Posts com a Tag ‘Editora UFPR (E)’
Um papel para a história: o problema da historicidade da ciência | Mauro Lúcio Leitão Condé
A ciência tem história? É dessa questão aparentemente singela e por que não óbvia, que o autor procura resolver e/ou apontar possíveis caminhos para discussão acerca do “problema da historicidade”. O livro em questão surgiu a partir de um curso ministrado pelo autor em 2013 na Escola Paranaense de História e Filosofia da Ciência por ele classificado como uma “análise de episódios importantes da historiografia da ciência produzida ao longo do século XX” (p. 19).1 Segundo o autor, não seria propriamente um livro de história da ciência, mas uma reflexão sobre como pensar filosoficamente a escrita da história da ciência (linguagem, narrativa, discurso), uma vez que, a “historiografia da ciência” situa-se entre a história da ciência e a filosofia da ciência, pois, “pressupõe sempre uma concepção epistemológica por trás de seus modelos” (p. 19), em que os paradigmas epistemológicos são também históricos, partindo da premissa kuhniana de que “a ciência tem história” (p. 20). Leia Mais
Gênero e consumo no espaço doméstico: representações na mídia durante o século XX na Argentina e no Brasil | Inés Pérez Marinês Ribeiro dos Santos
Gênero e consumo no espaço doméstico: representações na mídia durante o século XX na Argentina e no Brasil é o título do livro organizado por Inés Pérez e Marinês Ribeiro dos Santos a partir de artigos apresentados no 10º Seminário Internacional Fazendo Gênero (2013). A publicação tem como objetivo analisar, por meio dos artefatos, práticas e difusão do consumo, a construção de noções de feminilidades e masculinidades que incidem sobre a divisão sexuada do trabalho, a organização, a concepção e a ocupação do espaço habitado.
Temas afins foram pesquisados pelas organizadoras em suas teses de doutorado a partir dos campos da história da família e do design e da perspectiva de gênero. Enquanto Pérez (2012) analisou as transformações nas estruturas familiares na Argentina dos anos 1940 e 1970 em relação às dinâmicas de gênero e ao processo de industrialização da vida doméstica, Santos (2015) investigou as relações entre as transformações de gênero no Brasil dos anos 1960 e 1970 e a assimilação da linguagem pop no design de produtos. No desenvolvimento das pesquisas foi ficando clara a centralidade do consumo para a compreensão da modernidade, uma vez que a estruturação de um mercado diversificado de artefatos produzidos em massa foi acompanhada por discursos que contribuíram para a estratificação das vendas e a desigualdade de aquisição por gênero, classe e raça, incidindo nos ambientes urbano e doméstico, este último alvo privilegiado da produção industrial no período. Leia Mais
Um papel para a história: o problema da historicidade da ciência | Mauro Lúcio Leitão Condé
A produção acadêmica mostra a importância de que as teorias e as práticas científicas sejam investigadas à luz de seu desenvolvimento desde o passado, motivo pelo qual a história da ciência se instituiu como domínio autônomo do conhecimento. Construída em debate (e também embate) disciplinar com a história, a filosofia e a sociologia, a história da ciência tem proposto questionamentos teóricos, alguns respondidos de diferentes maneiras ao longo do tempo, outros ainda não totalmente solucionados. Produzir uma narrativa em história da ciência suscita problemas metodológicos e epistemológicos para o pesquisador. De um lado, a escolha das fontes e a adoção do referencial teórico podem gerar dificuldades práticas para o trabalho investigativo; de outro, o caráter histórico da constituição da ciência interroga a escrita da história da ciência. É nesse cenário que se insere o livro Um papel para a história: o problema da historicidade da ciência ( Condé, 2017 ). Leia Mais
Uma introdução à metafísica da natureza: Representação, realismo e leis científica – GHINS (P)
GHINS, Michel. Uma introdução à metafísica da natureza: Representação, realismo e leis científicas. Curitiba: Editora UFPR, 2013. Resenha de: CANI, Renato C. Principia, Florianópolis, v. 22, n2, p.359–370, 2018.
Há razões para acreditar que as teorias científicas mais bem-sucedidas representam a realidade? Aliás, em que consiste uma teoria científica? Os resultados e os relatos fornecidos pelas ciências acerca do mundo legitimam a crença na existência de leis da natureza? Caso admitamos o discurso sobre as leis, que tipo de ontologia devemos adotar a fim de explicar a necessidade envolvida nas leis científicas? Essas perguntas resumem algumas das principais questões discutidas em filosofia e metafísica da ciência ao longo das últimas décadas. Elas resumem, também, os temas tratados pelo Professor Michel Ghins (2013) no livro Uma introdução à metafísica da natureza. A obra possui um duplo objetivo — e, podemos acrescentar, um duplo mérito.
Em primeiro lugar, trata-se de uma excelente introdução a alguns dos problemas mais relevantes e instigantes da filosofia da ciência contemporânea. O livro é dividido em quatro capítulos, que abordam as seguintes questões, respectivamente: (i) a estrutura das teorias científicas e o problema da representação; (ii) o debate entre realismo científico e antirrealismo; (iii) o estatuto ontológico e epistemológico das leis científicas; e, finalmente, (iv) a metafísica das propriedades categóricas e disposicionais.
Cada tema é tratado com notável consistência e em diálogo estreito com a literatura filosófica mais recente na área. As posições dos demais autores são reconstruídas e criticadas por Ghins com grande precisão. De fato, o segundo objetivo (e mérito) da obra é apresentar ao leitor uma versão direta e clara das principais posições defendidas pelo autor ao longo de sua carreira. Desse modo, o livro representa a culminância (mas não o ponto final) das investigações que tem animado o Professor Ghins ao longo de diversos artigos e conferências. Com efeito, o formato e a organização do livro—em quatro capítulos—resulta do curso ministrado pelo autor durante a Escola Paranaense de História e Filosofia da Ciência, evento organizado pelo Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná, em 2011. Como dissemos, as teses avançadas pelo autor são construídas e expostas a partir do diálogo com interlocutores e colaboradores frequentes, dentre os quais destacamos: Bas ⃝c van Fraassen, David M. Armstrong, Alexander Bird, Brian Ellis, Anjan Chakravartty e Stathis Psillos.
No primeiro capítulo, Ghins caracteriza as teorias científicas como conjuntos de modelos (estruturas) e proposições (as leis científicas). Os modelos são capazes de representar estruturas de determinadas propriedades abstraídas dos fenômenos (como a pressão e o volume de um gás, por exemplo) e, assim, tornar verdadeiras as proposições (leis) que atribuem tais propriedades a certas entidades. A partir dessa interpretação das teorias, Ghins dedica o segundo capítulo à defesa de uma forma de realismo moderado e seletivo, sustentando que é possível formular bons argumentos não apenas em favor da adequação empírica das teorias científicas, mas também da sua verdade parcial e aproximada. No que tange às entidades inobserváveis postuladas pelas teorias, o autor considera que a convergência de diferentes métodos de mensuração permite legitimar o compromisso com a existência de, ao menos, algumas dessas entidades, tais como átomos e campos eletromagnéticos. O terceiro capítulo, por sua vez, centra-se na problemática das leis científicas. Após reconstruir e criticar as concepções de lei fornecidas por regularistas (Mill, Ramsey e Lewis) e necessitaristas categorialistas (Dretske, Tooley e Armstrong), Ghins propõe a identificação das leis a proposições universais pertencentes a teorias empiricamente adequadas e explicativas. Desse modo, a teoria desenvolvida nos dois primeiros capítulos serve para explicar a verdade das leis científicas. No entanto, sabemos que, a fim de atribuir o estatuto de lei a uma proposição universal verdadeira, é preciso argumentar em favor do seu caráter necessário e explicar de que modo ela acarreta a verdade de contrafactuais. Afinal, são esses os fatores que distinguem as leis das generalizações acidentais. Para completar essa tarefa, Ghins elabora, no quarto capítulo, uma metafísica das propriedades categóricas e disposicionais. Nesse sentido, o autor sustenta uma ontologia mista — i.e. tanto certas propriedades categóricas quanto disposicionais são admitidas como irredutíveis — em que o caráter nomológico das leis é fundamentado na existência de disposições intrínsecas às entidades físicas. Por fim, a conclusão do livro é dedicada à formulação de argumentos favoráveis à existência das disposições, especialmente endereçados a filósofos menos propensos às discussões puramente metafísicas e mais sensíveis à abordagem empirista.
A seguir, detalharemos alguns aspectos da argumentação de Ghins, destacando questões problemáticas que, na nossa visão, merecem uma discussão mais detalhada. Faremos isso em duas partes. Na primeira, trataremos da representação e do realismo; na segunda, das leis e das propriedades.
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Logo no início da obra, Ghins declara que o objetivo da ciência é predizer e explicar os fenômenos. A fim de tornar isso possível, precisamos adotar uma atitude objetivante (cf. van Fraassen 2002) diante dos fenômenos. Trata-se de encará-los não como totalidades singulares, mas como sistemas, isto é, “como conjuntos de elementos organizados por meio de relações” (Ghins 2013, p.15). Nisso consiste a abstração primária, por meio da qual o cientista se coloca à distância das entidades e processos que busca representar. Em seguida, é preciso selecionar as propriedades — quantidades ou parâmetros — relevantes para um estudo científico particular. Se vamos estudar um gás de um determinado ponto de vista—para seguirmos o exemplo mais mencionado pelo autor—interessam-nos o seu volume e temperatura, mas não o seu cheiro. Esse passo é denominado abstração secundária (Ghins 2013, p.17).
Uma vez identificados os parâmetros de interesse, o cientista procede com o processo de modelização. Em geral, um modelo é definido pelo autor como “uma estrutura que torna verdadeira ou ‘satisfaz’ certas proposições” (Ghins 2013, p.19). A primeira dessas estruturas a ser construída é a estrutura perceptiva, que consiste na organização por meio de relações envolvendo as propriedades perceptivas em questão (o volume e o grau de calor de um gás ou os períodos orbitais de planetas).
Quando introduzimos instrumentos de mensuração a fim de tornar mais precisas e exatas essas propriedades, somos capazes de elaborar um modelo de dados. Contudo, se quisermos explicar o comportamento de um gás, por exemplo, não basta elaborar um catálogo com os valores mensurados de sua pressão, temperatura e volume. É preciso embutir esse modelo de dados numa estrutura teórica mais ampla. De acordo com Ghins, essa estrutura nos permite, mediante o cálculo, construir uma subestrutura empírica (e teórica, porque também faz parte de uma estrutura teórica) a fim de representar o modelo de dados. No caso dos gases, essa subestrutura é dada pelos valores de pressão, volume e temperatura obtidos mediante a relação pV = kT (em que k é a constante de Boltzmann). O processo de modelização se encerra quando incluímos essa estrutura teórica numa classe de modelos, isto é, numa teoria (no caso dos gases, trata-se da mecânica estatística de partículas).
Podemos resumir esse processo, portanto, da seguinte maneira (Ghins 2013, p.27s): a partir dos (i) fenômenos, nós abstraímos as (ii) estruturas perceptivas, que são representadas pelos resultados das mensurações, isto é, os (iii) modelos de dados.
Estes, por sua vez, são representados pelas (iv) subestruturas empíricas (e teóricas).
Assim, as relações de representação se dão entre (ii), (iii) e (iv), o que equivale a dizer que, quando a teoria é empiricamente adequada, tais estruturas são isomórficas (ou homomórficas).1 Por sua vez, a relação entre a subestrutura empírica, o (v) modelo teórico e a (vi) classe de modelos é meramente a inclusão conjuntista.
A ênfase de Ghins no papel dos modelos e na noção de adequação empírica entre estruturas não significa que o autor subscreva a abordagem semântica das teorias. De acordo com essa abordagem, as teorias são caracterizadas como famílias de modelos, em oposição à abordagem sintática, que define as teorias como conjuntos de proposições.
