Posts com a Tag ‘Diferença’
Alteridades em tempos de (in)certezas / Miriam Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore
A história imediata nos ajuda a pensar algumas razões do estado atual das coisas. Tenho pesquisado, desde dezembro de 2019, o fenômeno da emergência e organização de policiais organizados em um movimento antifascismo, acompanhando debates públicos e realizando entrevistas com os sujeitos envolvidos. Para executar essa tarefa é preciso uma postura sensível aos anseios desses profissionais da segurança pública (policiais militares, civis e federais, guardas municipais, bombeiros, agentes penitenciários, peritos, etc.), expressos nos seus posicionamentos públicos sobre os rumos das polícias e das políticas de segurança pública no Brasil e sobre o avanço de estruturas políticas que favorecem a disseminação de práticas fascistas. Refletir sobre o tempo presente e sobre as dinâmicas que contribuíram para a configuração política do presente, disso que Wendy Brown (2019) chamou de Frankenstein gerido pelo neoliberalismo, é uma tarefa que demanda uma escuta sensível, um olhar sensível, uma atenção com o mundo. Escutar o outro em tempos dissonantes e incertos como o nosso, demanda um trabalho de reconfiguração das nossas certezas e de nossas incertezas epistemológicas.
É exatamente este o convite dos organizadores do livro Alteridades em tempos de (in)certezas: escutas sensíveis, Miram Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore, na introdução à coletânea. Os autores são, respectivamente, coordenadora e membros do Núcleo de História Oral da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG) e são pesquisadores de temas caros ao tempo presente: sindicalismo industrial, políticas públicas para a juventude, teatro e arte no período da ditadura civil-militar. A organização do livro se deu pela participação dos autores na comissão local do XII Encontro Regional Sudeste de História Oral – Alteridade em tempos de (in)certeza: escutas sensíveis, em Belo Horizonte, no ano de 2017, ocasião em que foram responsáveis pelo planejamento da programação das mesas redondas, conferências e atividades ao longo do evento.
A coletânea é a reunião dessas falas pronunciadas por pesquisadores, de formação múltipla, nos auditórios da UFMG, mas também em outros espaços públicos, como o Museu de Arte da Pampulha e a Casa de Referência da Mulher Tina Martins. A história oral e, especialmente, o problema da escuta sensível, nos são apresentados de modos distintos nesse livro: reflexão sobre acervos, memória e identidade, alteridade e espaço urbano, a entrevista como prática social e coletiva, as estratégias de organização individuais e coletivas, o oral e o audiovisual na construção de sentidos, a urgência da participação da história e das(os) historiadoras (es) no debate público, a publicização de experiências de vidas que demandam cuidado e atenção e a reflexão sobre percursos biográficos ligados à própria história da pesquisa em história oral.
Na introdução, o livro é dividido em três grandes conjuntos de textos: alteridade como marcador das possibilidades da entrevista de história oral; “problematizações de identidades de minorias políticas”; e “escutas sensíveis diante das diferenças”. Ana Maria Mauad abre o primeiro grupo de texto com um artigo que analisa a questão indígena na obra fotográfica de Claudia Andujar, analisando seu trabalho a partir da categoria de fotografia pública, associando-a com “uma dimensão crítica e (…) dialética” (p. 25). O engajamento público de Andujar na causa indígena se deu, também, pelo movimento de inclusão da comunidade Yanomami como parte desse público e também como partícipe da narrativa pública sobre os sentidos das imagens. A confiança é a base dessa relação pública com a questão indígena, assim como a relação entrevistador-entrevistado.
O segundo texto, de Mario Brum, aprofunda o problema da relação entre fatos e representações, abordado por Alessandro Portelli, ao analisar as representações sociais e as identidades em torno da construção da favela da Cidade Alta (e seus entornos) na cidade do Rio de Janeiro. O estigma dos “removidos” da região central para a Cidade Alta, marcou “toda a trajetória posterior do conjunto” habitacional, seja a partir do silenciamento, seja pela diferenciação social com outra categoria, a dos “inseridos”. Em seguida, Luciana Kine e Emilene Souza apresentam reflexões metodológicas para lidar com narrativas de vida ligadas a “tópicos sensíveis”, em especial jovens vivendo com HIV/aids. A multiplicidade das experiências de vida que giram em torno de “temas delicados”, remonta à ideia de calidoscópio narrativos e conduz a uma reflexão ética sobre a relação entrevistado-entrevistador e a condução partilhada do processo de narrar e da elaboração do produto final da pesquisa. No caso, as autoras exploraram uma metodologia de embaralhamento das histórias, “estratégia ética, estética e política” que possibilitou a discussão de “experiências do cotidiano” (p. 50) e criou uma alternativa para superar os limites do sigilo, e do constrangimento. Os diálogos possibilitados por essa metodologia reafirmam um posicionamento epistemológico da “pesquisa como prática social [e] ação coletiva” (p. 54).
