História, cultura e natureza / História Revista / 2017

A história ambiental é um campo historiográfico relativamente novo. Apesar do debate entre história e natureza não ser algo distante dos estudos históricos, a história ambiental procurou enfatizar e privilegiar as relações entre humanos e meio ambiente em diferentes temporalidades e espacialidades. Surgida nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX, procurou discutir sobre o papel da natureza no imaginário americano, sobretudo no que se refere a criação de uma cultura nacional fundada na relação com o meio. A partir da década de 1970 ampliou o seu escopo sobre outras abordagens ambientais, se mostrando muito mais interdisciplinar e buscando novas espacialidades. Além dos Estados Unidos, no Brasil, na América Latina e na Europa, um grupo significativo de pesquisadores tem se debruçado em estudos em história ambiental, com temáticas diversas como rios, montanhas, florestas, flora, fauna, cientistas‐conservacionistas, dentre outros, e em diversas temporalidades.

Nessa perspectiva, o dossiê temático História, cultura e natureza se apresenta como um campo privilegiado para a discussão da relação entre história, cultura e natureza. Ao propor o dossiê, nossa intenção foi promover um espaço de debates sobre os vários ambientes e os diferentes fenômenos decorrentes dessa relação. Apesar de ser um campo historiográfico, esse espaço de debates se propunha interdisciplinar, considerando a possibilidade de envolver biólogos, geógrafos, antropólogos e os estudiosos dos diferentes campos das engenharias que se dedicam às questões ambientais. Para tanto, propusemos discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários, biomas, domínios naturais e paisagens, bem como a utilização de diferentes fontes e métodos na compreensão desses fenômenos, tanto no Brasil como na América, na África e na Europa, em diferentes temporalidades.

Como resposta à chamada do dossiê, recebemos um número significativo de submissões de autores vinculados a instituições de diferentes regiões do Brasil, e também uma contribuição do exterior. Os textos, avaliados e aprovados por reconhecidos especialistas em história ambiental, foram organizados no dossiê de acordo com as temáticas e abordagens apresentadas. Em primeiro lugar, apresentamos os artigos centrados em questões conceituais, teóricas e historiográficas. Em seguida, apresentamos uma abordagem da relação homem e natureza no contexto dos Estados Unidos da América. Depois, aparecem os artigos que analisam o fenômeno no Brasil, iniciando com uma abordagem sobre a história dos projetos de conservação de espécies da fauna brasileira, seguida por outra focada nas transformações na paisagem do estado de Santa Catarina, outra centrada no debate político ambiental no estado de São Paulo, chegando, por fim, ao artigo que se dedica ao Cerrado no século XIX. Excetuando‐se os três primeiros artigos – aqueles de abordagens teóricas –, percebe‐se que nosso critério para a organização dos textos no dossiê foi geográfico, partindo da realidade mais distante geograficamente, os Estados Unidos da América, para a mais próxima do lugar de publicação da História Revista, o nosso Cerrado.

Assim, abrimos o dossiê com três artigos centrados em questões conceitual, teórica e historiográfica.

No primeiro artigo, Roger Domenech Colacios, pós‐doutorando pelo Departamento de História da UNESP / Assis, apresenta uma abordagem conceitual, situada no debate sobre a polissemia do meio ambiente. O autor propõe analisar o conceito de meio ambiente utilizado pela historiografia ambiental brasileira focando as três matrizes teóricas que guiam os estudos históricos no Brasil: ecológica, socioambiental e geográfica. No que se refere à metodologia, a análise utiliza o instrumental Latouriano, utilizado pela história das ciências, referente às caixas‐pretas conceituais, o que está indicado no título do artigo: Os meios ambientes da História Ambiental brasileira: pela abertura da caixa‐preta.

Prosseguindo com a discussão teórica, o segundo artigo, História, meio ambiente e interdisciplinaridade, de Dora Shellard, professora convidada do MBA da ENS / Funenseg São Paulo e pós doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros IEB / USP, apresenta duas questões fundamentais sobre a abordagem do meio ambiente na história. Em primeiro lugar, a autora discute a singularidade da história ambiental frente a outros campos da disciplina, destacando que, até a década de 1950, a exploração do meio ambiente no Brasil também era objeto da história econômica e social. Em seguida, a autora apresenta importantes reflexões sobre a interdisciplinaridade entre as ciências ambientais e sociais, suas possibilidades e seus limites.