Ghins busca uma terceira via, defendendo o que chama de abordagem sintética, segundo a qual “uma teoria científica é um conjunto de modelos e de proposições satisfeitas (tornadas verdadeiras) por esses modelos” (Ghins 2013, p.26).
Ao formular a concepção sintética das teorias, o objetivo de Ghins é estabelecer sua posição no espectro do realismo científico. Para o autor, o problema do realismo compreende dois níveis. No primeiro, há a questão “sobre a relação entre as estruturas por nós construídas e os fenômenos observáveis” (Ghins 2013, p.33). Trata-se do problema que van Fraassen (2008, p.240) denominou objeção da perda de realidade.
Visto que os modelos e estruturas representacionais por nós desenvolvidos são entidades abstratas, que garantias possuímos de que tais estruturas guardam algum tipo de relação com os fenômenos observáveis? A resposta de Ghins a essa objeção se dá em duas etapas: primeiramente, o autor assume a concepção da verdade como correspondência. Essa concepção “implica a existência de realidades que tornam as proposições verdadeiras” (Ghins 2013, p.39), mas não exige que se formule uma teoria para explicar a natureza de tal correspondência. Assim, é possível encarar as proposições não como representações, mas como a atribuição de propriedades a determinadas entidades.
Logo, a próxima etapa da resposta à objeção é enfatizar que os modelos não representam diretamente os fenômenos, mas somente as estruturas perceptivas (Ghins 2013, p.21; p.39). Portanto, a atividade representacional repousa sobre proposições verdadeiras, o que garante que “nosso contato com a realidade jamais foi nem será suspenso” (Ghins 2013, p.40). Não temos certeza de que essa resposta é plenamente satisfatória, uma vez que ela parece muito mais assumir o realismo científico de teorias — isto é, a tese de que há razões para considerar as teorias científicas como verdadeiras — do que efetivamente demonstrá-lo. Como veremos adiante, consideramos mais satisfatórios os argumentos do autor em favor do realismo de entidades — a afirmação da existência das entidades postuladas pelas melhores teorias.
Passemos ao segundo nível da problemática do realismo científico, que corresponde ao problema de determinar se nossas superestruturas de propriedades inobserváveis guardam relação com a realidade externa. Em outros termos, a adequação empírica de uma teoria — o isomorfismo entre valores mensurados e calculados de certas grandezas — implica que os seus modelos teóricos sejam verdadeiros sobre os aspectos inobserváveis do mundo? Se levarmos em conta o argumento antirrealista da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos, responderemos negativamente a essa pergunta. Trata-se da afirmação de que, em princípio, é sempre possível construir diferentes teorias empiricamente adequadas, mas que sejam incompatíveis entre si na parte inobservável. Assim, não haveria razões empíricas para preferir determinada teoria em detrimento das outras.
Ghins admite a força desse argumento, reconhecendo que a “adequação empírica não constitui, por si mesma, uma garantia de verdade de uma teoria” (Ghins 2013, p.42). Porém, a fim de sustentar a sua posição realista, o autor apresenta críticas à subdeterminação, quais sejam: (i) os céticos antirrealistas, muitas vezes, apenas acenam para a possibilidade de teorias alternativas incompatíveis, mas não mostram casos concretos em que isso efetivamente ocorre (Ghins 2013, p.41); (ii) se levarmos em conta condições suplementares, é possível quebrar a subdeterminação. Isto é, Ghins afirma que, diante de teorias incompatíveis, devemos preferir aquela que possua leis que descrevam mecanismos causais, sendo que “essas leis possuem termos que assumem a forma de derivadas temporais e que propomos identificar a efeitos” (Ghins 2013, p.43). As leis da teoria cinética de Maxwell-Boltzmann são exemplos dessa definição.
O recurso à teoria correspondentista da verdade e ao poder explicativo das leis causais fundamentam as respostas de Ghins às objeções antirrealistas. No entanto, que argumento positivo em favor do realismo científico é oferecido pelo autor? Para Ghins, o único argumento razoável em favor da existência dos inobserváveis é a convergência de mensurações em analogia com a experiência sensível ordinária. Assim como legitimamos nossa crença nas entidades observáveis quando podemos acessálas intersubjetivamente por diferentes ângulos e sentidos, “nossa crença na existência dos elétrons é justificada pela possibilidade de medir suas diversas propriedades [. . . ] por meio de métodos independentes que proporcionam resultados precisos e convergentes” (Ghins 2013, p.45).
Ademais, Ghins sustenta a superioridade de sua defesa do realismo em relação ao argumento do milagre (no-miracle argument), o mais usual em favor do realismo.
O argumento do milagre afirma que, em virtude do sucesso empírico das nossas melhores teorias, seria uma coincidência altamente improvável que elas fossem falsas e que as entidades centrais postuladas por elas não existissem. A vantagem de Ghins é que seu argumento evoca a concordância entre mensurações, noção mais exigente que a de sucesso empírico (Ghins 2013, p. 47). Além disso, comumente é dito que o argumento do milagre repousa sobre o esquema conceitual da inferência para a melhor explicação (IBE).2 Em algumas passagens, Ghins enfatiza que seus argumentos não devem ser lidos como inferências desse tipo; afinal, “não há razão a priori para que a natureza se submeta aos requisitos explicativos que impusemos às nossas teorias” (Ghins 2013, p.48). De nossa parte, não vemos razões para deixar de considerar a IBE como esquema válido de raciocínio. Poderíamos considerar que a existência dos inobserváveis postulados pelas melhores teorias é a melhor explicação para a convergência entre mensurações independentes, sem que, com isso, voltemos ao argumento do milagre.3 Afinal, mesmo que o tipo de inferência seja o mesmo (a IBE) em ambos os argumentos, as premissas das quais eles partem são claramente distintas.
Em suma, Ghins considera sua versão de realismo como falibilista, seletivo e parcimonioso, uma vez que o requisito de convergência é exigente o bastante para admitir a crença apenas em um número escasso de entidades inobserváveis (Ghins 2013, p.50). Passemos para o tema das leis e das propriedades, apresentados nos capítulos finais da obra.
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A questão que norteia os últimos capítulos do livro de Ghins é a seguinte: leis científicas são também leis da natureza? Na concepção do autor, leis científicas dizem respeito às generalizações que desempenham função explicativa relevante no contexto de teorias científicas bem-sucedidas (cf. Ghins 2013, pp.51–2). Para que as leis científicas sejam identificadas a leis da natureza, é preciso articular uma metafísica da natureza que fundamente a sua verdade. O que Ghins busca demonstrar é que essa tarefa só pode ser cumprida por uma metafísica baseada em poderes causais ou disposições.
A fim de defender esse ponto de vista, o autor critica as principais concepções rivais acerca das leis, quais sejam, o regularismo e o necessitarismo categorialista.
Em linhas gerais, o regularismo é a teoria que encara as leis como regularidades, compreendidas como conjunções constantes, no sentido de Hume. Trata-se, portanto, de “proposições universais que são verdadeiras, sem dúvida, mas de modo meramente contingente” (Ghins 2013, p.53). Segundo Ghins, a principal dificuldade dessa concepção é o chamado problema da identificação, desafio que se impõe a qualquer concepção de lei que se pretenda defensável. Esse problema é originalmente formulado por van Fraassen (1989, p.39), mas Ghins o divide em dois aspectos. O primeiro deles é o problema epistêmico da identificação: devemos ser capazes de distinguir as generalizações nomológicas das acidentais. Nesse sentido, o regularista deve oferecer um critério para distinguir enunciados do tipo “Todas as esferas de urânio possuem diâmetro inferior a um quilômetro” (que parece remeter às propriedades radioativas do elemento urânio) e “Todas as esferas de ouro possuem diâmetro inferior a um quilômetro” (verdadeira de modo acidental). Ghins concede que, à primeira vista, a teoria do melhor sistema, de David Lewis (1973), fornece uma resposta a esse problema.
Nessa teoria, as leis são os teoremas ou axiomas presentes nos sistemas dedutivos que melhor equilibram os desiderata de simplicidade e força (cf. Ghins 2013, p.54).
Entretanto, a teoria de Lewis não tem a mesma sorte no que se refere ao segundo aspecto do problema da identificação, a saber: o problema ontológico da identificação.
Trata-se de identificar o “tipo de fato acerca do mundo” que torna as leis verdadeiras (Ghins 2013, p.55). Nesse sentido, Ghins argumenta que Lewis “permanece silencioso” acerca dessa questão, uma vez que ele não indica quais fatores ontológicos seriam os responsáveis por tornar certos sistemas axiomáticos mais satisfatórios que outros. Ora, essa crítica não é forte o bastante, pois alguém poderia objetar que o regularismo não precisa fornecer uma solução ao problema ontológico, uma vez que as uniformidades não carecem de explicação adicional, isto é, elas são encaradas como fatos brutos. O problema ontológico da identificação só faz sentido para as concepções realistas das leis, já que estas caracterizam as leis a partir de categorias metafísicas que se projetam para além das regularidades.
A fim de rejeitar o regularismo, portanto, é necessário mostrar que essa teoria não soluciona adequadamente o problema epistêmico da identificação, visto que é nesse âmbito que Lewis formula os seus principais argumentos. Para cumprir esse objetivo, Ghins (2013, pp.56–8) apresenta, de modo esquemático, algumas críticas a Lewis, dentre as quais destacamos: (i) a teoria do melhor sistema tem alcance restrito, pois só funciona para teoria axiomatizáveis; (ii) os critérios de equilíbrio, simplicidade e força, conforme tratados por Lewis, são meramente epistêmicos e subjetivos, sendo insuficientes para caracterizar as leis; (iii) se as leis são regularidades contingentes, a única maneira de explicar como elas sustentam os enunciados contrafactuais é apelando para a controversa noção de “similaridade entre mundos possíveis”.
De acordo com Ghins, esses problemas mostram que o regularismo é, na verdade, incapaz de distinguir as leis de generalizações acidentais. O autor passa a investigar, portanto, concepções de lei que se fundamentem em discussões de caráter metafísico.
É o caso do necessitarismo categorialista de Dretske, Tooley e Armstrong. Nessa visão, uma lei “é uma proposição singular que exprime um fato não empírico, a saber, uma relação de necessidade entre propriedades universais” (Ghins 2013, p.60). Segundo Armstrong (1983), que articulou a versão mais sofisticada de necessitarismo, as leis possuem a forma N(F,G), em que F e G são universais de primeira-ordem e N é, ao mesmo tempo, um universal de segunda-ordem e uma relação de necessitação entre universais. A solução necessitarista ao problema ontológico da identificação depende, portanto, da metafísica de universais elaborada por Armstrong.
Todavia, Ghins aponta que a maior dificuldade dessa teoria é o problema da inferência, que consiste na tarefa de que explicar de que modo é possível que “uma proposição que descreve uma relação da segunda ordem N entre universais [. . . ] implique logicamente uma proposição que descreve uma relação de necessitação entre as instâncias desses universais” (Ghins 2013, p.61). Em outros termos, Armstrong deve justificar a inferência N(F,G)→(x)N(F x → Gx) A solução de Armstrong consiste em identificar a relação N, que se dá entre types, e a relação de causalidade entre tokens. Assim, da mesma forma que os universais F e G são obtidos por abstração a partir dos estados de coisas particulares {Fa, F b, . . .} e {Ga,Gb, . . .}, também a lei N(F,G) é obtida a partir da observação das sequências causais particulares {(Fa,Ga), (F b,Gb), . . .}. Para Armstrong, esse argumento mostra que a solução do problema da inferência é automática. A objeção de Ghins a esse raciocínio consiste em afirmar que, mesmo que se admita a hipótese de que a relação de causalidade entre tokens seja observável (tese negada por autores empiristas), a relação de causalidade entre types não o é (Ghins 2013, p.62). Logo, a resposta de Armstrong se encontra comprometida, uma vez que não há razões para supor que N seja idêntica à relação de causalidade entre particulares.4 Após discutir os problemas do regularismo e do necessitarismo categorialista, Ghins apresenta sua própria concepção das leis, derivada do essencialismo disposicional.
