileira de História da Educação, o Dossiê recebeu 45 propostas. Após avaliação, foram selecionados 11 artigos que demonstraram adesão ao edital e pareceres positivos dos avaliadores ad hoc. Os textos selecionados remetem à presença de investigações sobre os processos de independência em quatro países da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela), conduzidas por três professores estrangeiros (Espanha, Argentina e Uruguai) e dezessete pesquisadores brasileiros de seis estados (MG, RS, RJ, PE, RN e BA). Os autores que integram este dossiê atuam como professores do ensino superior, professores da educação básica, graduandos, mestrandos e doutorandos, apresentando, ainda, uma relativa equidade de gênero (nove homens e oito mulheres). Os 11 artigos deste dossiê dialogam com diferentes áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais (Educação, Letras e História), o que imprime marcas específicas nas análises sobre o complexo processo de construção dos estados nacionais, nos século XIX (sete artigos) e século XX (quatro artigos).
Entre os artigos, temos aquele que discorre acerca de temas caros à história da nação brasileira ao longo do século XVIII e XIX, como liberdade, educação, povo, igualdade, estado, e se intitula ‘Cultura ilustrada e educação conservadora: Bernardo Vasconcelos e sua carta aos senhores eleitores (1828)’. Luciano Faria Filho e Dalvit de Paula analisam a continuidade do projeto dos inconfidentes mineiros em Bernardo Vasconcelos (1828), demonstrando que, a despeito da modernidade constitucional de um país recém-independente, a Ilustração também inspirou e justificou o caráter conservador e centralizador do Estado Imperial brasileiro e, da mesma forma, as ações em torno da educação do povo, do esclarecimento das populações fazendo nascer a ‘máquina escolar’ e demais dispositivos culturais.
Rita Cristina Lages evidenciou formas a partir das quais as relações entre instrução e civilização se constituíram e se consolidaram em discursos políticos e projetos educacionais no Brasil Oitocentista. Em ‘Projetos educacionais para Minas Gerais no século XIX: nações estrangeiras na vitrine’, a autora inquire determinadas experiências de países estrangeiros, considerados avançados nos assuntos educacionais, que serviram como parâmetros para ações, experiências e propostas entre o contexto da Independência nacional (1822) e a República (1889), dando a ver certa continuidade na perspectiva do olhar para as ‘vitrines’. Ao tomar os relatórios oficiais da província mineira como fonte documental, o trabalho aborda a problemática das apropriações, da circulação de sujeitos, ideias e conhecimentos, tornando possível refletir, nessa chave de leitura, aspectos da formação e legitimação do Estado Imperial independente.
Ao examinar representações, tensões e impasses atinentes ao projeto de construção de uma unidade latino-americana, o estudo intitulado ‘Abordagens em livros didáticos de História do Brasil sobre a presença brasileira no cone sul latinoamericano (século XIX)’, de André Mendes Salles, professor do Departamento de História da UFRN e do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES-UFRN), e de José Batista Neto, professor titular do Centro de Educação da UFPE, constituiu, como base na investigação, 13 livros didáticos de História do Brasil, publicados entre 1886 e 1999. A partir desses instrumentos de formação escolar, os autores refletem a respeito de as narrativas sobre a presença brasileira na região platina, na segunda metade do século XIX, identificando permanências nos modos de entender e representar o exercício de poder do Império brasileiro, como nação autorizada a legitimar a independência do Uruguai.
Maria das Graças de Andrade Leal, é autora do estudo ‘Educação e trabalho; raça e classe no pensamento de um intelectual negro: Manuel Querino – Bahia (1870-1920)’. Especialista na história das populações afrobrasileiras e instituições operárias e educacionais desenvolve reflexões acerca da educação e do trabalho na obra do intelectual e educador afro-baiano Manuel Querino. Com essa proposta, expõe importante debate sobre projetos de escolarização e projetos de nação, articuladas às perspectivas de liberdade, civilização, progresso, cidadania em um país independente que transita entre as condições de monárquico, escravocrata, abolicionista e republicano. Neste aspecto, problematiza as narrativas recorrentes sobre velho / atraso (Império) e novo / avanços (República), acionando análises atinentes às permanências e continuidades, denunciando a existência de uma determinada divisão social do conhecimento como marca geral da história da educação no Brasil.
Antonio Mauro Romano dialoga com temáticas muito caras à história da educação, como saberes curriculares, Estado, militarismo, modernidade escolar, níveis de ensino, políticas públicas. Neste estudo, analisa aspectos relacionados à inclusão da instrução militar (Gimnástica y Ejercicios militares) como programa curricular do ensino secundário e os debates acerca da extensão da experiência dos Batalhões Universitários em direção ao ensino fundamental, no final do oitocentos (1887). A partir do estudo intitulado ‘Los dilemas en la formación ciudadana. Entre la instrucción cívica y la instrucción militar en los procesos de emancipación política en el siglo XIX en el Uruguay’, o autor questiona a presença do saber militar em um contexto de retirada de cena dos governos militares (1886) e da consolidação de um currículo humanístico como política pública.
No texto ‘La Gazeta de Caracas en el albor del movimiento independentista: análisis de las noticias educativas publicadas en el diario decano de la prensa venezolana’, Jordi Garcia Farrero examina o papel da imprensa no contexto de consolidação da independência política da Venezuela, a partir dos debates direcionados aos assuntos da educação. Procura refletir sobre um conjunto de ideias, memórias, narrativas e representações, dedicado à causa da liberdade no início do século XIX, que chamou de ‘pensamento pedagógico’, produzido por uma determinada geração de intelectuais. A análise incide sobre um período no qual se estabelecem as bases do nascimento de uma nova nação, não mais uma Venezuela colonial e, portanto, se justificavam as preocupações em torno da superação de uma velha condição colonial da educação.
No artigo ‘Pela iluminação do passado: livros e educação no contexto do cinquentenário da Independência (Capital brasileira, década 1870)’, as autoras analisam livros como engrenagens na construção e legitimação de representações, histórias e memórias. Aline de Morais, Aline Machado, Fátima Nascimento e Edgleide Clemente tecem reflexões acerca de determinadas narrativas e entendimentos relativos à Independência brasileira, no contexto de uma de suas efemérides. Ao mesmo tempo, buscam extrair e examinar as perspectivas educacionais e de formação dos sujeitos arroladas em tais livros e suas relações com o processo de consolidação da nação independente. Na análise, dão relevo aos questionamentos erigidos pelos autores dos livros estudados em torno do que se consideravam atrasos e incompatibilidades para um jovem país.
‘Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado / RS (1939-1943)’ é o título do trabalho de Tiago Weizenmann. A pesquisa analisa a política de nacionalização como estratégia governamental, cuja finalidade era promover uma cultura cívico-patriótica no Brasil. Especificamente, reflete o contexto de uma região marcada pela presença de grupos étnicos europeus e seus descendentes, o Rio Grande do Sul, e suas políticas educacionais direcionadas à escola pública. Marcado pelo objetivo de forjar uma identidade coletiva, o projeto em análise conferiu espaço privilegiado a símbolos oficiais e a biografias dos grandes heróis, evidências de certa continuidade histórica no longo processo de construção e legitimação de um projeto de Brasil, Nação, Estado com reminiscências na Independência (1822) e República (1889).
No estudo de Márcia Cabral da Silva, os impressos e a circulação de ideias emergem como dispositivos culturais importantes para compreender processos de legitimação do Estado brasileiro. No artigo ‘Histórias da nossa terra: sobre o projeto cívico de construção da nação brasileira por meio do impresso’, a autora examina o processo de circulação de determinados saberes com características educacionais e políticas de patriotismo, nacionalismo e civismo no contexto de consolidação do (re)nascimento de uma nação republicana, cujo intuito maior era superar supostos atrasos de um passado imperial. Desta feita, a pesquisa lança ao debate algumas problemáticas acerca de modelos de formação e educação escolar dos sujeitos, impregnados pelo exercício de construção de determinada representação de Brasil (grandiosa, ufanista), de alguns brasileiros (heróis) e de brasilidade (tradição, crença, moral, pátria, território).
No artigo ‘Nacionalistas y libertarios: tensiones en torno de las conmemoraciones y símbolos patrios en la educación primaria (Argentina, 1910- 1930)’, Adrián Ascolani investiga aspectos do nacionalismo e história pátria no campo da educação no século XX, como saber curricular oficial das escolas primárias e como estratégia de formação das memórias por meio de símbolos, cerimônias e livros que deram centralidade ao episódio da independência política argentina (1816). Para tratar de tal problemática, o autor joga na cena reflexiva temas como cultura, positivismo, imprensa, anarquismo, militarismo, doutrinação, patriotismo, imigrantes e colonialismo. No contexto em análise, estava em relevo um movimento de renovação pedagógica, com base no escolanovismo e na necessidade de racionalização da escola moderna.