O terceiro artigo do dossiê, foi escrito por Márcia Helena Lopes, Cristiane Gomes Barreto e André Vasques Vital, pesquisadores vinculados a diferentes instituições: a primeira é professora na Unievangélica / GO, a segunda é professora na Universidade de Brasília, e o terceiro é doutor pela Fundação Oswaldo Cruz e bolsista CAPES / PNPD do Centro Universitário de Anápolis. Como indica o título, O Papel do Ambiente no Pensamento Social Brasileiro: Contribuições a partir de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, o artigo apresenta uma análise profunda do papel do ambiente nas interpretações do Brasil desenvolvidas por três grandes intérpretes do nosso país, destacando como a natureza está presente na formação social brasileira, segundo esses autores.

Consoante a proposta do dossiê de discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários se apresenta o texto de Micah Bacheller e Sandro Dutra e Silva – o primeiro, norte americano, vinculado ao North Central College / USA, e o segundo, brasileiro, professor da Universidade Estadual de Goiás e do Departamento de Ciências Ambientais no Centro Universitário de Anápolis. Em The Birth of National Parks: Culture and Nature in Visiting the Wilderness in the United States (1920‐1940), os autores abordam a relação entre sociedade, cultura e natureza no contexto norte‐americano, estabelecendo como marco inicial o governo do Presidente Wilson (1913‐1921). Com enfoque na história da conservação da natureza e criação de áreas protegidas, os autores abordam a questão proposta em duas perspectivas: o nascimento do Sistema e Serviço de Parques Nacionais nos Estados Unidos e os fatores relacionados ao aumento de visitantes aos Parques entre as décadas de 1920 e 1940.

Passamos, então, ao cenário brasileiro. O primeiro artigo, História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil, é fruto da discussão de três pesquisadores, vinculados a importantes centros de pesquisa em história ambiental: Fernanda Cornils Monteiro Benevides, vinculada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e membro do Observatório das Unidades de Conservação e Políticas Sociais Conexas, José Luiz de Andrade Franco, vinculado ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, e Vivian da Silva Braz, professora no Centro Universitário de Anápolis / GO. O artigo traça uma história dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. Nas palavras dos autores: “projetos pioneiros iniciados pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), entre 1966 e 1972; consolidação e surgimento de novos projetos de 1973 a 1988; e crescimento do número de projetos, de 1989 até o presente. Trata da cooperação da FBCN com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), e com organizações não governamentais (ONGs) internacionais para o desenvolvimento dos projetos de conservação da fauna.” O artigo destaca, em suas conclusões, que os projetos de conservação da fauna revelam‐se importantes para o desenvolvimento de uma consciência ampla sobre a perda da biodiversidade.

Deslocando nosso olhar para o Sul do Brasil, o artigo intitulado Meio ambiente e sociedade: as transformações na paisagem do Oeste Catarinense, na segunda metade do século XX, de Samira Peruchi Moretto, apresenta as diversas transformações ambientais no Oeste catarinense no século passado, provocadas, em sua maioria, pela antropização da paisagem. A autora, que é professora do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, utiliza um denso e variado corpus documental para analisar o processo histórico da transformação ambiental no Oeste catarinense, após o processo de ocupação da região.

No contexto da região Sudeste situa‐se o artigo O conceito de restauração de florestas nativas no debate político ambiental em São Paulo (1912‐1944), de Luiz Antônio Norder, professor do Departamento de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos.  Por meio do estudo de publicações que continham conceitos e propostas de restauração de florestas, o autor analisa o contexto e as características do conceito de restauração de florestas nativas no Brasil e, especialmente, no estado de São Paulo, no período de 1912 a 1944.

Finalizamos o dossiê com uma abordagem sobre o Cerrado. Em A diversidade paisagística dos “campos” nas iconografias de Florence e de Martius: alguns aspectos do Cerrado da primeira metade do século XIX, Ana Marcela França de Oliveira, doutora pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute a diversidade paisagística das extensões florísticas que abrangem atualmente parte do Cerrado, da forma como foram registradas pelo botânico alemão Carl F. von Martius (1794‐1868) e pelo artista francês Hercule Florence (1804‐1879). Ao estudar os registros dos dois viajantes, a autora problematiza o uso das imagens dos “cerrados” que ambos construíram como testemunhos de usos pretéritos do ambiente analisado.

Os leitores encontrarão nesse dossiê um debate riquíssimo no âmbito da história ambiental. Os artigos que o compõem apresentam diferentes abordagens e importantes reflexões em um campo historiográfico que, como dissemos no início dessa apresentação, é relativamente novo. Estamos profundamente agradecidos a todos que colaboraram: aos autores, que submeteram suas propostas e aceitaram as críticas e sugestões dos revisores, e aos pareceristas que gentilmente, e no melhor espírito acadêmico, apresentaram reflexões importantes e pertinentes nas suas avaliações, revelando leituras atentas e cuidadosas dos artigos. Nosso muito obrigado!

Sandro Dutra – Doutor (UEG)

Adriana Vidotte – Doutora (UFG)

Organizadores


DUTRA, Sandro; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 2, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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