Abrindo o segundo conjunto de textos, Valéria Barbosa de Magalhães e Luiz Morando, apresentam, respectivamente, duas reflexões sobre migração e sociabilidade da comunidade LGBT(QIA) em espaços e situações distintas. O primeiro texto apresenta pouca reflexão propriamente dita em relação às entrevistas, mas propõe uma indagação fundamental sobre a relação entre sexualidade e migrações em contextos políticos conturbados, como a eleição de um governo autoritário no Brasil. Magalhães apresenta, muito atenta aos anseios e às experiências de migrantes brasileiros LGBT na Flórida (EUA) na última década, a mudança das “estratégias de legalização no exterior” e a apreensão que o cenário político produziu nas expectativas de vidas desses sujeitos. Seu trabalho desloca o objeto da pesquisa sobre imigração e sexualidade do campo dos problemas de saúde e da exploração sexual, interrogando outros modos pelos quais a imigração relaciona-se com a sexualidade para além do negativo.
Já Morando, apresenta uma reflexão sobre identidade e diferença, analisando representações identitárias de homens gays em relação à memória e à suas experiências em espaços de sociabilidade LGBT em Belo Horizonte, entre 1960 e 1980. O texto faz uma divisão analítica de duas formas imbricadas de lidar com essa memória, percebidas pelo pesquisador em suas entrevistas: a romantização do passado e o ceticismo em relação à experiência dos clubes noturnos da capital mineira. O gozo e a descrença apresentaram-se como faces do mesmo problema: o prazer e o desconforto de lembrar as vivências do passado. Se o estabelecimento da diferença e da identidade implica em distanciamentos temporais, tricotar – “fazer um tricô”, ou seja, estabelecer um diálogo – figura como uma alternativa para o isolamento social de gerações mais novas em relação à vivência de gerações anteriores.
O historiador Amilcar Araújo Pereira, apresenta um belo estudo sobre a luta e a formação dos movimentos negros no Brasil, organizados durante a ditadura militar. Surgida a partir de reuniões em bairros, universidades, ou grupos de teatro, no Nordeste e no Sudeste, a militância negra brasileira se caracterizou pela pluralidade de perspectiva, pelas diferenças regionais, geracionais e ideológicas. Apesar dessas diferenças, Amílcar Pereira, buscou demonstrar a importância das redes estabelecidas pelos militantes, que criaram conexões e espaços de experiência compartilhadas por diferentes grupos. A proposição no final da década de 1970, de organização do movimento por rede, teve como norte o fortalecimento e o estímulo de formação de lideranças. Já o artigo de Samuel Silva Rodrigues de Oliveira e Roberto Carlos da Silva Borges aborda o problema do audiovisual como parte do projeto de construção narrativa sobre o passado e o imaginário da cultura negra, contribuindo para uma educação antirracista no Brasil. Os autores estão interessados em investigar o “estatuto de testemunho” em torno da produção audiovisual sobre e da cultura negra, no sentido de problematizar o “funcionamento da memória” que funda “imaginários individuais e coletivos” (p. 106). Os vídeos analisados, produzidos em diferentes instâncias, representam formas heterogêneas de “contraponto à ideologia da branquitude” que sustenta as relações étnico-raciais no Brasil (p. 118).
Finalmente, o terceiro grupo de artigos apresenta diferentes abordagens metodológicas da pesquisa com a alteridade. As demandas dos policiais militares contidas no acervo “Tropas em Protesto”, que reúne narrativas de policiais, tendo como ponto de partida o movimento das praças das polícias desde 1997, ficaram silenciadas na década de 2010, especialmente após o arquivamento da PEC 21/2005, que previa a desmilitarização das polícias estaduais. Juniele Almeida argumenta a necessidade urgente de retomar o debate público em torno da desmilitarização das polícias. As “tensões históricas”, que esse debate faz emergir, correspondem à ideia de pertencimento à corporação e, ao mesmo tempo, aos movimentos contestatórios da estrutura militarizada das polícias brasileiras. Até hoje, essas tensões podem ser representadas a partir de três grandes dimensões que norteiam a urgência da redefinição do papel da polícia em um estado democrático: “o discurso institucional militarista, os problemas em segurança pública [da sociedade brasileira] e as questões trabalhistas dos servidores públicos” da segurança (p. 122).
