Doenças, higiene e insalubridade urbana na América Latina (séculos XIX e XX) | Revista Brasileira de História & Ciências Sociais/2022

Imagem Lucas Braga RilkertRevista Brasileira de Historia Ciencias Sociais
Imagem: Lucas Braga Rilkert/Revista Brasileira de História & Ciências Sociais

O Dossiê intitulado “Doenças, higiene e insalubridade urbana na América Latina (séculos XIX e XX)” foi produzido no contexto da Pandemia de Covid-19 e carrega as marcas de uma experiência epidêmica que provocou mudanças no comportamento social.

Na etapa inicial da Pandemia – quando o esforço dos maiores centros de pesquisa do mundo estava voltado para a experimentação e na produção de vacinas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) insistiu na importância de medidas sanitárias como o isolamento social e de higiene para conter a circulação do vírus. Simultaneamente, e com a mesma finalidade, autoridades sanitárias nacionais e/ou regionais recomendaram medidas profiláticas como a proibição do velório de vítimas da Covid-19, o fechamento de fronteiras, o isolamento de infectados e dos suspeitos de infecção, a proibição de aglomerações sociais e a higienização de ambientes e objetos supostamente contaminados, dentre outras. Leia Mais

Framing animals as epidemic villains: histories of non-human disease vectors | Christos Lynteris

Em 2020, o historiador e ambientalista Donald Worster publicou texto sobre a pandemia (covid-19) que irrompera no final do ano anterior e que continua devastando o mundo. Em seu texto, Worster (2020) chamava a atenção para o silêncio deixado nas cidades pelo afastamento da população dos possíveis caminhos capazes de cruzar com o tão temido coronavírus SARS-Cov-2, e que estava a se propagar de continente a continente, alcançando novas vítimas. Agora, a causa do silêncio não mais seria o pesticida DDT, como alertado por Rachel Carson em 1962 em seu livro Silent spring, mas um inimigo silencioso, não humano, que chegava desequilibrando a ordem social mundial. Como em outros surtos epidêmicos e pandêmicos, são os animais silvestres e seus patógenos apontados como os grandes vilões da história, e, assim como ocorreu com o Sars ou Ebola, a falta de certeza científica sobre o verdadeiro reservatório é compensada por representações sistemáticas e generalizadas de poucos animais selecionados; no caso, os morcegos, como “bandidos” epidemiológicos (Lynteris, 2019). Leia Mais

Doenças e cativeiro: um estudo sobre mortalidade e sociabilidades escravas no Rio de Janeiro, 1809-1831 | Keith Valéria de Oliveira Barbosa

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Keith Barbosa | Foto: ufam.edu.br/notícias

BARBOSA K Doenca e catieiroO livro de Keith Valéria de Oliveira Barbosa, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Amazonas, é fruto de sua pesquisa desenvolvida no seu mestrado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

A obra é dividia em quatro capítulos, no primeiro, “Escravidão e doenças: historiografia, fontes e métodos”, a autora buscou analisar como a mortalidade escrava não estava ligada apenas ao contato entre pessoas de diferentes continentes e, portanto, que o tráfico atlântico em si não dá conta de explicar a mortalidade escrava. Em outras palavras, embora o contato entre indivíduos de espaços geográficos distantes inevitavelmente tenha colocado patógenos em condições de causar doenças que eram desconhecidas para os africanos, a questão não pode ser analisada apenas por esse prisma.

As condições de vida da população cativa propiciavam “ambientes” para que enfermidades matassem muito. A falta de alimentos, os maus tratos, a insalubridade do trabalho, as condições higiênicas inadequadas das senzalas, entre outros aspectos, faziam com que a vida de escravo fosse abreviada muitas vezes pela morte. Leia Mais

Afecciones en juego. Remedios anunciados en El País de 1909 a 1914 | Paul Hersch Martínez

Paul Hersch Martínez en este libro indaga sobre la publicidad contenida en el periódico El País de 1909 a 1914 que se refiere a los productos que son publicitados como remedios para las distintas enfermedades que aquejaban a la población mexicana de principios del siglo XX.