Vimos anteriormente que o autor caracteriza as leis como proposições universais pertencentes a teorias empiricamente adequadas e explicativas. Conforme a teoria desenvolvida nos primeiros capítulos, o que torna as leis verdadeiras são as regularidades da natureza, descritas pelas estruturas perceptivas e pelos modelos de dados.
Mas como explicar a existência de regularidades na natureza? Em que aspecto da realidade está fundamentado o caráter nômico das leis? É aí que entram as disposições: “o que funda a nomicidade de uma lei ou, em outras palavras, o que torna verdadeira a proposição ‘p é uma lei’ é a existência de poderes causais intrínsecos, reais e irredutíveis” (Ghins 2013, p.69).
Desse modo, a visão de Ghins também pode ser classificada como necessitarista.
A diferença é que Armstrong aceita apenas as propriedades categóricas (isto é, não modais) como irredutíveis. Ghins e os outros disposicionalistas — como Ellis e Bird — admitem a existência de propriedades disposicionais irredutíveis. Afinal, o que são disposições? Ghins oferece a seguinte definição: “Uma entidade x possui a disposição D de manifestar a propriedade M em resposta ao estímulo T nas circunstâncias A, se e somente se, na eventualidade da entidade x ser submetida a T no ambiente A, x necessariamente manifestar M” (Ghins 2013, p.69). O autor explicita essa definição por meio da menção à análise condicional proposta por Bird (2007, pp.36–7): □Dx↔((T x&Ax)□→ Mx)] Exemplos comuns de disposições são a disposição da água para dissolver o sal nas condições apropriadas ou a capacidade de certa anfetamina para, quando ingerida, melhorar o desempenho de um atleta (cf. Ghins 2013, p.70). No entanto, o estatuto ontológico preciso das propriedades disposicionais é assunto de um intenso debate em filosofia da ciência. Vejamos de que modo Ghins se situa nesse espectro.
Em primeiro lugar, o autor considera que as disposições são propriedades de primeira ordem, isto é, são instanciadas pelas próprias entidades físicas. Elas não são, portanto, “propriedades de propriedades”. Em segundo lugar, o autor adota uma ontologia mista, diferentemente do monismo disposicional defendido por Bird. Segundo Ghins, todas as propriedades capazes de figurar nos modelos científicos são propriedades categóricas. Essa visão abrange não apenas as propriedades espaçotemporais (distância, estrutura molecular, etc.), mas todas “as propriedades matemáticas e quantificáveis referidas pelos símbolos matemáticos que figuram nas leis científicas” (Ghins 2013, p.85).
Por fim, Ghins sustenta que essa ontologia de propriedades permite responder aos problemas da identificação e da inferência. No que tange ao segundo, o autor afirma: “Se p é uma lei, então p é uma proposição universal e as situações e os processos descritos por p ocorrem efetivamente no mundo” (Ghins 2013, p.65). A teoria da representação de Ghins, desenvolvida na parte inicial do livro, tem por objetivo explicitar essa solução. Além disso, limitar as leis ao contexto de teorias científicas aproximadamente verdadeiras e explicativas visa a responder ao problema epistêmico da identificação (Ghins 2013, pp.63–4). Quanto ao problema ontológico da identificação, Ghins afirma que “as regularidades descritas nas várias disciplinas encontram seus fundamentos nas naturezas relacionais, reais, de certas entidades e em suas disposições a submeter-se a processos específicos” (Ghins 2013, p.85). A metafísica das disposições implica, pois, que as leis científicas mereçam o título de leis da natureza, uma vez que sua verdade é fundamentada por uma metafísica da natureza.
Compartilhamos das motivações que levam o professor Ghins a defender uma metafísica disposicionalista e, em grande medida, simpatizamos com a solução do autor à problemática das leis. No entanto, temos algumas dúvidas com relação à sua metafísica da natureza, em especial à preferência pela ontologia mista. Essas incertezas se tornam explícitas quando analisamos a seguinte passagem: Uma entidade possui, por exemplo, uma carga de certo valor independentemente da força que pode exercer ou sofrer. Em outras palavras, a carga não é uma propriedade disposicional. [. . . ] Ao lado de suas propriedades categóricas, o elétron possui igualmente propriedades disposicionais, tal como a capacidade de interagir com partículas e campos em conformidade a certas equações matemáticas como, por exemplo, a lei de Maxwell (Ghins 2013, p.84).
Acreditamos que esse modo de ver as coisas obscurece as relações entre as leis e as disposições, dando margem a críticas categorialistas. De fato, estamos de acordo com o fato das disposições serem irredutíveis às suas manifestações. Entretanto, consideramos que é em virtude de possuir determinada carga que o elétron pode participar das interações de que participa. Aliás, o próprio autor admite que não há como determinar a carga do elétron a não ser com base nas suas interações, o que envolve elementos disposicionais. Logo, não vemos motivos para afirmar que haja duas propriedades distintas em jogo, como o faz Ghins. Dito de outro modo, Ghins afirma que o elétron possui carga (propriedade categórica) e, “ao lado” de tal propriedade, disposições essenciais. Ora, se quisermos argumentar que as leis da natureza são metafisicamente necessárias em razão de serem fundamentadas em disposições essenciais, então o vínculo entre as propriedades categóricas e disposicionais precisa ser esclarecido.
Sustentamos que a desvinculação entre as propriedades categóricas e disposicionais torna estas últimas misteriosas, comprometendo o caráter metafisicamente necessário das leis e a irredutibilidade das disposições. Essa consequência favorece o monismo categórico, segundo o qual as disposições dos objetos podem ser reduzidas às suas propriedades categóricas e às leis da natureza (impostas externamente aos objetos. Nesse sentido, Cid (2016, p.242s) aponta que a teoria de Ghins e o categorialismo fornecem explicações similares às leis e aos contrafactuais. Em última análise, o que Cid e outros críticos apontam é o fato de que, se nosso objetivo é explicar a necessidade das leis da natureza, é mais simples fazer isso admitindo apenas um tipo de propriedade irredutível (as categóricas) em vez de dois (como na ontologia mista).
De fato, a ontologia mista parece levar a problemas adicionais. Suponhamos que, conforme afirma Ghins, a carga do elétron (Q) seja uma propriedade categórica e seus poderes causais para participar de determinadas interações (D) consistam numa disposição.
Ghins afirma que D é essencial ao elétron. Naturalmente, é razoável supor que, se a carga Q do elétron fosse diferente, a disposição D também o seria. Então, qual a relação entre essas propriedades? Q também é essencial ao elétron? D é superveniente a Q? Gostaríamos de indicar um caminho para uma solução disposicionalista (e monista) a este problema, inspirada na visão de Heil (2003) acerca das propriedades.
Em primeiro lugar, devemos considerar que, de acordo com o disposicionalismo, as leis são metafisicamente necessárias precisamente porque os objetos, em virtude de possuírem as propriedades que possuem, não poderiam se comportar de forma diferente.
Portanto, D e Q correspondem, na verdade, a uma única propriedade, apenas descrita de duas maneiras diferentes ou, mais precisamente, em níveis de abstração distintos. Conforme o contexto de investigação no qual estivermos inseridos, será mais relevante enfatizar as possíveis interações do elétron ou simplesmente o valor de sua carga. Entretanto, não há razão para considerar que se trata de duas propriedades de naturezas distintas. Com efeito, essa sugestão de resposta — que certamente precisa ser detalhada — está alinhada com os argumentos de Ghins, não exigindo maiores alterações em sua ontologia. Além disso, essa caracterização evita os embaraços envolvidos na noção de superveniência, bem como explicita a origem da necessidade metafísica das leis.
*** Nesta resenha, procuramos abordar os principais temas tratados pelo Professor Ghins ao longo de sua obra, atestando que ela funciona como uma excelente introdução tanto ao realismo científico quanto ao realismo nomológico. Ao mesmo tempo, discutimos alguns dos argumentos formulados pelo autor, com vistas a fazer avançar, ainda que modestamente, o debate para o qual Ghins tanto contribuiu.
Referências
Armstrong, D. M. 1983. What Is a Law of Nature? Cambridge: Cambridge University Press.
Bird, A. 2007. Nature’s Metaphysics: Laws and properties. Oxford: Clarendon Press.
Cani, R. C. 2017a. O Dilema Central é suficiente para refutar a visão disposicionalista das leis da natureza? In: J. D. Carvalho et al. (eds.) Filosofia da natureza, da ciência, da tecnologia e da técnica, pp.356–69. São Paulo: ANPOF. (Coleção XVII Encontro ANPOF).
———. 2017b. Realismo nomológico e os problemas da identificação e da inferência. Curitiba, PR. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná.
Cid, R. R. L. 2016. Uma crítica à metafísica conectivista de Ghins. Filosofia Unisinos 17(2): 233–43.
Ghins, M. 2017. Defending Scientific Realism Without Relying on Inference to the Best Explanation.
Axiomathes 27(6): 635–651.
Heil, J. 2003. From an Ontological Point of View. Oxford: Oxford University Press.
Lewis, D. 1973. Counterfactuals. Cambridge: Harvard University Press.
van Fraassen, B. 2002. The Empirical Stance. New Haven: Yale University Press.
———. 2008. Scientific Representation: Paradoxes of perspective. Oxford: Oxford University Press.
Notes
1 A distinção entre isomorfismo e homomorfismo corresponde, respectivamente, à diferença entre uma função bijetiva — em que há correspondência um-para-um entre todos os elementos do conjunto de partida e do conjunto de chegada da função — e uma função injetiva— em que a única exigência é que, para um valor no conjunto de chegada, não haja dois valores distintos no conjunto de partida. O homomorfismo, portanto, é uma noção menos exigente do que o isomorfismo.
2 A sigla se refere à formulação em inglês — inference to the best explanation (IBE) — frequentemente utilizada pela literatura.
3Num artigo recente, Ghins (2017) adverte que sua posição, nesse caso, é encarar a convergência entre mensurações como um fato que não demanda explicações ulteriores. Em linhas gerais, isso significa afirmar que o simples fato de a convergência ser verificada é o suficiente para argumentar em favor da visão realista.
4 Conforme salienta Cid (2016), é importante ressaltar que a crítica de Ghins ao necessitarismo categorialista se aplica somente à versão aristotélica dos universais, tal como defendida por Armstrong. Em linhas gerais, Cid tenta mostrar que é possível argumentar, de modo independente, que uma versão de necessitarismo baseada na concepção platonista dos universais (à la Tooley) escapa às objeções apresentadas. No entanto, parece-nos que a objeção mais forte ao necessitarismo categorialista não é o problema da inferência, mas o quidditismo. Em outros textos (Cani 2017a, pp.361–7; 2017b, pp.83–7), argumentamos que esse problema perpassa tanto a teoria de Armstrong quanto a de Tooley. Trata-se da objeção de que, se somente as propriedades categóricas são irredutíveis, então pode haver mundos possíveis em que as mesmas propriedades categóricas possuam perfis causais absolutamente distintos.
Nesse cenário, seria impossível fixar a identidade das propriedades (e, por conseguinte, das leis). É uma pena que Ghins não tenha discutido diretamente o quidditismo — ainda que o autor aborde a questão lateralmente — pois isso daria mais força a seu argumento.
Agradecimentos Ao Professor Michel Ghins, agradeço pelo incentivo, por comentários a uma versão anterior deste texto, bem como pelos diálogos acolhedores e instigantes acerca das temáticas aqui tratadas. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
Renato C. Cani – Universidade Federal de Santa Catarina, BRASIL renatocani@gmail.com
Uma estreita passagem: o conceito de corpo nas obras de Schopenhauer e Freud – FONSECA (V-RIF)
FONSECA, Eduardo Ribeiro da. Uma estreita passagem: o conceito de corpo nas obras de Schopenhauer e Freud. Curitiba: Editora UFPR, 2016. Resenha de: LAZZARETTI, Lucas Piccinin. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.7, n.2, p.153-159, 2016.
O esforço de realizar um entrecruzamento de duas produções intelectuais pode ser conduzido pela capacidade de se gerar novas fugas e novas reflexo es, mas também pode – talvez muito facilmente – recair em uma espécie de linearidade erma que revela apenas aquilo que o próprio esforço suscitou. No caso do livro de Eduardo Ribeiro da Fonseca, Uma estreita passagem: o conceito de corpo nas obras de Schopenhauer e Freud, a leitura parece ter transcorrido o rumo de novas e prolíficas ponderações, permitindo outras viso es na o apenas sobre a relação entre os dois autores, mas sobretudo fazendo evidenciar as muitas analises que podem partir dessa intersecção.
Os autores abordados pelo referido livro na o deixam de intensificar o problema de um possível entrecruzamento, já que, uma vez que na o se tratam de pensadores vinculados necessariamente por uma dimensão histórica e conceitual demasiado estrita – pois Freud na o e , a primeira vista, um filosofo e, tanto mais, um filosofo pós-kantiano –, pode então advir a tendência de se tomar o predecessor pelas lentes do sucessor. Isto e , a análise mais ligeira buscaria encontrar em Schopenhauer uma espécie de ancoradouro conceitual e até mesmo histórico para o trabalho clínico-especulativo realizado posteriormente por Freud, como que desenvolvendo uma fundamentação da psicanalise a s avessas, fazendo emergir, desde uma leitura a posteriori, uma espécie de legitimidade para o trabalho empreendido pelo me dico vienense. A primeira grandeza do livro de Eduardo Ribeiro da Fonseca e justamente a de declarar-se contra rio a essa posição, asseverando que:
Um dos nossos principais objetivos é ajudar a preencher a lacuna histórica e existente dentro da psicanálise, principalmente quanto ao reconhecimento de Schopenhauer como precursor do conceito de um psiquismo de base orgânica, baseado na noção de impulsos inconscientes e sem fundamento – isto é, irracionais. Essa é, essencialmente, a natureza do “golpe narcísico” que, segundo Freud, a própria psicanálise infligiu à humanidade (p. 25).
Trata-se, portanto, de permitir a composição de um estudo feito com base em uma igualdade e na o como uma espécie de causalidade fortuita. Nesse sentido, a escolha instrumental feita pelo autor indica a acuidade com o rigor da analise, pois encontra um ponto de reflexa o que obscurece os privilégios de um pensador perante o outro e destaca justamente os liames conceituais, sendo que “guardadas as diferenças específicas, aceita-se que, tanto para o filosofo quanto para o psicanalista, o corpo humano e a chave para o entendimento da função psicológica, tenda a sexualidade como ponto focal” (p. 29).
A estrutura do livro divide-se, então, em duas partes. A primeira e dedicada a analise da noção de corpo na obra de Schopenhauer, enquanto a segunda parte e voltada para a esta analise na obra de Freud. Os dois pensadores são tomados segundo as próprias características de suas produções, de modo que a primeira parte do livro, por exemplo, inicia-se com um dos pontos centrais do pensamento de Schopenhauer, isto e , a noção de representação, apontando que, para o filosofo alemão, “a noção de representação e um processo fisiológico, fruto da atividade do sistema nervoso central, dentro de um complexo processo de apercepça o da efetividade, submetida ao princípio de razão” (p. 36). Já se delineia aqui a tônica que conduz todo o trabalho, isto e , buscar evidenciar nos conceitos – seja de Schopenhauer, seja de Freud – de que maneira a estrutura de seus pensamentos e conduzida pela chave de leitura fornecida pelo corpo.
Em Schopenhauer, como demonstra Eduardo Ribeiro da Fonseca, o corpo e mais do que um simples adendo ao todo de uma teoria sistema tica, mas e muitas vezes o fenômeno que permite entender a dina mica daquilo que o filosofo alemão busca apreender (Vontade e Representação). Enquanto ponto central, a noção de corpo e , dessa maneira, extensivamente retrabalhada por Schopenhauer com vistas a continuamente obter resultados e reflexo es mais acuradas no que tange ao problema principal. A começar pelo traço imediato do conhecimento, inserido no âmbito da representação, o pensador de Frankfurt centraliza o corpo como primeiro motor das capacidades perceptivas, pois “através do sentimento do próprio corpo, a percepção de todos os outros objetos se realiza” (p. 40), de tal modo que “o conhecimento intelectual resulta da influencia exercida pelos dados exteriores junto ao corpo” (p. 41). A dinâmica da representação – sobretudo se considerada aquela derivada de uma estrutura estritamente kantiana – e sensivelmente alterada, pois “o estudo do corpo como objeto imediato expõe a fisiologizaçao do processo de apreensão do mundo como representação” (p. 44). O passo que da então Schopenhauer – e que bem destaca Eduardo Ribeiro da Fonseca – e avançar sobre essa noção de corpo deslocando-o também para o âmbito da mediação, delineando aqui os contornos gerais da relação conflituosa que o filosofo identifica como sendo central na existência de cada indivíduo, na o devido a um aparato transcendente, mas como uma inerência da estrutura imanente na qual o ser humano encontra-se.
E com base nessa estrutura conflituosa, a qual parte de um instrumento que, antecedente a razão, já tem sua própria dimensão operacional, que o filosofo pode então apresentar suas ponderações sobre os limites dessa mesma razão humana, já que, como bem pontua o autor do livro, para Schopenhauer “somos prejudicados pelo uso de um instrumento que deveria estar a nosso serviço” (p. 53), pois, demonstrando-se o conflito existente entre o âmbito imediato e mediato em que o corpo se situa, a razão acaba por apresentar-se como nada mais do que “deficitaria”. E com base nessa suspeita perante os alcances da razão que se desenvolvem as considerações sobre a Vontade e, na o por outra razão, e neste ponto que a noção de corpo enquanto chave de leitura acaba por encontrar as consequências mais prolíficas da analise desenvolvida pelo autor sobre o pensamento do filosofo alemão.
Para além de uma limitação epistemológica, Schopenhauer avança sobre a problema tica da Vontade partindo justamente das limitações encontradas no âmbito da Representação. A pretensa o do filosofo e , portanto, de ir ale m do mero reconhecimento da existência de representações, valendo-se então de uma via metafísica, sendo que “o que a metafísica do filosofo de Frankfurt sugere e que o querer confere sentido essencial ao corpo e deve ser considerado como o seu próprio íntimo, cuja característica mais profunda e a de ser, em grande medida, inconsciente” (p. 58). A amplitude desse ir além, como reconhece o Eduardo Ribeiro da Fonseca, na o se restringe a limitação de uma analise sobre os alcances da cognoscibilidade humana, mas visa atingir, em função de seu impulso metafísico, os tracejados cósmicos do que se encontra inscrito justamente na fenomenalizaçao privilegiada que e o corpo. Para o filosofo, “a Vontade nos aparece como um conceito obtido por extensa o a partir do conceito de vontade individual, não sendo, portanto, possível observa -lá em si mesma, mas apenas senti-la no corpo” (p. 72).
Ao analisar “cara ter e sexualidade” na obra de Schopenhauer – como o faz no terceiro capítulo – o autor apresenta o que ha de singular nas reflexo es do filosofo de O mundo como vontade e representação, isto e , a compreensão da sexualidade como vinculada a própria analise previa realizada sobre o corpo. Sexualidade, nesse sentido, e mais do que simples limitação física, mas e o ponto em que corpo se mostra como importante chave de leitura, pois o filosofo “ve na Vontade de viver e no desejo sexual que a expressa a possibilidade de estabelecer uma passagem da Vontade para a Representação” (p. 85). A passagem a qual se refere o autor encontra-se intimamente ligada com as diversas consequências que daí retira o filosofo, como a sua posição tomada por pessimista, ou mesmo o reconhecimento do confronto entre vida e morte situado na própria essência da existência, a qual na o encontra muitas saí das, salvo a sublimação perante os impulsos de vida e morte.
Na segunda parte, referente a s obras e pensamento de Freud, Eduardo Ribeiro da Fonseca, ja nas primeiras linhas destaca a diferença entre os autores. Enquanto o filosofo de Frankfurt possui um cara ter especulativo como traço central de sua produção, o psicanalista vienense, por sua vez, pretende dedicar-se a produção de uma ciência – como Freud bem pontua em seu Projeto para uma psicologia científica – e, de forma lateral ou muitas vezes indireta, vem a realizar exercícios especulativos. E interessante pontuar que, salvaguardando essa diferença, o autor consegue apresentar em seu livro os resultados semelhantes que as duas conduções metodológicas fornecem.
A perspectiva teórica de Freud parte de uma problema tica que mobiliza a reflexa o, já que “a consideração de que existe uma fronteira tênue entre o que caracteriza um indivíduo avaliador, o seu corpo orgânico e o objeto representado” (p. 112). já traz em si um problema. No caso de Freud, na o se trata de uma questão de reconhecimento da formação e limites do intelecto, mas, antes, da estrutura das dimensão es formadoras do âmbito psicológico em relação com a base orgânica. Repousa aí um conflito muito próximo aquele já apontado por Schopenhauer entre a base formativa do reconhecimento inicial do indivíduo perante ele mesmo (o corpo) e o mundo que cerca esse indivíduo, a tal ponto que, como evidencia o autor, “Freud, como Schopenhauer, pensa o Eu consciente como um representante psíquico do organismo diante do mundo efetivo, como um verdadeiro advogado dessa efetividade junto a s forças orgânicas que exigem satisfaça o” (p. 121).
E no esforço pela formulação conceitual e instrumental de sua nova ciência, a psicanalise, que Freud depara-se com a necessidade de explicitação da relação entre consciente e inconsciente de uma forma que Schopenhauer na o enfrentou. Reticente com o uso de atribuições consideradas como demasiado especulativas, parece ter sido a tônica do pensador austríaco buscar por esclarecimentos no campo da concretude “orgânica” do corpo, daí a relevância do corpo na formação de suas primeiras conjecturas sobre os conceitos centrais da psicanalise e, de igual modo, daí a aparente rejeição a categorias consideradas demasiado abstratas ou “metafísicas”. O embate e as restrições reconhecidos pelo filosofo alemão como decorrentes do desconhecimento sobre o psiquismo são tomados por Freud como a base da formulação da noção de repressão, evitando a todo custo o emprego de termos como Vontade, sobretudo a maneira utilizada por Schopenhauer. Entretanto, apesar dessa aparente divergência, e também nesse âmbito que se manifesta uma importante proximidade entre os autores;
A partir da noção de repressão revela-se todo um campo comum entre os autores, que envolve o problema do desconhecimento humano acerca da natureza do psiquismo. Para superar a dificuldade de investigar racionalmente algo que não segue as leis da consciência – e, portanto, desorienta o investigador –, ambos usam como bússola o corpo e seus impulsos conscientes, que são surpreendidos em ato, nos interstícios da racionalidade (p. 136).
