Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da história e filosofia da educação como disciplina acadêmica – BONTEMPI JÚNIOR (C)

BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da história e filosofia da educação como disciplina acadêmica. Uberlândia: Edufu, 2015. Resenha de: MUSTAPHA, Samir Ahmad dos Santos. Conjectura, Caxias do Sul, v. 21, n. 3, p. 666-671, set/dez, 2016.

Bruno Bontempi Júnior apresenta em livro a tese defendida em 2001. O autor conseguiu, no trabalho trazer à luz uma geração de intelectuais da educação que, nas décadas de 50 e 60 (séc. XX), se constituiu em importante espaço científico e de atuação nos fatos políticos do período.

O livro retrata a evolução da universidade como espaço de pesquisa e de formação de quadros intelectuais para uma carreira no ambiente de uma cátedra. Também observa o processo de ambientação em uma cadeira e a definição de saberes em disciplinas, no caso, a constituição do campo de história e filosofia da educação. Leia Mais

Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica – BONTEMPI JR. (RBHE)

BONTEMPI JR., Bruno. Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Uberlândia: Edufu, 2015. Resenha de: BOTO, Carlota. Entre planos de aula e projetos de universidade: Laerte Ramos de Carvalho revisitado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 353-359, jul./set. 2016.

Em boa hora é publicada a tese de doutorado de Bruno Bontempi. Trata-se de livro recém-saído do prelo, sob o título Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Fruto de tese de doutoramento defendida na PUC de São Paulo, o livro reconstitui com maestria o percurso de uma investigação sólida, muito bem ancorada em fontes documentais diversas, que, a partir de inúmeros acervos, investiga a trajetória do intelectual, dando atenção à história oral, indagando o conteúdo de discursos de formaturas, cartas trocadas com os amigos e colegas, documentos administrativos, publicações periódicas, livros publicados por Ramos de Carvalho e artigos registrados no jornal O Estado de S. Paulo. Bruno Bontempi resgata aquilo que considera ser a “identidade cognitiva” da disciplina História e Filosofia da Educação, dada a partir de um processo de embates, conflitos e acordos entre os sujeitos que estavam à volta dela.

A pesquisa de Bontempi demonstra como se articulavam os processos de constituição de um campo do saber e de uma matéria de ensino, mediante a regência de Ramos de Carvalho.

Além disso, o estudo volta-se para indagar como essa prática da história da educação marcou e foi marcada pelo lugar social de Ramos de Carvalho enquanto articulista do grande jornal paulistano. Isso, segundo Bontempi (2015, p.16), teria dado à disciplina História e Filosofia da Educação “uma feição particular, inédita e diferenciada da que fora inicialmente forjada nos currículos dos cursos de formação do magistério”. A tese agora transformada em livro parte do pressuposto segundo o qual o estudo de uma disciplina acadêmica deve ter como alicerce, não apenas o estudo interno de seus temas, seus programas de curso e procedimentos didáticos, mas também as relações institucionais que cercam a constituição da mesma matéria, suas “interferências políticas e sociabilidades” (Bontempi, 2015, p.17).

Como bem argumenta Maria Lúcia Hilsdorf no prefácio da obra, a tese de Bruno comprova o rigor e o vigor da ação pedagógica e político-institucional de Laerte Ramos de Carvalho, posto que, como intelectual, ele conseguiu “demolir uma tradição disciplinar, construir outra, instituir um saber científico, ensinar novas práticas, constituir discípulos, colocar a história da educação no debate público e dar-lhe um novo significado” (Hilsdorf, apud, Bontempi, 2015, p.13).

Remetendo-se, no início do livro, à historiografia da educação brasileira, Bontempi evidencia o quanto a orientação de Laerte Ramos de Carvalho teria marcado toda uma geração de pesquisadores, os quais produziram obras clássicas, que, assim como o trabalho de seu orientador, também impregnariam a constituição e o percurso da história da educação brasileira. A tese de Bontempi possui, como hipótese central, a suposição de que as marcas na produção acadêmica no campo da história e filosofia da educação derivariam em larga medida de uma formação disciplinar distinta e da “preocupação com a formação de conhecimento novo em história por parte de Laerte Ramos de Carvalho” (Bontempi, 2015, p.33).

O trabalho elabora um minucioso estudo do discurso predominante na USP sobre sua própria missão. Desde a fundação, passando pelos anos 40 e chegando aos 60, havia a clara compreensão de um ideal civilizatório, como se a Universidade tivesse por meta regenerar o país de suas defasagens no que toca à cultura letrada. A análise dos discursos de formatura mostra as semelhanças existentes entre os ideais de universidade, mas mostra também as diferentes interpretações que tinham os universitários da época a respeito da vocação cultural da vida universitária. Assim, o discurso técnico-profissional dos politécnicos iria na direção contrária do discurso eminentemente propedêutico produzido pelos sujeitos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O discurso de Ramos de Carvalho, como representante de turma em sua formatura, no ano de 1942, por sua vez, abordava a dramaticidade do tempo de guerra que envolvia os formandos, o Brasil e o mundo naquela época. Assim, se havia um debate dominante, havia também vozes singulares; e Bontempi – como exímio historiador que é – sabe buscar tanto as similaridades quanto, sobretudo, as diferenças.

O livro também aprofunda a relação de Laerte Ramos de Carvalho com a pesquisa em história e com o campo da filosofia, tanto no âmbito da própria USP quanto de sua tensa relação com o Instituto Brasileiro de Filosofia. Para tanto, a pesquisa esmiuçou o modo pelo qual se constituíram as cátedras na USP e o conflito existente entre esse regime de trabalho e o sistema de contratos temporários celebrado para a recepção dos professores estrangeiros, em particular os da missão francesa. Depoimentos de intelectuais do porte de Florestan Fernandes e Antonio Cândido evidenciam o quanto os catedráticos escolhiam aqueles que consideravam ser os seus sucessores naturais. Entre os alunos, assim, o tratamento dado privilegiava relações que fariam parte de um aprendizado externo à sala de aula, o qual poderíamos chamar de “currículo oculto” da instituição, posto que estava para além das aulas, além dos seminários, representando o que Florestan Fernandes considerava ser um “treinamento muito mais avançado e muito mais rigoroso” (Fernandes, apud, Bontempi, 2015, p.109). Esse processo extra-classe tinha consequências: “a competência e qualidade intelectual que o assistente ostentava no momento de sua nomeação desfazia qualquer aparência de „compadrio‟ por ocultar o fato de que a própria excelência do escolhido era produto de uma educação especial e privilegiada” (Bontempi, 2015, p.110).

