O Brasil e a questão agrária | Manuel Correia de Andrade

A obra “O Brasil e a questão agrária” está dividida em sete capítulos, o primeiro é a introdução e traz um breve resumo do que vai ser tratado na obra como um todo. Os demais apresentam os seguintes títulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções”; “A experiência de colonização: Portugal Brasil e África”; “Nordeste Semi-Árido: Limitações e possibilidades”; “Espaço e tempo na agroindústria canavieira de Pernambuco; “O movimento dos Sem-Terra e sua significação”; “O movimento dos Sem Terra e sua significação”; e “Atualidade da questão agrária”.

Apesar de ser composto por artigos distintos, escritos entre os anos de 2000 e 2001, o livro apresenta uma coerência temática e teórico-metodológica. A preocupação central é a de contextualizar as transformações socioeconômicas do espaço agrário, através dos movimentos da história e tendo como base a abordagem regional. Há também uma análise dialética marxista que fica mais evidente nos capítulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções” e “O movimento dos sem terra e a sua significação”, mas sem suplantar a abordagem regional. Leia Mais

A Trajetória Política de Francisco Heráclito do Rego | Márcio Ananias Ferreira Vilela

Fruto da pesquisa para alcançar o grau de mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, orientado pelo professor Dr. Antônio Torres Montenegro, Márcio Vilela nos apresenta um interessante trabalho, em escrita leve, sem o pedantismo que quase caracteriza as produções acadêmicas, a respeito de um dos últimos coronéis que atuaram e marcaram, durante bastante tempo, a vida social e política do Brasil e, com maior longevidade no Nordeste. O livro nos entregue dividido em seis partes, sendo as duas últimas dedicadas à bibliografia e aos anexos. A primeira parte, formada por dois capítulos encarregados de nos atualizar sobre as bases teóricas utilizadas na análise dos documentos e depoimentos recolhidos, mas, principalmente para nos oferecer uma recensão crítica dos estudos clássicos sobre o coronelismo no Brasil como os de Victor Nunes Leal [1] , Raymundo Faoro [2] , Maria Isaura de Queiroz [3] , mas detendo-se com maior cuidado nos casos de Pernambuco, Sergipe e Ceará, estudos por Marcos Venicios Vilaça/ Roberto Cavalcanti [4] , Iberê Dantas [5] , Maria Auxiliadora Lamenhe [6] , além de um estudo mais acurado sobre o Mandonismo, seguindo as trilhas abertas por José Murilo Carvalho.[7]

A segunda parte, composta de cinco capítulos dedica-se a desvelar o Mecanismo de construção de um líder político. Mas, quando lemos o escrito, vemos que nosso autor nos leva também ao processo de manutenção dessa liderança, que veio a esbarrar no processo modernizador da modernidade da qual ela é parte.

Francisco Heráclito do Rego, referendado popularmente como Chico Heráclito, foi uma força política que se firmou após os anos de 1930 na região Agreste de Pernambuco, na senda do Partido Social Democrático, fundado após a ditadura do Estado Novo, encabeçada por Getúlio Vargas e, em Pernambuco, capitaneada pelo sertanejo Agamenon Magalhães. Analfabeto, Francisco Heráclito soube usar as nuances da literatura, manejando a mão de Antônio Vilaça, pai de Marcos Venicios Vilaça [8], para comunicar-se com os alfabetizados e os analfabetos que viviam nas cidades e povoados que cresceram sob a sua proteção e cuidado.

Cinco capítulos formam a segunda parte deste estudo e eles estão voltados para nos auxiliar a entender como se forjou e se construiu uma liderança política, ora apelando para o encontro direto e pessoal com os agentes social, ora usando indisfarçadamente a produção literária, nos jornais, em boletins, em cordéis lidos e proclamados nas feiras livres da região e nas praças do Recife, onde também tinha eleitores que voltavam a cada eleição para sufragar aqueles indicados pelo Senhor das Varjadas. Márcio Vilela nos apresenta aspectos interessantes como a utilização do patriarca, João Heráclito do Rego, morto em 1934, que evitou uma participação politica ostensiva, cabendo essa atividade ao seu filho, que teria sido ungido, ainda no seio materno, (p 109ss) para liderar a família e a região. Aqui uma observação. Márcio Vilela, que nos recorda que a escolha do nome, Francisco, homenagem ao Santo de Assis, celebrado um dia antes do nascimento, a cinco de outubro – que há uma indicação de que ele nasceu para servir aos pobres.

Mas ainda há outro estranhamento, de que nos dias seguintes ao nascimento de Francisco Heráclito, seu pai já está a postos, no roçado e não obedecendo ao ritual de dedicar os dias seguintes ao nascimento do herdeiro em comemorações, o que, na região denomina-se „cachimbo‟. …quebrava uma tradição muito comum e de algumas regiões do Brasil serem os primeiros cinco dias após o nascimento de uma criança reservado às comemorações do ao acontecido. Na nota 32, nosso autor lembra que o cachimbo é uma bebida composta de cachaça, água e mel. Lembra ainda que esta bebida é apreciada após o nascimento. Aqui, creio que uma visita à tradição europeia que enaltece São Francisco de Assis e o esforço para colocar esse coronel na sua tradição, uma tradição de civilização, educação e própria da formação tradicional e culturalmente dominante, há outra preocupação: a de afastar o nascituro, futuro líder político da organização e modernização da cidade do Limoeiro das tradições indígenas.

Sabemos da prática da couvade entre nossos antepassados indígenas e, nela o repouso pós-parto era próprio para o pai da criança que, dessa forma, anunciava socialmente a paternidade social da criança. A bebida com mel é ofertada, ainda hoje nos cultos da Jurema Sagrada, religião de cunho e raízes profundamente brasileiras, mas que à época era praticada por poucos, e nas matas, distante dos olhares dos civilizados. Esses acontecimentos – o pai trabalhando no dia seguinte ao nascimento do filho e não utilização do cachimbo, é o esforço de afastar aquela família dos “caboclos do mato”, dos índios que naquele período eram conceituados bem negativamente. Assim São muitos os cuidados no processo de criação de um mito ou liderança.

A terceira parte do livro nos remete às práticas deste e de outros coronéis que atuaram no período da chamada Democracia Liberal, entre os anos de 1945 e 1964. São cinco capítulos, dois deles dedicados a analisar a situação econômica, social e política de Limoeiro e o lugar que o líder ocupa naquele momento da vida local e nacional e dois capítulos dedicados a compreender como agia este líder para manter seu prestígio e respeito social, as suas práticas diárias, o seu comportamento no período eleitoral e sua reação àqueles que não seguiram as suas ordenações e ordenamentos. E essa era uma situação nova, a prática democrática começava a por em dívida o poder de mando. É um período de ruptura com outros agentes da cúpula do PSD, e por isso é o início de um novo tempo, que não está na preocupação de Márcio Vilela, mas que ele tangencia, sem chamar a atenção necessária, que o processo de formação de novos coronéis, novos senhores dos votos que assimilam algumas práticas e introduzirão novas.

Nas eleições de 1954, pensando em sentar-se na cadeira presidencial, Etelvino Lins faz emergir a candidatura do General Cordeiro de Farias, em uma aliança que envolve o PSD, o PL, PRT, PSP e dissidentes udenistas. Dizia Etelvino que era uma chapa para unir Pernambuco, como lembrado por Cordeiro de Farias, em depoimento ao CPDOC, e provocou a divisão do PSD que apoio Neto Campelo, com outros partidos, entre eles o PST. Neste partido estava Miguel Arraes de Alencar que, mais tarde veio a ser eleito governador de Pernambuco apoiado por essa dissidência do PSD, uma aliança com os coronéis. Embora não fosse esse o objetivo da dissertação de Marcio Vilela, teria sido interessante uma nota de pé de página no sentido de apontar como as relações políticas e pessoais orientam os caminhos dos homens na história.

Notas

1. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. Riod e Janeiro Nova Fronteira, 1997.

2. FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. São Paulo: Globo, 2001.

3. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

4. VILAÇA, Marcos Venicios; ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de.

5. DANTAS, Iberê. Coronelismo e dominação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, PROEX/CECAC/ PROGRAMA EDITORAL,1987.

6. LEMENHE, Maria Auxiliadora. Família Tradição e Poder: o (caso) dos coronéis. São Paulo, ANNALUBE/Edições, 1995. Coronel, coronéis: apogeu e declínio dos coronéis no Nordeste. Riod e Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

7. CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.

8. O poeta é hoje membro da Academia Brasileira de Letras.

Severino Vicente da Silva – Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor associado do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: severino.vicente@gmail.com


VILELA, Márcio Ananias Ferreira. A Trajetória Política de Francisco Heráclito do Rego. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2014. Resenha de: SILVA, Severino Vicente da. Um Coronel em revista. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.35, n.1, p.302-305, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

Relatos do Medo: A ameaça comunista em Pernambuco (Garanhuns – 1958-1964) | Erinaldo Vicente Cavalcante

O ano de 2014 marca o cinquentenário do golpe civil-militar que instaurou um regime ditatorial no Brasil que se estendeu por vinte e um anos. A ditadura militar instalada no Brasil, bem como seus efeitos, ainda hoje é motivo de debates e discussões que estão longe do esgotamento. A título de exemplo do vigor desses debates podemos citar a promulgação de Comissões da Verdade que, em âmbito municipal, estadual ou federal, têm se dedicado a investigação dos abusos cometidos pelos militares durante o período em que comandaram a política no Brasil.

Tão importante quanto investigar seus efeitos é entender como foi sendo urdido um momento propício para a tomada do poder pelos militares. Questionar, por exemplo, que fatores concorreram para que o golpe civil-militar fosse bem sucedido? Como se criou uma atmosfera própria para o seu sucesso? É na perspectiva de investigar como foram surgindo fatores que contribuíram para a derrubada de um governo constitucional e, ao mesmo tempo, forneceram a sustentação para que fosse estabelecido um regime ditatorial militar que podemos inserir o livro Relatos do Medo: A ameaça comunista em Pernambuco [Garanhuns – 1958-1964], do historiador Erinaldo Cavalcanti. Leia Mais

Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô | Peter Schröder

Quando se trata dos “índios”, no geral e mesmo ainda no meio acadêmico, após alguns anos de pesquisas e de convivência nesse ambiente com colegas de diferentes áreas do conhecimento, constatamos que um dos maiores desafios é a superação de visões exóticas para abordagens críticas, aprofundadas sobre a história, as sociodiversidades indígenas e as relações dos povos indígenas com e na nossa sociedade. E além do mais, quando diz respeito a povos como os Fulni-ô, falantes do Yaathe e do Português, sendo o único povo bilíngue no Nordeste (excetuando o Maranhão), habitando em Águas Belas no Agreste pernambucano a cerca de 300 km do Recife.

Sobre as sociodiversidades indígenas em nosso país o índio Gersem Baniwa (os Baniwa habitam as margens do Rio Içana, em aldeias no Alto Rio Negro e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM), que é Mestre e recém-Doutor em Antropologia pela UnB, publicou o livro O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, onde escreveu:

A sua diversidade, a história de cada um e o contexto em que vivem criam dificuldades para enquadrá-los em uma definição única. Eles mesmos, em geral, não aceitam as tentativas exteriores de retratá-los e defendem como um principio fundamental o direito de se autodefinirem. (BANIWA, 2006, p.47).

Após discorrer sobre as complexidades das organizações sociopolíticas dos diferentes povos indígenas nas Américas, questionando as visões etnocêntricas dos colonizadores europeus o pesquisador indígena ainda afirmou:

Desta constatação histórica importa destacar que, quando falamos de diversidade cultural indígena, estamos falando de diversidade de civilizações autônomas e de culturas; de sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de organizações sociais, econômicas e politicas construídas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes europeu, asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes, mas diferentes. (BANIWA, 2006, p.49).

Na Introdução do livro aqui resenhado, o organizador da coletânea Peter Schröder de forma bastante emblemática e provocativa afirmou: “É fácil escrever alguma coisa sobre os Fulni-ô” sendo o bastante recorrer a uma bibliografia existente. Mas, no parágrafo seguinte Schröder enfatizou o quanto é difícil escrever sobre aquele povo indígena, diante do desconhecimento resultante de barreiras impostas pelos Fulniô que impedem o acesso ao conhecimento da sua organização sociopolítica e expressões socioculturais, notadamente a língua e o ritual religioso do Ouricuri. E ainda as contestações e questionamentos dos índios aos escritos a seu respeito, elaborado por pesquisadores, mais especificamente pelos antropólogos.

Após o texto onde o organizador da coletânea procurou situar de forma resumida a história territorial Fulni-ô, segue-se o texto de Miguel Foti que resultou da Dissertação de Mestrado na UnB em 1991, onde o antropólogo procurou descrever e refletir a partir do cotidiano durante seu trabalho de campo, o universo simbólico Fulni-ô baseado na resistência do segredo das expressões socioculturais daquele povo indígena.

O texto seguinte de Eliana Quirino, que teve sua promissora trajetória de pesquisadora interrompida com o seu falecimento repentino em outubro de 2011, é uma discussão baseada principalmente na sua Dissertação de Mestrado em Antropologia/UFRN. Tendo como base as memórias Fulni-ô, a exemplo do aparecimento da imagem de N. Sra. da Conceição, a participação indígena na Guerra do Paraguai, a marcante e sempre remorada atuação do Pe. Alfredo Dâmaso em defesa dos índios em Águas Belas, a autora discutiu como essas narrativas são fundamentais para afirmação da identidade indígena e os direitos territoriais reivindicados.

Um exercício de discussão sobre a identidade étnica a partir do próprio ponto de vista indígena foi realizado no texto seguinte por Wilke Torres de Melo, indígena Fulniô formado em Ciências Sociais pela UFRPE e atualmente realizando pesquisa de mestrado sobre o sistema político daquele povo indígena. Em seu texto, Wilke procurou evidenciar as imbricações entre identidade étnica e reciprocidade, discutindo as relações endógenas e exógenas de poder vistas a partir do princípio da união, do respeito e da reciprocidade baseados na expressão Fulni-ô Safenkia Fortheke que segundo o autor caracteriza e unifica aquele povo indígena.

A participação de Wilker na coletânea é bastante significativa por se tratar de uma reflexão “nativa” e, além disso, como informou o organizador na Introdução do livro, numa iniciativa inédita e antes da publicação todos os artigos foram enviados ao pesquisador indígena para serem discutidos entre os Fulni-ô, como forma de apresentarem sugestões e as “visões Indígenas” sobre conteúdos dos textos.

Uma contribuição com uma abordagem diferenciada é o artigo de Carla Siqueira Campos, resultado de sua Dissertação em Antropologia/UFPE onde a autora discute a organização e produção econômica Fulni-ô, fundada no acesso aos recursos ambientais no Semiárido, nas diferentes formas de aquisição de recursos econômicos por meios de salários, aposentadorias e os tão conhecidos “projetos” (aportes externos de recursos financeiros) e as suas influências na qualidade de vida dos indígenas.

O artigo seguinte da coletânea de autoria de Áurea Fabiana A. de Albuquerque Gerum uma economista, e Werner Doppler estudioso alemão de sistemas agrícolas rurais nos trópicos, a primeira vista parece muito técnico devido às várias tabelas e gráficos. Seus autores discutiram com base em dados empíricos as relações ente a disponibilidade de terras, a renda das famílias a o uso dos recursos produtivos entre os Fulni-ô.

No último artigo da coletânea, Sérgio Neves Dantas abordou como as músicas Fulni-ô expressam aspectos das memorias identitárias e mística daquele povo indígena. O autor procurou também evidenciar a dimensão poética e sagrada dessa musicalidade. Sua análise baseia-se, sobretudo, na produção musical contemporânea gravada por grupos de índios Fulni-ô, como forma de afirmação da identidade étnica daquele povo.

Publicado como primeiro volume da Série Antropologia e Etnicidade, sob os auspícios do NEPE (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade), um dos núcleos de pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia/UFPE, o livro é composto por sete artigos é complementado com uma relação bibliográfica comentada sobre os Fulni-ô, trazendo ainda em anexo vários documentos relativos às terras daquele povo indígena.

A publicação dessa coletânea é muito oportuna pelo fato de reunir um conjunto de textos, com diferentes olhares e abordagens que procuram fugir do exotismo, como também do simplismo em tratar sobre um povo tão singular, situado no contexto sociohistorico do que se convencionou chamar-se o Semiárido no Nordeste brasileiro, onde a presença indígena foi em muito ignorada pelos estudos acadêmicos e deliberadamente negada seja pelas autoridades constituídas, seja também pelo senso comum.

Diante exíguo conhecimento que se tem sobre os Fulni-ô e da dispersão dos poucos estudos publicados a respeito daquele povo indígena, provavelmente a primeira edição dessa importante coletânea será brevemente esgotada. Pensando em uma segunda edição seguem algumas sugestões. A primeira diz respeito ao próprio titulo do livro, pois da forma com estar ao ser referenciado os Fulni-ô aparecem como última parte do título: Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô. Para um efeito prático da referenciação bibliográfica propomos então uma inversão no título para: os Fulni-ô: cultura, identidade e território no Nordeste indígena.

Sugerimos também a inclusão de mapas de localização de compreenda o Nordeste, Pernambuco, o Agreste e Águas Belas onde habitam os Fulni-ô. A nosso ver tais mapas são imprescindíveis, pois possibilitarão a visualizar o povo indígena em questão e contexto das relações históricas e socioespaciais onde o grupo estar inserido. Sabemos que imagens de uma forma em geral encarecem a produção bibliográfica, todavia a inclusão de fotografias, ao menos em preto e branco, também enriqueceria e muito as abordagens dos textos.

Por fim, uma pergunta: para enriquecer mais ainda a coletânea, porque não acrescentar na Introdução de uma reedição comentários sobre quais foram às argumentações dos Fulni-ô a respeito das leituras prévias dos textos antes da publicação e como ocorreu a recepção daquele povo ao receber o livro publicado?

Lamentamos a ausência na coletânea de artigos na área História. Infelizmente frente ainda ao pouco interesse de historiadores sobre a temática, colegas de outras áreas, principalmente da Antropologia, cada vez procuram suprir essa lacuna, realizando pesquisas em fontes históricas para embasarem seus estudos e reflexões a respeito dos povos indígenas.

Ainda para uma segunda edição ou um possível e merecido segundo volume da coletânea, lembramos o estudo A extinção do Aldeamento do Ipanema em Pernambuco: disputa fundiária e a construção da imagem dos “índios misturados” no século XIX, apresentado em 2006 por Mariana Albuqquerque Dantas como Monografia de Conclusão do Curso de Bacharelado em História/UFPE.

A mesma autora defendeu na UFF/RJ em 2010 a Dissertação de Mestrado intitulada História dinâmica social e estratégias indígenas: disputas e alianças no Aldeamento do Ipanema em Águas Belas, Pernambuco. (1860-1920). São duas pesquisas amplamente baseadas em fontes históricas disponíveis no Arquivo Público Estadual de Pernambuco e nas discussões da produção bibliográfica atualizada sobre os povos indígenas no Nordeste.

No momento em que a sociedade civil no Brasil, por meio dos movimentos sociais principalmente na Educação, questiona os discursos sobre uma suposta identidade cultural nacional, a publicação dessa coletânea reveste-se, portanto, de um grande significado. A afirmação das sociodiversidades no país, questionando a mestiçagem como ideia de uma cultura e identidade nacional, significa o reconhecimento dos povos indígenas (Silva, 2012), a exemplo dos Fulni-ô, em suas diferentes expressões socioculturais.

Buscando compreender as possibilidades de coexistência socioculturais, fundamentada nos princípios da interculturalidade,

a interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a possibilidade de convivência e coexistência entre culturas e identidades. Sua base é o diálogo entre diferentes, que se faz presente por meio de diversas linguagens e expressões culturais, visando à superação de intolerância e da violência entre indivíduos e grupos sociais culturalmente distintos. (BANIWA, 2006, p.51).

Essa coletânea é uma excelente referência tanto para pesquisadores especializados no estudo da temática indígena, como para as demais pessoas interessadas sobre o assunto e principalmente professores indígenas e não-indígenas que terão em mãos uma fonte de estudos sobre o tema, mais precisamente ainda na fragrante ausência de subsídios, objetivando atender as exigências da Lei 11.645/2008 que determinou a inclusão no ensino da história e culturas afro-brasileira e dos povos indígenas nas escolas públicas e privadas no Brasil.

Referências

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília, MEC/Secad; Museu Nacional/UFRJ, 2006.

DANTAS, Mariana Albuqquerque. A extinção do Aldeamento do Ipanema em Pernambuco: disputa fundiária e a construção da imagem dos “índios misturados” no século XIX. Recife, UFPE, 2006. (Monografia de Bacharelado em História)

_______. História dinâmica social e estratégias indígenas: disputas e alianças no Aldeamento do Ipanema em Águas Belas, Pernambuco. (1860-1920). Rio de Janeiro, UFF, 2010. (Dissertação Mestrado em História).

SILVA, Edson. História e diversidades: os direitos às diferenças. Questionando Chico Buarque, Tom Zé, Lenine… In: MOREIRA, Harley Abrantes. (Org.). Africanidades: repensando identidades, discursos e ensino de História da África. Recife, Livro Rápido/UPE, 2012, p. 11-37.

Edson Silva – Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande-PB) e no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado a formação de professores/as indígenas. É professor de História no Centro de Educação/Col. de Aplicação-UFPE/Campus Recife E-mail: edson.edsilva@gmail.com


SCHRÖDER, Peter. (Org.). Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012. Resenha de: SILVA, Edson. Os Fulni-ô: múltiplos olhares em uma contribuição para o reconhecimento das sociodiversidades indígenas no Brasil. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.30, n.2, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais | Christine Rufino Dabat

O objetivo de uma resenha é despertar o desejo de ler uma obra, destacando seus aspectos principais e traços originais que possam propiciar aos leitores descoberta, enriquecimento, reflexão, revisão das idéias já consolidadas, num processo de diálogo com o (a) autor (a), possibilitando utilidade e prazer intelectual associados. Tratando-se de “Moradores de Engenho”, de Christine Rufino Dabat, lançado pela Editora Universitária da UFPE em 2007, o principal desafio a ser superado reside na dimensão do livro (800 páginas) numa época cibernética durante a qual se acostumou os leitores a breves e sucessivas leituras de materiais eletrônicos consoantes com a aceleração e a fragmentação do tempo; por se tratar de uma tese de doutoramento em História, pode enfrentar também uma desconfiança face ao caráter especializado e técnico-acadêmico da obra, dificultando a ampla divulgação do livro. Em face desses dois freios iniciais, proponho-me mostrar que o leitor, que superar esse costume e essa desconfiança, terá a fruição do prazer e da utilidade ao ler a muito bem cuidada edição da tese de doutoramento de Christine Rufino Dabat: Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais.

Inicialmente, destaco algumas facilidades que a qualidade da edição propicia ao leitor: o sumário é extremamente detalhado, permitindo acompanhar o encadeamento e o conteúdo de cada um dos oito capítulos distribuídos em três partes. No texto, encontram-se notas de rodapé referenciais, explicativas e complementares que permitem uma leitura fluente do conteúdo central enriquecido aqui, acolá por quadros. A bibliografia estende-se sobre 40 laudas e constitui-se num acervo extraordinário para estudiosos da sociedade da cana-de-açúcar.

O autor dessa resenha não é historiador, mas geógrafo; participou como examinador externo da banca de Doutorado, que, sob a presidência da Profª Maria do Socorro Ferraz Barbosa – orientadora, examinou o trabalho acadêmico e foi unânime em destacar a originalidade e a contribuição que essa tese trouxe para a reinterpretação radical da zona canavieira de Pernambuco, objeto de inúmeros estudos anteriores. Para historiadores há muitas possibilidades de abordar as múltiplas técnicas de fazer história presentes na obra: relações com fontes literárias, organização e tratamento da historiografia, uso de arquivos, incursões no campo da antropologia, coleta e repasse da memória viva dos trabalhadores rurais, cada um desses diversos passos sendo objeto de muitas e debatidas polêmicas metodológicas no âmbito da História. Nada disso, portanto, será tema dessa resenha, pelo simples fato da identidade disciplinar do seu autor.