E necessário pontuar que, quanto mais Freud avança em suas considerações sobre aquilo que se mostra como que vetado a primeira averiguação de um pesquisador, isto e , os mean [DR] os do inconsciente, mais o medico vienense depara-se com os rumos especulativos, a tal ponto que, ao considerar a relação do homem com a espécie, tem de fazer notar o caráter na o limitado as formulações mais imediatamente orgânicas. E o que ocorre, por exemplo, na apresentação do conceito de libido, em que Freud, valendo-se de explicações fisiológicas e orgânicas, tem de fornecer um salto tema tico para ser capaz de explicar o vínculo na o explicitamente orgânico que mobiliza toda organicidade, pois, nas palavras de Eduardo Ribeiro da Fonseca, “a função do cérebro, como a de qualquer coisa física, esta sujeita a lei da inercia, e se faz ativa apenas quando o intelecto e posto em movimento pela vontade”, considerando-se que, “na psicanalise, por outro lado, e a libido que ativa ate mesmo a unia o entre as células do organismo, que funciona de acordo com um princípio de prazer, sendo papel do aparelho psíquico reduzir ao máximo os efeitos da estimulação” (p. 150). A libido não e assumida por Freud como sendo uma espécie de vontade schopenhaueriana, mas também na o diz respeito unicamente a organicidade, mas revela um impulso que se perfaz no âmbito biológico sem reduzir-se a esse no sentido de uma causalidade.
Enquanto a teoria da libido na o apresenta maiores problemas em uma consideração pontual, isto e , no aspecto singular da manifestação orgânica dos indivíduos, e com relação ao fundamento da libido – o impulso – que Freud encontra a necessidade de formulação es mais especulativas. A explicação que fornece Eduardo Ribeiro da Fonseca sobre a noção de impulso faz antever o ponto de aproximação mais inusitado entre os dois autores analisados:
Do ponto de vista de Freud, o impulso é uma força poderosa, radical, indeterminada, atemporal, arcaica, avaliativa e própria não só dos organismos complexos, mas do conjunto integral da natureza. O registro do impulso vai além do indivíduo e de sua espécie, portanto, adquire uma conotação metafísica, sendo que, ainda que esta ampliação do conceito escape aos domínios próprios da psicanálise, ela é sempre considerada pelo psicanalista vienense (p. 170).
Esse e o ponto em que se pode antever um dos traços mais originais do trabalho de Eduardo Ribeiro da Fonseca, uma vez que esse, na comparação analítica entre os dois autores, tomando o corpo como chave interpretativa e avaliativa, faz evidenciar um processo inverso ao habitualmente conferido para a analise de autores sucedidos temporalmente (sobretudo quando trata-se da psicanalise, já tão conhecida por produzir jogos de espelhos a seu favor): na o e Schopenhauer quem serve como que indiscriminadamente a pretensa o de legitimidade dos conceitos freudianos, mas, como pode ser antevisto, e Freud quem confere o privilegio da originalidade a produção filosófica schopenhaueriana. Ale m disso, parece estar indicado, ainda que de forma indireta, a possibilidade de se considerar a relação de ambos os autores frente a especulação metafísica, já que o filosofo de Frankfurt declara a necessidade de enfrenta- lá e o medico vienense reluta tanto quanto possível a ceder aos seus encantos, sendo que e , ao fim e ao cabo, as expansões de suas especulações metafísicas o que confere os traços mais inovadores de ambos os pensamentos. Cabe a Eduardo Ribeiro da Fonseca o me rito de ter demonstrado mais do que a estreita passagem que o corpo representa enquanto chave interpretativa nas obras dos pensadores elencados, mas também por ter viabilizado um novo caminho hermenêutico que faz voltar as atenções para Schopenhauer na o apenas como o pensador que primeiro lançou as bases para uma das teorias mais relevantes do século XX, mas por ser o pensador que transcende, com suas especulações metafísicas, as próprias dimensões e limitações dessa teoria.
Lucas Piccinin Lazzaretti – Doutorando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Bolsista CAPES. E-mail: lucasplazzaretti@hotmail.com
[DR]
Dogmatismo e antidogmatismo: filosofia crítica, vontade e liberdade – DEBONA et al (V-RIF)
DEBONA, Vilmar; FONSECA, Eduardo Ribeiro; HULSHOF, Monique; MATTOS, Fernando Costa; RAMOS, Flamarion Caldeira. (Orgs.). Dogmatismo e antidogmatismo: filosofia crítica, vontade e liberdade. Uma homenagem a Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. Curitiba: Editora UFPR, 2015. Resenha de: DIAS, Claudia Assunpção. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.7, v.1, p.224-230, 2016.
O livro Dogmatismo e antidogmatismo: filosofia crítica, vontade e liberdade, uma coletânea de vinte e oito textos, foi organizado por um grupo de ex-orientandos de Maria Lucia Cacciola e visou não apenas prestar uma homenagem a professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo, mas também demonstrar a grande importância da homenageada no cenário filosófico brasileiro. O elemento que mais justifica o reconhecimento de tal importância e a iniciativa da organização do livro remete necessariamente a difusa o promovida por Cacciola do pensamento de Schopenhauer no meio acadêmico do Brasil por meio de suas traduções, publicações, aulas e conferencias. Com efeito, a sua tese de doutoramento, intitulada Schopenhauer e a questão do dogmatismo, foi o primeiro trabalho acadêmico de folego sobre Schopenhauer defendido no país1, fato representativo na o apenas por ter consistido, nas palavras de seu orientador – outra grande figura da filosofia brasileira, Rubens Rodrigues Torres Filho -, numa “reviravolta na interpretação de Schopenhauer”2, mas por ter sido capaz de promover uma nova frente de pesquisas, que, ao partir de Kant, de Schelling ou de Fichte, não toma Schopenhauer apenas como um discípulo ou interprete, mas como pensador original e influenciador de muitos outros grandes nomes, dentre eles Nietzsche e Freud. Foi devido aos interesses de Cacciola por Schopenhauer, a época na o estudado de forma rigorosa, e as colaborações com seus orientandos da USP, como Jair Barboza, seu primeiro orientando, que se abriu um campo fértil de novos estudos schopenhauerianos em terras tupiniquins. Surgem, a partir de então, variadas traduções das obras do filosofo, começa-se a organizar um Colóquio Internacional Schopenhauer (com sete edições já realizadas), inaugura-se uma Seção brasileira da Schopenhauer-Gesellschaft, que e presidida por Cacciola, cria-se o GT Schopenhauer da ANPOF e a Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, assim como o numero de dissertações e teses aumentam significativamente3.
Para além dos muitos feitos da homenageada, que por si só justificariam a publicação da extensa obra aqui resenhada, interessa-nos destacar que o núcleo conceitual da pesquisa e da produção de Maria Lu cia Cacciola, espelhado no oportuno título do Festschrift em questão, consiste na problematização do dogmatismo a partir do pensamento schopenhaueriano. Em sua fecundidade, o modo com que a tema tica e abordada pela autora cumpre a tarefa de romper com a imagem de um Schopenhauer que, ao admitir a vontade como essência, teria restabelecido o dogmatismo que a filosofia crítica kantiana havia implodido. Conforme notam os organizadores na Apresentação do livro, Cacciola se encarrega de mostrar por que Schopenhauer não só na o e um pensador “pré -crítico”, como também pretendeu radicalizar o projeto kantiano de na o assumir o “mundo da representação” como absolutamente real (cf. p. 6), limitando ainda mais o papel da razão e buscando a essência do mundo no próprio mundo, ao invés de ser em ideais transcendentes4. Assumir a vontade como essência cósmica e no horizonte de uma metafísica imanente na o acarretaria, pois, em tomar a metafísica da vontade como dogmática, já que, como bem argumenta a autora em sua tese, e o próprio Schopenhauer que reivindicara um “fundo escuro” e grundlos, sem fundamento, para a vontade que se manifesta no cara ter de cada fenômeno.
Além disso, conforme assinala Lean [DR] o Chevitarese num dos capítulos do Festschrift (cf. pp. 181-186), Cacciola assumiu o desafio de indicar em que medida Schopenhauer deu cabo ao seu projeto de não conceber a vontade como absoluto. E ela faz isso argumentando, p. ex., que o “como” (als) do título da obra magna do pensador – O mundo como vontade e representação -, traduz-se na defesa de que a vontade só e coisa-em-si relativamente, ou seja, em relação ao fenômeno, do mesmo modo como este e fenômeno tão somente em relação a coisa-em-si. Indicando, com isso, um possível cara ter perspectivista na metafísica schopenhaueriana, Cacciola sublinhara em vários de seus trabalhos5 a importância de se entender que, se ha algum dogmatismo no sistema do filosofo do “pensamento único”, só poderia se tratar de um dogmatismo imanente (immanenter Dogmatismus), conforme comenta o próprio Schopenhauer em seus Fragmentos para a história da filosofia6.
Dito isso quanto a s linhas norteadores do trabalho filosófico da homenageada, cabe observar brevemente que o conjunto de temas dos textos que compõem o Festschrift reflete bem a vastidão de interesses de pesquisa de Cacciola, assim como o universo de temas a partir dos quais ela, como orientadora, formou um significativo grupo de pesquisadores e especialistas brasileiros sobre a filosofia clássica alemã . Conforme afirmam os organizadores,
Embora a maior parte das contribuições verse sobre a filosofia schopenhaueriana (a ponto de transformar o presente livro numa importante fonte para o estudo do filósofo, abrangendo as diversas facetas de seu pensamento, da teoria do conhecimento à metafísica, da ética à estética, passando pela reflexão filosófica sobre a religião), não se pode deixar de notar a variedade de suas perspectivas: temos contribuições sobre Nietzsche, Kant, a psicanálise, textos sobre autores tão diferentes como Bodin e Schulze ou Reinhold […] (p. 8).
Outra linha de interesse da homenageada e a estética em seus diversos ramos, das artes plásticas ao cinema, abarcando a poesia, a musica e a pintura. Na obra em questão, assuntos desse domínio da filosofia aparecem em nada menos que seis capítulos. Como a problemática sobre a metafísica imanente schopenhaueriana e sua abordagem “antidogmática” empreendida por Cacciola abrange também a conhecida metafísica do belo de Schopenhauer, pretendemos tecer a seguir alguns comenta rios sobre dois capítulos do livro que nos interessam mais de perto, por tratarem de noções da este tica desse pensamento.
O primeiro deles e de autoria de Matthias Kossler e se intitula Sobre o papel do discernimento [Besonnenheit] na estética de Arthur Schopenhauer. Ao elencar os diversos âmbitos da filosofia schopenhaueriana nos quais o discernimento se faz presente (teoria do conhecimento, e tica, negaça o da vontade e este tica), Kossler mostra de forma clara como e possível identificar variados graus dessa noção, cujo aumento depende da intensidade da separação entre vontade e intelecto. Ou seja, quanto mais incomum for o discernimento de dado indivíduo, mais o seu intelecto estaria distanciado de sua raiz, a vontade, de modo que o aumento exagerado do discernimento, segundo Schopenhauer uma “anormalidade”, indicaria o cara ter do gênio (artístico), que intuiria os objetos do mundo sem considerar apenas um lado desses objetos, aquele referido a própria vontade e que lhe interessa, mas também os outros lados, independentes do serviço e interesse da vontade. De forma resumida, Kossler afirma que “na este tica, o discernimento capacita os artistas a apreender as coisas de maneira objetiva e assim apresentá-las em suas obras de modo que no observador essa apreensão objetiva, que Schopenhauer caracteriza como intuição das Ideias, seja ocasionada” (p. 23-24, grifo nosso). No entanto, o comentador na o chega a desenvolver uma analise sobre como esse discernimento atuaria no processo mesmo de exposição artística. Talvez o momento da apresentação ou da exposiçao (Darstellung) artística seja o que mais exige uma destreza pragmatica e “discernida”, já que e necessário despertar a fantasia do espectador. Diferentemente do momento da criação, em que a metafísica do belo schopenhaueriana admite ate mesmo um poder intuitivo que domina o artista e que e espontâneo, o momento da exposição soa menos intuitivo, menos espontâneo e mais dado a uma aça o refletida e direcionada a um fim, como se observa no caso de um poeta, por exemplo, que precisa seguir rigorosamente determinados passos ou regras, escolher as palavras adequadas, o ritmo e a rima, para transmitir de forma objetiva a Ideia intuí da. Ora, se, conforme afirma Kossler, supusermos que “discernimento e o contra rio da espontaneidade”, e assumirmos também que o momento menos espontâneo do artista refere-se a seus procedimentos este ticos (menos metafísico-intuitivos), na o seria ainda mais pertinente uma problematização do conceito schopenhaueriano de discernimento na esfera da exposição artística, ao invés de ser no âmbito da criação/intuição?
O segundo texto que nos motiva a comentar, também sobre este tica, e o de Jair Barboza, intitulado Contra a tradição: Schopenhauer como filósofo acústico. Como já indica o título, o autor apresenta argumentos que mostram em que medida Schopenhauer pode ser visto como um pensador que inverteu a hierarquia dos sentidos que, em geral, na tradição ocidental, reserva a visa o e a s artes visuais a primeira posição. O filosofo que classificou a musica como arte suprema e ate mesmo destacada da hierarquia que espelha os graus de manifestação da vontade teria também, em algum sentido e ao menos em certos contextos, submetido as artes visuais a experiencia auditiva. Conforme destaca Barboza, para Schopenhauer, “enquanto pelas artes visuais ainda apreendemos uma “copia” das Ideias, nas artes de sons sentimos a expressa o direta da vontade como coisa-em-si” (p. 191). O elemento mais contundente da argumentação do autor e o da conhecida equivalência que o pensador alemão faz entre os sons e o espectro dos reinos naturais: para ele, o mundo e seus reinos arquetípicos confundem-se com a musica e, nesse sentido, mesmo se na o houvesse mundo fenomênico, ainda poderia haver música. Compreender ou captar o mundo fenomênico significaria, então, ouvi-lo em seus diversos tons ou de acordo com as quatro vozes de uma harmonia, cada um correspondendo a um reino natural específico: o baixo ao mineral, o tenor ao vegetal, o contralto ao animal e o soprano ao humano. Pelo conhecido destaque e enaltecimento da música, o filosofo que desenvolveu boa parte de sua filosofia sob o signo da visa o, conforme bem demonstra o autor (cf. p. 189-190), e que – acrescentemos – publicou um ensaio intitulado justamente Sobre a visão e as cores, poderia mesmo ser tomado, por mais esse motivo, como um pensador contra a tradição.
No entanto, uma possível problema tica que poderia surgir da questão apresentada por Barboza, e que foi apontada apenas de passagem pelo autor, diz respeito ao lugar que a poesia ocuparia entre a oscilação da primazia dada por essa filosofia, por um lado, para a visa o e, por outro, para a audição. Se assumida como “um meio termo entre arte visual e arte auditiva” (p. 191), não teríamos que admitir – para discutirmos a concepção schopenhaueriana de poesia – uma suspensa o provisória dos argumentos que disputam o primeiro lugar apenas para a visa o ou apenas para a audição, classificando-as, quiçá , num mesmo patamar? Elementos para respondermos a essa questão poderiam ser encontrados em vários textos do filosofo. E um possível horizonte de argumentação pode ser aquele ilustrado pelo autor nas ultimas linhas do capítulo (cf. p. 194). Ao tratar do tema das artes nos Suplementos (Tomo II) de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer nos surpreende com uma diferenciação nos títulos de seus capítulos: para a arquitetura e a poesia, os títulos são Estética da arquitetura e Estética da poesia, já para a musica, o título e Metafísica da música. Se esta diferenciação serve como argumento para detectarmos a preferencia ou a primazia outorgada pelo filosofo a musica e, assim, a audição, conforme sugere Barboza, a questão pode instigar uma problema tica conceitual mais ampla. Isso porque, notadamente em suas Preleções sobre a Metafísica do belo e no Livro III do Tomo I de sua obra magna, o filosofo da vontade adverte justamente para a importância de distinguirmos entre metafísica do belo e este tica. No entanto, como se percebe pelos títulos dos Suplementos, com exceção da musica, as artes parecem ser abordadas tanto sob a chave da metafísica (do belo) quanto da este tica. E assim podemos pensar a questão mencionada sobre a particularidade da poesia – que se situaria entre arte visual e arte auditiva -, uma vez que ela, em específico, quando tomada sob a perspectiva da metafísica e situada no topo da pirâmide hierárquica das artes como reveladora da Ideia de humanidade; já quando tomada sob a perspectiva da Este tica do Tomo II, o que esta em questão são, sobretudo, as suas técnicas de apresentação (metro, rima, vocabulário etc) e dos me todos mais convenientes para o poeta atingir seu objetivo, ou seja, uma questão que envolve diretamente questões relativas tanto a audição quanto a visão.
A julgar pela natureza dos temas dois dois capítulos aqui comentados em específico, torna-se indispensável afirmarmos que a obra resenhada pode ser considerada uma fonte profícua para debates sobre variados temas da filosofia clássica alemã e, como na o poderia deixar de ser, para a pesquisa sobre Schopenhauer. Os vinte e oito capítulos, que versam sobre a já assinalada pluralidade de temas e abordagens, assim como o nobre proposito pelo qual veio a publico – o de homenagear uma grande figura da filosofia brasileira – fazem de Dogmatismo e antidogmatismo um livro de interesses transversais, recomendável tanto para especialistas quanto para iniciantes.
Ademais, torna-se impossível a tarefa de apresentarmos aqui o todo desta obra singular, tarefa que, por isso, confiamos ao leitor.
Notas
1 A tese foi defendida em 1991 no Departamento de Filosofia da USP e publicada como livro em 1994, pela Edusp, tornando-se uma referência obrigatória para os estudos brasileiros sobre Schopenhauer.
2 TORRES FILHO, R. R. Prefácio. In: CACCIOLA, M, L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 16.
3 Para um registro das principais atividades de pesquisa, traduções e publicações sobre Schopenhauer que foram e estão sendo realizadas no Brasil, cf. CACCIOLA, M. L.; DEBONA, V.; SALVIANO, J. O. Gechichte und aktuelle Situation der Schopenhauer-Studien in Brasilien, 2015; e, para outra versão do mesmo material, CACCIOLA, M. L.; DEBONA, V.; SALVIANO, J. O. A história e a atual situação dos estudos schopenhauerianos no Brasil, 2013.
4 Nesse sentido, vale observar que a dissertação de mestrado de Cacciola aborda justamente a temática da crítica da razão em Kant e Schopenhauer. Cf. CACCIOLA, M. L. A crítica da razão no pensamento de Schopenhauer, 1982.
5 Recentemente a autora publicou um texto intitulado justamente sobre o assunto no anuário Schopenhauer-Jahrbuch (cf. CACCIOLA, M. L. Immanenter Dogmatismus, p. 151-162).
6 “[…] poder-se-ia chamar meu sistema de dogmatismo imanente, pois, embora seus princípios doutrinais sejam de fato dogmáticos, não ultrapassam todavia o mundo dado na experiência, mas apenas esclarecem o que ele é, já que o decompõe em suas partes componentes” (SCHOPENHAUER, A. Fragmentos para a história da filosofia, p. 118).
Referências
CACCIOLA, Maria Lúcia. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.
_____. Immanenter Dogmatismus. Schopenhauer-Jahrbuch. Würzburg: Königshausen & Neumann, Bd. 93, 2012, pp. 151-162.
_____. A crítica da razão no pensamento de Schopenhauer. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982.
CACCIOLA, Maria Lúcia; DEBONA, Vilmar; SALVIANO, Jarlee Oliveira. Gechichte und aktuelle Situation der Schopenhauer-Studien in Brasilien. Schopenhauer-Jahrbuch. Würzburg: Königshausen & Neumann, Bd. 96, 2015.
_____. A história e a atual situação dos estudos schopenhauerianos no Brasil. Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer. Rio de Janeiro, Vol. 4, Nº 1 – primeiro semestre de 2013, pp. 146-150.
SCHOPENHAUER, Arthur. Fragmentos para a história da filosofia. Trad. Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Iluminuras, 2003.
TORRES FILHO, Rubens Ro [DR] igues. Prefácio. In: CACCIOLA, Maria Lúcia. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.
Claudia Assunpção Dias – Mestranda em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: claudia.assunpcao@gmail.com
[DR]
Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) | Carlos E. Vieira, Dulce R. B. Osinski e Marcus L. Bencostta
A publicação do livro Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) é resultado do trabalho desenvolvido no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Modernidade (NEPHEM), composto por membros e pesquisadores convidados da linha de pesquisa em História e Historiografia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. A produção do livro contou com o apoio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contemplado em edital específico pelo projeto homônimo.
Trata-se de uma publicação que está muito bem situada no âmbito da produção de História da Educação brasileira, trazendo em seu conteúdo o resultado da pesquisa histórica sobre algumas especificidades do contexto paranaense, caracterizadas pelas trajetórias de ao menos seis intelectuais que estiveram à frente de projetos educacionais ao longo do século XX: Lysimaco Ferreira da Costa (1883-1941), Raul Rodrigues Gomes (1889- 1975), Erasmo Pilotto (1910-1992), Pórcia Guimarães (1918-1997), Ivany Moreira (1928- 2008) e Eurico Back (1923-1997). O livro de 205 páginas conta com a apresentação de Libânia Nacif Xavier, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o título “A educação paranaense nos quadros de um projeto de modernidade”. Além da introdução assinada pelos organizadores, o livro compõe-se de cinco capítulos, os quais serão mencionados a seguir. Leia Mais
Nilo Cairo e o debate homeopático no início do século XX – SIGOLO (HCS-M)
SIGOLO, Renata Palandri. Nilo Cairo e o debate homeopático no início do século XX. Curitiba: Editora UFPR, 2012. Curitiba: 254p. Resenha de: MACHADO, Marilane. Homeopatia e alopatia em disputa no início do século XX. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.2 Rio de Janeiro Apr./June 2015.
Resultado de pesquisa que deu origem inicialmente a uma tese de doutoramento em história na Universidade Federal do Paraná, a obra Nilo Cairo e o debate homeopático no início do século XX foi publicada pela Editora da Universidade Federal do Paraná em 2012 como edição comemorativa dos cem anos daquela universidade.
A autora, Renata Palandri Sigolo, concluiu seu doutorado em 1999. Desde 1996 é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina. Sua trajetória acadêmica é marcada por estudos envolvendo temáticas como história da saúde e do bem-estar, discurso médico, representações sociais e medicinas alternativas.
Nilo Cairo foi um médico paranaense, nascido em 12 de novembro de 1874 em Paranaguá. É conhecido por ser um dos fundadores da Universidade do Paraná em 1912. Participou ativamente do debate homeopático, tanto no Rio de Janeiro quanto em Curitiba. Em 1903 elaborou sua tese inaugural na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Similia similimum curantur, sua primeira obra sobre medicina homeopática. A tese foi rejeitada pela academia, e Nilo Cairo escreveu O pé equino, em 1904, para conclusão do curso de medicina. Exerceu intensa atividade profissional, participando dos debates sobre as teorias médicas da época. Autor de vários artigos na imprensa homeopática e alopática e também na imprensa leiga, foi redator dos Anais do Instituto Hahnemanniano do Brasil – principal instituição da homeopatia do Brasil – e também da Revista Homeopática do Paraná, que transformou em Revista Homeopática Brasileira.
