Do meb à web: o rádio na educação – PRETTO; TOSTA (ES)

PRETTO, Nelson de L.; TOSTA, Sandra P. (Orgs). Do meb à web: o rádio na educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Resenha de: REIS, Magali. “Radinho de pilha”: sintonia fina entre educação e comunicação. Educação & Sociedade, Campinas, v.32 n.114 jan./mar. 2011.

Os fios da trama que unem os estudos que compõem o livro são tecidos por José Peixoto Filho, já no primeiro ensaio, ao recuperar a experiência do Movimento de Educação de Base (MEB) e suas contribuições para a educação popular. O meb surgiu no âmbito das mudanças em curso no país, durante a década de 1950, como uma das possibilidades educativas que buscavam soluções para os problemas enfrentados pela população pobre. No âmbito das mudanças no cenário político e econômico, confluíram interessas e alianças entre o poder público e a hierarquia católica para que ações efetivas fossem realizadas, com os segmentos mais carentes da sociedade.

Segundo Peixoto Filho, o MEB realizou um amplo espectro de trabalho no campo da educação popular, na alfabetização de jovens e adultos e na mobilização social dos trabalhadores rurais. Na prática, prossegue o autor, a educação popular desenvolvida pelo Movimento, entre 1961 e 1966, empregou técnicas, métodos e recursos, simples e artesanais, porém criativos e inovadores para a época, visando à comunicação com a população do campo. Porém, um aspecto que chama a atenção é que o meb teve como instrumento pedagógico básico o rádio, que possibilitou ao mesmo tempo o uso de técnicas de comunicação associadas com atividades presenciais, realizadas em sala de aula nas comunidades. A utilização do rádio deu-se por sua abrangência, possibilitando chegar a regiões mais distantes do país, utilizando para tanto recursos da tradição oral.

Ainda que tenha sido esta uma experiência bem sucedida de educação popular, permanece pouco estudada e pouco difundida no meio acadêmico. Portanto, o mérito da obra é colocar em evidência a díade novas-e-velhas tecnologias que, combinadas, podem redundar em uma experiência educativa contemporânea e promissora.

Assim, o uso de diversas formas de expressão, em meados do século passado, por profissionais de rádio, sejam eles programadores, locutores, escritores e produtores de programas, abriu caminhos para a construção de novas linguagens pedagógicas e didáticas, ainda pouco assimiladas pela estrutura escolar brasileira, em especial a pública.

O rápido avanço no desenvolvimento e aprimoramento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) coloca em relevo um universo de possibilidades para a comunicação entre populações distintas, antes inimagináveis, desafiando as ciências sociais e humanas com a abertura de campos de indagação que oferecem oportunidades de pesquisa e aplicação num universo que se renova a cada momento.

A coexistência do rádio hertziano e do analógico configura-se como um universo em que a comunicação se amplia de forma inexorável. Cria-se assim um conjunto de possibilidades trazidas pela era digital, abrindo caminhos para inovações pedagógicas do meb à web, a fim de buscarmos não apenas a compreensão dos novos contextos nos quais se inserem as tecnologias, mas o entendimento de fato das possibilidades das rádios na web.

O livro está organizado em doze capítulos, que apresentam ao leitor uma gama de pesquisas de alta qualidade teórico-metodológica e que reúnem uma diversidade de pesquisadores de diferentes origens, expressando a pluralidade de pensamento, orientação teórica e experiências vivenciadas com o fenômeno radiofônico, nacionais e internacionais.

Estudos comparados entre Brasil, Portugal e Espanha mostram a relação entre a educação contemporânea e a rádio na web, como importante apoio didático, combinando aulas, debates e formação on-line. Seguindo esta linha de pensamento, destaca-se na obra o artigo de Marcelo Mendonça Teixeira, Juan José Perona Paez e Mariana Gonçalves Daher Teixeira, que analisam a rádio web universitária como modalidade educativa e audiovisual em contexto digital, especialmente o caso da Espanha e Portugal, com duas experiências marcadamente bem sucedidas desenvolvidas pela Radio Universitária do Minho (RUM), em Portugal, e pela Radio uned (Universidade Nacional e Educação a Distância), na Espanha. Os autores enfatizam o baixo custo das rádios universitárias, comparado com outros meios. Neste mesmo artigo, destaca-se ainda a distinção entre diferentes modalidades de rádio educativa, tais como: emissoras de centros educativos, emissoras formativas, socioinformativas, programas educativos e “edu-webs” radiofônicas, as quais se configuram de forma bastante diferenciada das chamadas rádios comerciais ou generalistas.