El libro comienza con una anécdota por demás interesante acerca del abuelo materno de Hersch, don Rafael Martínez Illescas, quien fue abogado y juez de primera instancia de Tulancingo, Hidalgo. Maderista y católico, fue encarcelado por oponerse al estado durante el conflicto religioso de la Cristeada. Además de lo anterior, fue un hombre letrado y lector asiduo del periódico El País del cual formó una colección que fue resguardada por sus hijas Esta colección consultada por Hersch fue luego donada a la Delegación Morelos del Instituto Nacional de Antropología e Historia, lugar en donde se encuentra actualmente a disposición de los investigadores. Mientras todavía estaba en poder de las hijas, fue consultada por su nieto Paul Hersch Martínez quien era una persona curiosa por la investigación, primero como médico, luego como historiador de la medicina. Esta anécdota nos muestra lo importante que pueden ser las colecciones privadas para el conocimiento histórico, pues pueden completar los acervos hemerográficos que son custodiados por las instituciones públicas. Esta colección del periódico será precisamente la fuente de la que abreva Hersch para realizar su estudio. Leia Mais

Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias.  Reflexões de História Econômica na época da Covid-19 | Rita de Cássia da Silva Amico

Diante da crise pandêmica que se alastra no Brasil e no mundo, os estudos sobre a COVID-19, nas mais diferentes áreas das ciências, ganharam forças no meio acadêmico. Nesse cenário, foi produzida a obra Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias, Reflexões de História Econômica na época da Covid-19. O livro foi organizado por Rita de Cássia da Silva Almico, docente da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), por James William Goodwin Jr., professor de História do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) e por Luiz Fernando Saraiva, professor adjunto do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O prefácio faz menção a Eric Hobsbawn e às suas análisessobre a saúde e as doenças. O falecido historiador deu sua contribuição no sentido de pensar as complexas relações entre as doenças e as sociedades; destacar as formulações da ciência e das pessoas a respeito do corpo e sobre os conflitos que existiam (e existem) decorrentes de visões distintas; refletir sobre as causas das doenças e dos condicionantes sociais que as propagam e combatem. Todas essas questões permanecem atuais.

Na saúde e na doença é escrito por profissionais de diferentes áreas, tais como História, Geografia, Economia e Sociologia. A primeira parte do livro, intitulada “Pandemia vem do grego”, se inicia com o texto do historiador Alexandre Santos Moraes, “Apolo e as marcas de sua epidemia na Ilíada”, texto no qual o autor procura sintetizar as marcas das epidemias na Ilíada, de Homero. Moraes faz menções à peste ateniense, ocorrida em 429 a.C., que levou a óbito Péricles, como descrito por Tucídides, na guerra do Peloponeso, e enfatiza, inclusive, as disputas entre Aquiles e Agamêmnon naquele contexto. No capítulo “A peste em Atenas de Péricles”, o historiador Alexandre Carneiro Cerqueira Lima analisa a peste em Atenas descrita por Péricles e o elogio aos mortos, realizado em um funeral coletivo representando o corpo social.

A segunda parte do livro tem por título “Conhecimento é poder (I): doenças, saberes médicos e ordem política”. O capítulo incial, “Cirurgiões e seus saberes práticos em Minas setecentistas”, escrito pela museóloga Ethiel Mizrahy Cuperschmid e por Maria do Carmo Salazar Martins, é parte de um estudo sobre a saúde dos escravos, no século XVIII, que eram submetidos a maus tratos e pouca alimentação e desprotegidos de doenças e pragas. As autoras abordam como, diante das adversidades das doenças, a medicina religiosa se espelhava na vida dos santos e dos mártires e em sua devoção para rogar ao todo poderoso a cura ou a solução de problemas. O historiador mineiro José Newton Coelho Meneses é autor do capítulo “’Águas passadas […] movem moinhos’, água, abastecimento, higiene e o processo saúde-doença na modernidade”, que procura analisar os processos de saúde e doença na modernidade. Ainda nesta segunda parte, Glauber Miranda Florindo, em “Epidemia e Estado: um “jogo” antigo ainda jogado”, analisa o Brasil do século XIX, em especial a atuação das câmaras municipais frente às epidemias.

Na terceira parte, intitulada “Gente vendida, doenças circulando: daquilo que não se quer ver”, o historiador Roberto Borges Martins, em “Gripes, micróbios e lombrigas: nota sobre a primeira globalização da era moderna”, afirma que, quando os espanhóis chegaram à América, as populações do México e do Peru tinham, há muitos séculos, densidade suficiente para sustentar as epidemias transmitidas de pessoas para pessoas. Já Luiz Fernando Saraiva, no capítulo “O fim do tráfico, o fim de um mundo e o início de outro”, sintetiza o fim do tráfico e o início de um novo mundo”. Nesse texto, o autor retoma uma das primeiras discussões historiográficas, sobre o porquê de o Brasil se manter coeso no processo de independência do final do século XVIII, ao contrário da América espanhola, que se fragmentou em dezenas de países. Elione Silva Guimarães, em “As pandemias e as populações invisíveis: do Brasil do século XIX ao Brasil da COVID-19”, procura fazer comparações entre as epidemias que afetaram as populações do Brasil no século XIX e no ano de 2029, enquanto Silvio Humberto Passos Cunha, em “Negro drama: um olhar sobre Salvador nesses tempos de pandemia Covid-19”, analisa os espaços sociais de Salvador diante do tema do “Negro drama”.

A quarta parte do livro tem por título “O perigo mora ao lado: doenças no espaço urbano”. Para Pedro José de Oliveira Machado, autor do capítulo “Economia, saúde e comportamento social em dois momentos da história de Juiz de Fora”, o ano de 2020 ficará marcado por pandemias que afetarão as relações sociais e pessoais na cidade de Juiz de Fora. O autor remonta, ainda, aos séculos XIX e XX para abordar as relações entre economia e salubridade. Carlos Henrique Carvalho Ferreira Jr. e Fania Fridman, no texto “Epidemias e ordem pública: a cidade do Rio de Janeiro no século XIX”, tratam de aspectos das epidemias que afetaram o Rio de Janeiro no século XIX. No capítulo “São Paulo na década de 1890 e em 2020: epidemias, enfrentamentos e reprodução de desigualdades”, Fábio Alexandre dos Santos analisa as epidemias nos anos 1890 e em 2020, bem como as reproduções das desigualdades nesses contextos. A quarta parte se conclui com o texto de Maria Alice Rosa Ribeiro, “História que as epidemias nos contam”, que analisa os questionamentos que não estavam presentes na documentação sobre as epidemias de febre amarela no final do século XIX.

Na quinta parte do livro, “A peste, a fome, a guerra e a morte: os quatro cavaleiros da crise”, Jorge Prata de Souza escreve “Epidemias e condições de saúde: a cólera durante a guerra do Paraguai”, texto no qual analisa as epidemias durante a guerra do Paraguai. Marcos Lobato Martins, em “Tifo murino, cólera-morbo e o declínio da Companhia do Mucuri”, analisa as doenças nas terras da bacia do Mucuri durante o período colonial. Já James William Goodwin Jr., em “A peste e a fome: dois cavaleiros visitam Diamantina, MG”, analisa a questão das epidemias na cidade de Diamantina em Minas Gerais. Teresa Cristina de Novaes Marques, em “Epidemia e cerveja: um paralelo entre 1918 e 2020”, compara dois diferentes tipos de epidemias ao longo de cem anos. Rita de Cássia da Silva Almico, em “A morte sem pudor: reflexões sobre duas gripes”, analisa as mortes diante da gripe espanhola e as mortes provocadas pela COVID-19.

Na sexta parte do livro, intitulada “A bolsa ou a vida: política econômica para pensar as crises”, João Felippe Cury Marinho Mathias, no capítulo “Não há alternativa? Uma breve reflexão sobre o falso dilema ético e os efeitos da pandemia”, analisa as questões que envolvem os efeitos morais e éticos da epidemia. Ivan Colangelo Salomão, em “Crise econômica, aprendizado político: a repetição trágica e farsesca da história”, analisa as crises econômicas presentes nos momentos em que as pandemias surgem. Victor Leonardo de Araujo, em “Crise econômica e ajuste fiscal: o que o Paeg nos ensina?”, sintetiza seu pensamento sobre o que o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) representa nas crises econômicas e sobre os ajustes fiscais promovidos pelo governo Brasilero. Fábio Pensavento conclui a sexta parte do livro com o capítulo “As crises financeiras do século XX e a COVID-19: comparar para medicar?”, no qual analisa as crises econômicas que cercam a pandemia de COVID-19.