Mas, além das tecnicalidades disciplinares, a autora propõe uma tese: destaca um evento, “um episódio identificado como singular na evolução das relações de trabalho no campo”, isto é, a saída dos moradores dos engenhos para as “pontas de rua” das cidades da zona canavieira de Pernambuco, para afirmar que se trata de uma inflexão na longa história da exploração dos trabalhadores da cana-de-açúcar, inflexão que foi interpretada pelos setores dominantes da sociedade, através da literatura e da produção acadêmica, como uma mudança dificultando a identificação do “continuum” da incrível exploração do trabalho, desde a escravidão até nossos dias, que caracteriza a zona canavieira de Pernambuco entre as poucas regiões do mundo sem rupturas. É na memória viva das vitimas dessa exploração, que a autora encontra uma interpretação histórica capaz de recuperar esse “continuum”, e de situar o evento na longa duração da exploração e nas lutas políticas, sindicais e culturais do presente. A quais interesses afinal servem os recortes históricos e a afirmação da sucessão de mudanças senão àqueles que se beneficiaram dessa exploração contínua?

A obra de Christine Rufino Dabat não é de um pesquisador iniciante, como o é, hoje em dia, comum, tratando-se de tese de doutoramento. Longamente amadurecida, resulta de um itinerário afetivo, intelectual e militante de cerca de trinta anos. Entre idas e vindas na problemática das relações de trabalho vinculadas à “plantation” canavieira destaca-se a descoberta da obra de Sidney W. Mintz, disponibilizada em português numa coletânea organizada pela autora e publicada em 2003 pela Editora Universitária da UFPE, sob o título “O poder amargo do açúcar. Produtores escravizados, consumidores proletarizados.” Nesse autor, “involuntário farol intelectual de uma jornada acadêmica em forma de labirinto”, Christine Rufino Dabat encontrou o fio de Ariadne para debater e superar os entendimentos consagrados na historiografia nacional acerca da “Morada”; em “Moradores de Engenho” reinsere essa condição no contexto da “economia mundo” de Immanuel Wallerstein e mostra como as relações de trabalho e produção de açúcar são desde o início marcadas pela “modernidade precoce” (p. 388 a 434) relativizando e interpretando, à luz do eurocentrismo, o longo percurso historiográfico nacional do feudal ao capitalismo mercantil e ao capitalismo industrial.

Essa análise historiográfica desenvolvida no capítulo 5 constitui, junto com o capítulo anterior, a 2ª parte do livro. Em “Interpretações da morada”, a autora, após ter situado numa 1ª parte o contexto histórico do episódio que é objeto do trabalho, reserva cerca de 110 páginas a um estudo das visões da morada em José Lins do Rego e Gilberto Freyre, mostrando como a produção cultural foi capaz de criar representações duráveis e fundas, além dos debates acadêmicos norteados pelo evolucionismo cultural. Ao jovem leitor, além da releitura das obras de Lins do Rego e Freyre guiada pela desconstrução empreendida por Christine Rufino Dabat, aconselha-se assistir ao filme de Cláudio Assis “O Baixio das Bestas” que, filmado na zona canavieira de Pernambuco, assume também um caráter universal ao representar a total e brutal desumanização e instrumentalização das relações no período atual da “economia mundo”.