As rádios comunitárias, objeto da atenção de Lílian Mourão Bahia, também cumprem um papel específico que, segundo a autora, tem fundamental importância na construção e no exercício da cidadania. A programação das rádios comunitárias em geral chama a atenção para temáticas de interesse da coletividade e inserem a comunidade no contexto dos municípios onde atuam. De tal modo, a relação estabelecida entre emissora comunitária e a própria comunidade é caracterizada pelo dinamismo da localidade, respeitando os sujeitos sociais locais e oferecendo oportunidades de aprender com as vivências de cada grupo social.

Aparentemente mais democrática que o aparelho hertziano, a web rádio é interessante, porém ainda exige um aparato tecnológico mais caro, isto é, o computador, como também requer certo domínio do software, algo inatingível para a maioria da população brasileira ou, dito de outro modo, ainda não há nada como o bom e velho radinho de pilha, cujos custos tendem a ser muito menores, embora do ponto de vista geográfico seja menos abrangente que a web, que permite ouvir a programação nacional e internacional de qualquer ponto fixo. O rádio convencional, neste aspecto, é limitado a frequência das ondas. Porém, distingue-se de outras tic pelo despojamento do sujeito frente ao aparelho, prendendo-o apenas pelo imaginário, uma vez que a programação pode ser ouvida em qualquer lugar, sem a necessidade de interromper tarefas cotidianas, proporcionando, não obstante, ao sujeito a reflexão, a formação de imagens mentais e o exercício da criatividade.

O que está em evidência no conjunto de artigos que compõem a obra, contudo, é o caráter educativo da radiodifusão, sua vertente mais democrática, de um lado, e seu potencial revolucionário, de outro. Seu potencial transgressor possibilita uma educação capaz de apontar caminhos para a superação das desigualdades sociais, oferecendo uma possibilidade de coesão social, articulada, obviamente com outras políticas públicas que visem a população historicamente excluída da apropriação de bens sociais e direitos que lhes são continuamente expropriados, em favor de um só grupo social, isto é, aquele que conduz a economia, a política e a cultura do país, agindo em seu próprio favor.

Indico a leitura desta obra para aqueles que têm em mente que a educação não ocorre apenas nos espaços restritos da sala de aula, mas também no campo, na lavoura, no canteiro de obras. Esse é o potencial eminentemente transgressor do rádio, que, no entanto, é pouco teorizado na pesquisa e pouco utilizado como componente didático nas escolas.

Olhar e ouvir o rádio de outra maneira, compreendendo-o como ferramenta complementar à educação formativa e informativa das pessoas, este é o desafio que a obra nos coloca. Não deixem de ler!

Magali Reis – Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). E-mail: magali_reis@pucminas.br

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Do MEB à WEB: o rádio na educação – PRETTO; TOSTA (RF)

PRETTO, Nelson De Luca; TOSTA, Sandra Pereira (Org). Do MEB à WEB: o rádio na educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 207p. Resenha de: CASTRO, Fernanda Carla. Revista FACED, Salvador, n.17, p.123-127, jan./jun. 2010.

“A rádio, como nunca antes, é muito mais que somente rádio”, afirma o pesquisador Guillermo Orozco Gómez (Universidade de Guadalajara), no prefácio do livro Do MEB à WEB: o rádio na educação. Organizado pelos pesquisadores Nelson De Luca Pretto e Sandra Pereira Tosta1, a publicação reúne pesquisas nacionais e internacionais que tratam do rádio e do seu potencial educativo. O livro discute o Movimento de Educação de Base (MEB), que na década de 1960 incorporou o rádio como um recurso educativo, a WEB, que impôs mudanças na maneira tradicional de se fazer Educação por meio desse veículo, que se tornou “muito mais que somente rádio”. Conforme destaca Gómez, hoje o rádio oferece uma “dinâmica de possibilidades inéditas para o intercâmbio informativo, a produção de conhecimento e a própria Educação”. Mas o grande desafio que deve ser buscado em todas as experiências radiofônicas educativas é “propiciar a interação real dos usuários da rádio com os próprios conteúdos para a expressão, transcendendo a mera recepção radiofônica”.

Segundo os organizadores, Do MEB à WEB surgiu “com o objetivo de contribuir com a discussão e práticas dos usos do nosso velho e bom companheiro rádio e de sua reinvenção digital, web rádio, na Educação”. Para isso foram convidados autores com experiências educativas diversificadas com o rádio no Brasil e em outros países. Os organizadores também destacam a necessidade de incorporar à publicação o debate sobre a adoção de softwares livres na rádio web, entendida por Pretto e Tosta como de importância estratégica para a Educação e a Cultura, por “contribuir com a emancipação do País em termos científicos e tecnológicos”.