Na sétima parte do livro, “Conhecimento e Poder (II): solidariedade em tempos doentes”, Luiz Eduardo Simões de Souza escreve “A epidemia de meningite da ditadura militar”, texto no qual analisa a crise de meningite durante o regime militar, demonstrando como o golpe de 1964 e a ditadura que a ele sobreveio representaram uma ruptura no direcionamento das políticas de saúde. O alinhamento político dos golpistas com o interesse externo e em benefício de setores detentores dos meios produtivos no país demandou que, uma vez no poder, se realinhasse a distribuição do produto em favor dos partícipes do butim. Aline Cristina Laier e Fernando Gaudereto Lamas, em “Acesso desigual ao conhecimento científico e seus recursos: uma breve análise sobre a epidemia do ebola na África”, analisam as epidemias de ebola no continente africano. O vírus que ganhou o nome de ebola já havia sido identificado desde a década de 1970, mais especificamente em 1976, mas só ganhou notoriedade mundial na década de 1990, quando a imprensa internacional noticiou não somente a propagação do surto da doença em países africanos, como também a possibilidade de sua expansão para outros países, especialmente da Europa. No capítulo “Resistências nos tempos de pandemia no Brasil e na Argentina”, Flávia Braga Vieira e Javier W. Ghibaldi indicam que há tempos os historiadores têm apontado a solidariedade e o comunalismo como valores que marcam e definem as lutas dos oprimidos. Os autores apontam para as propostas de organização de relações de trabalho mais igualitárias e de ajuda mútua, em oposição às mercantis capitalistas, reivindicadas hoje por cooperativas populares e redes de ajuda mútua, mas que já apareciam, de forma explícita, nos países centrais no sáculo XIX, justamente quando o projeto capitalista triunfava como sistema global. No Brasil, o momento mais expressivo da conjunção destas duas influências se deu no final da ditadura militar, mais especificamente no final dos anos 1970 e ao longo de toda a década de 1980, em um contexto de redemocratização pela base. Já na Argentina, as lutas nos bairros e nas fábricas fazem parte de uma forte identidade de classe operária e da própria formação urbana ao longo do século XX.

O livro Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias, Reflexões de História Econômica na época da Covid-19 representa uma tentativa de se pensar a história das epidemias dentro de um contexto global e de refletir sobre ações adotada por cada sociedade analisada e sua devida importância para o presente.


Resenhista

Douglas de Castro Carneiro – Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Bolsista CAPES-FAPEG. E-mail: douglascarneiiro229@gmail.com


Referências desta Resenha

ALMICO, Rita de Cássia da Silva; GOODWIN, James William; SARAIVA, Luiz Fernando (Org.). Na saúde e na doença: História, Crises e Epidemias.  Reflexões de História Econômica na época da Covid-19. São Paulo: Hucitec, 2020. Resenha de: CARNEIRO, Douglas de Castro. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 19, n. 1, p. 164-167, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]

Born to Die: Diease and New World Conquest / Noble D. Cook

COOK, Noble David. Born to Die: Diease and New World Conquest, 1492-1650. Cambridge: Cambridge University Presss, 1998. 248p. Resenha de: NOELLI, Francisco Silva. Revista de História da Arte e Arqueologia, Campinas, n.3, p.140-141, fev., 2000.

Francisco Silva Noelli – Universidade Estadual de Marigá.

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Cicatriz do universal | Sander Gilman

Freud, em Moisés e o monoteísmo, comparou o ego a um tecido cicatrizado. Essa metáfora médica, proposta em um momento já relativamente sólido da psicanálise como saber independente da medicina, não deixou de ser notada por Sander Gilman em sua ‘leitura judaica’ da obra do fundador da psicanálise.

Para Gilman, a cicatriz evoca muito fortemente a judaicidade de Freud — vivida por este de modo intenso e real, tanto corporal quanto simbolicamente, ao longo dos 16 anos em que o câncer o afligiu. Pois elas — cicatriz e judaicidade — estão associadas, no saber médico de então, à sífilis e ao câncer, remetendo-nos a uma longa série de pesquisas e debates sobre a propensão ou imunidade dos judeus a essas doenças, o que, por sua vez, remete às várias abordagens “racialistas” da especificidade judaica, e especialmente, porém num plano mais geral, às categorias subjacentes, como loucura, doença, alteridade. Cicatriz, ainda, remete à marca judaica por excelência, a marca física da (ou representada pela) circuncisão: marca ambígua, tão carnal quanto simbólica, que não cessa de demandar (e receber) interpretação. Leia Mais