Laerte Ramos de Carvalho – como diz Bontempi – foi um desses “alunos incomuns” que assumiu a função de assistente de Cruz Costa por uma longa temporada na Universidade de São Paulo. Seu período como assistente durou de 1943 até 1955. Nesse período, Ramos de Carvalho seguia as diretrizes do programa de investigação de Cruz Costa, centrado no estudo da história das ideias no Brasil. Bruno Bontempi demonstra quais são as convergências de ideias entre os dois pensadores e quais teriam sido as premissas que singularizavam o trabalho de Ramos de Carvalho frente ao catedrático com o qual ele trabalhava. Já o Instituto Brasileiro de Filosofia, que era liderado por integrantes da Faculdade de Direito não reconhecia a relevância do trabalho de Ramos de Carvalho. Poucas são as menções a ele na Revista Brasileira de Filosofia; e, quando aparecia alguma remissão à sua obra, havia algum tom de desdém. As divergências que teve com Miguel Reale, do ponto de vista teórico e no que toca à atuação política, são também objeto do trabalho de Bontempi, mostrando as contradições entre esquerda e direita, bem como as tensões em cada um desses grupos no Brasil daquela época.

O livro resgata a intrincada relação existente entre o jornal O Estado de S. Paulo e a Universidade de São Paulo, desde 1934, quando de sua fundação. Como se sabe, Julio de Mesquita Filho pertencia a um setor das elites paulistas que criticava as então oligarquias, anquilosadas no PRP. Próximo da herança da Liga Nacionalista e dos integrantes do Partido Democrático, o jornal foi protagonista no movimento de 32, mas sempre com um tom crítico, pontuando com insistência a necessidade de se superar o modelo político então existente através de uma vasta ação cultural, que possibilitasse a ascensão de novos grupos ao poder. Para Julio de Mesquita Filho, havia de se criar uma nova elite: uma elite cultural, capaz de mobilizar os maiores talentos em todas as camadas da sociedade. Esse seria o papel da USP. Como diz Bontempi (2015, p.145) sobre o assunto: “à universidade, cujo centro integrador seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, caberia a tarefa de formar as elites ilustradas, único grupo social capaz de realizar positivamente a obra de regeneração política da sociedade brasileira, mas também de formar o profissional secundário e superior”.

A partir de 1946, Ramos de Carvalho torna-se colaborador do jornal O Estado de S. Paulo. Na ocasião, consta que dois filhos de Julio de Mesquita Filho teriam comentado com o pai sobre a qualidade acadêmica e didática de Ramos de Carvalho, que fora professor deles. Uma versão alternativa – mostra Bontempi – diz que outros ex-alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que já trabalhavam no jornal, dentre os quais Lourival Gomes Machado, teriam convencido Mesquita Filho de que as ideias expostas por Ramos de Carvalho em suas aulas seriam bastante próximas dos ideais perfilhados pelo grupo d‟ O Estado de São Paulo.

Outro aspecto bastante original do trabalho de Bontempi é a discussão trazida a propósito da perspectiva de Laerte Ramos de Carvalho sobre o ensino secundário. Professor que foi de ginásios paulistanos, Ramos de Carvalho valeu-se da sua pena como articulista do Estadão para comentar sobre as insuficiências e sobre o que ele acreditava ser as irregularidades do ensino secundário paulista, em especial nos estabelecimentos particulares de ensino. Esses não eram submetidos a uma inspeção rigorosa do governo; e, além do mais, aviltavam a profissão de professor, com o esquema de “salário-aula”.

Em 1948, Laerte Ramos de Carvalho assumiu como assistente a cadeira de Filosofia e História da Educação. O trabalho de Bontempi demonstra que, desde então, a cadeira sofreria uma profunda mudança em seu funcionamento. Antes de Ramos de Carvalho, a matéria era ministrada por José Querino Ribeiro e Roldão Lopes de Barros, que imprimiam a ela apenas a estatura de ensino. Não havia para esses professores a articulação do ensino com a pesquisa ou produção do conhecimento. Bruno Bontempi faz um criterioso resgate da maneira pela qual os programas das disciplinas de Filosofia e História da Educação eram organizados. A despeito de não ter havido preocupação em formalizar as alterações no programa de curso oficial, os diários de classe evidenciam as mudanças que Ramos de Carvalho imprimiria à disciplina. Houve a inclusão e o desenvolvimento de inúmeros temas e problemas relativos à história da educação brasileira, dentre os quais a discussão contemporânea sobre os trâmites da LDB e a elaboração do Manifesto de 1959. Houve a substituição, por exemplo, das sabatinas por arguições. Houve a introdução de seminários e trabalhos práticos, que passam a ser considerados tão importantes quanto as preleções teóricas. Houve também a inclusão no curso dos textos clássicos, na tradição que vinha do modelo europeu adotado pelos professores da missão francesa. A partir dali os estudantes seriam contemplados com o acesso aos próprios escritos dos autores estudados; sem que houvesse, como anteriormente, o privilégio de comentadores.

Há preocupação, por parte de Bontempi, em vistoriar as redes de sociabilidades que engendravam relações institucionais e lugares de poder. Nesse sentido, são evidentes as estreitas relações de Laerte Ramos de Carvalho com dois intelectuais que também foram decisivos na história da Faculdade de Educação da USP: Roque Spencer Maciel de Barros e João Eduardo Villalobos. Ambos haviam sido alunos de Ramos de Carvalho no curso secundário e ambos teriam também um papel destacado de liderança intelectual tanto na futura Faculdade de Educação da USP quanto no jornal O Estado de S. Paulo.

O livro apresenta, de maneira extremamente arguta, as ideias centrais dos trabalhos teóricos de Ramos de Carvalho; em especial, daquele que se tornaria seu clássico e que foi apresentado como tese quando o docente concorreu a concurso de provimento da cátedra de Filosofia e História da Educação, em 1952: As reformas pombalinas da instrução pública. Esse livro – fruto de investigação rigorosa na Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca da Universidade de Coimbra e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa – desenvolvia a hipótese de que as reformas pombalinas traduziram – como diz Bontempi – o espírito de seu tempo, tomando, portanto, a fisionomia política do período histórico no qual estavam inscritas. A tese de Ramos de Carvalho foi reconhecida e aplaudida não apenas pelo campo da filosofia e da educação, mas fundamentalmente – nas palavras de Eduardo de Oliveira França (apud, Bontempi, 2015, p.237) pela “confraria dos historiadores”.

Finalmente, o trabalho de Bontempi ilumina o papel de Ramos de Carvalho como organizador de um amplo programa de pesquisas, que envolveu a elaboração de inúmeras teses, articuladas a um determinado modo de conceber a história, a educação e a periodização da história da educação. Ramos de Carvalho mostrava a necessidade de fazer com que a organização dos períodos nos quais se escreve a história da educação não fosse um decalque da periodização da história política. E isso seus orientandos aplicaram em seus trabalhos; com Jorge Nagle, por exemplo, mostrando o papel que os anos 20 tiveram na consolidação do que chamou de “entusiasmo pela educação”. O lugar do orientador Ramos de Carvalho era sistemático, envolvendo reuniões de seu grupo de pesquisadores, com pautas que envolviam partilha dos trabalhos dos pesquisadores entre si, troca de informações e possíveis reformulações conjuntas dos rumos de cada investigação.