O artigo que abre a publicação, O Rádio e a Educação: a experiência do MEB e as contribuições para a Educação popula, é de José Peixoto Filho – Universidade Federal Fluminense (UFF), que resgata o surgimento2 do MEB e como sua decisão de incorporar o rádio como meio e instrumento educativo e pedagógico contribuiu para a Educação popular e a alfabetização de adultos, entre 1961e 1966. Os programas de rádio do MEB em Goiás, destacados no artigo, embora censurados pelo contexto político da época, enquanto estiveram no ar, funcionaram com êxito na interação com o trabalhador do campo, extrapolando sua alfabetização e levando-o a uma atitude crítica diante da exploração e da dominação.

O pesquisador José Marques de Melo da Universidade de São Paulo (USP), em seu artigo, Mídia, Educação e Cultura Popular: notas sobre a revolução sem violência travada em Pernambuco no tempo de Arraes (1960-1964), discorre sobre um projeto que se entrelaça com o MEB. O pesquisador narra, do lugar de “observador participante”, como funcionou o Movimento de Cultura Popular (MCP), fundado em 1960, em Pernambuco, no governo de Miguel Arraes. Melo lembra que, desde sua fundação, o MCP, além da valorização de diversas manifestações culturais, buscou desenvolver nas comunidades do Nordeste, uma apreciação e uma leitura crítica dos meios de comunicação. O artigo faz um resgate documental das atuações do MCP, apresentando pontos de convergência e divergência com o MEB, e convidando os educadores da nova geração a revisarem criticamente tais projetos.

No terceiro artigo, Rádio web na Educação: possibilidades e desafios, os pesquisadores Nelson De Luca Pretto, Maria Helena Silveira Bonilla e Carla Sandeiro, partindo da experiência de implantação de uma rádio web na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA), chamam a atenção para perspectivas e dificuldades trazidas com a transposição do rádio para o ciberespaço. Com a rádio web abre-se um leque de novas possibilidades para atividades educacionais, demandando uma participação ativa de alunos, que passam de meros consumidores de informações a produtores de conteúdos. Por outro lado, o grande desafio é garantir o pleno uso desses novos recursos. Os pesquisadores denunciam que a pressão política dos grandes grupos empresariais das comunicações impede uma transformação da legislação que regulamenta as rádios comunitárias, restringindo sua apropriação pela comunidade e pelo campo educacional: “com a população pobre distante da possibilidade de uso efetivo desses recursos, o discurso torna-se vazio”.

Cicília M. Krohling Peruzzo (USP) dá continuidade ao debate lançado pelos pesquisadores da UFBA no estudo, “Rádios livres e comunitárias, legislação e educomunicação”, no qual esclarece em que se convergem e em que se diferenciam os dois tipos de rádio no Brasil, e enumera os benefícios trazidos às comunidades que se envolvem na produção radiofônica. Aprendendo as técnicas e linguagens e mesmo os mecanismos de manipulação a que podem estar sujeitos, os envolvidos “melhoram a autoestima e um possível interesse em crescer e colaborar para que mudanças sociais ocorram”. Mas, novamente, as comunidades têm que lutar contra as limitações impostas ao direito de exercitar a comunicação e as políticas “favoráveis aos grandes grupos de mídia e ao mercado das comunicações do ponto de vista prioritário do negócio”.

O quinto artigo, A rádio comunitária na construção da cidadania e da identidade, traz a pesquisa desenvolvida por Lílian Mourão Bahia da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), sobre o papel das rádios comunitárias União, de Belo Horizonte, e Inter- FM, de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Partindo da noção de esfera pública de Jurgen Habermas, a pesquisadora ouviu líderes comunitários, agentes, trabalhadores e dirigentes dos veículos e concluiu que as experiências, mesmo que de maneira embrionária e descontínua, reconfiguraram a esfera pública midiática, formando e consolidando identidades locais e abrindo espaço para o exercício da cidadania.

Mauro José Sá Rego Costa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), discorre, no artigo Para criar o site Radioforum, em busca de um rádio inventivo, sobre as motivações que o levaram, juntamente a um grupo de radioartistas, produtores e teóricos do rádio, a formatar, na internet, um espaço de discussão e experimentação. Os envolvidos no projeto dão seus depoimentos e mostram com quais gêneros radiofônicos irão trabalhar, buscando devolver a inventividade às ondas do rádio.