A publicação dessa obra possibilitou um olhar diferenciado sobre a criação da Universidade do Paraná e sobre o doutor Nilo Cairo da Silva, cuja memória foi construída em torno de sua participação na fundação da universidade. A autora visou analisar sua atuação como médico homeopata e compreender o debate médico nacional do início do século XX no qual esteve inserido. Para isso levou em conta que o surgimento da Universidade do Paraná, em especial da Faculdade de Medicina, fez parte de contexto mais amplo, que envolveu a luta da homeopatia para ser reconhecida como ciência, bem como a busca de hegemonia da alopatia em maio ao espaço acadêmico. A principal problemática do trabalho é compreender a história da homeopatia como um processo de luta por sua legitimação enquanto saber médico no início do século XX, pela atuação do médico homeopata.
A delimitação temporal da pesquisa é entre 1903, ano em que Nilo Cairo elaborou sua primeira tese para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e 1914, ano em que ele inseriu matérias relacionadas à homeopatia nos cursos de farmácia e medicina da Faculdade de Medicina da recém-inaugurada Universidade do Paraná, disciplinas previstas, mas não lecionadas. Dentro desse recorte temporal, a autora fez uma verdadeira garimpagem em periódicos médicos alopatas e homeopatas, periódicos leigos e outras publicações médicas como almanaques, em busca de discursos publicados por Nilo Cairo e por seus interlocutores no contexto de disputas simbólicas na qual homeopatas buscavam a legitimação da medicina homeopática como verdadeiro saber médico científico e alopatas buscavam a deslegitimação desse saber.
No primeiro capítulo, “Hahnemann e Comte nos jardins de Hipócrates”, a autora inicia a narrativa a partir da formatura de Nilo Cairo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Levanta como fator de sua distinção perante outros colegas sua idade e a experiência de vida que já havia acumulado. Em 1904, ano de término do curso de medicina, contava 30 anos de idade e já havia obtido o título de bacharel em ciências físicas e matemáticas na Escola Militar. A autora relata a reprovação da primeira tese de Nilo Cairo e a escrita da segunda, que lhe permitiu a formatura.
A partir daí descreve os princípios básicos da teoria hahnemanniana, segundo o discurso dos médicos homeopatas do período, apresenta os conceitos de força vital, saúde, doença e terapêutica e demonstra como os homeopatas buscavam sua aproximação com a teoria positivista, visando atender às necessidades de legitimação da homeopatia.
Para a escrita desse capítulo as fontes utilizadas foram artigos publicados nos Anais de Medicina Homeopática, órgão veiculador de ideias do Instituto Hahnemanniano do Brasil; na Revista Homeopatica do Paraná, fundada por Nilo Cairo em 1906, sendo que em 1908 sua circulação foi ampliada, quando se transformou na Revista Homeopática Brasileira, além de obras e teses de homeopatas, como a tese inaugural de Nilo Cairo.
No capítulo segundo, “A homeopatia no ‘Século dos Micróbios’”, são apresentadas as principais teorias defendidas pela medicina alopata no período: a dos miasmas, a dos humores e a microbiologia. A autora trata dos conflitos do discurso homeopático com o alopático a partir das publicações em periódicos. Dedica parte do capítulo à análise do que considera estratégias discursivas no contexto das discussões em torno da obrigatoriedade da vacinação antivariólica, quando a maior parte dos homeopatas colocou-se a favor do método terapêutico da vacinação, pois o princípio da vacinação estaria de acordo com a teoria homeopática de que o semelhante se cura através do semelhante, mas contra sua obrigatoriedade, pois os ideais positivistas, dos quais eram adeptos, defendiam o princípio de liberdade.
Para a redação desse capítulo a autora realizou pesquisas em periódicos de ambas as vertentes médicas: Anais de Medicina Homeopática, Revista Homeopática do Paraná e Revista Homeopática Brasileira; Brasil-Médico (periódico médico oficial do Rio de Janeiro), em que encontrou críticas de alopatas endereçadas aos homeopatas; e Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, utilizado na abordagem sobre a vacinação obrigatória de 1904.
No terceiro capítulo, “A conquista do público”, Sigolo se dedicou aos discursos produzidos pelos homeopatas tendo como destinatário o público leigo. No desejado processo de transformação da homeopatia em medicina científica era importante obter o reconhecimento dos leigos, que proporcionaria a legitimação necessária. A autora demonstrou algumas estratégias discursivas para a conquista desse público, como, por exemplo, relatos de “conversões” de médicos alopatas à homeopatia e propagandas de obras homeopáticas, como guias, manuais e folhetos.
As fontes documentais em que esses discursos podem ser encontrados são os periódicos leigos, que atingiam o grande público. Foram consultados o Correio Paulistano, de São Paulo; o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro e o Diário da Tarde, de Curitiba, o último, local privilegiado dos discursos de Nilo Cairo. Além desses, também foram utilizados os periódicos homeopáticos citados, bem como as revistas alopáticas, como a Revista Médico-Cirúrgicado Brasil, do Rio de Janeiro, e a Gazeta Clínica, de São Paulo.
Por fim, no quarto capítulo, intitulado “Ensinando a Similia similibus curantur”, a autora buscou nos periódicos já citados, além do Diário da Tarde, nos relatórios e estatutos da Universidade do Paraná e em algumas obras de Nilo Cairo, acompanhar os debates em torno da legitimação de “porta-vozes” da medicina homeopática. Demonstrou a vontade e o empenho de Nilo Cairo e de alguns de seus companheiros em fundar uma pequena escola de medicina homeopática à sombra do Instituto Hahnemanniano do Brasil, por acreditar que mais do que os debates públicos com os alopatas, a formação de médicos em escolas homeopatas traria o estatuto de ciência reivindicado pela homeopatia. Esse foi, no entanto, um empreendimento frustrado pela falta de apoio político e talvez o fator determinante para que Nilo Cairo retornasse ao Paraná em 1911, quando se mudou do Rio de Janeiro para Curitiba e apresentou sua carta de demissão ao Instituto Hahnemanniano do Brasil.
A autora deu especial atenção ao período entre 1911 e 1914, quando se deram debates em torno do ensino da teoria hahnemanniana e das exigências para admissão nos quadros do Instituto Hahnemanniano do Brasil no contexto de alteração de estatutos, em 1912, ocasião em que houve forte reação de Nilo Cairo contra as alterações empreendidas, através das quais passaria a ser permitida a admissão no Instituto de pessoas sem o título médico.
Neste contexto se deu a fundação da Universidade Federal do Paraná, em 1912, e no ano seguinte foi criado o curso de medicina da instituição. Um de seus idealizadores e fundadores foi Nilo Cairo, que expressou a necessidade do ensino da medicina homeopática na universidade recém-criada e incorporou a seu currículo disciplinas da área homeopática, que, no entanto, logo foram eliminadas.
A obra traz uma pluralidade de contribuições importantes para a área de história. Aos que se dedicam aos estudos de história da saúde, as disputas simbólicas e discursivas envolvendo o saber médico e homeopático no início do século XX são abordadas de maneira aprofundada. É também uma contribuição interessante aos que se voltam para os estudos biográficos na história, pois toda a pesquisa empreendida pela autora se dá em torno da busca de discursos envolvendo um personagem, Nilo Cairo; seus discursos publicados em periódicos são o fio condutor da pesquisa, e a partir deles a autora consegue traçar um panorama de suas redes de relações, no que diz respeito aos debates entre defensores da medicina homeopática e da alopática no início do século XX. Por fim, questões metodológicas da pesquisa em periódicos podem ser apreendidas pelos que têm nos jornais e revistas suas principais fontes de acesso ao conhecimento histórico.
Marilane Machado – Doutoranda, Programa de Pós-graduação em História/Universidade Federal do Paraná. marilanemac@ig.com.br
História e Historiografia: exercícios críticos | Jacques Revel
A obra “História e Historiografia: exercícios críticos”, do historiador Jacques Revel, é composta por nove artigos que refletem sobre o debate historiográfico no decorrer do século XX, em especial nas últimas décadas. No capítulo inicial, intitulado: “Construção francesa do passado: uma perspectiva historiográfica”, Revel propõe uma discussão sobre a historiografia francesa desde os fins da Segunda Guerra Mundial. Através dessa incursão, o autor analisa a contribuição dos franceses para a produção historiográfica. De acordo com sua concepção reflexiva, o debate historiográfico mediante novas proposições paradigmáticas, adquiriu certa retomada antes da Guerra, com as contribuições de Bloch e Febvre, porém esse não seria o marco inicial para tais discussões, esse debate teria sido proposto bem antes de 1929, ano de ascensão dos Annales.
Em 1870, as Universidades Francesas estavam passando por certa “elaboração da política universitária”. Isso porque a França via-se derrotada face aos conflitos políticos e econômicos protagonizados contra o novo “Reich” da Alemanha, o que alimentou junto aos franceses um sentimento de “revanche”, que, dentre outras coisas, impulsionou um modo de se repensar o ensino universitário no país. A disciplina história teve um papel fundamental nesse processo, pois serviu para reanimar uma nação que tinha sido humilhada pelos Alemães. Diante desses acontecimentos, o saber histórico passou por renovações. Tal proposição foi gestada no fim do século XIX, visava romper com a literatura e ganhar o status de ciência, constituindo-se como um saber “metódico”. Outras ciências como: geografia, psicologia, economia e em especial a sociologia de Durkheim vivam também um processo de renovação.
A mudança de paradigma proposta ao saber histórico subsidiou críticas por parte de outras frentes intelectuais. Os discípulos de Durkheim, por exemplo, criticavam a história mediante seu pleito em busca do lugar de ciência. Um deles, François Simiand, a criticava por argumentar que os acontecimentos factuais – campo de reflexão da história – não ofereceriam subsídios suficientes para arvorar ao status científico. As ponderações feitas por Simiand, e demais rivalidades, contribuíram com a proposta de Bloch e Febvre que absorveram tais críticas e propuseram uma nova forma de se pensar e escrever o conhecimento do passado.
O segundo artigo: “Mentalidades: uma particularidade francesa? História de uma noção e de seus usos”, o autor, a princípio, se volta a discutir a etnologia da palavra mentalidade e a partir dessa projeção promove uma análise em torno de seu significado. Revel assevera que o termo passa a ser difundido nos “vocabulários científicos” das diversas ciências como: antropologia, psicologia, sociologia e história, no decorrer do século. Dentre essas ciências o autor destaca a psicologia como sendo de suma importância para o debate nas áreas humanas. No desenvolvimento da análise são citados vários exemplos de estudiosos que se debruçaram no estudo da psicologia para a compreensão do social, dentre eles podemos citar o historiador Lucien Febvre que procurava compreender sobre a natureza das representações coletivas, se apoiando no conceito de “psicologia histórica”.
Revel volta às discussões associadas ao conceito e à aplicabilidade do termo ligado ao conhecimento social, retomando através de sua análise referências sobre os primeiros historiadores que desenvolveram uma abordagem histórica a partir do conceito “mentalidade”, e elencando os debates travados entre os campos da sociologia, psicologia e história, a respeito de sua apropriação, o que fez com que o conceito adquirisse amplitude em outras esferas intelectuais para além do seu domínio “mátrio” – França – apesar de ser afirmado como um gênero caracteristicamente francês.
O artigo seguinte: “A instituição e o Social”, tem por abordagem os debates e os discursos produzidos pelos historiadores em torno do modelo e conceito de “instituição”. Revel procura demonstrar que quando se pensa na categoria instituição a primeira dificuldade apresentada vem a ser a definição da palavra. Seguindo esse pressuposto, o autor propõe em seu artigo três formas de compreensões conceituais. O primeiro visa caracterizar a instituição como uma dimensão jurídica e política. O segundo traz a instituição num conceito mais amplo que se refere ao funcionamento e organização de determinados domínios, respondendo assim a uma demanda coletiva da sociedade. A última concepção, mas não menos importante, procura compreender a instituição como “toda a forma de organização social”.