A 3ª parte de “Moradores de Engenho”, estende-se sobre mais da metade do livro e propõe uma reconstrução da história sob o título “A morada na experiência dos moradores”. São abordadas sucessivamente, as condições de vida dos trabalhadores rurais na época da morada, as condições de trabalho e as condições políticas denominadas “violência e cidadania”. Os textos resgatam falas dos trabalhadores e interpretações da autora remetendo sempre a outros estudiosos que se dedicaram ao estudo da vida, das relações de trabalho e da política na zona canavieira. Trata-se de uma minuciosa reconstituição, ficando claro o intuito da autora de dar prioridade à memória viva dos trabalhadores de modo a romper com a “lei do silêncio”, que afeta essa parte dos agentes da região em contraste com a abundância das produções culturais e acadêmicas recuperadas na parte anterior. Christine Rufino Dabat constrói respeitosamente, com os trabalhadores, uma história renovada pela empatia que sustenta a longa militância com os entrevistados, que revelam não ter saudade do passado mesmo se o presente continua marcado pela exploração. Reexamina assim, junto com eles, “a interpretação dada ao desenvolvimento histórico da região”.

Ao ler essa parte, lembrei de um texto do escritor nascido na Martinica, também terra de plantações criadas na “modernidade precoce”, Edouard Glissant, que procuro traduzir aqui:

O significado (a “história”) da paisagem ou da Natureza é a clareza revelada do processo através do qual uma comunidade cortada dos seus laços ou de suas raízes (e, talvez mesmo desde o início, de quaisquer possibilidades de enraizamento) pouco a pouco vem sofrendo a paisagem, merecendo sua natureza e conhecendo seu país” (…) ”Aprofundar esse significado é levar essa clareza à consciência. O esforço teimoso em direção à terra é um esforço para a história. (GLISSANT E., L’intention poétique. Paris: Gallimard, 1997).

Tradução livre de:

La signification (l’”histoire”) du paysage ou de La Nature, c’est La clarté révelée du processus par quoi une communauté coupée de ses liens et de see racines (et, peut-être même au départ, de toutes possibilités d’enracinement) peu à peu souffre le paysage, merite sa nature, connaît son pays. » (…) Approfondir la signification c’est porter cette clarté à la consciência. L’effort ardu vers la terre est un effort vers l’histoire. »

Jan Bitoun – Professor do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE.


DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007. Resenha de: BITOUN, Jan. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.26, n.1, p.257-261, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

Brasil e EUA no novo milênio | Marcos Guedes de Oliveira

O estudo das relações Brasil-Estados Unidos e do reconhecimento do outro dentro do cenário internacional vem gradativamente fornecendo concretos trabalhos e trazendo interesse para os pesquisadores de diversas áreas, principalmente em Relações Internacionais, dada sua multi e interdisciplinaridade. Nesse sentido, a obra organizada por Marcos Guedes de Oliveira busca contribuir para a redução de eventuais desconhecimentos acerca do outro, procurando demonstrar que muito do que se pensa a respeito dos EUA confunde-se com resquícios preconceituosos presentes no imaginário popular.

A primeira parte da obra, composta por textos de Eduardo Viola e Carlos Pio (Doutrinarismo e Realismo na Percepção do Interesse Nacional), Shiguenoli Miyamoto e Paulo César Manduca (Segurança Hemisférica, Uma Agenda Inconclusa) e Antônio Jorge Ramalho (Entre Redes e Hierarquias, Entre Regras Internas e Regras Internacionais: A Projeção dos Interesses dos EUA na Alca), busca trazer à tona questões de extrema complexidade no cenário político-internacional atual, quais sejam, a percepção do outro em um cenário de mudanças, as questões relativas à segurança do hemisfério e a dificuldade de se implementar uma política de segurança comum para o continente, além das disputas políticas e econômicas na formulação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Leia Mais

O poder amargo do açúcar: produtores escravizados, consumidores proletarizados | Sidney W. Mintz

MINTZ, Sidney W. O poder amargo do açúcar: produtores escravizados, consumidores proletarizados. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2003. Resenha de: MACIEL, Caio Augusto Amorim. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.22, n.1, p.363-366, jan./dez. 2004.

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Liberais e Liberais: guerras civis em Pernambuco no século XIX | Socorro Ferraz

FERRAZ, Socorro. Liberais e Liberais: guerras civis em Pernambuco no século XIX. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996. Resenha de: ALVES, Tarcísio Marcos. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.18, n.1, p.195-199, jan./dez. 1998.

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