Em Rádio como política pública: uma experiência paradigmática em educomunicação, Ismar de Oliveira Soares (USP) apresenta aos leitores o projeto3 que, a partir de 2001, levou o rádio a 455 escolas da rede municipal de São Paulo, envolvendo cerca de 11 mil pessoas. Com uma proposta de produção colaborativa, envolvendo democraticamente educadores e educandos, Soares acredita que a grande ousadia da Educom.rádio foi sua implantação “em uma rede formal de ensino, regida por normas que atravessam gerações de educadores e que garantem a tradicional verticalidade do processo de ensino”.

Das escolas de São Paulo, o rádio chega às de Belo Horizonte, por meio de Fábio Martins da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que registra algumas experiências radiofônicas educativas na capital mineira, não sem antes evocar a figura de Roquette- Pinto e sua crença no rádio “como veículo capaz de provocar mudanças na mentalidade popular”. No artigo intitulado O rádio dos meninos, o pesquisador discute os conceitos de “educomunicação” e “educomídia”, além de dar voz a alguns dos alunos envolvidos em um dos projetos radiofônicos de Minas Gerais.

Dos alunos a discussão salta para os moradores de uma favela de Belo Horizonte, principais ouvintes de Ana Paula Bossler (FaE/UFMG) e sua proposta de falar sobre ciência no rádio. Em Divulgação Científica na Rádio Favela FM4:percursos discursivos e a ciência na ausência da imagem, a pesquisadora discute os desafios do projeto e descreve a rotina de produção do programa Ciência na Favela. Bossler apresenta ainda considerações acerca dos programas com finalidade educativa na mídia.

No décimo capítulo, Nelson De Luca Pretto, Maria Helena Silveira Bonilla, Fabrício Santana, Bruno Gonsalves, Mônica de Sá Dantas Paz e Hilberto Mello retomam a discussão sobre os softwares livres. Em Soluções em software livre para rádio web, os pesquisadores da UFBA apresentam indicações de como usar e instalar rádios web com software livre em projetos educacionais e comunitários.

As experiências de Espanha e Portugal estão no artigo A rádio universitária como modalidade educativa audiovisual em contexto digital. No estudo, os pesquisadores Marcelo Mendonça Teixeira (Universidade do Minho), Juan José Perona Páez, da Universidade Autonoma de Barcelona (UAB) e Mariana Gonçalves Daher Teixeira (Universidade do Minho) analisam e comparam as rádios universitárias mais significativas dos dois países, concluindo que o caráter alternativo das emissoras possibilita a veiculação de temáticas dificilmente encontradas em outras rádios, “como a problemática da exclusão social; a popularização da ciência e o conhecimento; assim como a música, o cinema, a literatura e arte”.

Quem encerra a publicação é Maria Luz Barbeito Veloso (UAB), que também traz uma experiência da Espanha. Em Publiradio.net: desenho, desenvolvimento e avaliação de materiais didáticos on-line para a formação em comunicação, Veloso apresenta uma plataforma on-line que permitiu aos alunos de publicidade da UAB gerar seus próprios produtos publicitários radiofônicos e acabou por se transformar em uma web rádio educativa.

Acredita-se que Do MEB à WEB, ao reunir todos esses estudos, pode iluminar não só outras pesquisas sobre o rádio em seu papel educativo, como todas as comunidades envolvidas com esse veículo que, em tempos de Internet, abre um extenso campo de experimentação.

Notas

1 Nelson De Luca Pretto é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e professor associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Sandra Pereira Tosta é doutora em Antropologia Social pela USP. Professora da PUC Minas; coordenadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Culturas (Educ); pesquisadora do CNPq.

2 O MEB foi instituído em março de 1961, por meio de um convênio entre a Presidência da República e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante o governo Jânio Quadros.

3 O projeto Educom.rádio surgiu em 2001, numa parceria entre a Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo e o Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da USP. Em 2005 e 2006, o projeto foi levado a escolas do ensino médio do Centro-Oeste do Brasil, incluindo aldeias indígenas e comunidades quilombolas.

4 Criada em 1981, por iniciativa dos moradores de uma comunidade do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, a Rádio Favela foi legalizada em 1996 e condecorada duas vezes pela ONU por suas ações a favor da cidadania e do combate à violência.

Fernanda Carla Castro – E-mail: fernandaccastro@yahoo.com.br

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