La reposición de pasados en la historia Argentina reciente. Adecuaciones historiográficas en torno a museos, conmemoraciones y agencias individuales en las confrontaciones políticas durante la dictadura | Coordenadas – Revista de Historia local y regional | 2022

En las últimas décadas tanto la historiografía local como internacional que indaga aspectos relacionados a la configuración y circulación de memorias y a la modulación de representaciones sociales del pasado, formados y/o usufructuados –de manera más o menos manifiesta o más o menos implícita– por intereses políticos situados, se ha visto sustancialmente enriquecida. Abordajes metodológicos novedosos, interrogantes más abarcativos sobre dinámicas memoriales e historiográficas nacionales, regiones, provincias y locales puestas en tensión, y refinamiento del conocimiento sobre las prácticas de una diversidad de actores –sujetos, instituciones, agencias– nutren hoy una agenda abierta, compleja y expansiva.

Las indagaciones que componen este dossier se insertan en este horizonte historiográfico renovado y se sustentan en muchas de sus contribuciones, conjeturas e interpretaciones. Concretamente, se proponen situar e identificar algunos elementos que formaban parte significativa del repertorio –más o menos acabado, integral o fragmentario– de acciones, prácticas, imaginarios culturales, relatos e interpretaciones historiográficas de la segunda mitad del siglo XX, de los que se nutrió e hizo uso la última y más sangrienta dictadura cívico-militar (1976-1983) para llevar a cabo el autodenominado “Proceso de Reorganización Nacional” y que en no pocos casos han persistido, impactando y modulando con nuevos sentidos acciones políticas contemporáneas que se presentan como novedosas. A su vez, en los diversos artículos que aquí se publican, esta temporalidad resulta conectada con los macro procesos políticos y culturales del siglo XX en la Argentina, que en algunos casos es historizada desde una mirada amplia que incluye otras coyunturas implicadas como el peronismo, los años de la autodenominada “Revolución Libertadora”, el “tercer peronismo”, entre otros. Leia Mais

Ditadura e seus espaços de repressão / Revista Espacialidades / 2019

Compreender os regimes ditatoriais ao longo da história consiste em tarefa complexa e ampla. As ditaduras não seguem uma regra, não possuem em suas bases fundamentos universais, nem apresentam, ou podem ser representadas, por um modelo específico. Todavia, apesar das especificidades pertinentes de cada contexto histórico, as ditaduras expressam uma marca que as interliga: a repressão e, por conseguinte, seus movimentos de oposição. Dito isso, o presente dossiê tem por objetivo compreender os regimes ditatoriais a partir dos seus mais diversos Espaços de Repressão, suscitando, assim, contribuições para aprofundarmo-nos neste debate tão premente para a atualidade.

Foco e escopo da Revista, este dossiê, pois, toma o domínio espacial como princípio norteador das discussões levantadas. Tendo o espaço como campo privilegiado de análise, assume-se uma postura de verificação dos atos de repressão e de resistência ao regime autoritário sob uma ótica não tão comum, desta forma, visando suprir a necessidade de refletir sobre as experiências ditatoriais, tanto para o preenchimento das lacunas acadêmicas sobre o tema e o enfoque espacial, como para que as sociedades possam se apropriar do conhecimento sobre o passado e refutar práticas autoritárias nos dias de hoje.

A pertinência deste dossiê ainda é ressaltada pelo momento político atual no qual vivemos. Em tempos de relativismos e revisionismos históricos, descrença na ciência – sobretudo a ciência histórica – e desprezo à memória, versar sobre a repressão de regimes ditatoriais e suas profundas marcas na sociedade é fundamental. Deste modo, o liame formulado entre as propostas apresentadas pelos autores, nos leva a confrontar às estruturas autoritárias, percebendo como os valores que atribuímos ao passado podem e devem ser operacionalizados em favor das democracias.

Os textos dos pesquisadores e suas mais variadas metodologias, proposições teóricas, fontes e seus suportes contemplam um amplo debate, que aqui visa as especificidades de temas como a vida pública, censura, tortura, o aparato governamental, as resistências e subversões dentre outros tópicos.