Ao estudar o caso específico de Laerte Ramos de Carvalho, Bruno Bontempi recupera o que havia de melhor em sua geração, trazendo elementos preciosos para que se compreenda a história da Universidade de São Paulo e, mais particularmente, uma parte da história de um campo de investigação que posteriormente se bifurcou nas áreas de Filosofia da Educação e de História da Educação. Por isso, trata-se de uma leitura fundamental para quem estuda a história das disciplinas, para quem estuda a história das instituições e para quem queira compreender a universidade. Bruno Bontempi é um historiador ainda jovem; mas essa tese foi escrita em momento inicial de sua carreira. Por ser assim, é absolutamente surpreendente a maturidade de sua análise, a argúcia de seus comentários, a precisão de suas conclusões. Trata-se de um trabalho para ser lido por historiadores, por pedagogos e por todos que pretendam compreender melhor como se deu a história da universidade, tal como ela foi arquitetada em terras brasileiras.

Carlota Boto – Pedagoga e historiadora, mestre em História e Filosofia da Educação pela FEUSP, doutora em História Social pela FFLCH/USP e livre-docente em Educação pela FEUSP. Professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP. E-mail: reisboto@usp.br

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O Café de Portinari na Exposição do Mundo Português: modernidade e tradição na imagem do Estado Novo brasileiro – LEHMKUHL (RBH)

LEHMKUHL, Luciene. O Café de Portinari na Exposição do Mundo Português: modernidade e tradição na imagem do Estado Novo brasileiro. Uberlândia: Edufu, 2011. 268p. il. Resenha de: PIAZZA, Maria de Fátima Fontes. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.31, n.61, 2011.

O livro O Café de Portinari na Exposição do Mundo Português: modernidade e tradição na imagem do Estado Novo brasileiro, da historiadora Luciene Lehmkuhl, docente na Universidade Federal de Uberlândia, foi originalmente tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e está inserido metodologicamente nas fileiras da História Cultural, que com rara sensibilidade adentra na chamada ‘virada pictórica’ (pictural turn).

Café (1935),1 óleo sobre tela do pintor de Brodósqui, é visto como um ícone da história cultural brasileira. Pertence ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes, e com esse quadro Portinari ganhou a segunda menção honrosa do Carnegie Institute, em Pittsburgh, no ano de 1935, distinção obtida por Salvador Dalí e Kokoschka. Da tela despontam trabalhadores braçais negros colhendo café e carregando sacos do produto, na época o principal item de exportação do Brasil e símbolo da pujança nacional.

Essa tela é simbólica das contradições inerentes à sociedade brasileira egressa de séculos de escravidão, mas dela também emergem representações que irão povoar a obra portinariana com suas colonas, com seus lavradores, com seus negros e mestiços, com suas culturas agrícolas – como a cafeicultura – que integram o universo da sua produção pictórica.

Café foi a “nota dissonante à harmonia estética” – na feliz expressão da prefaciadora da obra, professora Maria Bernardete Ramos Flores – no conjunto de obras brasileiras que integraram o “Stand de Arte” do Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português, que se realizou em Lisboa, em 1940, comemorativa aos centenários portugueses. As obras expostas são egressas do Museu Nacional de Belas Artes e estão em consonância com a hierarquia de gêneros, como a pintura de história, a pintura de retrato, a pintura de gênero, a pintura de paisagem e a pintura de natureza-morta. Essas obras transitam entre o realismo, o impressionismo, o simbolismo e o naturalismo.

Nesse conjunto pictórico de 24 óleos, Café não está em consonância com o conjunto apresentado de características ‘acadêmicas’ ou da arte tradicional. Além disso, o “Stand de Arte” não é representativo da produção artística brasileira da década de 1930, pois ignora Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro, entre outros. O que mostra que a estética modernista em ebulição no Brasil não era unanimidade no campo cultural e nas hostes estado-novistas.

Com base nesses dados a autora propõe várias questões, entre as quais: por que Café integrou essa exposição do Estado Novo português, uma pintura modernista num lugar dedicado à tradição? Por que a comissão organizadora do “Stand de Arte” do Brasil selecionou Café entre tantas obras representativas da estética modernista? Por que Café mereceu tanta visibilidade naquela exposição? Que imagem o Brasil estado-novista levou para as comemorações nacionalistas da sua ex-metrópole?

Para respondê-las, a autora com argúcia se debruçou sobre arquivos e bibliotecas do Brasil e de Portugal e perquiriu cuidadosamente o acervo dessas instituições, sem descuidar do cotejo entre as obras do Museu Nacional de Belas Artes que atravessaram o Atlântico e foram expostas no Pavilhão do Brasil. O que denota o trabalho criterioso de Luciene Lehmkuhl, quanto ao métier do historiador.

A escolha de Café para integrar o “Stand de Arte” do Pavilhão do Brasil deve-se, entre outros motivos, ao capital simbólico da obra que tinha sido premiada pela prestigiada instituição estadunidense e ao fato de ser considerada um símbolo da arte moderna brasileira pela crítica nacional e internacional. Também, Portinari integrava uma importante rede de sociabilidade intelectual que abrangia até mesmo a burocracia estatal, o que permitiu encomendas oficiais (as obras para o Ministério da Educação e Saúde Pública) e a realização da Exposição Portinari no Museu Nacional de Belas Artes, em 1939.

A autora chama atenção para a magnitude do Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português às margens do Tejo, o qual é emblemático da “coroação da campanha da formação da intimidade luso-brasileira”. No bojo da política nacionalista, o Estado Novo português queria mostrar ao mundo o Brasil com uma “imagem forte”, ao passo que Portugal potencializava sua imagem virtual de “berço de descobridores e de criadores de nações”.

Se o conjunto pictórico apresentado pretendia mostrar a autoimagem do Brasil à ex-metrópole ibérica, o que sobressaiu são paisagens bucólicas, naturezas-mortas, nus femininos e Lindoia (uma índia, bem ao gosto oitocentista). O que corrobora a visão de que o “Stand de Arte” estava imerso na tradição acadêmica da arte brasileira, compatível com a orientação das instituições oficiais, como o Museu Nacional de Belas Artes, sob a direção de Oswaldo Teixeira, e o Salão Anual.

O impacto visual causado por Café entre pinturas identificadas como acadêmicas propiciou que Portinari e sua obra ficassem conhecidos em Portugal e se tornassem assunto da imprensa portuguesa. A repercussão envolveu o campo cultural daquele país nas discussões sobre questões centrais e prementes em torno da arte moderna no Brasil e em Portugal, como nacional/internacional e arte pura/arte social, além das aproximações arte/vida e arte/política.

A recepção de Café, em 1940, marcou indelevelmente os caminhos a serem trilhados pelos artistas e pela crítica de arte em Portugal. A historiografia da arte em Portugal menciona Café como um ponto de inflexão na história do modernismo português; para alguns, teve importante papel no estabelecimento do neorrealismo naquele país. A autora adverte que Portinari só foi recuperado pelos neorrealistas portugueses em 1946, quando concedeu entrevista ao poeta, ensaísta e pintor Mário Dionísio, após a exposição na Galerie Charpentier, em Paris.

Café é visto como o melhor exemplo da estética modernista brasileira, embora na Exposição do Mundo Português tenha sido exposto em meio à preponderância da imagem da tradição do Estado Novo brasileiro.

O livro de Luciene Lehmkuhl é de suma importância para a história da arte brasileira, merece ser lido não só pelos acadêmicos que se debruçam sobre história e arte, imagens, práticas historiográficas, acervos documentais e visuais. Deve-se proceder à leitura como a “uma operação de caça” – no sentido proposto por Michel de Certeau – na qual se descobrem muitas sutilezas metodológicas.

Notas

1 Café (1935), pintura a óleo sobre tela, 130 x 195 cm. Assinada e datada no canto inferior esquerdo, “Portinari Brasil 935”. Coleção Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Maria de Fátima Fontes Piazza – Doutora pelo PPGH/UFSC. Departamento de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFSC. Campus Universitário. 88040-900 Florianópolis – SC – Brasil. E-mail: md.piazza@uol.com.br

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A história de Pierina: subjetividade, crime e loucura – WADI (RHR)

WADI, Yonissa Marmitt. A história de Pierina: subjetividade, crime e loucura. Uberlândia: EDUFU, 2009. 464 p. Resenha de: CONEGLIAN, Lucimar. Revista de História Regional v.15, n. 2, p.283-287, Inverno, 2010.

A História de Pierina: subjetividade, crime e loucura é resultado do trabalho de doutorado de Yonissa Marmitt Wadi, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. A autora tem como temáticas de pesquisa: história da loucura e da psiquiatria; cultura, gênero e memória; sociedade e desenvolvimento regional; e práticas culturais e identidades.

Pierina Cechini – a protagonista do livro – nasceu no ano de 1880, foi a sexta fi lha de Antonio e Maria, italianos imigrantes. Na manhã da segunda feira, dia 26 de abril de 1909, no dia da missa de sétimo dia da morte de seu pai, ela cumpriu a promessa que vinha fazendo há alguns meses: matou sua fi lha de dezessete meses de idade através do afogamento em uma tina de lavar roupa. Esse ato desencadeou no indiciamento de Pierina e posteriormente sua internação no Hospício de São Pedro, de Porto Alegre.

Mas o que traz de relevante Pierina para que, quase um século depois de sua existência, estimular uma pesquisadora a produzir uma tese de doutorado sobre sua história? Nas palavras de Wadi, o resgate da história de “uma mulher singular” mostra “quão amplas e diversas, confl itantes, tensas e controversas podem ser as dimensões e possibilidades de uma vida” e contribui “na tarefa de desvelar como é múltiplo o social e quanto podem ser enganosas as impressões sobre a ‘importância’ de certos sujeitos sociais” (p. 25). Pelo olhar de Wadi, Pierina oportuniza a descrição da vida quotidiana de uma mulher pobre, fi lha de imigrantes italianos, que viveu nos primeiros anos do século XX, no município de Garibaldi, no Estado do Rio Grande do Sul.

Fato interessante a destacar é que, ainda que o livro tenha rendido 464 páginas, as fontes diretamente ligadas à biografada foram poucas: o registro policial de um crime e algumas cartas escritas por Pierina quando interna em um hospital psiquiátrico. Com essas parcas fontes, associada a uma farta pesquisa histórica sobre a dimensão de gênero e de loucura naquele período, a autora desvela com maestria a condição do feminino das imigrantes. A pesquisa contribui com informações sobre diferentes aspectos do viver dos imigrantes no início do século XX: a forma de organização da família; as condições econômicas; as questões de distribuição das terras; o acesso aos serviços de saúde; a prática da medicina convivendo com as práticas e crendices populares; o tratamento mental nos hospícios da época.

O livro está dividido em três capítulos. No primeiro, intitulado Caminhos, a autora se aplica na explicação de como era o quotidiano de trabalho dos imigrantes italianos, especialmente das mulheres. Contempla como se dava a relação das famílias com a terra e as distribuições dos lotes feitas pelo governo do Rio Grande. Ainda, nele é apresentada a história pessoal da protagonista – a escolha do noivo, o casamento e as relações com o marido, o nascimento da fi lha.

Wadi contextualiza muito bem aspectos do viver quotidiano da biografada e muito do que está contido nesse capítulo refere-se às possibilidades de existência naquele período histórico. Seguindo Ginzburg (1989), a autora reconstitui a biografi a de Pierina a partir da história de outros “homens e mulheres do mesmo tempo e lugar” (p. 48).

Como a história de tantas outras mulheres suas contemporâneas, Pierina trabalhava nas lidas domésticas e em serviços ligados a terra, cumprindo o papel cultural dado à mulher naquele período histórico. Cabia às mulheres fazer as tarefas domésticas acrescidas de algumas das tarefas na lavoura: o preparo, o plantio e o cuidado das plantações. As tarefas domésticas incluíam não apenas a arrumação da casa e o preparo dos alimentos, mas também a confecção das roupas, do sabão, do artesanato, entre outros, contribuindo, sobremaneira, com a economia doméstica. Sobre esse período de sua vida, Pierina registra, nas suas cartas, o desconforto e o desencanto de viver a vida de uma mulher pobre no início do século XX.

No Capítulo 2, Loucuras…, a autora problematiza aspectos sobre a ‘perturbação e sofrimento’ de Pierina. Existia difi culdade de compreensão, por parte dos familiares e da comunidade de entorno, no entendimento de suas queixas relacionadas ao desgosto e tristeza que sentia. Wadi aponta “que ela queria morrer e que achava que todos da família também deveriam, pois eram muito pobres” (p. 184), sentimento esse que Pierina registrou em seus escritos através da “hideia de querer morer de fome” (p. 198).

Ainda neste capítulo, são retratadas as difi culdades dos imigrantes pobres em relação aos tratamentos médicos, e as relações que interconectavam a medicina, o uso de plantas medicinais e as crendices populares ligadas ao curandeirismo.

No caso de Pierina existiu indícios de a família ter recorrido a várias práticas usuais na época: chamaram o médico que “parece não ter encontrado doença em Pierina” (p. 185), mas, mesmo assim, receitou-lhe remédios. Recorreram ao saber popular manifestado pela atitude de afastar a fi lha da mãe com o intuito de interromper a amamentação, vista como causa do enfraquecimento de Pierina. Foi ainda ministrada a técnica da sangria, “baseando-se na acepção de que o alívio das tensões, provocado pela saída do sangue, poderia restabelecer o equilíbrio de um corpo desequilibrado, portanto doente” (p. 241). Ocorreu também a tutela de cuidados efetivada pelas freiras do convento local, numa mistura de práticas higienista com religiosidade na busca da cura.

Cada uma dessas intervenções pretensamente terapêuticas são discutidas por Wadi em profundidade, resultando esse capítulo em importante fonte de pesquisa histórica nessa temática. O terceiro e último capítulo, descreve a trajetória da protagonista a partir do assassinato de sua fi lha, Elvira Maria. Este capítulo demonstra como as questões de gênero estão imbricadas no inquérito policial, que chamou para testemunhar apenas fi guras masculinas. Isso também direcionou o destino de Pierina, uma vez que Wadi sugere que a lógica masculina à época desconsiderou as queixas de infelicidade que ela há meses manifestava para sua família e conhecidos. Apesar de Pierina ser incansável em sua tentativa de não ser vista como louca – “eu não so loca, eu so criminosa” (p.327) -, fato repetido em suas cartas, na data de 05 de julho de 1909 ela foi internada no Hospício São Pedro.

“A mística de um amor materno inato à natureza feminina surgiu, invocada pelos peritos, para comprovar o caráter distorcido de Pierina” (p. 370). Crime ou ato de loucura? Considerar a ação de Pierina como crime implicaria em qualifi car as razões apresentadas por ela para explicar o ato cometido.

Considero este capítulo especialmente interessante no que diz respeito à descrição da lógica presente naquele tempo histórico sobre a loucura. O quotidiano de tratamento no Hospício São Pedro, com sua ‘terapêutica moral’; as manifestações de insatisfação dos médicos diretores e tentativas de melhoria dos serviços; a laborterapia, geralmente atrelada às questões de gênero, reforçando a normatização dos papéis atribuídos aos homens e às mulheres; estas são questões importantes na compreensão da história da psiquiatria no país.

Pierina queria ser ouvida e, para isso, escreveu. Porém, as cartas de Pierina foram interpretadas como sintomas de doença, frustrando seu intuito de comunicar-se e expor as razões de seu crime. Seu “projeto de comunicação foi totalmente ingênuo, como o de todo escrevente que acredita ser a explicação contida em seus escritos, irreversível ou incontestável” (p. 37). Seu discurso e suas ações foram classificados, como está registrado no Prontuário do Hospício São Pedro como “depressão melancólica com idéias delirantes místicas associadas à perversão dos sentimentos afetivos – psicopatia constitucional” (p. 351). Com o diagnóstico posto, a fala de Pierina ficou desqualificada e silenciada. As razões de a pena ter sido cumprida no hospício e não na cadeia envolve uma série de análises vinculadas às questões de gênero, já que a história das mulheres e a experiência social da loucura, são “espaços onde se cruzam, misturam e confundem-se as relações de gênero, as relações sociais e as relações de poder” (p. 44).

A história de Pierina: subjetividade, crime e loucura é um trabalho exemplar no que diz respeito à conjugação de “sinais, vestígios e pistas tênues deixados pela escritura de Pierina” (p. 25). Wadi, ao retirar Pierina da invisibilidade histórica, qualifica-a como sujeito social importante na compreensão das relações sociais, de gênero e de loucura nos anos iniciais do século XX.

Lucimar Coneglian – Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR. Psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial de Castro. E-mail: luconeglian@ uol.com.br.

Territórios deprimidos: desafios para as políticas de desenvolvimento rural – ORTEGA (HP)

ORTEGA, Antônio César. Territórios deprimidos: desafios para as políticas de desenvolvimento rural. Campinas-SP: Ed. Alínea; Uberlândia-MG: Edufu, 2008. Resenha de: OLIVEIRA, Régis Borges de. Desenvolvimento Rural: enfoque territorial. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 22, n.41 – Jul./Dez. 2009.

A temática do desenvolvimento territorial, nos anos recentes, constituiu-se importante e vasta área de debate no meio acadêmico, com importantes transbordamentos para a prática de gestão de políticas públicas. De caráter multidisciplinar, este campo vem chamando a atenção de economistas, sociólogos, geógrafos e pesquisadores de áreas afins, possibilitando uma visão mais dinâmica das possibilidades e potencialidades do desenvolvimento econômico-social. O enfoque territorial se destaca por sua forma de percepção da realidade através do re-ordenamento espacial do território, sendo este entendido não só estritamente do ponto de vista geográfico, mas agregando características econômicosociais que conferem a algumas regiões características singulares.

A partir dessas singularidades são analisadas as formas de intervenção Estatal (modelo top-down) e o processo de gestão participativa, com demandas locais, coadunando as proposições top-down com as do tipo button-up. Não se trata, portanto, de uma defesa ao localismo. O mote do livro, nesse espectro, é mostrar a importância do capital-social enquanto detonador do processo de gestão participativa, porém, devidamente alicerçado pelo aparato Estatal, concatenando os interesses subnacionais com os de âmbito nacional.

Neste sentido, o autor trabalha esses conceitos aplicando-os à diversa e complexa realidade rural do Brasil, identificando as fragilidades, os retrocessos e os avanços no que diz respeito à trajetória de desenvolvimento rural brasileiro. É de suma importância a ressalva feita pelo autor, que trata o meio rural não apenas como lócus da produção agropecuária. Conforme apontado por Veiga (2002), também são considerados rurais aqueles municípios de baixa densidade demográfica, pequena população e predominância de atividades ligadas a agropecuária.

O livro, referência obrigatória para pesquisadores da área e gestores das políticas públicas, se divide em dez capítulos, abarcando desde discussões preliminares acerca do conceito de desenvolvimento até estudos de caso como mostram os capítulos finais 9 e 10, apresentando as experiências mexicana e chilena, respectivamente, no que tange à descentralização e estratégias de desenvolvimento. Segundo o próprio autor, trata-se de uma obra motivada fundamentalmente pela experiência das aulas nos cursos de graduação e pós-graduação em Economia, sendo portanto, num primeiro momento, de intuito didático. No entanto, o livro vai além das salas de aula, trabalhando de forma precisa a temática proposta, sendo referência para estudos e planejamento de políticas públicas.

No primeiro capítulo, como substrato da discussão geral do livro, Ortega faz uma síntese da evolução conceitual da ideia de desenvolvimento, resgatando desde as escolas positivistas até Keynes e seus sucessores, estabelecendo uma relação entre a ideia de desenvolvimento e seus respectivos períodos históricos.

O capítulo lança luz sobre o esvaziamento do planejamento centralizado e a emergência do planejamento descentralizado, apontando as raízes históricas dessa reversão. É interessante notar como já mencionado, as duas estratégias de planejamento com vistas à adoção de políticas públicas de desenvolvimento territorial, quais sejam: i) uma orientada de cima para baixo (top down), em que o desenvolvimento local é planejado fundamentalmente pela esfera federal; e ii) outra onde a dinâmica é de baixo para cima (button-up) e os planos de desenvolvimento local são elaborados de forma descentralizada, com participação das esferas públicas e privadas locais. Segundo o autor, a segunda estratégia possui maior potencial de desenvolvimento social, caracterizando-se por uma gestão participativa, entre governo e sociedade local. A grande questão é que esta estratégia requer um grau elevado de organização da sociedade-local, interagindo e apresentando propostas/ demandas ao governo central. De extrema lucidez teórica, o livro aponta ainda para as dificuldades em se combinar as duas formas de desenvolvimento local. O ideal seria uma forma de governança mista, com participação local, mas que não se reduza ao localismo ingênuo.

O capítulo segundo está centrado na discussão entre descentralização e capacidade de promoção do desenvolvimento endogenamente. Analisando a América Latina, são considerados os exemplos práticos das estratégias desde baixo (button-up) e desde cima (top-down). O autor questiona a capacidade dos territórios deprimidos em promoverem um processo de desenvolvimento endogenamente, dadas as assimetrias na correlação de poder e interesses. Essa questão se liga umbilicalmente à ideia de embededdness (enraizamento) das relações sociais no território, visto que a racionalidade dos indivíduos não é ilimitada, mas sim restringida pelo contexto social. Ainda assim, existem diferenciações no que diz respeito à habilidade social, chave para cooperação dos atores.

No terceiro capítulo são abordadas questões referentes à concepção de território e territorialidade, mostrando como o enfoque territorial se tornou importante ponto de partida para análises dos fenômenos econômicos. Com a globalização, a ideia era de que o mundo estaria sofrendo um processo de desterritorialização, com rompimento das fronteiras de acumulação do capital. É factual que o processo de acumulação capitalista rompe com as limitações geográficas, porém, justamente apropriando-se das diferenciações regionais, territoriais e espaciais. Alicerçado em diversas visões/autores e confrontando as contribuições seminais sobre a questão dos territórios, Ortega finaliza o capítulo mostrando que o território deve ser concebido a partir de uma perspectiva integradora, articulada em múltiplas escalas, levando em conta as hierarquias, o poder, as classes sociais, elementos macroeconômicos, etc.

A quarta parte se dedica à análise do meio rural brasileiro, apontando suas transformações recentes. É de grande importância reter que o rural deixa de ser sinônimo de produção agrícola, ou melhor, deixa de ser entendido enquanto mero lócus de produção agropecuária. O intuito deste capítulo é mostrar como essas alterações sofridas no meio rural brasileiro devem condicionar a forma de pensar políticas públicas para o campo. O autor aponta para a superação da dicotomia rural-urbano, pois existem municípios cuja dinâmica é fundamentalmente comandada por atividades agropecuárias e, portanto, não faz sentido classificá-los como urbanos. O rural dever ser compreendido enquanto espaço, lócus de conflitos e não como setor da atividade econômica. Por fim, o autor mostra como a agricultura familiar pode contribuir com a construção de pactos territoriais rurais, mostrando a importância dessa agricultura no total da produção agropecuária brasileira e sua inserção competitiva no mercado, comparando a experiência brasileira com a estratégia de desenvolvimento rural europeia, analisando o programa Leader. Com base na experiência europeia, lança os caminhos e desafios do enfoque do desenvolvimento territorial rural (DTR) para a América Latina e o Caribe.

A questão da representação de interesses rurais é tratada no capítulo quinto. Grosso modo, com o processo de modernização da agricultura (adoção dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde), principalmente a partir das décadas de 60 e 70, há a fusão do capital industrial com o capital agrícola, conformando uma agricultura cada vez mais integrada com a indústria. Dessa união capitalista emergem os complexos agroindustriais, ou seja, cada produto gera em torno de si uma cadeia produtiva, demandando políticas específicas e insumos cada vez mais voltados para suas especificidades. Tem-se então o complexo agroindustrial da soja, do café, da cana-de-açúcar, da pecuária de corte, da pecuária leiteira, e assim por diante. Neste contexto a relações de poder e interesses se complexificam, pois, cada complexo agroindustrial defende políticas e incentivos ad hoc.

No sexto capítulo, o autor apresenta a experiência dos conselhos municipais de desenvolvimento rural sustentável (CMDRS).

O processo de modernização da agricultura brasileira foi fortemente concentrado, tanto regionalmente como em alguns tipos específicos de culturas. A grande maioria do crédito subsidiado, destinado à modernização da agricultura, foi canalizada para região centro-sul do Brasil, e para grandes produtores, principalmente de produtos exportáveis, ou seja, grãos e pecuária. Neste sentido, cabe observar que os pequenos e médios produtores ficaram à margem desse processo. Muitos sucumbiram diante da onda modernizante e outros sobreviveram enquanto pequenos produtores.

Pela sua representatividade, tanto em termos de pessoas ocupadas quanto no que diz respeito à produção de insumos e alimentos, a agricultura familiar necessita de políticas públicas que garantam a reprodução e a estabilidade dessas famílias nesse importante segmento da agricultura brasileira. Partindo desse ponto, em 1995 o Governo Federal lança o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), estabelecendo três linhas principais de financiamento: Capacitação; Infra-estrutura e Serviços e Crédito. O autor analisa especificamente cada uma das três linhas, com ênfase nas duas últimas (Infra-estrutura e Serviços e Créditos) por entender que estas têm uma maior relação com políticas de desenvolvimento territorial. Através do estudo de alguns casos, Ortega explicita a importância do PRONAF como instrumento de desenvolvimento rural, cumprindo um papel de mitigação da pobreza nas regiões mais deprimidas do país.

Ainda assim, o autor deixa claro que seria providencial uma maior interação das políticas públicas, coadunando fatores econômicos e sociais, como por exemplo, saúde e educação.

O sétimo capítulo se dedica a apresentação e avaliação das políticas de desenvolvimento territorial em execução no país. A inserção das estratégias de desenvolvimento local na prática de políticas públicas brasileiras teve início nos anos 90, por meio da criação dos Territórios Rurais da Secretaria de Desenvolvimento Territorial ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. São investigadas as principais ações do governo Fernando Henrique Cardoso e as políticas mais recentes arquitetadas no governo Lula.

O texto apresenta com clareza as diretrizes e os objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (PNDRS), arvorado na criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, em 1999. Além disso, apresenta as experiências no âmbito do desenvolvimento local do governo FHC, como: i) o Programa Comunidade Solidária, cujo mote era ocupar um espaço intermediário entre o governo e as organizações da sociedade civil, tornando-se um espaço de debates entre os governos e a sociedade, tendo em vista a convergência de projetos a serem implementados mediante a formação de parcerias; ii) o Programa Comunidade Ativa, conclamando a sociedade civil através de fóruns locais de concertação visando o combate a pobreza e a promoção do desenvolvimento. No governo Lula é analisada a política territorial rural, consubstanciada nos Territórios Rurais e no programa Territórios da Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Por fim, o autor tece considerações sobre as rupturas e continuidades do desenvolvimento territorial rural brasileiro, pontuando que parcela expressiva dos territórios ainda se depara com sérios problemas na condução de processos “autônomos” de desenvolvimento, o que exige maior atenção das políticas públicas, fortalecendo e mobilizando as sociedades locais.

O desenvolvimento territorial rural está, obviamente, ligado à questão da segurança alimentar. Políticas de desenvolvimento territorial devem atentar para a questão da insegurança alimentar e pensar estratégias para mitigação da fome e da pobreza. Nesta perspectiva, o capítulo oitavo se encarrega de estudar os Consórcios Intermunicipais de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSADs), cujo objetivo principal é contribuir com o enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais, visto que a questão da insegurança alimentar é, sobretudo, uma questão de (falta de) acesso, ou seja, de insuficiência de renda. Foi concebido por meio dos CONSADs, no Governo Lula, o Programa Fome Zero, buscando desenvolvimento local e segurança alimentar. O autor apresenta toda a arquitetura dos CONSADs e do PFZ, com o devido mapeamento da população sujeita a insegurança alimentar, bem como aponta os avanços e deficiências desses programas.

No nono e décimo capítulos são abordadas as experiências de descentralização e desenvolvimento rural do México e Chile, respectivamente. No México, destaca o caso do Programa PROGRESA– OPORTUNIDADES como estratégia de desenvolvimento rural. Em linhas gerais, inicialmente o Programa Educação, Saúde e Alimentação (PROGRESA) foi um programa de transferência de renda, lançado em 1999 pelo governo mexicano com o objetivo de garantir que famílias carentes tivessem acesso a níveis suficientes de nutrição e saúde. Passando por modificações, o PROGRESA, que era dirigido estritamente para áreas rurais, se estende para conglomerados urbanos mudando seu nome para oportunidades.

No caso do Chile, cuja experiência no âmbito da descentralização é mais antiga, porém impulsionada nos anos recentes, não há intermediação dos governos municipais com o governo federal na gestão dos programas de desenvolvimento territorial rural. O autor destaca que o processo de descentralização chileno foi peculiar, conformando uma divisão político-administrativa diferente, por exemplo, do caso brasileiro. O processo de consolidação da descentralização chileno vem fortalecendo a criação de representações da sociedade civil, que passaram a atuar mais intensamente com poderes políticos constituídos em nível subnacional.

Aliado ao programa de formação de territórios e desenvolvimento rural, o Chile, assim como o Brasil e o México, possui atuação também no âmbito social através do Programa Chile Solidário.

Criado em 2002, o programa tem como objetivo o combate a pobreza por meio de três etapas envolvendo as famílias beneficiadas.

Na primeira fase, chamado de Programa Ponte (apoio psicossocial) e Aporte Solidário há um processo de acompanhamento da família com o objetivo de construir um “espírito” de superação na unidade familiar. Paralelamente a esse programa, as famílias selecionadas recebem subsídios monetários, e por meio do acesso preferente aos programas sociais; estas têm acesso preferencial aos programas sociais, públicos e privados. Por fim, é feito um balanço comparativo das diversas experiências, analisando os diferenciais e aspectos positivos a serem considerados na formulação de programas sociais.

A quantidade de informações e o núcleo teórico utilizados em “Territórios Deprimidos: desafios para as políticas de desenvolvimento rural” fazem dessa obra importante marco na forma de pensar políticas públicas de caráter estruturalistas de combate efetivo às, historicamente marcantes, desigualdades sociais do Brasil em específico e da América Latina em geral. Em um contexto de esvaziamento da atuação do Estado e de foco conjunturalista das políticas públicas, o livro lança luz sobre questões fundamentais, chamando a atenção para a mobilização da sociedade civil e para a indispensável e providencial atuação do Estado, sobretudo, naqueles territórios onde o grau de organização social é incipiente.

Régis Borges de Oliveira – Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia, atualmente é aluno do programa de Mestrado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente da Universidade Estadual de Campinas, bolsista do CNPq.

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A escrita da História: livro didático e ensino no Brasil (1970-1990) – GATTI JÚNIOR (AN)

GATTI JÚNIOR, Décio. A escrita da História: livro didático e ensino no Brasil (1970-1990). Bauru: EdUSC; Belo Horizonte: Editora da UFU, 2004. 252p. Resenha de ROIZ, Diogo da Silva. Anos 90, Porto Alegre, v.14, n.25, p.229-235, 2007.

A escrita da história nos livros didáticos de ensino fundamental (e médio) no Brasil é tema que vem despertando a atenção de estudiosos de Educação, Ciências Sociais e História desde, pelo menos, os anos de 1980. Evidentemente, encontram-se estudos pioneiros antes desse período, muito embora fossem esparsos. Com o desenvolvimento dos programas de pós-graduação no país, a partir dos anos de 1970, avançou-se consideravelmente no número, densidade e discussões da historiografia brasileira sobre a história dos livros didáticos no país. A tese de Circe Bittencourt, Livro didático e conhecimento histórico, que foi defendida em 1993 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, é um bom exemplo da forma como as pesquisas sobre a produção, divulgação e usos dos livros didáticos de história se desenvolveram de lá para cá. Foi seguindo os passos dessa historiografia que, em 1998, Décio Gatti Júnior defendeu, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, sua tese Livro didático e ensino de história: dos anos sessenta aos nossos dias.

Edusc, em co-edição com a Edufu. Uma alteração substancial do texto, ora publicado, foi a exclusão das entrevistas que o autor fez em 1997 com autores de livros didáticos e editores, provavelmente em função da quantidade de páginas do material. O livro permaneceu dividido em três capítulos.

Na apresentação assinada pela professora Ester Buffa, orientadora do trabalho, desenvolvido entre 1994 e 1998, esta já esclarece as características do texto para o leitor, dando ênfase às suas contribuições para o tema. Para ela:

Ao buscar uma explicação, depois de analisar toda uma enorme coleção de livros didáticos de História, o autor, apoiado num referencial teórico-metodológico adequado, empreende uma análise do livro didático que passa pela sua escrita e confecção. Mostra como se passou, quanto à escrita, do autor individual à equipe técnica responsável (cap. 1) e quanto à confecção, da produção artesanal à indústria editorial (cap. 2).

Finalmente, focaliza as transformações ocorridas na escola e na sociedade brasileiras que fizeram com que o livro didático se tornasse definidor do processo de ensino-aprendizagem (cap. 3).(Gatti Júnior, 2004, p. 12-3).

Indica ainda que, por seu recorte inédito e suas análises, a leitura do livro é recomendada para os alunos de cursos de graduação em História, Ciências Sociais e Pedagogia, e ainda para os estudiosos da História da Educação e das Teorias do Currículo de História do Ensino Fundamental e Médio das escolas publicas do país.

Na introdução, o autor indica o que o levou a fazer essa pesquisa (além da questão formal do título de doutor na área de Educação), quais foram seus questionamentos e suas hipóteses. Segundo ele, “part[iu]-se da idéia de que, a partir da década de 1960, quando teve início o ainda inconcluso processo de massificação do ensino brasileiro, tenha ocorrido: a transformação dos antigos manuais individual à equipe técnica responsável pela elaboração dos produtos editoriais voltados para o mercado escolar; e a evolução de uma produção editorial quase artesanal para a formação de uma poderosa e moderna indústria editorial” (Idem, p. 16). Cada uma daquelas características correspondeu a cada um dos três capítulos do livro, tal como, acima, Ester Buffa já havia referido. Ressalta ainda que “a delimitação espacial foi se solidificando concomitantemente ao avanço do desenvolvimento da investigação, na qual os sujeitos envolvidos encontravam-se nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e João Pessoa, bem como os empreendimentos editoriais enfocados concentravam-se na região sudeste do Brasil” (Idem, p. 17). Para atingir seus objetivos, pautou-se metodologicamente nos procedimentos de André Chervel sintetizados no texto História das disciplinas escolares, traduzido no Brasil em 1990. Observa que:

[…] a partir dos relatos feitos pelos autores e editores de diversas coleções didáticas, foi possível perceber que a constituição dos conteúdos disciplinares, expressos nos livros didáticos, não era a transposição dos saberes produzidos na pesquisa científica, mas sim, resultado de um leque amplo de fatores, tais como: as novidades produzidas no âmbito das ciências, que são selecionadas conforme as opções teóricometodológicas dos autores e, por vezes, dos editores; as mudanças curriculares e programáticas provenientes dos diversos órgãos que legislam sobre a educação escolar; a sociedade civil, especialmente a mídia que por vezes conduz o aparecimento ou a valorização de certas temáticas em detrimento de outras. (Idem, p. 18).