‘O Centenário da Independência Brasileira em nossas escolas primárias: narrativas históricas escolares em disputa’ é o estudo de Patrícia Coelho da Costa e Jefferson Soares, no qual analisam formas de apropriação e constituição de representações acerca da independência nacional no impresso pedagógico, A Escola Primária, e a sua reverberação nas escolas primárias, com a circulação determinada perspectiva deste fato. Ao examinar as orientações direcionadas aos professores, apontam interesses pela consolidação da identidade nacional, com ritos cívicos, homenagens e celebrações. Da mesma forma, interrogando disputas e tensões em um exercício de poder sobre construção de memórias e histórias, os autores dão relevo à presença e permanência de agentes e agências que tinham uma participação ativa desde o período monárquico, como o Colégio Pedro II e o IHGB.
As organizadoras do Dossiê ‘Processos de emancipação e educação na América: história, política e cultura (séculos XIX e XX)’ e a Comissão Editorial da RBHE entregam aos leitores e leitoras um conjunto composto por 11 artigos que permitem revisitar e agregar novos elementos às reflexões relativas aos processos de independência do Brasil e de três outros países da América Latina na expectativa de que os mesmos possibilitem outras investigações que deem visibilidade à temática da educação e suas relações com os processos de construção dos estados nacionais.
Referências
VAINFAS, R. (Org.). (2008). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.
FOUCAULT, M. (2016). As palavras e as coisas (10a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Martins Fontes.
NORA, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares (Yara Aun Khoury, trad.). Revista História e Cultura, 10, 7-28.
POLLAK, M. (1989). Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 2(3), 3-15.
Aline de Morais Limeira Pasche – Doutora em Educação (2014) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED). Integra o Núcleo de Ensino e Pesquisa em Historia da Educação (NEPHE-UERJ). E-mail: aline.de.morais.pasche@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0002-5964-6661
Cláudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0003-2540-2949
PASCHE, Aline de Morais Limeira; CURY, Claudia Engler. Introdução. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 20, n. 1, 2020. Acessar publicação original
Escravidão, emancipação, história e historiografia: América Latina e experiências comparadas / História Unisinos / 2006
Este dossiê está organizado em duas sessões. Na primeira: Brasil, história atlântica e diáspora aparecem artigos enfocando a historiografia da escravidão, comércio de escravos, políticas de domínio, legislação e campesinato negro. Abre com uma abordagem panorâmica de Regina Xavier sobre a história dos africanos e afro-descendentes no Rio Grande do Sul. A autora investiga cenários e contextos da produção historiográfica rio-grandense, as perspectivas dos autores, campos de investigações, temáticas, espaços editoriais e fontes. Destaca o papel da revista do Instituto Histórico e Geográfico da Província de São Pedro e suas vinculações intelectuais na formulação de uma história da escravidão negra local, fortemente impregnada de uma dada perspectiva de nação e, portanto de região e suas especificidades no século XIX.
Trata-se de uma reflexão fundamental para ser conectada com a historiografia mais recente sobre o tema no Rio Grande do Sul. Não só dos importantes trabalhos de Bakos, Flores, Freitas, Maestri, Pesavento e Picollo1 entre outros já nos anos 1980, mas especialmente a tradição de Dante Laytano2 nos anos 1950 e 1960. Talvez possam ser recuperadas as interlocuções dos primeiros campos de estudos no Sul, articulando interesses pela diáspora e religiosidade africana, incluindo Herskovitss e outros que analisavam o chamado “passado africano” nas Américas3. A temática das vivências africanas e a construção da diáspora urbana mais do que um tema emergente se encontra solidificado em várias abordagens para o Rio Grande do Sul4.