A partir destas concepções, o trabalho “Rumores falam em luta armada: Fortaleza, 1968”, do doutor em História Social / Contemporânea II pela Universidade Federal Fluminense – UFF, e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE), José Aírton de Farias, abre este dossiê. Tendo a cidade de Fortaleza- CE, como espaço de repercussões políticas no ano de 1968, pelas manifestações de agentes estudantis, elabora noções sobre a composição de guerrilha pelos militantes de esquerda, como forma de enfrentamento à ditadura, analisando a inserção de militantes na luta armada, que tão logo foi sufocada pela repressão militar.

Em seguida, realizando uma a análise da obra Situação T / T1, do artista Artur Barrio, apresentada no evento Do Corpo à Terra, em 1970, a autora Tainan Barbosa, mestranda em Estética e Estudos Artísticos, com especialização em Arte e Culturas Políticas, pela Universidade Nova de Lisboa desenvolve o artigo “Um tranca-rua – A guerrilha artística e a Situação T / T1”, com a finalidade de entender de que maneira o campo artístico do período ditatorial brasileiro conjugava a arte de guerrilha, ademais, ressalta o caráter da obra enquanto um ato de resistência, ressaltando esta característica da arte.

No artigo “Militantes e guerrilhas: As mulheres e a ditadura militar no Brasil”, Ana Maria Colling, doutora em História do Brasil pela PUCRS, especialista em história das mulheres e das relações de gênero e professora do PPG em História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Ary Albuquerque Cavalcanti Junior, doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e professor de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus Coxim, discutem a participação feminina na história da ditadura militar brasileira, tomando como pressuposto a invisibilização das mulheres como sujeitos históricos desse processo, apesar de que lutaram como guerrilheiras, num espaço dominado pelos homens, como foi a Guerrilha do Araguaia.

Também neste dossiê, Selly Laryssa da Fonsêca Lins, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História – UFRN, em seu texto “Espaços de repressão: O uso da maternidade e do feminino enquanto instrumentos de tortura no DOPS – SP, OBAN e Presídio Tiradentes (1969 – 1974)”, aponta as práticas de tortura e mortificações, realizadas nos anos da ditadura, especificamente contra mulheres, na Operação Bandeirantes (OBAN), DOPS – SP e no Presídio Tiradentes, que tinham como objetivo exercer formas de controle e sujeição, por meio de fatores sociais e biológicos da condição feminina, citada como exemplo, a maternidade.

Por conseguinte, Renan Nascimento Reis contribui para este dossiê trazendo à tona um debate sobre os tempos de ditadura na Universidade Federal do Pará. Em seu artigo, “A Universidade Federal do pará em tempos de ditadura: Memórias da criação, modernização e resistência (1957-1973)”, o doutorando em História Social da Amazônia, aborda as experiências vivenciadas nos primeiros dezesseis anos da UFPA (1957-1973), de modo que, através da História Oral, o artigo discute como a comunidade acadêmica vivenciou esse momento e, consequentemente, como a visão dos sujeitos históricos relacionada ao período está, diretamente, vinculada à posição de cada ator envolvido, resultando em memórias conflitantes sobre o mesmo contexto histórico.

Pensando na problemática das violações sistemáticas dos direitos humanos, com foco nas ações exercidas contra a classe dos agentes sociais e estudantes de Serviço Social, durante a ditadura militar no Brasil, executa-se a análise de Betânia Maria Ramos da Silva, mestranda em Serviço Social pela PUC-Rio e Inez Stampa, doutora em Serviço Social e professora associada da Universidade já citada, no artigo “O serviço social na luta contra a ditadura militar (1964-1985)”. Além disso, analisam os aspectos da repressão, a participação de profissionais de Serviço Social na luta contra a ditadura e o papel dos movimentos sociais, sejam artísticos, sindicais, estudantis, religiosos e trabalhadores, no combate ao regime.

No artigo, “Similaridades que perpassam o tempo nas representações ditatoriais”, a doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília – UnB, Andressa Estrela Lima, discute a partir das obras Sombras de reis barbudos (1975) de José J. Veiga e K.: Relato de uma busca (2014) de Bernardo Kucinski, os diálogos entre história, ficção e memória no contexto ditatorial brasileiro, a fim de perceber cenas tanto da vida pública como privada, entendidas pela autora como representações simbólicas do real na literatura.

Em sequência, Juliana Cristina Ferreira, doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) traz à tona a discussão acerca das perdas territoriais e da pobreza sofridas pelas personagens rurais, no contexto do Golpe de 1964 no Brasil, através do artigo “Pobreza e perdas territoriais na obra Machombongo, de Euclides da Cunha”. Tomando a fazenda como espacialidade central onde os trabalhadores sofriam com a miséria, a autora visa se aproximar das relações de poder entre o fazendeiro e os agregados para compreender o processo de desterritorialização que os trabalhadores rurais sofriam.

Finalizando o dossiê temático do atual volume, “Dignidad: A colônia alemã a serviço da repressão chilena (1973-1977)”, escrito por Renata dos Santos de Mattos, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abordará a comunidade alemã Colonia Dignidad, liderada por Paul Schäfer no Chile. A partir da análise de documentos desclassificados dos EUA, a autora explora a Colonia enquanto espaço de repressão utilizado pelo principal órgão do aparato repressivo chilheno, a Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), sob o regime ditatorial de Augusto Pinochet.

Versando sobre a história do Moçambique, Celestino Taperero Fernando, doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), abre a sessão livre desta edição, objetivando em seu artigo “Operação produção: As estratégias de inserir os chamados improdutivos, parasitas e inimigos da revolução no governo de transição em Moçambique entre 1975 a 1992”, se aproximar das intenções do programa operação produção e as ideias do homem novo, relacionadas ao processo político, econômico e administrativo da revolução socialista em Moçambique pós-independência (1975-1992), com o intuito de discutir sobre os impactos da implementação do programa pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

Também compondo este volume o artigo dos autores Beatriz Rodrigues e Abner Neemias da Cruz, doutorandos no Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus Franca), versa sobre uma temática premente para novas perspectivas historiográficas: os estudos pós-coloniais. Para tanto, os autores no texto “Perspectivas historiográficas: Minorias e identidades nacionais pelo enfoque dos estudos subalternos e pós-coloniais”, traçam um panorama acerca dos percursos da produção do saber engendrados pelos estudos subalternos e pós-coloniais, enfatizando a historiografia sobre as minorias, bem como discussões acerca de identidades políticas nacionais ou locais. O artigo conta com um debate introdutório sobre os estudos subalternos; análise da produção de autores importantes para a temática; e, por fim, destaca os aspectos teórico-metodológicos dos estudos subalternos e pós-coloniais para a historiografia contemporânea.

Encerrando a sessão livre, temos a problematização da relação entre a tradição crítica revolucionária e o colonialismo, elaborada por Pablo Almada, pós- doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – Universidade Estadual Paulista (UNESP), em seu artigo “Uma transição pós-colonial? Aproximações do discurso do Movimento das Forças Armadas (MFA) de Portugal aos movimentos de libertação colonial”, desenvolve uma leitura da influência dos movimentos de libertação colonial na África no discurso político da Revolução do 25 de Abril (1974). Percebendo no argumento principal um reposicionamento da participação dos agentes na derrocada do colonialismo salazarista, neste artigo, o autor busca compreender como as dinâmicas políticas pós-coloniais estiveram associadas à abertura democrática portuguesa.

Também compõe o presente volume a resenha “Considerações sobre a necropolítica em Achielle Mbembe”, escrita por Maciana de Freitas e Souza, Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e pós-graduada em Saúde Pública pela Faculdade Vale do Jaguaribe. Neste ensaio, intitulado como “Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte”, a autora nos mostra como Achille Mbembe, professor de História e Ciência Política na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo e Duke University nos Estados Unidos, reflete acerca do conceito de “necropolítica”, de modo que o compreende como o poder estatal sobre o direito, ou não, à vida. A resenha versa, portanto, sobre o tema relacionado à violência ligada à estrutura que organiza as relações sociais, reproduzindo-se no cotidiano dos diversos grupos, sobretudo, no cotidiano da população negra. A discussão sobre temas históricos como colonialismo e escravidão também se faz presente para endossar o debate.

Na sessão “Entrevista”, recebemos com grande estima a colaboração do professor doutor Rodrigo Patto Sá Motta. Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do CNPq, tendo atuado principalmente no campo da História Política, suas pesquisas com maior destaque discutem o golpe de 1964 e o regime militar, focando na repressão política, anticomunismo, política universitária, memória e atuação da esquerda. Nesta entrevista, Rodrigo Patto discorre sobre as complexas relações entre as universidades brasileiras e o regime militar, a ligação entre a imprensa e a ditadura, e ainda avalia o fenômeno atual do antipetismo.

Finalizando este volume da Revista Espacialidades, trazemos fontes catalogadas pelo Programa de Educação Tutorial em História da Universidade Federal do Ceará – UFC. O corpo documental se refere a história da escravidão no Ceará e auxiliam no mapeamento da compra e venda de escravos ao longo do século XIX, entre 1843 a 1879. A ação faz parte do Projeto Fundo Documental e Guia de Fontes para a História da Escravidão no Ceará, tendo sido realizados entre 2007 e 2012, resultando no mapeamento do corpo documental e catalogação destes, no qual resultou em fichas / resumo e sistematização desses documentos. Tendo catalogado 12 livros, oriundos do Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC). Nesse sentido, a Revista Espacialidades apresenta este material e agradece ao Programa de Educação Tutorial, à Kênia Rios, Viviane Nunes e Tayná Moreira, coordenadoras do projeto.


Equipe editorial. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.15, n. 01, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Trabalhadores e Ditadura | Mundos do Trabalho | 2014

Os cinquenta anos do golpe de 1964 têm assistido a um verdadeiro boom de publicações e estudos acadêmicos sobre a Ditadura Civil-Militar. Surpreendentemente, no entanto, os trabalhadores, personagens decisivos naquela conjuntura, têm sido razoavelmente negligenciados nas análises sobre o período. Nos numerosos eventos e atividades sobre o cinquentenário do golpe esta ausência é notável. Contudo, a presença pública e a luta por direitos, crescentes desde o final do Estado Novo, atingiriam um ápice justamente no início da década de 1960, mobilizando sindicatos, partidos, associações de moradores e outras formas de associação, como clubes de bairros e grêmios culturais. No campo e na cidade, os trabalhadores estavam no centro do cenário político.

A derrubada de João Goulart pelos militares representou a interrupção deste processo de ascensão da mobilização da classe trabalhadora brasileira. A elaboração de uma nova política trabalhista encetada pelo governo de Castello Branco (1964-1967), aplicada em conjunto com as medidas repressoras, assim como as intervenções nos sindicatos, possibilitou uma verdadeira revanche patronal. A aliança entre empresários e a polícia tornou-se ainda mais sólida e disseminada. Um clima de medo e perseguições passaria a dominar o interior das empresas. No campo, um número ainda não calculado de trabalhadores rurais foi expulso de suas terras e muitos foram mortos. Uma política econômica antitrabalhista proibiu greves, comprimiu salários, acabou com a estabilidade no emprego, facilitando demissões e a rotatividade da mão de obra. O deliberado enfraquecimento dos sindicatos facilitou em muito a superexploração dos trabalhadores, uma das marcas do regime autoritário, elevando o número de acidentes e mortes nos locais de trabalho. Leia Mais

Burocracia sindical: de la dictadura al kirchnerismo | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2016

En los últimos años, dentro de las investigaciones sobre los trabajadores, se han abierto (o reabierto) diversos debates que abordan temas clásicos como el del peronismo, la izquierda, la organización de base y, cuestión a la que dedicamos este dossier, la burocracia sindical. Objeto ineludible en el estudio del movimiento obrero argentino desde mitad del siglo XX en adelante, la burocracia sindical ha sido motivo de fuertes polémicas políticas pero también teóricas en torno a su definición, su relación con el peronismo, su carácter inevitable para algunos y la posibilidad de combatirla de manera estratégica para otros.

Perry Anderson, en Alcances y limitaciones de la acción sindical, advertía: “La clase obrera es concretamente libre sólo cuando puede combatir el sistema que la explota y oprime. Y esto puede hacerlo sólo a través de sus instituciones colectivas: su unidad es su fuerza, y de ella depende su libertad. Pero precisamente porque esta unidad exige organización disciplinada, el objetivo natural del capitalismo pasa a ser el apropiarse de ella con miras a la estabilización del sistema. Se la puede entonces tornar en instrumento contra los mismos propósitos para los que fue creada. Es esta ambigüedad –poder para tomado como poder sobre– la que hace que las instituciones de la clase obrera puedan convertirse en las mejores armas contra ella”. El punto de partida que propone Anderson, y en realidad el del conjunto de la tradición marxista, anuda estrechamente el análisis de la existencia de la burocracia sindical a una perspectiva de emancipación. Es justamente allí donde radica la centralidad del análisis para la izquierda pues, sin esta densidad estratégica, la pregunta sobre la burocracia corre el riesgo de quedar atrapada en una jaula de hierro de inevitabilidad weberiana o quedar circunscripta a un debate moral. Leia Mais

Histórias do tempo presente: ditadura, redemocratização e raça no Brasil / História – Questões & Debates / 2015

Sobre diálogos e interconexões

Já houve quem tentasse colocar tudo na “raça”. Numa mistura de ciência e uma espécie de obsessão – pela negação muitas vezes. Foi por aí que se urdiu uma reflexão candente sobre o destino da nação nas últimas décadas do século XIX até os alvissareiros anos 1930. Falava-se amiúde em “raça” para destacar a sua não importância, enquanto espectro que rondava a comunidade nacional, constituindo preocupação cardinal do pensamento social brasileiro. De Francisco Adolfo de Varnhagen, Silvio Romero, Oliveira Lima, passando por Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Paulo Prado, assim caminhamos.

Nota-se um consenso na historiografia brasileira de que a “questão racial” mobilizou uma gama multifacetada de agencies: desde teóricos, políticos, gestores públicos, juristas, médicos sanitaristas, jornalistas e ensaístas da geração dos “intérpretes do Brasil” (Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior) até os especialistas da chamada “Escola Paulista de Sociologia” (Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni), que no pós-guerra desenvolveram o projeto UNESCO de estudos sobre as relações raciais. Ainda assim atravessamos boa parte do século XX com um Brasil republicano arrastando a memória do cativeiro para um distante “passado-esquecimento”, por assim dizer. O pós-emancipação sequer virava capítulo derradeiro dos estudos sobre Abolição. As pesquisas sobre as “relações raciais” foram de fundamental importância para se compreender as desigualdades e assimetrias entre negros e brancos na sociedade brasileira, é bom destacar, porém acabaram por encapsular o campo do pós-abolição das narrativas históricas. Vários processos– urbanização, industrialização, modernidade, mundos do trabalho, questão agrária, relações de gênero, culturas políticas, cidadania, eleições etc. – foram desidratados da dimensão mais ampla desse campo, com seus legados e principais sujeitos.

Diante de tal panorama, inscrever a “questão racial” às múltiplas experiências históricas da sociedade brasileira e não vê-la confinada aos temas da escravidão virou – em certa medida – um projeto político do tempo presente, que tem a sua maior aposta a lei 10.639.Não há porque negar o avanço democrático do processo atual, saudá-lo e reconhecer o seu próprio percurso de debates e embates, dentro e fora das universidades. Investimento importante seria identificar como foram gerados “silêncios” sobre a “questão racial” para vários temas-eventos da história do Brasil. Podemos citar, por exemplo, as atmosferas de disputassimbólicas – imagens e representações – em torno da “independência” no Brasil. Na década de 1970, Maria Odila já chamava a atenção para o fator “medo” e o “haitianismo” na arena das expectativas sobre a separação política e a participação popular nas ruas da Corte, por um lado. E autoridades despejando socos e pontapés em comícios que escondiam xenofobias, por outro. Os estudos clássicos já mostraram que muitas das “questões raciais” – travestidas de outras linguagens, nomenclaturas e significados – estavam presentes.