Assim, ao destacar a escolha do período, do recorte do tema e das fontes, o autor preocupou-se em expor a procedência dos livros didáticos que pesquisou e onde pesquisou. Por outro lado, o tema e as fontes para a pesquisa justificavam-se ainda, segundo ele, porque além “de desempenhar esse papel central no cotidiano mencionar, no exercício profissional dos educadores dos mais diferentes níveis, os livros didáticos desde há muito são ainda o produto mais vendido pelas editoras nacionais” (Idem, p. 26).

E desde que surgiram, “os livros didáticos ganhavam, em pleno século XVII, uma função que conservam até os dias de hoje, a de portadores dos caracteres das ciências. De fato, durante os séculos subseqüentes, a palavra impressa, principalmente aquela registrada na forma de livros científicos, ganharia um estatuto de verdade que ainda hoje se dissemina em grande parte dos bancos escolares e da vida cotidiana das pessoas” (Idem, 36).

Como estariam caracterizados os processos de editoração e distribuição dos manuais escolares e dos livros didáticos no Brasil? Como definir a sua periodização? Essas questões foram fundamentais para o autor definir precisamente o seu recorte, e ao mesmo tempo pensar a história dos livros didáticos de ensino fundamental (e médio) no Brasil. Nas suas palavras:

O período compreendido entre as décadas de 1930 e 1960 caracterizou-se, no que diz respeito aos manuais escolares, da seguinte forma: foram livros que permaneceram por longo período no mercado sem sofrer grandes alterações; livros que possuíam autores provenientes de lugares tidos, naquela época, como de alta cultura, como o Colégio D. Pedro II [fundado em 1838]; livros publicados por poucas editoras que, muitas vezes, não os tinham como mercadoria principal e, por fim, livros que não apresentavam um processo de didatização e adaptação de linguagem consoante as faixas etárias às quais se destinavam. Nesse sentido, a década de 1960 foi o momento da transição desses manuais escolares para os livros didáticos do final da década de 1990, pois todas as características mencionadas foram paulatinamente sendo transformadas e adaptadas a uma nova realidade escolar […]. (Idem, p. 37).

A proposta do autor no livro começava, nesse sentido, por estudar, no primeiro capítulo, o lento e gradual processo de transição do autor individual para a equipe técnica responsável pela produção, diagramação e editoração dos livros didáticos de História de ensino fundamental (e médio) (e médio). Para demonstrar essa passagem, o autor contou com a contribuição da professora Joana Neves, que escreve livros didáticos desde 1975, do professor José Jobson de Andrade Arruda, autor de livros didáticos desde 1976, e dos professores Ricardo de Moura Faria, que escreve desde 1975, e Flávio Costa Berutti, que começou em 1986. Todos eles, a partir de entrevistas, permitiram que o autor fosse historiando as mudanças na linguagem, na adaptação ao público, na profissionalização do processo de editoração e na distribuição dos livros didáticos, a partir da década de 1970. O autor, demonstrando as diferenças e proximidades, compara as trajetórias acadêmicas de cada um dos entrevistados. Finaliza a análise do capítulo discutindo questões como a formação da memória nacional, da verdade no discurso histórico, da periodização em história, a rotina de trabalho, a relação com os editores e a maneira como cada um deles percebeu as mudanças que foram ocorrendo na escrita e na editoração dos livros didáticos.

No segundo capítulo, volta-se para a forma como ocorreu a passagem de uma produção tipicamente artesanal, para uma verdadeira indústria editorial especializada na produção de livros didáticos de História (e outras áreas do saber) de ensino fundamental (e médio) no país. Para contribuir com essa demonstração, também como no capítulo anterior, o autor se pautou em entrevistas realizadas em 1997 com os editores Alexandre Faccioli, da Saraiva, Lino Fruet, também da Saraiva, José Orlando Cunha, da Editora Lê, e João Guizzo, na época diretor da Ática. Também procurou indicar as semelhanças e diferenças entre cada um deles, como viram o desenrolar do processo nas suas editoras e no mercado editorial brasileiro, e como se relacionavam com os autores de livros didáticos durante esse período.

No terceiro capítulo, procurou evidenciar a passagem da escola voltada para as elites, para uma escola de massas, na qual o produto central passava a ser o livro didático. Nesse capítulo, o autor mescla as contribuições dos autores de livros didáticos e dos editores entrevistados, para melhor demonstrar essa passagem e como ela foi recebida pelo mercado editorial brasileiro. Evidencia como autores e editores passaram a se preocupar com o currículo, os programas oficiais, a diversidade regional, e em conseqüência disso melhorar o serviço de distribuição e editoração de livros didáticos e paradidáticos.

Nesse processo, o autor mostra a importância que os livros didáticos passaram a ter na veiculação de conteúdos escolares, no processo de ensino-aprendizagem, norteado por procedimentos metodológicos que incluíam o uso de letras de música, filmes e imagens no trabalho dos professores com seus alunos. Finaliza o capítulo evidenciando como os livros didáticos passaram a ser o produto central de várias editoras, que, para melhor distribuírem seus títulos no mercado, definiam sofisticadas estratégias de divulgação e publicidade perante a sociedade, as escolas e os professores do ensino fundamental (e médio) no país.

A leitura desse livro, nesse sentido, oferece ao leitor um conhecimento pormenorizado de como os livros didáticos de história de ensino fundamental (e médio) foram escritos e produzidos nas últimas décadas, com destaque para a passagem do autor individual para a equipe técnica especializada, da produção artesanal à indústria editorial de confecção de livros didáticos e paradidáticos e, finalmente, das mudanças da escola voltada para a elite se ampliar e abranger as massas. Nas suas palavras:

O governo federal, maior comprador de livros didáticos das editoras privadas, passava a observar com mais atenção aquilo que adquiria para distribuir à população carente [em função da inflação do mercado editorial de livros didáticos no país e da definição, pelo MEC, de formas mais eficientes de avaliação dos livros didáticos produzidos e distribuídos massas, que suplantou o de elite do início do século XX, ganhava em qualidade, ainda que faltassem livros aos alunos do ensino médio e verbas suficientes para a aquisição de livros pelas bibliotecas escolares. (Idem, p. 238).

De modo que o texto é uma bela contribuição para o tema, e certamente será um convite para novas pesquisas sobre o assunto

Diogo da Silva Roiz – Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação da UNESP, Campus de Franca. Coordenador do curso de História da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), Campos de Amanbaí.

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PINSKY Carla Bassanezi (Org), Fontes históricas (T), Contexto (E), ROIZ Diogo da Silva (Res), Anos 90, Fonte histórica, Ensino de História, Metodologia da História, Pesquisa histórica

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. 302p. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Anos 90, Porto Alegre, v.14, n.26, p.227-233, 2007.

Diogo da Silva Roiz – Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação da UNESP, Campus de Franca. Coordenador do curso de História da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), Campos de Amanbaí.

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