O excelente artigo de Gabriel Santos Berute aprofunda isso ao perscrutar os registros de pagamentos do imposto da meia-sisa da Vila do Rio Grande no período de 1812-1822. Desvela tanto sobre impostos, valores de compra e venda, negociantes, com cenários e personagens do comércio negreiro intra-atlântico, como as procedências e perfis socioeconômicos de africanos e crioulos negociados para o Rio Grande nas primeiras décadas do século XIX. Qual o período de maior negociação de escravos? Como se articulava com a economia charqueadora e outras dimensões da sociedade riograndense? Quem eram os compradores de escravos? Quais características mercantis do tráfico intra-atlântico para o Rio Grande do Sul? Berute assinala a dimensão da população de escravos crioulos (embora mantida a predominância de cativos do sexo masculino) comercializados, indo em direção a um importante campo de estudos sobre a “crioulização” endógena da população escrava sulina, também articulada com taxas consideráveis de africanos ocidentais. As margens de uma história atlântica – menos de uma escravidão genérica – que consideram as variações translocais e conectadas de portos, personagens, dimensões e diásporas inventadas são aproximadas5. Parodiando Alberto Costa e Silva, assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande também era atlântico, posto que conectado entre centros, periferias, impérios e nações.
A historiadora Adriana Pereira Campos oferece uma interessante reflexão sobre os nexos do cativeiro e políticas de domínio no mundo escravista pós-colonial. Partindo da documentação da polícia provincial do Espírito Santo avalia o que denomina “ambigüidades” das relações entre o poder público e as políticas de domínio privado. Assim flagra uma face da montagem e o equilíbrio da construção da ordem da nação numa sociedade escravista e em permanente tensão na segunda metade do século XIX. Por fim, Flávio Gomes analisa as interfaces entre narrativas oitocentistas da repressão antimocambos com aquelas das memórias de comunidades negras, avaliando dimensões e expectativas na formação de micro-sociedades camponesas na escravidão e no pós-emancipação no Baixo Tocantins, região amazônica.
A segunda parte deste dossiê intitula-se Escravidão e Dimensões Comparadas: América Latina, sociedades escravistas e sociedades com escravos. Aparecem trabalhos enfocando história das idéias, história intelectual e reflexão historiográfica sobre a escravidão e abolição na Argentina, Colômbia, Venezuela e Uruguai. Ela é aberta com a instigante reflexão de Eduardo Restrepo sobre as representações e as narrativas discursivas sobre a Abolição na Colômbia na primeira metade do século XIX, em que destacam-se convergências, polarizações, argumentos e justificativas multivocais da sociedade em questão. Imagens de barbárie, incompatibilidade econômica, progresso, civilização e cidadania eram desenhadas em termos dialógicos. Com abordagem historiográfica, articulando história das idéias e história intelectual apresentam-se interessantes análises sobre escravidão e identidade na Venezuela, Uruguai e Argentina. Ramos Guedes oferece uma breve reflexão sobre a trajetória intelectual do importante historiador venezuelano Brito Figueroa. Lamentavelmente pouco conhecido na literatura sobre escravidão no Brasil, Figueroa destaca-se como importante historiador marxista da escravidão nas Américas, produzindo pesquisas fundamentais sobre a história econômica da escravidão venezuelana e as perspectivas de pensar os seus sujeitos, especialmente os africanos e seus descendentes. Recupera assim o legado desse intelectual para a literatura temática na Venezuela.
Os dois últimos artigos tratam da escravidão africana no Cone Sul, oferecendo assim ricas possibilidades futuras de comparação entre sociedades escravistas e sociedades com escravos em várias regiões do Uruguai, Argentina, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Borucki chama atenção para as conexões entre as identidades nacionais e as imagens da história da escravidão uruguaia. Tema ainda com pouco investimento no Brasil, surge uma original abordagem sobre as relações entre movimentos sociais e a produção historiográfica no Uruguai, nos últimos 70 anos. Examina as possibilidades de diálogos invisíveis entre vários setores sociais, intelectuais e acadêmicos, assim como temas de investigação histórica e expectativas de cidadania e reconhecimento histórico através deles. Em direção semelhante apresenta-se o artigo de Gladys Perri, fechando este número especial. As historiografias nacionais da América Latina escolheram – entre mitos, memórias, silêncios e ênfases – percursos e atalhos para avaliar o papel da escravidão e da abolição em cada sociedade, no período colonial e pós-colonial. Estava em jogo a nação, suas identidades e horizontes, assim como memória social e história. A referida autora resgata os sentidos e contextos da produção de mitos de “negação” e “ausência” de escravidão, africanos e seus descendentes na Argentina e o papel da literatura histórica.
Paulo Staudt Moreira
Flávio Gomes
MOREIRA, Paulo Staudt; GOMES, Flávio. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3., setembro / dezembro, 2006. Acessar publicação original [DR]