É fato que em determinadas paisagens historiográficas os cenários que envolveram personagens, contextos, movimentos e expectativas que cruzaram narrativas sobre “raça”, racismo, nação, identidades e culturas sequer apareceram emoldurados nas retóricas iconoclastas. Inclui-los hoje na agenda de pesquisa pode ser mais do que tão somente um “resgate” historiográfico. Sugerem novas pautas, revisões, polifonias e multivocalidades desafiadoras, nem sempre percebidas nos eventos-efemérides, nos roteiros analíticos e / ou nas políticas editoriais acadêmicas.

As temáticas da ditadura e da redemocratização vistas pela transversalidade da “raça”, especialmente no decurso dos anos 1970 e 1980, podem seguir outros caminhos– nunca desvios –, considerando os sentidos político-culturais de vários atores e segmentos sociais, com suas estratégias, clivagens, aspirações e demandas por reconhecimento, direitos e liberdade de manifestação. Neste dossiê o ponto de partida foi exatamente a tentativa de estabelecer diálogos e interconexões entre as temáticas da ditadura e da redemocratização, de um lado, e a experiência negra, de outro, a fim de superar falsas dicotomias.

A temporalidade que organiza estas aproximações ou entrecruzamentos são os anos 1970 e 1980, sobretudo. Quem começa é George Reid Andrews ao surpreender o protagonismo político negro a partir de novas balizas, diretrizes e cronologias – embora por vezes cristalizadas – que antecederam o surgimento de organizações contemporâneas de luta antirracista (1978) até o pós-centenário da Abolição (1988). Tratou-se de um protagonismo ativo e entrelaçado à história nacional (e transnacional) no período da redemocratização. Nem sempre ideias e ações político-partidárias foram orquestradas. Sons repercutiam e ganhavam ritmos que assustaram mesmo ouvidos insuspeitos. Paulina Alberto acompanha a efervescência do Black Rio e dos bailes de soul music, que contagiavam a juventude negra do subúrbio carioca e redesenhavam símbolos racializados – muitos dos quais transnacionais – em torno da identidade positivada, do estilo contestatório e da afirmação estética. Já conhecemos algo sobre tais experiências e repertórios para São Paulo, embora contextos urbanos diferenciados ainda precisem de mais investigações. Para uma parte da juventude negra dos anos 1970, o protesto político teve uma trilha sonora própria que os estudos temáticos ainda não se interessaram em ouvir. Linguagens, tramas e performances foram diversificadas e nem sempre apareceram textualizadas. A campanha contra o apartheid na África do Sul – e com ela a luta para que Nelson Mandela fosse libertado da prisão– converteu-se em ferramenta política nas mãos de ativistas negros que denunciavam a segregação racial, tanto do outro lado do Atlântico como no Brasil. Com Jerry Dávila conseguimos “ouvir” outros sons e vozes que embarcavam e desembarcavam nos litorais africanos: dos movimentos de independência em países como Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, até chegar aos apelos para a libertação de Mandela e as homenagens a Steve Biko, líderes sul-africanos.

