Educação rural / Revista História da Educação / 2011

Este dossiê é uma forma de ampliar e dar continuidade à discussão sobre educação rural, pela contribuição de um conjunto de investigadores que tem compartilhado o interesse pelo tema a partir de meados da década de 2000. Nos anos de 2007, 2009, 2010 e 2011 foram organizados livros [1] no México, Brasil e Espanha, com a produção de pesquisadores que têm mantido articulações e se encontrado, principalmente, por ocasião de eventos de história da educação.

A rede de pesquisadores que discute educação rural, em diversas perspectivas, tem crescido. Há um debate do conteúdo político do termo rural e da educação do ou no campo, com mobilização de programas e projetos governamentais, bem como de conferências nacionais sobre o tema. Outros grupos de pesquisadores abordam ruralidades em sua diversificação, pelo eixo de histórias de vida e auto-biografias de professores e ex-alunos de escolas rurais ou, ainda, trazem para o debate as questões pedagógicas envolvidas na multiseriação que vige em muitas escolas.

Outras pesquisas analisam a educação rural na proposta de formação profissional e técnica para o trabalho no mundo rural e no agronegócio e debatem o cenário de globalização e relações capitalistas envolvidas. Há, também, investigações que tematizam os movimentos sociais do campo, especialmente a partir das políticas públicas voltadas para estas populações. Outros, ainda, abordam a educação rural numa discussão que se encaminha para a ação cooperativista.

Este dossiê poderia incluir inúmeros pesquisadores brasileiros que trabalham com o tema educação rural. Entretanto, o foco deste é, especificamente, a discussão da educação rural em perspectiva histórica. Nele, a abordagem da educação rural é realizada por pesquisadores da Argentina, México, Bolívia e Brasil.

O texto de Alicia Civera revisa temas e metodologias do campo da história da educação no México e situa a historiografia da educação rural. Destaca que o debate focalizou, inicialmente, a história política. Depois, passou para uma perspectiva regional que envolveu a análise do trabalho cotidiano de docentes, sua inserção nas comunidades e o funcionamento das escolas. A autora destaca que, na última década, a produção historiográfica tem atentado para as populações atendidas em termos de diferenciações de gênero e de cunho sócio-cultural. Discute, também, processos transnacionais e globais na abordagem do tema da educação rural.

Jaqueline Marcela Villafuerte Bittencourt traça um retrospecto histórico da educação boliviana e contextualiza, em suas dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e tecnológicas, a marca forte da discriminação da origem étnica das populações rurais. Ao identificar a dicotomia presente entre o urbano e o rural nas políticas educativas da Bolívia, ao longo do século 20, a autora traça quatro eixos de debate: o Estado liberal oligárquico marcadamente civilizador, a revolução de 1952 e vigência do Código de Educação, quando se altera a denominação de indígenas para campesinos, a reforma educativa de 1994 e, por fim, o momento atual. A autora questiona se o momento atual põe fim à dicotomia, ao que interpõe uma reflexão que considera o movimento histórico e a fragilidade do momento institucional do país.

O trabalho de Lucía Lionetti focaliza a educação rural na Argentina, entre as décadas de 1850 e 1870, que tinha como objetivo eliminar o barbarismo, civilizar as populações para um mundo que se pretendia cada vez mais urbano, ordenado e harmônico. O trabalho recupera as políticas educativas na zona rural de Buenos Aires e demonstra que o modelo de escolarização estava inspirado em valores e práticas próprias do mundo urbano os quais, entretanto, entraram em choque com os costumes e práticas culturais das populações rurais.

Maria Apparecida Franco Pereira discute a educação rural em São Paulo, a partir da contribuição de três autores que atuaram como professores e políticos na educação paulista e nacional no início do século 20. Contextualiza a situação escolar em São Paulo, nas décadas de 1920 e 1930, a partir de documentos legais e normativos que referem as condições materiais de escolas isoladas de zona rural, a recomendação de organizarem-se como granjas rurais inovadoras, os programas de ensino voltados para a prática, com ênfase em atividades agrícolas, pastoris e marítimas, com vistas à fixação do homem ao seu ambiente. Discute o êxodo para as cidades como conseqüência de vários fatores, entre eles a imigração, as estradas e a riqueza do café.

Ana Clara Bortoleto Nery e Cleila de Fátima Stanislavski analisam a obra de Thales Castanho de Andrade, autor de vários livros de leitura publicados pela Companhia Editora Nacional, entre o final da década de 1920 e o início da década de 1960. Estes livros veiculavam modelos de vida que enalteciam o campo frente às condições urbanas. O artigo discute o modelo de homem civilizado para o meio rural através da obra de Thales de Andrade, considerando as imagens que povoam seus livros, o analfabetismo, o perfil de professor rural e a organização da escola rural.

O texto final é de minha autoria e tem como foco o rádio e seus usos na zona rural e nas escolas de formação de professores rurais. Refere o rádio como instrumento pedagógico e de extensão rural, veículo civilizador e de comunicação frente à dispersão da população pelo território nacional. Aborda os usos que dele faziam as escolas normais rurais do Rio Grande do Sul e como o Boletim de educação rural, impresso publicado pela Superintendência do Ensino Rural da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, se instituía como disseminador de uma cultura ruralista, com matérias que traziam pautas e conteúdos para serem veiculados pelas rádios locais.

Os textos apresentados neste dossiê dialogam entre si e contribuem para a compreensão do panorama latino-americano e brasileiro a respeito da educação rural. Esperamos que instiguem o debate teórico-metodológico sobre este tema e promovam a sensibilização de professores e estudantes de forma a colaborarem na investigação acerca da história da educação rural.

Nota

1. WERLE, Flávia Obino Corrêa (org.). Educação rural em perspectiva internacional: instituições, práticas e formação do professor. Ijuí: Unijuí 2007; PERES, Teresa González; PÈREZ, Oresta López. Educación rural en iberoamérica: experiência histórica y construcción de sentido. Madrid: Anroart, 2009; WERLE, Flávia Obino Corrêa (org.). Educação rural: práticas civilizatórias e institucionalização da formação de professores. São Leopoldo: Oikos / Brasília: Liber Livro, 2010; CIVERA, Alicia; ALFONSECA, Juan, ESCALANTE, Carlos (coord.). Campesinos y escolares: a construção da escola no campo latinoamericano (séculos 19 e 20). México: Colégio Mexiquense, 2011.

Flávia Obino Corrêa Werle – Universidade do Vale do Rio dos Sinos.


WERLE, Flávia Obino Corrêa. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 15, n. 35, set. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê