A cultura dos jogo | Domínios da Imagem | 2022

Numero de desenvolvedoras de jogos digitais cresceu para 375 no ano passado no Brasil Imagem
Número de desenvolvedoras de jogos digitais cresceu para 375 no ano passado no Brasil | Imagem: Divulgação/VIP/Exame

Foi com muito prazer que aceitamos o convite e o desafio para organizarmos o Dossiê “A cultura dos jogos”. Em primeiro lugar, por sermos da área de antropologia e, em segundo lugar por termos sido reconhecidas pelos editores da revista como pesquisadoras de games.

Assim, após realizarmos a leitura e seleção dos artigos iremos apresentar os artigos selecionados, mas também aproveitando para retribuir o convite tecendo uma breve reflexão a fim de contribuir para os estudos dos games no Brasil, em função do crescimento do consumo desse tipo de conteúdo digital audiovisual entre nós que tem levado milhões de pessoas a se interessarem e a se envolverem com jogos, sejam como jogadores casuais, ou como jogadores profissionais. Leia Mais

Cultura Material: objetos, imagens e representações  | Domínios da Imagem | 2020

A trajetória que envolve o debate sobre cultura material é extensa, complexa e multidisciplinar. Nos domínios da História, este debate tem como ponto de partida a vida material proposta por Fernand Braudel (1960/70), passando pelos trabalhos de Daniel Roche (1980/90), que procuraram congregar concomitantemente as contribuições da História Social e da História Cultural. Em geral, até o terceiro quartel do século XX, era tema e objeto de pesquisa específicos da Arqueologia e da Antropologia.

No Brasil, destacam-se alguns precursores que se reportaram aos objetos e procuraram, a partir deles, compreender como a materialidade e suas imagens poderiam auxiliar no entendimento do passado. É preciso lembrar que tais autores não tiveram a finalidade de inquirir diretamente a cultura material e, por isso, seus estudos tornaram-se, hoje, fontes de pesquisa ─ inspiradores, pela natureza de seus trabalhos ─, mas não um referencial metodológico. Com perspectivas e recortes temporais diferentes, suas análises estudaram fenômenos de caráter cultural e, em particular, levantaram questões ligadas à vida material, como é o caso de Sérgio Buarque de Holanda em Caminhos e Fronteiras (1957). Quando a historiografia francesa ainda dedicava pouca atenção ao tema, Gilberto Freyre (1933 e 1936) e Alcântara Machado (1929), por exemplo, já estudavam as moradias dos senhores de engenho, os sobrados citadinos, os mucambos, a alimentação, o mobiliário, a vestimenta e a atitude diante da morte. Leia Mais

Imagens midiáticas e ou midiatizadas: temporalidades e historicidades / Domínios da Imagem / 2020

Primeiro semestre de 2020. No isolamento social da pandemia, a força das imagens midiatizadas nos fazem repensar as experiências e a historicidade de nossa relação com as tecnologias de comunicação. Ao longo do século XX, o mundo foi sucessivamente tocado por imagens (re)produzidas e veiculadas pela mídia, a qual avançara em tamanho, abrangência e modos de operar. Imagens que, ao serem integradas, paulatinamente, à vida cotidiana, deram provas do seu potencial relativo em influir nas formas de ver e apreciar a sociedade e de nela agir por diferentes e diversos agentes sociais, individuais ou coletivos.

Dotar de historicidade o domínio da imagem no presente imediato requer a perscrutação, análise e reflexão sobre proximidades e distanciamentos, continuidades e rupturas, concentração e descentralização, adesões e oposições, desejos e angústias investidos ao campo de possibilidades do produzir, emitir e, mesmo, da recepção de imagens midiáticas que compõem, ao mesmo tempo, a trajetória contemporânea da comunicação social e a do mundo em geral. O presente dossiê nos permite um olhar panorâmico sobre alguns desses momentos e perspectivas através de trabalhos que contemplam a televisão, as artes, a publicidade, o cinema e a imprensa.

Utilizando-se da história oral temática, Cássia Palha apresenta o artigo “As telas e os professores de História: memórias de audiência sobre a crise política brasileira” que aborda o universo da recepção televisiva, enfocando o contexto da crise política brasileira de 2016, pela perspectiva das memórias de um grupo de professores de história. Em “Artes plásticas e cinema em Belém nos anos 1960”, Cleodir Moraes através das contribuições de Raymond Willians e Reinhart Koselleck, nos traz a análise de experimentações artísticas em torno do espaço urbano, na Belém da década de 1960. É também no diálogo estreito com as artes, e, em especial, no contexto da arte conceitual, que o texto de Daniela Maura Ribeiro contempla o papel da mídia impressa na obra de Regina Silveira em Middle Class&C0 (1971-72).

Já as imagens do campo publicitário foram o mote do trabalho de David Netto, que demonstrando a influência mútua entre propaganda e sociedade, pesquisou dois momentos emblemáticos da história brasileira em interface com o discurso publicitário: as Diretas Já e a campanha eleitoral de Tancredo Neves. A mídia eletrônica é retomada no artigo “Integração nacional por antenas de TV e a transmissão do Jornal Nacional para Cuiabá – MT (1976)”, de Edvaldo Correa Sotana, que abordando a história da televisão no Mato Grosso discute o projeto de integração nacional durante a ditadura militar em sua tácita parceria com o setor televisivo.

É pelo universo fascinante da sétima arte que Paula Tainar de Souza em “Representação do árabe: análise do filme Aladdin sob a ótica do orientalismo” reflete sobre a historicidade dessa produção cinematográfica de 2019, estabelecendo a crítica sobre seu exercício narrativo em torno do orientalismo e do feminismo.

O campo da mídia imprensa como fonte histórica está presente nos artigos de Raíssa Koshiyama de Freitas e de Thiago Fidelis, consolidando a seleção deste dossiê. No primeiro trabalho, em “A crítica de televisão no Folhetim (FSP 1977-1989): pensando a TV e o telespectador na redemocratização”, a autora investiga a crítica à TV brasileira pelo Folhetim – suplemento do jornal Folha de S. Paulo- mapeando o debate sobre o papel dos meios massivos e do “estatuto do telespectador/cidadão” em meio ao processo de redemocratização nacional. Em “‘Só morto sairei do Catete’: a morte de Getúlio Vargas pelo jornal Última Hora (UH)”, Thiago Fidelis enfoca em particular o uso das imagens como linguagem estratégica do UH na arquitetura de enaltecimento do perfil de Getúlio Vargas e de seu lugar na vida política nacional.

Saudações solidárias neste enfrentamento pandêmico e uma boa leitura a todos (as)!

Áureo Busetto

Cássia Palha


BUSETTO, Áureo; PALHA, Cássia. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina-  PR, v.14, n.26, jan/jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Imagem e Autoritarismo / Domínios da Imagem / 2019

É com muito prazer e gratidão que a Revista Domínios da Imagem vem a público trazer mais uma edição. É importante deixar claro o significado de todo esse prazer e gratidão, pois, em dias obscuros para a produção acadêmica e científica, o trabalho de produzir e divulgar os resultados de nossas pesquisas tornou-se cada vez mais uma atitude de resistência e de perseverança. Ao mesmo tempo, somos muito gratos por todos aqueles que dedicaram seu tempo para que essa edição se tornasse realidade. Agradecemos desde a colaboração dos autores que colocaram à disposição os magníficos trabalhos que compõem essa edição até nosso corpo editorial que conta com pessoas extremamente profissionais.

Quando foi gestada a ideia de produzir um novo dossiê para a revista, pensávamos sobre o alcance das imagens como comunicadores, tanto explícitos como implícitos, das mais diversas formas de violência e autoritarismo. Divagávamos sobre a importância da imagem no transcorrer da temporalidade para descrever e enunciar as mais diversas formas que a imposição de uma pessoa ou um grupo de pessoas pode ter sido realizada às custas de outras. Foi assim que “Imagem e Autoritarismo” ganhou vida e agora também ganhou fôlego.

Em “Como o mito das Amazonas se transformou na alegoria da América”, Adriano Rodrigues de Oliveira se debruça tanto sobre fontes literárias como também em fontes iconográficas para nos mostrar as transformações acerca da representação da mulher ameríndia como sendo uma mulher selvagem, com as vergonhas à mostra sempre portando seu arco e flecha. Imagens essas que se espalharam sobre a representação do próprio continente americano como local de hostilidade em detrimento de um homem europeu cristão e medieval. O trabalho de Oliveira se torna pertinente ao nos fazer olhar para a construção das narrativas e de mitos fundadores. Concomitantemente a isso, enfatiza a produção de preconceitos e hiatos que essas narrativas carregam em seu corpo semântico.

Nos transportando para o outro lado do mundo, Richard Gonçalves André nos proporciona um encontro com a censura no Japão pós-1945. Em “O Ogro e o Demônio: a representação fotográfica da devastação nuclear em ‘Hiroshima’, de Ken Domon (1945-1958), o autor problematiza tanto os textos como as fotografias do livro “Hiroshima” de Domon, muito marcados pela bomba nuclear de Hiroshima. Nesse trabalho, André investiga o olhar humanizador do fotógrafo e a representação da trajetória de pessoas que sobreviveram ao impacto da bomba. Por trás dessas narrativas, Domon tinha como interesse transformar o sofrimento pessimista e derrotista trazido com o fim da Segunda Guerra Mundial e consequentemente os ataques nucleares em “não-ditos” para que a atenção estivesse alinhada com a prosperidade e o crescimento econômico apresentados pela sociedade japonesa. Dessa forma, André traz à luz a utilização da imagem como ferramenta ideológica e acima de tudo como instrumento de negação de um passado não tão bem visto em detrimento de um possível futuro próspero.

Voltamos novamente para a América, mas uma América distante temporalmente daquela descrita por Oliveira. Dois trabalhos candentes são apresentados sobre o Brasil durante a Ditadura Militar (1964-1985). Maria Elisa de Carvalho Sonda nos presenteia com “Para além das fronteiras discursivas: uma análise desconstrutora de Iracema, uma transa amazônica (1974)”. Se utilizando de fontes audiovisuais, Carvalho Sonda analisa os efeitos negativos ocorridos na exploração predatória da Amazônia durante o crescimento econômico anunciado pelos militares durante a década de 1970. Contextualizado com a construção da rodovia Transamazônica, a ficçãodocumental que serve como fonte de pesquisa da autora faz parte da linguagem do cinema verdade, que tem como um de seus princípios fundantes produzir o efeito do real. O trabalho de Carvalho Sonda se torna extremamente candente com a realidade vivenciada em nossa atualidade. A autora nos permite entrar em contato com a visão dos idealizadores de Iracema uma transa amazônica, que há quase meio século já abordavam os problemas ambientais que ainda discutimos nos dias de hoje. Além disso, outro aspecto que torna o trabalho de Carvalho Sonda de grande importância diz respeito ao cinema como forma de resistência ao Regime Militar brasileiro e sua visão unilateral de desenvolvimento não sustentável.

A mesma relevância pode ser observada no trabalho “Fotojornalistas brasileiros em época de ditadura: entre a estabilidade e o compromisso”, de Carlos Alberto Sampaio Barbosa. Em seu artigo, Barbosa discorre sobre três fotojornalistas brasileiros, Pedro Martinelli, Juca Martins e Jesus Carlos. Ao analisar as transformações do fotojornalismo brasileiro durante a Ditadura Militar, Barbosa também nos descreve um continente Latino-Americano conflituoso, especialmente os casos da Nicarágua e El Salvador, países em que Martinelli e Martins tiveram maior contato, enquanto Jesus teve posição mais radical ao representar a luta contra a ditadura brasileira. Em momentos que observamos uma América Latina novamente efervescente, com os conflitos no Chile, na Venezuela, na Bolívia e a polaridade política no Brasil, o trabalho de Barbosa é um ótimo olhar retrospectivo de nossa história de lutas e violência que permeiam o povo latino.

Agora nos deslocamos para o eixo da América do Norte, em especial para os Estados Unidos. Os trabalhos de Mariana Furio, Danilo Pontes Rodrigues e José Rodolfo Vieira se entrelaçam para discutir as narrativas sobre o imperialismo estadunidense na perspectiva de três autores e ilustradores de histórias em quadrinhos distintos. Coincidência ou não, os três trabalhos trazem tanto a temática narrativa como a fonte de pesquisa muito semelhantes, o que nos faz pensar como as próprias HQ’s podem ser consideradas elementos importantes para se discutir a história de uma nação. Em “O Comediante em Watchmen: uma paródia premeditada para a retomada do nacionalismo estadunidense”, Furio traz à tona a narrativa de Alan Moore em um mundo distópico em que a ameaça de uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética está à beira de ser iniciada. Com seu recorte, Furio analisa a representação da personagem Comediante, um veterano de guerra, na batalha de Saigon no Vietnam. O intuito da autora é estabelecer vínculos entre as características militaristas do Comediante com o crescimento dos valores conservadores e nacionalistas nos Estados Unidos com o advento do século XXI.

Mais adiante, o trabalho de Danilo Pontes Rodrigues, “Doutrina Bush e violência em In the Shadow of no Towers de Art Spielgeman” discute as representações artísticas de Art Spielgeman após os ataques contra as Torres Gêmeas em 2001. Nesse artigo, o autor realiza os paralelos entre as ações tomadas pelo governo Bush, também conhecidas como Doutrina Bush, e as representações na história em Quadrinhos Shadow of no Towers. Dentre os elementos alavancados por Rodrigues, é possível observar a implementação do Patrioct Act e a privação às liberdades dos cidadãos estadunideses e as guerras no Afeganistão e no Iraque.

José Rodolfo Vieira, em “Footnotes in Gaza: Representações sobre o Hamas durante as eleições na Palestina por meio das Histórias em Quadrinhos de Joe Sacco (2002-2010)”, foca em descrever e analisar as representações tanto no trabalho de Joe Sacco como também nas representações de grandes comunicadores sociais estadunidenses, tais como o The New York Times e o The Washgington Post, e averiguar a construção de narrativas acerca do grupo fundamentalista Hamas durante as eleições de 2006 para o corpo legislativo palestino. Em seu trabalho, podemos observar como os Estados Unidos articularam para que o Hamas não fizesse parte do pleito eleitoral e como foi realizado um movimento de negação após a vitória do grupo contra seus adversários do Fatah, esses últimos alinhados à política estadunidense.

Por fim, também contamos nessa edição com a resenha realizada por Jorge Edson, do livro “Guerra Civil e Super-Heróis: Terrorismo e contraterrorismo nas Histórias em Quadrinhos”, de Victor Callari. Tal como os textos de Furio, Rodrigues e Vieira, o trabalho apresentado também tem como objeto de estudo os Estados Unidos. Edson apresenta os pontos importantes da narrativa construída por Callari e seu levantamento sobre como as Histórias em Quadrinhos tiveram relações com a política, a cultura e a economia dos EUA. Com ênfase na editora Marvel Comics, o panorama construído por Edson é muito importante para aqueles que tem como fonte de pesquisa a arte sequencial e se interessa pelos estudos da história dos Estados Unidos. Portanto, podemos dizer que as expectativas e as hipóteses levantadas quando à gestação desse dossiê foram fartamente correspondidas. Não somente pela diversidade de temas que foram abordados, como também o entrelaçamento de trabalhos que discorrem sobre um objeto muito semelhante. O resultado desse trabalho não poderia ter sido melhor e, por isso, desejamos a nossos leitores uma boa leitura e bons momentos de reflexão.

Até a próxima e obrigado!

José Rodolfo Vieira –  Organizador do dossiê


VIEIRA, José Rodolfo. Apresentação. Domínios da imagem, v. 13, n. 24, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (II) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê II que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, uma vez mais, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Na continuidade das reflexões, esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Neste segundo volume do dossiê, iniciamos com o artigo de Mariana de Paula Cintra. Tendo como foco o surgimento das crônicas de modas na imprensa do Rio de Janeiro oitocentista e tomando como fonte o jornal Correio das Modas, a autora discute a circulação de periódicos escritos por homens e dedicados às mulheres, no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XIX. Ao indagar sobre o intento dos editores, as temáticas eleitas e para quais mulheres propunha-se o jornal, em seu artigo O nascimento da moda feminina na imprensa carioca oitocentista, a autora reflete sobre a contribuição desse periódico para o surgimento da imprensa nacional e o universo complexo – e ainda pouco explorado – da produção de jornais femininos no século XIX. Ao tomar como referência a história da imprensa periódica feminina carioca apresenta-nos em que medida os meios de comunicação fizeram parte do cotidiano das mulheres, influenciando seus comportamentos, ditando regras e forjando novos papéis sociais.

A partir de uma coleção costumbrista que tematizou mulheres, produzida na década de 70 do século XIX na Espanha, Edméia Ribeiro problematiza a produção visual e as relações de gênero que caracterizam a coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas. Argumenta a autora que a simbologia feminina ali presente configura-se em uma construção exclusivamente masculina, uma vez que toda a produção, desde a concepção até a execução final foi feita por homens. Dessa forma, poderemos perceber em Representar mulheres: produção visual e relações de gênero numa coleção costumbrista espanhola no final do século XIX que tanto as litografias como os textos monográficos que formam a coleção, reforçam e reverberam concepções idealizadas de mulheres no oitocentos.

A representação de mulheres no muralismo, nas décadas de 1930 e 40 na capital da Argentina, é o tema que encontraremos no artigo Detrás de escena: mujeres en los murales de Buenos Aires (1933-1946), de Cecilia Belej. Analisando fragmentos de pinturas murais realizadas em edifícios públicos e privados, percebe imagens que naturalizam papeis de gênero, nas quais a mulher figura como ícone de maternidade e complemento do homem, disseminando e/ou referendando valores tradicionais. Partindo do princípio que tais imagens possuem um propósito político, social e cultural, a autora busca compreender o que tais relatos visuais buscavam transmitir naquele momento histórico.

Em Iconografias sarcásticas na imprensa feminista brasileira: Mulherio e Chanacomchana (1981-1985), Júlia Glaciela da Silva Oliveira fez uso, em suas análises, de charges, cartuns e outras formas de humor gráfico publicados em periódicos feministas da segunda metade do século XX, mais especificamente aqueles publicados na década de 1980. Em Mulherio, a autora apresenta-nos como essa categoria de imprensa procurou, a partir da ironia e do humor, desconstruir papéis de gênero e problematizar as desigualdades naturalizadas. Ao analisar Chanacomchana, percebe que o humor ácido foi utilizado nesse periódico como método para empreender críticas direcionadas ao feminismo que, ao negar a homossexualidade, realçava a heterossexualidade reforçando a opressão às mulheres lésbicas.

Maria Júlia Zarpelão Hernandes e Mara Rúbia Sant’Anna, em A disseminação de padrões femininos através dos anúncios da Lugolina e da Juventude Alexandre na “Fon-Fon!- 1910, utilizam para as reflexões que trazem neste artigo dois anúncios de produtos de beleza destinados ao público feminino, veiculados em uma revista carioca do começo do século XX. As análises empreendidas demonstram como a publicidade, baseada no discurso da modernidade, também difundiu, reforçou e relacionou “padrões de beleza, saúde e felicidade” para as mulheres, propondo um novo modelo de feminilidade – jovem, atraente e bela – estimulando nas consumidoras o desejo de uma aparência moderna, sem, contudo, desvincular-se dos papeis de mãe e esposa, socialmente estabelecidos.

Em Representações das mulheres palestinas na perspectiva do jornalista estadunidense Joe Sacco durante a Primeira Intifada (1992-1996), José Rodolfo Vieira analisa personificações imagéticas de mulheres presentes no livro Palestine que trata das “as memórias de palestinos que estiveram direta ou indiretamente em alguma situação de conflito com as Forças de Defesa de Israel” O autor deste artigo apresenta-nos reflexões acerca de mulheres palestinas em viagem aos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante a Primeira Intifada Palestina, em 1987, a partir dos estereótipos femininos construídos nesta obra, como o da mulher mutilada e vítima da opressão muçulmana e também aquelas que caminham rumo à modernização, na busca por reinterpretar as relações de poder entre homens e mulheres.

Por fim, esperamos que este segundo volume contribua com estudos e pesquisas que utilizam a imagem como fonte e/ou objeto no campo da História das Mulheres, assim como aquelas que tomam as relações de gênero como categoria de análise.

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: edmeialondrina@uel.br

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: mariacristina@uenp.edu.br


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 21, jul/dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (I) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Abrimos este dossiê apresentando o diligente ensaio de Ana Cristina Teodoro da Silva, Gênero como sertão, veredas em construção – filme, minissérie e livro. Em seu texto encontraremos reflexões acerca de papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres e suas relações, presentes no livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, publicado em 1956, e nas produções adaptadas desta obra, quais sejam, a minissérie Grande Sertão: Veredas, produzida pela Rede Globo, exibida em 1985 e o filme Grande Sertão, dirigido pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira, de 1965. Em sua viagem pelas três narrativas, problematiza semelhanças, diferenças e ressignificações pertinentes às diferentes linguagens e a como cada período e cada mídia puderam configurar a rica trama rosiana.

Lançando mão do movimento de trazer o gênero ao contexto da imagem, em Poéticas de gênero e a transexualidade das fotografias bordadas, Marcela Vasco empreende uma aproximação entre os estudos da transexualidade e a antropologia da imagem. A transexualidade é entendida ao longo de todo o trabalho não como uma performance teatral onde o gênero é encenado, mas como transformações físicas, sexuais, sociais e políticas. Ao trabalhar com imagens tornando mais claro trajetórias de vida e de transição dos(as) interlocutores(as) e também a maneira como a fotografia era interpretada por eles(as), a autora recorre ao uso do bordado como método etnográfico, visando uma abordagem mais particular tanto da transexualidade quanto da imagem, e discute as potencialidades dos “encontros, contornos e emaranhados das linhas que as ligam”.

No artigo de Amaral Palevi Gómez Arévalo, Identidades en disputa: producciones audiovisuales LGBTI en El Salvador, encontraremos análises de produções audiovisuais salvadorenhas que tematizam as representações de identidades lésbicas, gays, bisexuais, trans e intersexuais. O autor preocupase em refletir sobre “los procesos de violencia que se instauran sobre determinados cuerpos por ejercer una sexualidad, identidad y expresión de género diferentes a las que ordena la norma heterossexual”. Para isso trouxe análises de documentários que narram a vida de pessoas que vivem em El Salvador assim como alguns curtas produzidos por diversos canais e organizações que abordam realidades LGBTI. Entre as narrativas e linguagens que analisa também estão as campanhas publicitárias de conscientização e fim da discriminação, e os áudios, como canções, “radio-conto” e publicidades divulgadas por este meio. Trata-se de trabalho que nos permite conhecer e refletir sobre as realidades desses indivíduos, as manifestações de discriminação das pessoas salvadorenhas e as respectivas formas de enfrentar tais questões.

Scripts juvenis delineados em imagens digitais: consumo, relações de gênero e sociabilidades, de Ana Carolina Sampaio Zdradek e Dinah Quesada Beck, nos contempla com debate que se insere no campo dos Estudos Culturais e de Gênero. Recorrendo ao movimento metodológico da etnografia e entendendo a linguagem como processo central nas cenas publicitárias da campanha “Fanta – Leva na boa”, o estudo coloca em tensionamento o modo como se movimentam normas, definições e compreensões a partir da construção de identidades descolada e alto astral produzidas. Resgatando os desdobramentos teórico-conceituais com relação aos scripts de gênero e sexualidade, as autoras analisam a representação de juventude e as sociabilidades que a comunicação digital proporciona na história do presente, ressaltando que a participação ativa de jovens nas redes sociais se mostrou a principal estratégia para efetivação do consumo e, nesse cenário, diferentes roteiros foram construídos para vivências jovens, os quais acionam efeitos de sentido sobre comunicação digital, gênero e relações sociais.

Priscila Miraz de Freitas Grecco, analisa a presença de fotógrafas amadoras brasileiras, durante as décadas de 1940 e 1950. Seu artigo, A presença feminina em fotoclubes no século XX: apontamentos preliminares, historiciza a participação das mulheres nos fotoclubes, especialmente no Foto Cine Clube Bandeirante, atuante na cidade de São Paulo desde 1939, e analisa a produção das mulheres fotoclubistas, suas trajetórias, as condições de produção de projetos pessoais das amadoras e profissionais que buscaram o fotoclube para pensar e produzir a fotografia. Nesse contexto, a autora nota as dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa com as mulheres nos fotoclube, assinalando que a escassez de documentação sobre quem eram essas mulheres contribui para pouco sabermos sobre como era ser sócia de um clube de fotografia nos anos de 1940/1950 no Brasil. Suas análises reiteram a necessidade de trazer à tona a participação das fotógrafas nesse ambiente que se manteve por muito tempo majoritariamente masculino e de romper um silêncio que se relaciona muito mais com as questões de gênero, refletindo no comportamento social restritivo para as mulheres na sociedade como um todo, do que com qualquer questão que envolva o fazer fotográfico.

A relação mulher/fotografia também é o tema que nos apresenta Maria Cristina Pereira em O Revivalismo medieval pelas lentes do gênero: as fotografias de Julia Margaret Cameron para a obra The Idylls of the King e outros poemas de Alfred Tennyson. A partir das fotografias de Cameron, produzidas no século XIX, para compor o livro de poemas de Alfred Tennyson, e também de ilustrações feitas para outras obras desse mesmo poeta, a autora nos mostra em suas análises o pioneirismo de uma mulher na arte da fotografia, com uma estética “pouco convencional” ao apresentar imagens “fora de foco”, assim como a predominância de mulheres para retratar o período medieval como tema das suas produções. Destacando a peculiaridade das fotografias de Cameron, o estudo traz comparações com aquelas produzidas pelo ilustrador francês Gustave Doré, seu contemporâneo.

Também tendo como referencial teórico os Estudos Culturais e de Gênero, o artigo de Luciana Rodrigues de Oliveira e de Joanalira Corpes Magalhães Esse é o Show da Luna: investigando gênero, ensino de ciências e pedagogias culturais, traz como objeto de análise o desenho animado. Ao investigarem as potencialidades pedagógicas do desenho analisado e as falas das crianças participantes acerca do artefato cultural O Show da Luna, as autoras discutem e problematizam os entendimentos sobre o que é ciência, sobre o ser cientista e mulheres na ciência que as crianças têm. No bojo dessa discussão, uma das questões fundamentais debatida é a possibilidade de abordar gênero e ciência desde a Educação Infantil, respondendo às crianças e aos questionamentos presentes em seu cotidiano.

Trazendo questões bastante contemporâneas e efervescentes no campo da política, em Impeachment, perversão e misoginia são apresentadas considerações acerca das representações veiculadas pelas Revistas Veja e Isto É, nos anos de 2015 e 2016, por meio de textos e imagens, referentes ao processo de impeachment de Dilma Roussef, presidente da República do Brasil naquele momento. Muriel Emídio Pessoa Amaral e José Miguel Arias Neto partem do princípio de que a forma como algumas mensagens sobre a presidente foi veiculada configurou-se em montagens perversas, sendo que tais narrativas políticas contribuíram para a midiatização do ódio e da misoginia. Para empreender tais reflexões trabalharam com a definição de discurso de Michel Foucault, de gênero com Joan Scott e o conceito de perversão de Daniel Sibony.

Desejamos boa leitura a todos/as!

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: edmeialondrina@uel.br

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: mariacristina@uenp.edu.br


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 20, jan/jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Religião, migração e cultura. Imagens da fé / Domínios da Imagem / 2016

Com o termo bastante genérico de “religião”, costuma-se circunscrever um âmbito particular da vida social, feito de crenças míticas, práticas rituais, comunidades de fé e, sobretudo, da experiência do sagrado. Os cientistas humanos, definindo um “fenómeno religioso” como constituído pelos epifenômenos sobreditos, colocaram as bases para uma análise comparada de crenças e práticas culturalmente heterogêneas e geograficamente distantes, identificando, deste modo, um tipo cultural universalmente presente.

Frequentemente, nas descrições dos etnógrafos, a vida religiosa tem sido envelopada pelo ordinário, sendo associada a visões cosmológicas, instituições políticas, categorias identitárias e posturas éticas estáticas ou, pelo menos, homeostáticas. A primeira vista, efetivamente, o diálogo iconográfico aqui proposto, entre religião e mobilidade humana, poderia parecer anómalo, dirigido ao estudo de uma situação extraordinária: a vivência, por exemplo, dos migrantes, dominada pela experiência desconcertante da multiculturalidade. Os protagonistas da maioria dos casos apresentados neste dossiê se encontraram na situação desconfortável de aplicar os próprios “saberes” religiosos a novos contextos; frequentemente, pouco permeados por eles. Em outros casos, o sentido desta relação se inverterá e encontraremos convertidos que tentarão aplicar novos “saberes” religiosos aos seus antigos contextos.

Entretanto – como poderemos apreciar por meio de todos esses trabalhos – é justamente nos contextos de mobilidade e mudança que se revelam com mais claridade as implicações socioculturais das práticas religiosas. Isto porque a relação dos migrantes e dos convertidos com a religião não é a de crentes com uma cosmovisão imutável, etnicamente conotada, nem com uma ordem de preceitos morais, emanação natural das categorias sociais que regem um grupo determinado. A relação destes crentes errantes, fisicamente ou culturalmente, é a de animais simbólicos penetrando situações carentes de sentido com um modo particular de “pensar”, o mitológico.

Por meio do discurso mítico, os crentes, todos, produzem relações de sentido entre os acontecimentos contingentes que vivem e um universo significante que tende sempre a transcendê-los. A história mítica não informa por si mesma, não contém uma verdade absoluta, encapsulada nela; ela adquire valor, ante os olhos dos crentes, somente se demostra-se apta a permear sua história, transformando-a. Os significados extraídos das expressões religiosas, como as imagens aqui analisadas, não são dados, mas constituem o produto de uma síntese simbólica que define, contextualmente, história humana e história mítica – duas realidades que se definem reciprocamente, fusionando-se em um único objeto simbólico, denominado “mito”. O mito faz sentido enquanto proporciona sentido a uma realidade concreta, e vice-versa.

Esta visão simbólica do mito, presente em todos os textos que compõem o dossiê, leva-nos a uma concepção dinâmica e dialética de uma vida religiosa que, analiticamente, não pode ser nunca desvinculada de sua referência prática e histórica. O crente não sofre passivamente o mito, mas interage com ele e com suas representações materiais, utilizando-o como uma articulação simbólica por meio da qual ligar, semioticamente, a sua contingência a um determinado universo significante. O fenômeno religioso, portanto, adquire relevância analítica, além de significância cosmológica, quando apreciado dentro destes processos culturais de construção social da realidade. Neste sentido, o objeto de estudo religioso se oferece tanto a uma abordagem antropológica, como à historiográfica – especialmente, a um enfoque que integre ferramentas, questões e sensibilidades de ambas estas áreas do conhecimento. Não é por acaso que história e antropologia representam as vozes dominantes deste dossiê interdisciplinar.

As diferentes imagens religiosas analisadas no presente dossiê têm algo em comum: todas elas materializam aquela espécie de istmo cognitivo que, segundo Lewis (2008, p. 56), representaria o mito, com a sua capacidade de conectar a península do pensamento humano (e das suas verdades abstratas) ao vasto continente que habita (por meio de uma experiência direta, sempre ligada ao particular). Se o mito dialoga sempre com situações particulares e vividas diretamente, incorporando-as nas próprias formas simbólicas (SAHLINS, 1990), parece redutivo considerar os contextos de mobilidade como anómalos, cenários de experiências religiosas extraordinárias. Pelo contrário, os textos deste dossiê nos mostram que a vida religiosa dos migrantes e dos convertidos pode representar também um observatório privilegiado para estudar e entender a experiência religiosa ordinária. A prática religiosa é sempre um ato parcialmente criativo, representando uma imparável atividade imaginativa, dirigida à construção de imagens sensatas de uma realidade intrinsecamente instável e mutável.

Estas complexas imagens cosmológicas, sempre in fieri, são frequentemente contidas em, veiculadas por, e manipuladas através de imagens materiais. Refiro-me, em particular, às representações vivificadas das entidades e forças míticas, expressões de uma linguagem metafórica e analógica, isto é, simbólica. As transcendências dos fatos religiosos, as contingências dos fatos humanos e as imagens míticas em que primeiras e segundas encontram-se e sintetizam-se constituem os três pilares deste dossiê; o “trípode délfico” do qual os filhos do homem que não têm “onde reclinar a cabeça” (Lucas, 9,58) extraem suas próprias respostas. A indissociabilidade destes três pilares da vida religiosa atravessa todos os textos que compõem este dossiê.

No texto do historiador Paulo Augusto Tamanini, este trípode assume as formas hieráticas, preciosamente estilizadas, das Nossas Senhoras da iconografia bizantina da comunidade ucraniana de Curitiba. Nem sequer a tradição milenar e os cânones antinaturalistas que dominam esta expressividade religiosa podem encurralar os crentes no domínio da abstração sobrenatural, pois inclusive as suas formas “desmaterializadas” revelam-se sensíveis ao ambiente que as circunda. Tamanini descreve o ícone bizantino dos curitibanos como uma “obra pictórica que ainda está em andamento”. No entanto, de certo modo, esta nunca chega a cumprimento, como pode revelar uma análise historiográfica desta arte imagética, cujas formas, sendo reproduzidas, acabam integrando elementos novos, próprios do lugar, lato sensu, em que o ícone está inserido.

O processo de produção destas imagens representa, para Tamanini, o momento crucial desta maneira expressiva religiosa. As orações, os jejuns, os momentos de contemplação que precedem a feitura de um ícone levam os seus artífices a um novo encontro, localizado, com a divindade e com as suas verdades. A encarnação de Deus no ventre de Maria, representada no ícone da Virgem Orante, não se limita a celebrar o tempo mítico em que o humano e o divino se uniram, senão que convida artífices e devotos da imagem a viver novamente esta união, partindo da própria humanidade e da própria história. Neste sentido, é bastante significativo que em outro ícone aparece a imagem de Maria Odigitura, isto é, daquela que mostra o caminho. Do mesmo modo que a catedral curitubense de São Demétrio dialoga com os novos elementos do panorama urbano que a circunda, os ícones que esta contém abrem-se necessariamente às interpretações e às manipulações físicas e simbólicas de uma humanidade em movimento.

Também no artigo de Daniel Luciano Gevehr e Aline Nandi, as imagens sacras – ocultadas, no texto, pelas quatro pequenas casinhas de santos da comunidade ítalo-riograndense da Boa Esperança que as guardam – mediam as relações entre cosmologia religiosa e espaço físico. Foi graças à instalação, neles, de estátuas de santos católicos, que os sobreditos capitéis – construídos entre 1945 e 1960 pela chamada “segunda geração” – tornaram-se centros sagrados de refundação cosmológica da realidade. São centros periféricos, de tipo familiar, que, dialogando entre eles e com o centro principal da igreja matriz (dedicada à, também italiana, Nossa Senhora de Caravaggio), constituíam coordenadas geográficas importantes, através das quais mapear geograficamente e culturalmente espaços ainda novos e enigmáticos. Por meio destes oratórios, localizados nas margens das estradas da colônia, aqueles católicos italianos estabeleciam uma relação dotada de sentido com um mundo e uma vida novos.

Na imagem do santo familiar, os Boniatti, os Scalcon, os Taufer, os Cambruzzi e os outros moradores de aquelas localidades rurais encontravam um caminho para religar a região existencial das próprias situações críticas ao plano transcendente das soluções míticas. Esta ligação era ativada por meio das promessas, com os seus pedidos e os seus pagamentos. Gevehr e Nandi nos informam que na atualidade estes lugares da devoção desempenham uma função um pouco diferente, tendo sido ressignificados pelas gerações posteriores. Parece, efetivamente, que os capitéis e os seus santos moradores afastaram-se dos grandes e pequenos casos do dia a dia, para tornar-se instrumentos de uma memória coletiva que é cultivada e atualizada declinando, conjuntamente, identidade religiosa e identidade étnico-nacional. Os capitéis da Boa Esperança estão transformando-se: de lugares de oposição mitológica às doenças, às calamidades naturais e a toda adversidade, a lugar de reafirmação de uma identidade, a católicoitaliana, que se redescobre a medida em que se afasta de si mesma – passando do domínio dos atos naturais e inconscientes da cultura viva ao das tradições transmitidas e comemoradas do folclore.

As imagens católicas de um coletivo migrante estão no centro também da contribuição de Sidney Antônio da Silva, antropólogo que estuda há anos a migração boliviana em São Paulo. No texto de Silva, analogamente ao visto nos primeiros dois artigos, as imagens católicas deste coletivo nacional destacam-se pela sua capacidade de representar um centro de agregação étnico, embora transnacional, dentro de um espaço estranho. De fato, nos lugares paulistanos aonde chegaram a Virgem de Copacabana e a Virgem de Urkupiña, além de aparecerem pratos nacionais, produtos típicos daquela região andina e objetos e costumes étnicos, afirmou-se um modo particular de criar sentimentos comunitários e de tecer redes de solidariedade. Silva nos mostra como a imagem sagrada boliviana, por meio da instituição cerimonial do Presterío e do dobro principio de reciprocidade que a rege – o, vertical, que governa as relações entre devoto e divindade e o, horizontal, que sustenta a comunidade de devotos –, continua representando, em terras brasileiras, um importante centro de construção social da realidade.

A festa, em particular, representaria o “fato social total” (MAUSS, 1974) que, por meio daquele poderoso símbolo identitário que é a Virgem regional, agrega, aglutina, organiza e recompõe as humanidades desfiadas e fragmentadas pela contingência migratória. Aqui também, a Virgem não constitui um elemento étnico inerte. Pelo contrário, como simboliza bem o costume para-litúrgico dos cargamentos, ela – ao igual que o Ekeko, seu concorrente/colega “pagão”, na festa de alasitas – carrega-se periodicamente dos novos desejos dos seus devotos, socializando-os e significando-os. Silva conta-nos como foi, justamente, a aspiração da senhora Juanita Trigo de comprar uma casa o que, no final dos anos ’80 do século passado, deu início ao ciclo de festas devocionais na comunidade boliviana de São Paulo.

O antropólogo italiano Riccardo Cruzzolin, em seu artigo, partindo da ideia de iconografia religiosa como espaço cultural e político de imaginação da realidade, analisa o culto que o coletivo peruano de Perúgia (Itália) rende ao limenho Señor de los Milagros. Uma das caraterísticas principais deste espaço é, segundo Cruzzolin, remeter a um imaginário que não é nunca fechado, nem invariável, e que, sobretudo, não leva jamais a visões unânimes da realidade. Pelo contrário, a imagem religiosa desperta e veicula percursos imaginativos diferentes e, frequentemente, discordantes. Isto porque a imagem, embora aspire a evocar mitos atemporais, princípios universais e verdades transcendentes, não se libera nunca dos referentes práticos e imanentes dos que a ela se dirigem. A imaginação religiosa, a despeito da sua natureza social, é sempre parcialmente faciosa. Consequentemente, a imagem religiosa, com o seu poder imagético politicamente legitimador, representa sempre um espaço em certa medida contendido. A imagem, pintada no século XVII, deste Cristo crucificado pode ser sempre cuidada, adornada e enriquecida de objetos que a tornam mais preciosa; e, certamente, preenchida pelas instâncias particulares dos autores destes gestos devocionais.

A imagem do Señor de los Milagros, depois de ter resistido aos terríveis terremotos que sacudiram Lima, parece aguentar também as turbulências da vicissitude migratória; representando para os peruanos perugini o mesmo que representou para os seus primeiros devotos ameríndios e africanos: uma poderosa forma simbólica por meio da qual construir imagens coerentes da realidade vivida, com todas as suas contradições. A imagem é usada pelos seus cargadores emigrados para reconstruir aquela presenza demartiniana (DE MARTINO, 1958) – o Ser-aí-no-mundo heideggeriano – que, embora seja expressada sempre culturalmente, radica-se nas questões existenciais mais profundas do indivíduo; sendo, por isto, constantemente posta em risco pelas incertezas das situações contingentes vividas, como as produzidas pela experiência migratória.

O texto da antropóloga Joana Bahia põe luz a outras duas questões importantes, inerentes ao fenômeno religioso: o seu caráter intrinsecamente transnacional e a inevitável mitificação – entendida como aquisição de qualidades míticas – daqueles seres humanos, normalmente sacerdotes (lato sensu), que se aproximam muito ao mito e à sua essência sagrada, tornando-se eles mesmos efígies do universo religioso. Com respeito à primeira questão, Bahia analisa a expansão da umbanda e do candomblé em terras alemãs, austríacas e suíças. Em particular, o foco do seu estudo é representado pela relação extremamente dinâmica e fluida que, neste cenário (des)localizado das crenças afro-brasileiras, dá-se entre campo étnico e campo religioso. Em todos os terreiros analisados por Bahia na Suíça e na Alemanha, emerge a grande capacidade das religiões afro-brasileiras de dialogar, simultaneamente, com diferentes contextos étnicos e culturais, incorporando-os e deixando-se incorporar por eles.

Tais diálogos e outras relações entre estados, planos e universos diferentes são interpretados, principalmente, pelos pais e as mães de santo ativos em terras alemãs. Por meio de uma leitura mítica das respetivas trajetórias migratórias, existenciais e espirituais, eles tornaram-se formas vivas de um universo significante e, consequentemente, como nos diz Bahia, viraram “construtores de histórias e ideologias sobre o grupo”. As narrativas autobiográficas da “suíça” Mãe Habiba, e dos berlinenses Mãe Dalva e Pai Murah confundem-se continuamente com as histórias míticas dos terreiros que dirigem. Em um tipo de tradição religiosa fortemente ritualista e que funciona pelo princípio da incorporação – que vai bem além do transe mediúnico –, estes personagens desempenham um importante papel simbólico, veiculando com o próprio corpo processos de construção mítica da realidade. Eles transformam-se, de facto, em imagens religiosas vivas, capazes de evocar imaginários coletivos e de impulsar processos imagéticos.

A possibilidade do ser humano encarnar o mito é tão concreta no artigo do historiador Alexandre Karsburg, que se transforma no principal obstáculo da sua pesquisa historiográfica. Karsburg desloca-se de um lugar para outro do planalto meridional do Brasil, para seguir o rastro do venerado monge João Maria. Em particular, ele está interessado em desvendar as pessoas reais que, entre meados do século XIX e o início do século XX, foram identificadas com ele; a começar do primeiro destes estranhos personagens, o italiano João Maria de Agostini. Seguindo diferentes percursos historiográficos, alguns dos quais pouco frequentados, Karsburg reconstrói com certa precisão o itinerário deste primeiro monge andarilho. Embora a vicissitude analisada neste texto comece com um movimento “migratório”, a relação aqui descrita entre religião e mobilidade é atípica e inversa à que costumamos encontrar: o deslocamento deste “monge” não constitui uma incômoda condição a ser resolvida miticamente, mas, pelo contrário, um caminho místico regenerador, por meio do qual sair dos pântanos mortíferos da vida mundana.

Curiosamente, o “desaparecimento”, em 1852, do homem João Maria coincide com a afirmação do seu mito, interpretado por uma quantidade indefinida de andarilhos penitentes percorrendo o extenso território sulino desde 1855. O texto de Karsburg ajuda-nos a entender que quando um homem aproxima-se demais do mito, tentando permanecer dentro do seu âmbito sagrado e procurando viver conforme seu modelo, ele mesmo torna-se uma imagem vivente da realidade mítica. A trajetória brasileira (documentada) de Giovanni Maria de Agostini é relativamente curta, durando menos de um decênio. Contudo, desde o começo, pelo seu estilo de vida hierático e solitário, inspirado na figura de Santo Antão Abade, o Anacoreta, ele chamou a atenção dos que cruzavam o seu misterioso caminho, excitando a imaginação deles e transformando-se em um modelo a seguir. Na medida em que lhe eram reconhecidos atributos míticos, construía-se um lugar da imaginação mitológica, ao passo que os confins espaciais, temporais e até mesmo somáticos da sua trajetória existencial ofuscavam-se e dilatavam-se; para receber e englobar, como um rio com os seus afluentes, as peregrinações de dezenas de outros “monges” – como João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho (que participou da Guerra do Contestado) – que procuraram imitarlhe a vida penitente e de rejeição dos valores mundanos. Também estes últimos, fundindo-se com o primeiro e com o imaginário por este inaugurado, de imitadores viraram imitados, imagens vivas de um “pensamento”, o mítico, que, como sabemos, é homeopático e contaminante por definição.

Também no texto da antropóloga Maria Raquel da Cruz Duran, a questão da mobilidade na experiência religiosa não está diretamente relacionada ao fenômeno migratório, mas a um processo de evangelização, pelo qual estão passando os membros de um povo indígena do Mato Grosso do Sul. Quando, nos anos ’60 do século passado, um missionário evangélico alemão chegou a Alves de Barros, “capital” dos Kadiwéu, encontrou um povo cuja vida religiosa fundamentava-se em uma mistura de pajelança e catolicismo popular, vivido essencialmente por meio do culto às imagens. A autora analisa, por meio de um emblemático depoimento, como a entrada exitosa dos protestantes na vida deste povo mudou a percepção dos seus membros para com as imagens sacras.

Duran explica-nos como a devoção da sua interlocutora baseava-se na percepção de uma coincidência ontológica entre uma entidade divina, real e um sentimento piedoso, radicado no mais fundo do seu ser. Tal devota teria tomado consciência dessa duplicidade justamente quando experimentou a sua ruptura: “descobrindo” que aquela suposta entidade real era um pedaço de madeira esculpido por homens e que o próprio sentimento religioso era sustentado por uma ilusão. Este “descobrimento”, evidentemente, foi propiciado pelo discurso iconoclasta protestante e pela sua desmitificação das representações iconográficas como lugar de encontro com a divindade. Contudo, paradoxalmente, a rejeição das imagens católicas, no depoimento recolhido pela autora, corresponde também a uma demonização das mesmas, isto é, à sua revitalização, embora em chave demoníaca.

O último texto representa uma contribuição minha, de caráter antropológico, dirigida à compreensão da natureza do poder sedutor que as imagens religiosas exercem sobre os seus devotos. Especificamente, interesso-me em compreender qual é a força que, cada fim de semana, leva dezenas de equatorianos a deslocar-se de diferentes distritos de Nova Iorque e, inclusive, de outros estados contíguos, para a igreja de Saint Veronica, no Lower Manhattan. O fato de que lá é guardada uma imagem da Virgen del Quinche – muito venerada no norte do pais andino – poderia sugerir uma resposta que aponte para um processo de “retribalização” em terras estrangeiras. Contudo, a opção da compreensão daquela imagem como mero símbolo étnico, ao qual os equatorianos locais acorreriam para não esquecer quem são, representa um atalho que, apesar de ser extremamente cómodo e atraente, afasta-nos de um entendimento mais profundo do fenômeno observado.

Certamente, os quitenhos de Nova Iorque que se dirigem a Saint Veronica fazem-no porque vivem um sentimento de proximidade com a Nossa Senhora lá representada. Entretanto, essa proximidade não é de um tipo transcendente ou essencial – como normalmente é entendida a étnica –, mas apresenta um forte caráter contextual e experiencial. Eles consideram e veneram aquela Virgen porque por meio dela veem – no sentido cognitivo do termo – a própria história e a própria vida. Em particular, ao longo deste texto, tento demostrar como a capacidade sedutora desta imagem deriva do seu grande poder simbólico. Este poder, por sua vez, repousa sobre a síntese de duas propriedades fundamentais, que os devotos reconhecem nela: a de representar a história mítica e as categorias culturais que esta veicula; a de fazer novamente presente, nas próprias histórias, a entidade mítica e o universo de sentido ao qual ela dá acesso. Os equatorianos que, todos os domingos, atravessam Nova Iorque para alcançar Saint Veronica e o tesouro devocional que esta contém, não o fazem porque lá encontram representações culturais e estruturas sociais determinadas a priori pelo gênio étnico, mas porque lá encontram as ferramentas simbólicas para construí-las dia após dia.

Além dos textos que compõem o dossiê, este número conta com o artigo da sociológa Iael de Souza que, a partir da análise do filme “Entre les murs” (do diretor Laurent Cantet, de 2008) como recurso mimético, busca compreender os problemas educacionais enquanto manifestações da totalidade das relações sociais e de produção capitalista. Assim, para Souza, “entre os muros” de uma escola pública parisiense pode ir além dos muros, pois é reflexo estético dos problemas sociais enfrentados pela sociedade atual.

Por fim, temos o artigo do historiador Gustavo Silva de Moura que discute as relações entre a juventude e a sociedade, analisando como se dá sua composição social e cultural na “cena” Rock/Metal de Parnaíba-Piauí. Dessa forma, Moura aborda a importância das mídias (rádio, televisão, jornais, revistas), na propagação do Rock e Heavy Metal na cidade de Parnaíba-PI, nas décadas de 1980 e 1990, considerando a visão da sociedade sobre essa nova prática que estava em ascensão no Brasil e em várias localidades do Nordeste.

Referências

A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Editora Paulus, 2003.

DE MARTINO, Ernesto. Morte e pianto rituale nel mondo antico: dal lamento pagano al pianto di Maria. Torino: Boringhieri, 1958.

LEWIS, Clive Staples. Dios en banquillo. Madrid: Rialp, 2008.

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. V. I e II. São Paulo: EPU-EDUSP, 1974.

SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

Francesco Romizi


ROMIZI, Francesco. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina-  PR, v.10, n.18, jan/jul, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Imagens, história e ciência / Domínios da Imagem / 2016

As reflexões acerca do uso de imagem na escrita e no ensino de História ganharam corpo nos últimos anos no Brasil. As representações iconográficas e audiovisuais não apenas ilustram o trabalho do historiador, mas também são objetos de análise em suas narrativas. Nas ciências, a fronteira entre a fidedignidade do que é representado e as concepções artísticas são tênues. A representação de uma planta feita por um naturalista oitocentista ou as imagens captadas por telescópios orbitais no século XXI exemplificam bem a questão, pois em ambos os casos elas são ao mesmo tempo representação e arte, pois o ato de vulgarizar ou divulgar o conhecimento científico congrega tanto o ato da investigação racional quanto certa liberdade artística. Nesse sentido, a proposta desse dossiê é reunir trabalhos que reflitam, explorem ou tomem como objeto a relação entre os usos da imagem na História da Ciência.

Este dossiê apresenta três frentes associadas: história, imagem e ciência. Delas decorrem outras ramificações que transversalmente abordam o eixo temático básico do presente. Abordagens plurais colaboraram para o alargamento da proposta temática, pois contemplou historiadores do político, da arte, da ciência, da literatura, bem como arquitetos, artistas plásticos, antropólogos e biólogos, o que dá multiplicidade e multidisciplinaridade a esta proposta.

Transitando pelo pluriverso da História das Ciências dois artigos abordam questões até hoje pouco aprofundadas na área. Em As primeiras imagens ocidentais da anatomia do útero humano, Vera Cecilia Machline discute um tema caro aos historiadores da Ciência. Afirma que coube à escola liderada por Aristóteles (384-322 a.E.C.) não só os primeiros estudos anatômicos de animais realizados no Ocidente, mas também as primeiras representações visuais a respeito. De acordo com a historiadora, há muito perdidas, sabe-se da existência dessas imagens mercê referências a ’Ανατοµαί (i.e., Esquemas anatômicos) em obras aristotélicas analisando sob diferentes ângulos a multiplicidade do reino animal. Compensando essa irreparável perda, desde o Renascimento ensaiou-se reconstituições de tais ’Ανατοµαί, com base nas descrições verbais nessas obras. Isto se aplica até ao útero de certos animais, incluindo o do ente humano, descrito no início do Livro II da História dos animais. Diante disso, será enfocado a reconstituição algo anacrônica de D’Arcy W. Thompson (1860-1948), bem como a ilustração do útero num manuscrito de c. 850, possivelmente inspirada na descrição presente no tratado ginecológico composto por Sorano de Éfeso (fl. 98-c. 129).

A ampliação do uso da imagem pelas descrições científicas e, especialmente, em sua vulgarização para um público amplo por meio da imprensa periódica é objeto do texto Representações, vulgarização e imagética científicas na imprensa da Corte fluminense do século XIX, do historiador Cesar Agenor Fernandes da Silva, que tenta compreender as nuances e os contornos da vulgarização científica e seu papel no projeto civilizatório para o Brasil veiculado pela imprensa periódica. A questão discutida nesse artigo gira exatamente em torno da difusão dos saberes científicos e as imagens associadas a essa veiculação por meio das publicações periódicas do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XIX. Um dos pontos centrais é justamente descrever como o conhecimento técnico-científico e, sobretudo, o uso público da razão tiveram papel fundamental no projeto de civilização dos homens de letras que viviam no Brasil. Além disso, coloca-se em perspectiva a possibilidade de se pensar possíveis impactos nas representações sobre o mundo pelos brasileiros que tinham contato com essas publicações.

Na interface entre a criação imagético/psíquica e a percepção filosófica, o texto de Elly Rozo Ferrari retoma essa discussão sobre outro prisma. Em Deslocamentos das narrativas viajantes: as fotografias de Mário de Andrade no processo de construção de conceitos da exposição Id: retratos contemporâneos, a artista plástica apresenta o ato fotográfico moderno nas fotografias de Mário de Andrade, pertencentes ao Arquivo do IEB-USP, como gerador de propostas conceituais a fim de discutir a imagem na contemporaneidade em relação à construção de identidades atualizadas neste processo de curadoria. Nesse sentido, analisa a intervenção na concepção fotográfica a partir das narrativas visuais apresentadas sem a intervenção legendada de textos e, a partir dessas relações, discute as representações presentes nesses retratos fotográficos contemporâneos que remetam à estereotipia, à banalização dos registros que, segundo autora, inundam ferozmente os espaços escolares e de cultura.

O espectro desse dossiê é necessariamente amplo, o que possibilita textos de gramaturas bastante diferentes. Em uma seara pouco discutida no âmbito da história da ciência, e mesmo da história política, o texto de Rodrigo Christofoletti apresenta a percepção sui generis do movimento integralista brasileiro sobre Ciência. Em A Enciclopédia do Integralismo frente à Educação, Estética e Poética: ciências da mente e do corpo, o historiador afirma que a tríade essencial do integralismo (Deus, Pátria, Família) teve um corolário bastante divulgado pelo movimento: uma sui generis concepção de ciência, que englobava experiências ligadas à Educação, à Estética e à Poética. Buscava-se com este tripé publicizar a crença integralista de que “o terreno fértil do protagonismo só seria fertilizado por meio do conhecimento, da beleza e da palavra em todos os seus sentidos!”. A ideia de que o binômio ciência/educação sempre foi um dos pilares da civilização era levada à risca pelo movimento integralista. Tal premissa alertava para o fato de que “o acúmulo de conhecimento não se bastava em si, e que era necessário uma educação que rompesse as fronteiras do intelecto, tornando-se o conceito do binômio ciência/educação algo polissêmico”. Este texto analisará as concepções negativas de ciência propaladas pelo integralismo no seu mais importante compêndio a Enciclopédia do Integralismo, publicado de 1957 a 1961.

Outra abordagem trabalhada neste dossiê é construída por textos que transitam pela fronteira entre arquitetura e suas representações imagéticas. O texto Experimentações gráfico-espaciais na confluência dos estudos do Imaginário e das representações da Arquitetura, da dupla Artur S. Rozestraten e Paula Brazão Gerencer, investiga, sob uma perspectiva crítica e experimental, instrumentos metodológicos e fundamentos conceituais advindos do campo de estudos do Imaginário quanto às suas possibilidades de interação com temas e modos de operar próprios do universo das representações da Arquitetura. Além da fundamentação conceitual em Gilbert Durand (1921-2012) e no universo iconográfico do ‘Recueil et Parallèle des édifices de tout genre, ancien et modernes’ de Jean-Nicolas-Louis Durand (1760-1834), o texto toma como base experiências construtivas, ensaios como inter-relações visuais entre imagens, estimuladas pelo Atlas Mnemosyne de Aby Warburg (1866-1929). Tais estudos têm a intenção de sondar novas potencialidades das articulações entre imagens, no plano e no espaço, como ferramenta de investigação e construção de conhecimento.

Em contraste com o texto de Machline que abriu o dossiê, o artigo apresentado pela antropóloga Priscila Enrique de Oliveira aborda as políticas públicas de saúde do Sistema de Proteção ao índio. Ideias, escopetas e bacilos: políticas de saúde do SPI e os diálogos com as populações indígenas do Brasil discute primeiramente como as políticas de saúde do SPI (Serviço de Proteção ao Índio, 1910-1967) foram pensadas, articuladas, colocadas em prática a partir de suas ligações com as políticas e ideais nacionais de civilização e progresso, bem como os pressupostos científicos vigentes no período. Analisa como as sociedades indígenas receberam e responderam a estas ações, enfocando particularmente as diferentes narrativas e lógicas culturais que perpassavam o contato, os diálogos e mediações frente à inserção das ideias de saneamento, higienização, medicalização e cura.

As análises expressas neste dossiê pretendem contribuir para o aprofundamento e a visibilidade de concepções e posicionamentos comprometidos com a ética científica e o respeito à diversidade intelectual. Esperamos que, em tempos de fragilidades éticas, como o que vivemos atualmente, os fundamentos que unem história, imagem e ciência possam ajudar a construir uma sociedade mais sábia de si mesma, e por isso, mais apta a enfrentar mudanças e crises.

Cesar Agenor Fernandes da Silva

Rodrigo Christofoletti


CHRISTOFOLETTI, Rodrigo; SILVA, Cesar Agenor Fernandes da. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina, v. 10, n. 19, jul/dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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América Colonial em imagens / Domínios da Imagem / 2015

Os editores da Domínios da Imagem têm o prazer de apresentar aos leitores o resultado desta edição número 17 da Revista. Nela, estão os oito artigos que compõem o Dossiê “América Colonial em imagens”, além de outros cinco artigos e uma resenha. Uma fértil edição, em especial no que toca aos interessados na história da América Latina, tanto em seu contexto colonial, quanto oitocentista e contemporâneo.

O desafio de fazer um dossiê sobre imagens da – e na – América no período colonial foi estimulante e recompensador. Desde o início, a proposta apontava para as vastas possibilidades de recortes e abordagens e, acreditamos, elas estão de fato bem refletidas nesta coletânea. Os estudos de América Colonial têm crescido visivelmente no Brasil, mas a produção ainda segue em menor escala se compararmos com os estudos contemporâneos. De qualquer forma, associações de pesquisadores e redes de laboratórios de pesquisa se multiplicaram nos últimos anos para agregar e reunir os envolvidos com a temática colonial na América. Nesse sentido, ao par dos congressos e simpósios, tão oportunos ao encontro e ao debate acadêmicos, a publicação de um dossiê também serve, sobretudo, para congregar os pesquisadores e apresentar novos trabalhos e diferentes perspectivas.

É este o espírito deste dossiê: agregar diversos trabalhos de pesquisa, de temporalidades e espacialidades distintas. O importante fio condutor é a imagem, em suas múltiplas dimensões, da América Colonial. O ícone pictórico ou escultórico, a cartografia, a gravura ou o retrato, foram imagens que muito circularam pelo continente americano e pela Europa, num tempo de encontros culturais, marcado pelas traduções e mestiçagens; e num tempo de descobertas, refletido nos mapas que redefiniam as representações do mundo, e nos desenhos de fauna e flora de uma natureza surpreendente, pintada, muitas vezes, de modo nada despretensioso.

O primeiro artigo, de Flavia Galli Tatsch, discute exatamente a circularidade de imagens. Neste caso, apresenta a forma como gravuras flamengas serviram de modelo para obras de artistas do território do ViceReino do Peru, especialmente nos séculos XVI e XVII. Os exemplos americanos apresentados, inspirados em gravuras flamengas, fiéis representantes de tradições temáticas e técnicas europeias, revelam como estas imagens – fundamentais na conformação de um repertório iconográfico para os artistas locais – escapavam, e muito, de uma mera reprodução ou imitação. As imagens em solo americano ganhavam novas interpretações e traduções conforme as mais diversas variáveis, como os patrocinadores, o público ou os espaços onde seriam expostas. Legitimados nos modelos, incorporavam traços da criatividade e inventividade locais.

Ainda na temática da circulação e na busca de modelos para composição de material imagético, podemos situar o artigo de Andréa Doré, que analisa a representação da América num dos mapas murais de Willem Jansz Blaeu, de 1608. A análise percorre o universo de fontes utilizado pelo artista, mostrando a recorrência e credibilidade de diversos relatos sobre a América no cenário europeu. Como parte da rica escola cartográfica holandesa dos séculos XVI e XVII, o mapa em questão é problematizado também em suas escolhas, seleções e hierarquizações na representação de nativos e cidades do continente americano.

O texto a seguir, de Jorge Victor de Araújo Souza, discute diversas representações imagéticas da América no período do Renascimento europeu. A análise, especialmente de frontispícios e gravuras de livros, discute as noções de reciprocidade e dádiva como forma de explicitar as hierarquias nas maneiras pelas quais a América foi representada. O autor compreende o tema como uma “tópica”, na qual pode-se perceber o papel do continente americano no contexto dos impérios coloniais e também desvelar um universo de expectativas, imagens pré-concebidas, experiências e práticas que pautaram as relações entre a Europa e América entre os séculos XV e XVIII.

O quarto artigo do dossiê traz o trabalho de Jacqueline Ahlert sobre a presença de um complexo universo de representações imagéticas no espaço missioneiro dos jesuítas da Província do Paraguai. A análise percorre a larga temporalidade desta presença, e a organização do espaço, para refletir sobre as formas de produção de esculturas, pinturas, estampas e medalhas pelos artesãos indígenas – quase sempre anônimos – que trabalhavam nas oficinas sob inspiração dos mestres jesuítas. O texto discute as mediações e traduções sofridas pelas representações da iconografia cristã no contexto das missões e problematiza a articulação destas imagens no espaço e nos seus usos e sentidos.

Já no contexto da América Portuguesa, e na temporalidade da transição da Monarquia Hispânica, temos o texto de Kalina Vanderlei Silva, que se debruça sobre as imagens – textuais e visuais – construídas na segunda metade do século XVII sobre o Governador Geral do Brasil e Conde de Alegrete, Matias de Albuquerque. Na análise deste personagem que transitou da lealdade aos Habsburgo ao juramento aos Bragança, o trabalho busca revelar as conexões existentes entre as elites açucareiras do Nordeste brasileiro com o cenário cortesão ibérico. A composição do modelo de herói fidalgo, perfeitamente ajustado ao período, torna-se um dos terrenos ideais nos quais a autora trafega para mostrar como a construção de retratos discursivos e iconográficos tinha forte sentido legitimador para estas elites americanas.

Ao avançarmos pelo século XVIII, temos o artigo de Juan Ricardo Rey-Márquez, que apresenta uma análise do uso do desenho na Expedição Botânica do Novo Reino de Granada, comandada por José Celestino Mutis. Para tanto, o autor discute o conceito de representação no contexto da ilustração e das viagens de exploração naturalista. A força e a importância da representação visual da flora são problematizadas de forma a colocar em perspectiva os debates sobre a capacidade destas imagens ajudarem no conhecimento efetivo da natureza. As escolhas e posições de Mutis são explicitadas no texto, mostrando inclusive a necessidade de complementaridade entre o visual e o escrito no processo de conhecimento da realidade desenhada.

O período setecentista tem ainda dois artigos analíticos sobre a riquíssima realidade imagética das Minas Gerais. Kellen Cristina Silva apresenta um estudo iconográfico da pintura do teto da igreja de Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Prados. A imagem – aqui vista como encarnação dos medos e temores, no contexto de um certo imaginário religioso ibérico e também mestiço – é analisada numa operação comparativa com a obra teatral de Ariano Suassuna e a cinematográfica de Guel Arraes, para refletir sobre permanências da mentalidade devocional, do medo da morte e da concepção de Juízo.

O artigo de Tércio Veloso discute a formação das cidades coloniais na América portuguesa e analisa o caso da cidade de Mariana, erguida no contexto da mineração do ouro no atual estado de Minas Gerais. O autor cruza o riquíssimo debate historiográfico sobre as cidades coloniais na América, com duas representações iconográficas produzidas no século XVIII, especificamente duas “plantas” urbanas. O trabalho busca compreender como as cidades se movimentam e respondem muito mais às questões e anseios locais do que a determinações ou projetos apriorísticos.

Terminado o dossiê sobre o período colonial, ainda permanecemos, contudo, em território latino-americano. O artigo de Bruno Pereira de Lima Aranha analisa relatos de viagem produzidos pelos argentinos Juan Bautista Ambrosetti e Florencio de Basaldúa, que partiram de Buenos Aires em direção ao território de Missiones, no nordeste argentino, no final do século XIX. O texto faz uma discussão sobre as representações iconográficas da natureza regional e as relações que estas possuíam com a construção dos símbolos de identidade nacional argentina, colocando em perspectiva os ideais de natureza e civilização.

Já o século XX latino-americano surge no artigo de Júlia Glaciela da Silva Oliveira, que discute o chamado “artivimo urbano” no palco das lutas políticas feministas de Brasil, Argentina e Bolívia. A militância através das múltiplas possibilidades artísticas e das performances em diversos cenários, é analisada numa perspectiva comparativa e inserida nas profundas discussões identitárias inauguradas pelos movimentos sociais no final do século XX.

Ainda na seção “Artigos Gerais”, temos textos que tratam das imagens em diversos contextos culturais. O artigo de Thiago Costa problematiza o pitoresco como modelo artístico específico, envolvido numa longa e múltipla construção estética e teórica. O texto mostra como o pitoresco caiu no gosto oitocentista e o papel fundamental que o pastor anglicano William Gilpin teve em sua difusão e formatação desde o século XVIII.

O artigo de Marta Cordeiro apresenta o corpo como uma construção imagética, muitas vezes deslocado da realidade, e inspirado nos exemplos das celebridades reiteradamente divulgados através da mídia. Visualizam-se as relações entre espectador e imagem e as projeções dos indivíduos sobre os modelos das celebridades.

O último artigo, de Luiz Gustavo Soares Silva, discute as relações entre as representações do período medieval e a cultura da mídia através do estudo de caso do videogame Assassin´s Creed, lançado em 2007. O autor utiliza teorias do cinema para resgatar o diálogo entre a representação histórica e o contexto de produção.

Para fechar esta edição, temos a resenha de Amanda Cieslak Kapp e Tiago Bonato, sobre o livro de Mauricio Nieto Olarte (Las máquinas del império y el reino de Dios, 2013), e o papel da comunicação, em sentido amplo, na estruturação dos impérios globais ibéricos.

As imagens e suas formas de análise constituem foco central da Revista. Neste número, o leitor pode conhecer mais a fundo o papel fundamental jogado pela imagética nas relações sociais, políticas e culturais nas Américas nos períodos colonial e independente, bem como apreender sua importância nas diversas instâncias, das artes às mídias, em contextos os mais variados, da época moderna à contemporaneidade.

Esperamos que a diversidade de temas e abordagens agrade ao leitor!

José Carlos Vilardaga – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de História da América na UNIFEST.


VILARDAGA, José Carlos. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina, v. 9, n. 17, jan/jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Lenguaje (s) dibujado (s): poética y políticas / Domínios da Imagem / 2014

Este dossier propone un espacio de indagación en relación a las artes gráficas y el dibujo con el objeto de debatir sobre las distintas configuraciones de los objetos artísticos, las continuidades y transformaciones de sus condiciones de producción y percepción y los modos novedosos de su circulación y emplazamiento. Partimos del dibujo como manifestación que es, a vez, instituyente e instituido, acción y proceso cuyos efectos de sentido no pueden ser nunca concluyentes. Por otro lado, los artículos reunidos están focalizados en problemas históricos, en momentos contemporáneos y en el despliegue crítico y metacrítico de los cambios en la enunciación, clasificación y jerarquización de los lenguajes.

Entendemos la poética y la política como parte del mismo movimiento: un estado de lenguaje y un modo histórico de representación y discursividad. Podría decirse que es un dossier que desdibuja las fronteras cercadas de la línea y de la forma y que entiende el arte como lenguaje antes que como institución: “en tanto dice la relación necesaria –adecuada o no- de un pensamiento con su objeto”. (RANCIÈRE, 2012, 95).

El objetivo ha sido reflexionar sobre el dibujo en tanto forma que desestabiliza, denuncia y corroe los límites de eso que alguna vez llamamos “arte” y hacerlo, además, desde sus costados imprevisibles o menos habituales. En términos históricos, estamos frente a una categoría contradictoria: dibujo. ¿Qué es un dibujo? ¿Una expresión de arte popular?, ¿una forma de expresión gráfica y estilística?, ¿un arte visual y plano?, ¿industria, medio de comunicación o lenguaje?.

En las fronteras de las culturas mayores y menores, los artistas gráficos han transitado su oficio inmersos en luchas simbólicas y materiales con la expectativa de alcanzar reconocimiento por su trabajo. Sin embargo, recién en los últimos años las llamadas artes gráficas han sido revalorizadas por el sistema de creencias del campo artístico, por la crítica y por la academia. Las razones son amplias y complejas: a la crisis del arte plástico contemporáneo, habría que sumar un cambio profundo en las condiciones de producción y circulación de las obras, así como una transformación en el modo de entender la relación entre el arte y el mercado.

A partir de este giro y de manera paradigmática, el dibujo ocupa un lugar central en los relatos y ensayos de críticos, intelectuales e investigadores. Disciplinas y áreas de estudio como la sociología, las ciencias de la comunicación, la historia cultural, la historia del arte, o los estudios visuales, han puesto atención en la producción gráfica como manifestación plena y múltiple de procesos políticos, sociales y culturales. Nada indica que el futuro de la historieta (o su pasado futuro en términos históricos y de producción crítica y teórica) esté amenazado, aun si el lugar que ocupan las revistas, tiras gráficas y series no es el mismo que hace algunas generaciones.

Este dossier propone, precisamente, rastrear distintas operaciones, itinerarios y programas en donde el dibujo haya sido una herramienta central en la conformación de discursos e imaginarios de época. Asimismo, buscamos problematizar la relación imagen-texto a partir de la reflexión técnica, estética y formal de su abordaje. Con estos objetivos, se indagan manifestaciones y soportes con la intención de recuperar la dimensión política, polisémica y creativa de las artes gráficas.

El trabajo de Cecilia Belej aborda las formas de intervención y acción del artista británico Bansky en su tensión entre lo público, el arte y el mercado al mismo tiempo que problematiza el concepto de canon y la institución del museo en tanto espacio de cosificación. La autora se detiene en el modo en el que el artista articula la crítica, la protesta y el tránsito global como método para el análisis del arte gráfico y sus posibilidades de expansión. La vandalización de reproducciones de obras clásicas como gesto político y de denuncia, el trabajo del esténcil callejero, la intervención sobre publicidades o carteles señalizadores donde se invierten los significados: todo ello apunta a una acción desacralizadora y fundamentalmente, polémica.

Por su parte, el artículo de Aarnoud Rommens y Pablo Turnes desarrolla una lectura sobre la adaptación que el dibujante Alberto Breccia realiza del relato de Ernesto Sábato Informe sobre Ciegos. El texto indaga en las relaciones entre literatura e historieta para revelar las condiciones de posibilidad y experimentación en los límites y deslindes del lenguaje. La dimensión política está presente en esa búsqueda de corrimiento y “puesta en discusión” de las reglas del dibujo. En lugar de una adaptación fiel y servil, transposición pobre y reducida de la literatura a la historieta, Breccia radicaliza las formas de la escritura y la línea mediante la ruptura estética y narrativa. Esa ruptura pone en escena una visión de mundo que no acepta las determinaciones.

Entretanto, el aporte de Sebastián Gago recupera la dimensión política en las lecturas realizadas por distintas generaciones de lectores de dos reconocidas historietas argentinas: El Eternauta y Nippur de Lagash. Desde un enfoque comparativo el trabajo de Gago es clave para estudiar las formas de inserción que ha tenido la historieta en tanto medio de comunicación y forma narrativa en contextos culturales e históricos diferentes, y cómo se la ha leído en esos contextos. Se trata de un abordaje que atiende los sentidos políticos en la lectura a partir del estudio en recepción que delimita y recorta múltiples complejidades.

Asimismo, el artículo de Lorena Vanesa Mouguelar plantea un acercamiento a la revista ilustrada y de actualidades Gestos y Muecas que se editó en la ciudad de Rosario (Argentina), entre 1913 y 1914. A partir del análisis de las imágenes desplegadas en sus páginas y de la reconstrucción de los periplos que por esos años realizaron sus principales ilustradores, el análisis propone pensar las redacciones periodísticas de comienzos del siglo XX como focos de discusión y actualización estética.

Mientras tanto, el artículo de Ana Raquel Abelha Cavenaghi se detiene en la relación educación, lenguaje e historieta a partir de las célebres tiras gráficas de Quino. En efecto, las tiras de Mafalda le permiten a la autora elaborar un planteamiento de la enseñanza de idiomas en el aula atendiendo los sentidos contrapuestos, los recursos gramaticales y estilísticos, las figuras retóricas y los metatextos del discurso. El artículo plantea la complejidad del lenguaje visual en el proceso de alfabetización y adquisición de un idioma y lo hace a partir de una lectura crítica y productiva.

El trabajo de Richard Gonçalves André se detiene en el análisis del personaje “Capitán América” para dar cuenta de qué manera en el contexto de la Segunda Guerra Mundial, sus historietas funcionaron como un instrumento político eficaz de propaganda gubernamental. A partir de un marco teórico fundado, principalmente, en los aportes de Roger Chartier, el autor describe los principales elementos de la serie poniendo en escena un discurso centrado en el “peligro amarillo” y asociado a la amenaza imperialista militar.

Por su parte el artículo de Rozinaldo Antonio Miani aborda la importancia de los estudios iconográficos (en tanto fuente y documento legítimo de acceso a la información historiográfica) desde una perspectiva crítica y transdisciplinaria El autor pone el acento en la importancia analítica del humor gráfico em tanto se trata de un lenguaje con una amplia capacidad de resistencia, subversión e intertextualidad.

Victor Callari analiza el discurso y la posición política de la editorial Marvel Comics y lo hace a partir de um comic que tematiza el acontecimiento del 11 de septiembre. Las representaciones de los ataques terroristas y las políticas de Estado subsiguientes adoptadas por la admistración de George Bush le permiten al autor plantear una perspectiva teórico metodológica acerca de las estrategicas comunicacionales de los comics y dar cuenta de como interpelan a sus lectores colaborando en la producción de imaginarios sociales.

Finalmente, la reseña de Martín Groisman sobre la publicación del primer número de la revista Entre Líneas (revista de estudios sobre historieta y humor gráfico) brinda una lectura crítica y productiva sobre los aportes e intereses fundacionales del campo. En este sentido, señala Groisman que Entre Líneas “…ya desde el titulo se juega con el doble sentido, aludiendo a la línea como organizadora del dibujo y a la vez manifestando la intención de ejercitar una lectura de los bordes, de producir un descubrimiento de lo “no-dicho” en el enunciado del texto”.

Resta señalar que este dossier no busca ser exhaustivo ni ofrecer una lectura homogénea sobre el sentido y las formas del dibujo. A partir de piezas, escenas, significaciones y discursos, la gráfica se torna una materialidad compleja para la indagación de tradiciones y las experimentaciones. Y, en definitiva, se trata de pensar en las gráficas profanas de circulación masiva y extendida y de “robarle” al arte mayúsculo (al menos por un rato) el monopolio de la atención.

Referência

RANCIÈRE, Jacques. La palabra muda. Ensayo sobre las contradicciones de la literatura. Buenos Aires: Eterna Cadencia Editora, 2012.

Laura Vazquez – Doctora em Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aires (UBA) e investigadora Adjunta del CONICET.


VAZQUEZ, Laura. Presentación. Domínios da Imagem, Londrina- PR, v. 8, n.16, jun/dez, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Tecnologia e Imagem / Domínios da Imagem / 2014

Acerca das histórias e estórias da relação entre imagem e tecnologia trata esse número da Revista Domínios da Imagem. Às primeiras dedicam-se os autores dos textos aqui articulados, às segunda dedicamos uma meta-narrativa fotográfica que, de uma colaborativa, entremeia os artigos com imagens recebidas por meio de dispositivos digitais.

Nossa imagem de capa é uma charge do historiador espanhol, pioneiro no que diz respeito às pesquisas sobre tecnologia, literacia e criação de escritas digitais, Antonio Rodriguez de Las Heras. Las Heras é catedrático da Universidad Carlos III de Madrid, diretor do Instituto de Cultura y Tecnología desta universidade e membro do conselho diretivo da revista TELOS. Cuadernos de Comunicación, Tecnología y Sociedad. Em 1990 foi premiado, pela FUNDESCO, por seu livro Navegar por la información. Seus trabalhos podem ser encontrados em www.arsdelash.es . Na charge que utilizamos como abertura deste número da revista Domínios da Imagem, uma curiosa comparação entre a descoberta do fogo pelo homem com a descoberta da informação nos celulares. Em ambas, o descrédito social com que a inovação é tratada socialmente, assim como a previsão de uma revolução de grandes dimensões. Longe de prever na tecnologia alguma centralidade, seja do apocalipse, seja do nirvana, gostaríamos de assinalar que mais do que máquinas de entretenimento, a tecnologia constitui um objeto de estudo que deve ser respeitado.


[Tecnologia e Imagem]. Domínios da Imagem, Londrina- PR, v.8, n.14, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Interfaces entre Morte e Imagem / Domínios da Imagem / 2013

O foco selecionado para a edição 13 fundamenta-se sobre as relações entre imagem e morte. Apesar de sua universalidade, na medida em que todos os seres estão fadados a perecer, a ponto de um antigo provérbio italiano afirmar que, não importando se rei ou peão, ao final do jogo todos acabam na mesma caixa, a morte constitui objeto de estudo uma vez que, culturalmente, são construídas diferentes representações em torno da mesma, tornando-a, portanto, domínio da História e outros campos do saber. Malgrado não sejam os únicos, os cemitérios constituem lugares privilegiados para pensar as tessituras entre imagens, símbolos e morte, como abordam os autores ao longo deste número.

Na capa, verifica-se o túmulo de Luz Maria Garcia Velloso no Cemitério da Recoleta, na cidade argentina de Buenos Aires. Trata-se da primeira necrópole pública portenha, fundada em 1822, abrigando sepulturas da elite do país a partir de diversos estilos arquitetônicos. O jazigo em questão possui sobre o féretro a representação da falecida em seu último sono, repousando à espera do Juízo Final. Isso é um resquício nos oitocentos de um imaginário cristão anterior ao século XII, em que a crença na alma como substância distinta do corpo físico não se encontrava ainda difundida. Entretanto, a estatuária jacente entrou em decadência no século XIX com o advento de outro instrumento de criação visual, a fotografia, que democratizou relativamente o acesso à imagem entre diferentes camadas da sociedade, colonizando os cemitérios dos séculos XX e XXI com imagens fotográficas, que passaram a representar o duplo dos trespassados.

Richard Gonçalves André – Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.


ANDRÉ, Richard Gonçalves. [Interfaces entre Morte e Imagem]. Domínios da Imagem, Londrina- PR, v.7, n.13, 2013. Acessar publicação original

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Domínios da Imagem | UEL | 2007

RC Capa Revista 300 x 200 11

A revista Domínios da Imagem (Londrina, 2007-) é uma publicação dirigida pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), um projeto integrado (pesquisa/extensão) do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina, tem o caráter multidisciplinar, está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História Social e teve seu primeiro número lançado em novembro de 2007.

[Periodicidade semestral]

Acesso livre

ISSN 2237-9126 (Online)

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