Vale destacar que a dimensão cultural – quase sempre crítica ou apropriada pelo viés político – foi um porta-voz nos debates e impasses dos anos de chumbo. Com poucos canais de expressão diante do arbítrio da ditadura, identidades, comportamentos, alteridades e taxinomias raciais ganharam laudas, palcos e telas. Noel Carvalho rouba a cena – melhor seria o set – ao abordar a trajetória do cineasta negro Odilon Lopes, desde os primeiros anos de atividade profissional na televisão até a realização do seu filme Um é pouco, dois é bom, de 1970. Enquanto isso Dmitri Fernandes examina a emergência da emblemática artista Clementina de Jesus – e tudo que ela representou sobre a cultura negra – nas décadas de 1970 e 1980. Sua “descoberta” (da “autêntica” sambista) se transformaria em metáfora para se investigar os sentidos de uma diáspora que foi articulada pelos movimentos de afirmação da “raiz afro-negra”. Com Mário Augusto da Silva conhecemos o despontar da pulsante literatura negra na década de 1980, por meio de eventos, obras e debates que galvanizaram a atenção de intelectuais nacionais e estrangeiros.

Num artigo coletivo Sandra Martins, Togo Ioruba (Gerson Theodoro) e Flávio Gomes invadem os muros acadêmicos para encontrar uma juventude negra original que, a partir do início dos anos 1970 cria um movimento de reflexão (e reivindicação) sobre objetos / sujeitos da “raça” e do racismo na Universidade Federal Fluminense através do GTAR (Grupo de Trabalho André Rebouças), que teve a força viral de Beatriz Nascimento e o apoio luxuoso de Eduardo de Oliveira e Oliveira, intelectuais negros ícones daquela geração. Para encerrar o dossiê, Petrônio Domingues nos conduz a outras latitudes que interseccionam as relações entre redemocratização e “raça” no Brasil contemporâneo, na medida em que se vale de memórias, mitos e símbolos para reconstituir o processo de invenção de João Mulungu como herói negro. Revalorizado no imaginário das hostes antirracistas, esse líder quilombola vem fazendo a cabeça e tocando o coração de muitos negros que sonham com igualdade, ampliação de direitos e justiça.

Agradecemos aos colegas que colaboraram com o presente dossiê e possibilitaram ampliar os estudos e reflexões sobre Histórias do tempo presente: ditadura, redemocratização e raça no Brasil. Esta edição da revista ainda traz três artigos. Leyserée Xavier investiga a reforma religiosa promovida por Akhenaton, faraó egípcio da XVIII Dinastia, que, entre outras coisas, elevou Aton ao lugar de divindade suprema. Julio Bentivoglio, por sua vez, debruça-se sobre os textos publicados nos primeiros onzes anos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), de 1839 a 1850, tendo em vista a mapear autores, temáticas, recortes temporais e geográficos, dentre outros aspectos que constituíam a escrita da história brasileira vinculada ao IHGB. Concluímos esse número com o artigo de Alessandro Batistella sobre o político paranaense Abilon de Souza Naves, principal liderança do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na década de 1950.

Petrônio Domingues

Flávio Gomes

(Organizadores)


DOMINGUES, Petrônio; GOMES, Flávio. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.63, n.2, jul./dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Democracias Ameaçadas: ditadura, gênero, e ensino de história / Aedos / 2013

Neste décimo terceiro número da revista AEDOS três peculiaridades merecem atenção desde o início deste editorial; 1- Não apresentamos uma entrevista, algo que ocorreu em todos os números que não centraram-se em apresentação dos anais de eventos; 2- No entanto a falta de entrevista decorre da promoção do primeiro evento organizado pelos editores da revista em consonância com o tema do dossiê temático deste número; 3- Recebemos mais de setenta artigos e resenhas para apreciação dos avaliadores, um recorde nestes treze número de nossa revista.

Nossa felicidade em sermos prestigiados com tantos pesquisadores interessados em publicar na AEDOS nos deixou com um desafio. Decidimos que manteríamos parte destes textos para o número atual e os textos não avaliados então seriam avaliados para o décimo quarto número, que virá no início de 2014.