A partir dessas conceituações, o autor constrói apontamentos em que relaciona a instituição e campo social. O primeiro conceito alimenta a lógica política quando se pensa nas questões institucionais, ligada à disciplina erudita. Durante muito tempo a historiografia prendeu-se a uma noção na qual considerou as instituições como locais que serviam para os arquivamentos de documentos, tornando assim sua compreensão restrita. Porém, outra compreensão para o termo, arrolando um sentido mais amplo, foi desenvolvida por Durkheim, da tradição sociológica moderna, sendo bastante difundida atualmente. Nesta baliza de pensamento elas seriam “criadoras de identidades” do núcleo social, isso porque os “fatos sociais são compreendidos como instituição”.
Revel relembra que, há muito, a tradição de pensamento sociológica foi desprezada pelos estudiosos, restringindo assim ao estudo político-jurídico, mas com o passar dos anos a abordagem sócio-histórica foi adquirindo vários adeptos. Essa mudança é chamada pelo autor de “evolução historiográfica”, onde os estudiosos passaram a tratar as relações sociais como constructos das instituições. Outro ponto abordado pelo autor vem a ser o estudo da posopografia ou biografia coletiva que seria um método utilizado na história, o qual permite observar os grupos sociais em suas dinâmicas internas e seu relacionamento com outros grupos.
O artigo “Michel de Certeau historiador: a instituição e seu contrário” vai desenvolver uma análise sobre a importância dos estudos de Certeau e o quanto este intelectual continua sendo amplamente estudado na academia por conta de suas pluralidades e perspectivas. Para iniciar essa análise, o Revel traz três momentos diferentes da obra de Certeau. O primeiro exemplo é uma obra em que Certeau tematiza sobre a espiritualidade jesuítica no início do século XVII. Jacques Revel procura dissertá-la demonstrando que a mesma se apresenta como uma não separação das experiências individuais e coletivas das instituições sociais. O segundo exemplo vem a serem os escritos que permeiam “A operação historiográfica”, discussão que ganhou força no terreno dos historiadores na contemporaneidade. De acordo com Revel a marca maior da operação historiográfica diz respeito à assertiva sobre a compreensão do oficio do historiador que ganha legitimidade a partir do lugar social na qual é produzido. O terceiro exemplo seria a imagem do próprio Certeau como um homem que gostava de viver em grupo, um homem plural.
No artigo subsequente “Máquinas, estratégias e condutas: o que entendem os historiadores”, Revel objetiva analisar o pensamento de Michel de Foucault e como esse pensador influenciou os historiadores em suas produções intelectuais, assim como a sua recepção na historiografia. O autor mostra que Foucault preocupou-se em pensar a função do autor, reflexão que os historiadores não tinham atentado em fazer até àquele momento. Para Revel os textos de Foucault são interpretados de diversas formas muitas vezes o deformando por completo. Em um texto de Foucault é como se existissem vários Foucault’s, isso porque os leitores construíram várias imagens muitas vezes deturpadas sobre ele. O “incômodo” de Revel nesse sentido refere-se ao fato que diversos historiadores se encontram satisfeitos com determinadas leituras reducionistas que são feitas ao pensador francês.
Para aprofundar sua análise o autor traz três imagens dele. O primeiro Foucault foi “descoberto” nos anos 60, este se aproxima muito das propostas dos Annales, e, assim como os historiadores de sua geração, Foucault produzia uma história estrutural. O segundo Foucault é aquele que trouxe a tona o conceito de “estratégia”, conceito esse que fez bastante sucesso entre os historiadores durante os anos 70. O terceiro é o Foucault seria aquele preocupado com as “condutas”, onde voltou-se a pensar sobre as relações de poder. A partir dessas três imagens, Revel vai elaborando uma análise de algumas obras consideradas importantes (Historie de La sexualité, L’ Archéologie Du savoir e etc.), trazendo conceitos de fundamental importância para a compreensão da trajetória de Foucault e assim este era visto pelos historiadores.
O artigo “Siegfried Kracauer e o mundo de baixo”, o Jacques Revel procura mostrar algumas reflexões feitas a partir da obra de Kracauer, onde este faz críticas sobre o campo da história. Primeiramente, Revel descreve uma pequena biografia do autor, assinalando inicialmente que este não era historiador e o seu interesse pela história aconteceu tardiamente, mas isso não o impediu de fazer um debate sobre o ofício de estudar o passado. Em sua obra History. The last things before the last. Kracauer traz algumas discussões sobre a cientificidade da história, historiadores, filmes e literatura.
De acordo com Revel, a questão da cientificidade da história é discutida em sua obra maneira enfática. Seguindo esta proposta, Kracauer alimenta a compreensão da história como uma disciplina da ciência social. Ele também promove um debate filosófico sobre as propriedades epistemológicas da história apoiando-se nas ideias de Dilthey, tomando por base os argumentos produzidos desde o fim do século XIX sobre tal discussão. Para ele a história pode reivindicar-se enquanto ciência social, a partir do momento em que ocorrem fenômenos que podem ser analisados e compreendidos em suas relações a partir de determinadas regularidades.
A segunda argumentação vem a ser do ofício dos historiadores, onde este trabalha com as fontes, que para ele são a “incompletude e a heterogeneidade das experiências humanas no tempo”. Revel relembra que Kracauer descrevera o modo como eram vistas as fontes no século XIX, sendo entendidas como detentoras de uma verdade absoluta e incontestável. Dando continuidade às suas reflexões, ele fala sobre literatura e filmes. Para ele, é importante se pensar no conceito de realidade. Segundo Revel, Kracauer faz uma analogia entre o literário e o historiográfico: o primeiro é livre de qualquer distinção realista, pois este vai compor a realidade a qual está inscrito, já o historiador não possui essa liberdade e é preso uma realidade limitada pelos indícios e fragmentos do passado que ganham personificação através das fontes.
O sétimo artigo “Recursos Narrativos e Conhecimento Histórico”, o autor vai abordar algumas contribuições do historiador Lawrence Stone que investiu nos programas de história científica entre os anos de 1930 e 1960. Segundo Revel, era necessário reintroduzir no debate historiográfico as questões da história científica, os dois historiadores que se encarregaram de tal desafio foram Stone e Carlo Ginzburg. Ambos produziram trabalhos no qual pensavam sobre tal problemática, a fim de “resgatar” o problema da narrativa na abordagem historiográfica.
Além desses autores Jacques Revel relembra a contribuição de outros pensadores sobre essa problemática. Podemos destacar a pessoal de Momigliano que se propôs a também pensar sobre as funções e os usos da narrativa, assim como Paul Ricoeur que aferiu um profundo debate sobre tal tema em muitos de seus trabalhos. O autor esclarece o quanto esse debate sobre a narrativa histórica já perdura por algum tempo, e que ainda se revela instável.
Revel também nos mostra a mudança na concepção de história ao longo dos anos. Se antes a compreensão histórica era vista como um “repertório de exemplos e lições a serem seguidas”, ela passou por inúmeras transformações, o que o autor chamou de “virada capital da historiografia”. Para ele, essa mudança ocorreu principalmente por conta de dois fatores. O primeiro fator vem a ser a desqualificação da retórica como instrumento de conhecimento. O segundo é a própria mudança na concepção de história que alimentamos. Com todas essas transformações, alterou-se também o papel do historiador, sua relação com o objeto, e, concomitamente, exercício crítico das fontes históricas.
No penúltimo texto, “A biografia como problema historiográfico”, como o titulo indica, é feita uma análise da utilização da biografia no campo historiográfico. A biografia como gênero amplamente utilizado nas produções historiográficas, possibilita uma variedade de públicos leitores, o que facilita a sua popularidade. Outro aspecto retratado por Revel vem a ser a conjuntura científica em torno da biografia. Nesse foco Revel toca nos debates referentes a duas questões que permeiam o tema: o “problema da biografia histórica” e “a biografia como problema”. Esse debate, para o autor, é “tão velho como a própria historiografia”. Para começar a discussão Revel compara os escritos de Aristóteles entre poesia e história. A poesia ou qualquer outra narrativa de ficção permitem a generalização, a modelagem da experiência humana, já a história está submetida à experiência, e no caso da biografia essa experiência é voltada para o indivíduo.
Com relação a uso da biografia como gênero historiográfico esta se encontra limitada a utilização das fontes. O ponto central do projeto biográfico é a importância de se analisar uma experiência singular e situá-la no contexto social, isso torna tal gênero pautado em complexidade. Para finalizar o autor propõe a utilização de três tipos de biografias: biografia serial (prosopografia), a biografia reconstruída em contexto e biografia reconstruída a partir de um texto (frequentemente utilizado na autobiografia).
O último artigo, intitulado “O fardo da memória”, é dedicado a discutir a experiência histórica e a memória da França. Nele, Revel destaca três tipos de memórias. A primeira é a comemoração. No final do século XX a França teria celebrado muitos fatos importantes do passado francês (datas comemorativas). A segunda forma de memória é a patrimonialização a questão da consciência com o patrimônio, que aconteceu tanto no campo ideológico como nas construções de museus. A terceira forma é a produção da memória, a própria mudança na escrita da história, o que antes era restito aos grandes homens passou estar vinculado às memórias esquecidas, ou seja, historiadores e memorialistas começaram dar visibilidade às narrativas da história “vista de baixo”. Para Revel essas três formas estão interligadas e contribuem para se pensar a memória com relação à história francesa contemporânea
A proposta feita por Jacques Revel à luz de tais perspectivas centra-se em torno de pensar a produção historiográfica na França, do século XX até a contemporaneidade. A partir desse foco, o autor procurar mostrar em sua obra os movimentos e as transformações sofridas no ambiente acadêmico, o hasteamento das disciplinas ao status de ciência, assim como a influência dos Annales na “construção” do conhecimento histórico, através da renovação da pesquisa histórica.
Em sua plenitude, o livro revela um enriquecedor conteúdo, propondo ao leitor apontamentos e compreensão acerca das ciências sociais e suas contribuições no campo historiográfico. O Revel procurou explanar sua proposta, mostrando ao longo dos nove artigos a importância das ciências sociais e sua proximidade com a história.
Referência
REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed UFPR, 2010.
Samila Sousa Catarino – Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura.
REVEL, Jacques. História e Historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Editora UFPR, 2010. Resenha de: CATARINO, Samila Sousa. Nos rastros da História: análise da obra “História e Historiografia – Exercícios críticos”, de Jacques Revel. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.2, n.1, p. 330- 335, 2013. Acessar publicação original [DR]
A natureza dos rios: história, memória e territórios | Gilmar Arruda
O livro organizado por Gilmar Arruda figura entre os mais recentes estudos sobre as relações entre história, espaço e natureza ao examinar as interações entre as sociedades e o meio ambiente. O livro procura mostrar que os rios também fazem parte da natureza e, portanto, devem ser objeto para os pesquisadores que colocam em pauta as questões ambientais, entre outras. Desse modo, A natureza dos rios: história, memória e territórios, reúne textos de historiadores, sociólogos e antropólogos que exploram algumas possibilidades de estudos sobre os rios.
A coletânea é composta por uma apresentação feita pelo organizador e por mais oito textos que discutem como as concepções e as ações humanas sobre as águas dos rios conseguiram transformar o território, a memória e a história. Os conflitos e as disputas pelo domínio do espaço natural, os impactos da modernização tecnológica, o contato com as populações ribeirinhas, as formas de utilização e alteração das águas são alguns dos temas presentes no livro e que nos ajudam a desvendar a “natureza dos rios” e seus significados ao longo desses processos. Ao abordar tais temas, os autores utilizaram relatórios de expedições, correspondências de engenheiros e autoridades políticas, mapas e obras publicadas no final do séc. XIX e início do séc. XX. Tais fontes são importantíssimas ao revelar como é possível entender melhor a relação entre história e natureza, sociedades e meio ambiente, tendo os rios como foco central. Leia Mais