O dossiê temático intitulado “Democracias Ameaçadas”, inspirado na proximidade dos 50 anos do golpe militar que levou à Ditadura Civil-Militar no Brasil, tinha o intuito de permitir o debate abrangente sobre qualquer situação de exceção em que a democracia se encontrasse ameaçada. Os temas dos diversos artigos submetidos a esta seção estavam centrados nos diversos aspectos de memória e resistência nas ditaduras do Cone Sul. Janaina Vedoin Lopes e Glaucia Vieira Ramos Konrad abrem o dossiê com seu artigo “Arquivos da Repressão e Leis de Acesso à Informação: Os Casos Brasileiro e Argentino na Construção do Direito a Memória e a Verdade”; Carolina Sinhorelli apresenta em seu artigo “Situação crítica: proposições de Frederico Morais nos anos 1960 e 1970“ um debate sobre a arte, a crítica de arte e seus meandros com a Ditadura Civil-Militar brasileira; Patricia da Costa Machado enfatiza o tema da justiça em seu artigo “Transições pactuadas e transições por ruptura: a manutenção do legado autoritário no Brasil e sua influência no processo de justiça transicional”; Mauro Eustáquio Costa Teixeira em seu artigo “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)” trata do papel das Forças Armadas na transição à democracia desde a revogação dos Atos Institucionais, e ainda debate a anistia relacionada às violências perpetradas no período; Tiago Francisco Monteiro de certo modo aprofunda o mesmo debate tratando das divisões políticas no cerne das Forças Armadas em “As propostas de defesa da democracia apresentadas pelas facções castrenses do Exército na Nova República do Brasil (1985-89)”; Dayane Guarnieri centra seu trabalho na análise do Jornal do Brasil e as interpretações dadas ao regime de exceção em suas páginas com seu artigo “Ideias políticas em torno das finalidades democráticas do regime de exceção entre (1964-1968) no Jornal do Brasil”; fechando esta ampla seção de dossiê temático Cristina Scheibe Wolff apresenta o tema de gênero e ditadura militar em “Eu só queria embalar meu filho. Gênero e maternidade no discurso dos movimentos de resistência contra as ditaduras no Cone Sul, América do Sul”.

Com estes temas presentes o conselho editorial da AEDOS organizou o evento “Ditadura, Gênero e Ensino de História”. Este é o motivo do título desta edição que traz o tema do dossiê e em seu subtítulo o tema do evento inspirado pelos artigos enviados para o dossiê. O evento ocorreu entre os dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2013 contando com mesas compostas de apresentações de artigos e de depoimentos com membros da Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. O lançamento do livro “Da Guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós luta armada no Brasil (1975-1980)” abriu tal evento e o pré-lançamento deste número da revista AEDOS, com a divulgação dos artigos aceitos para compor o dossiê temático, e o lançamento do livro “Cone Sul em tempos de Ditadura: Reflexões e debates sobre a História recente” fecharam os debates do evento.

Os artigos para a seção de artigos livres apresentam temas sobre justiça medieval, leituras historiográficas e cinematográficas sobre a Idade Média, imagética assíria, o fórum romano de Augusto, historiografia acerca dos estudos dos movimentos sociais no início do século XX no Rio de Janeiro, estudos sobre reis espartanos embasados em Focault, gênero e História da Arte, História da educação no Brasil, Comunistas Brasileiros e o dia de ação de graças nos EUA. Isto apresenta não apenas a diversidade de temas mas de pesquisadores advindos de diversas partes do país para se encontrarem em um debate acadêmico nas páginas digitais da AEDOS. Esta diversidade de temas dentro da História em nossas páginas exige um contato amplo com doutores de inúmeras instituições para a possibilidade de uma avaliação adequada de cada um destes temas. A Revista AEDOS só tem a agradecer por esta variedade pois seus editores crescem com o contato com os autores e avaliadores e a revista cresce com a qualificação e amplitude de pesquisadores envolvidos nos trabalhos do processo editorial que permitem a publicação deste periódico.

Com este número encerra-se a participação de nossa gestão. Como de praxe um novo concelho editorial se forma dentre os alunos do PPG-Hist da UFRGS para administrar a editoração deste periódico. Desejamos uma ótima gestão para os editores vindouros e para os autores a serem agraciados com a relação avaliador-editor-autor que o processo editorial proporciona.

Conselho editorial

Gestão 2012-2013


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.5, n.13, ago / dez, 2013. Acessar publicação original [DR]

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