A historiadora Marta Gouveia de Oliveira Rovai, com sua sensibilidade ímpar, tece uma reflexão muito provocativa sobre um conjunto de memórias de mulheres que nos ensinam novas “formas de entrevistar e de registrar narrativas” (p. 141) e nos impulsionam para uma nova concepção de conhecimento histórico, compromissado com uma “escuta atenta” (p. 151). Em atenção às vidas que pedem cuidado e reparação, a autora propõe uma postura de amorosidade do pesquisador diante da “intolerância” e dos silenciamentos que atravessam as vidas de mulheres. A história oral como espaço de reinvenção da existência, como espaço de audiência – e não de análise – segue sendo uma possibilidade de compromisso ético do pesquisador, uma “escuta atenta” – e não promessa de remissão – capaz de intermediar outras possibilidades de construção de um mundo mais humano.
Rodrigo Patto Sá Motta nos brinda com uma reflexão sobre o uso de fontes orais em suas pesquisas sobre as universidades durante a ditadura e as surpresas advindas desse processo, contribuindo, inclusive, para incorporação do conceito de acomodação para leitura dos arranjos sócio-políticos no período (p. 158). A emoção do pesquisador ao entrevistar intelectuais importantes para o campo das ciências no Brasil, em especial na área de Ciências Humanas, e a emoção dos indivíduos ao receber informações pessoais por parte do pesquisador, contribuíram para mudanças dos sentidos da pesquisa. Proporcionando o redimensionamento dos problemas de pesquisa a partir do confronto entre diferentes documentos, por um lado, e a reapropriação e ressignificação dos objetivos da pesquisa por parte dos sujeitos entrevistados. O conceito de acomodação, como lembra Motta, não se pretendeu um modelo perfeito, mas visou apresentar uma explicação aos eventos da ditadura a partir de evidências que emergiram na pesquisa em história oral, aprofundando o debate e nos convidando para possibilidade de transformação, criando e mobilizando outros jogos que não o das acomodações (p. 162-163).
Encerrando o volume, o pesquisador Ricardo Santhiago apresenta uma reflexão sobre a trajetória biobibliográfica de Ecléa Bosi e sua contribuição para a formação do campo da história oral no Brasil. A trajetória intelectual de Bosi nos convida a uma reflexão sobre “a capacidade humana e humanizadora do exercício da escuta” como prática de formação dos jovens pesquisadores (p. 175). Os conselhos, as indicações e as sugestões de Ecléa Bosi emergem como elementos metodológicos. Ao invés da rigidez das normas, a atenção, a afetividade, a criatividade, a sensibilidade. A partir das reflexões iniciais em sua tese de doutorado, o autor argumenta a importância seminal do trabalho de Bosi para o campo da história oral brasileira, de onde se desabrocharam diferentes frutos, com pesquisas atentas “à memória, à linguagem”, a partir da “empatia, curiosidade e pluralismo” (p. 177).
Gostaria de ressaltar que há uma dissonância no ritmo de leitura do livro, pois cada capítulo corresponde a uma dimensão da pluralidade da pesquisa em história oral. Levando em consideração os itinerários formativos das(os) pesquisadoras(es), essa dissonância longe de significar um problema, torna-se potência para o contato do leitor com uma gama de leitura polissêmica sobre as possibilidades de escutar o outro de modo sensível sem abandonar o rigor metodológico. Miriam Hermeto, Gabriel Amato e Carolina Dellamore nos brindam com um livro plural que retoma o antigo problema da relação pesquisador-entrevistado, apresentando contribuições proveitosas e polêmicas para a pesquisa em história oral (que por sua vez, é preciso dizer, não é metodologia, campo ou área exclusivos de historiadores).
A multiplicidade de abordagens e perspectivas dos artigos do livro, que se configura como um desafio para toda coletânea, funciona como uma postura necessária diante do desafio de se produzir conhecimento sobre o tempo presente. Mais do que mera alegoria, essa multiplicidade é, ao mesmo tempo, unidade em diferença e múltiplo nas identidades. As bases epistemológicas para imaginar outras formas de relação de poder, implicam em diálogos mais profundos e em escutas mais sinceras entre diferentes áreas do conhecimento. O livro em questão é resultado de um refinado trabalho de seleção e de enfrentamento de questões políticas e epistemológicas desse tempo imediato. De tudo ficam algumas questões: Estamos preparados para escutar o outro? Até que ponto conseguimos realizar a escuta do diferente? Em tempos de monstruosidades políticas típicas do fascismo, ou do que Traverso (2019, p. 19) chama de pós-fascismo – enfatizando as continuidades e transformações históricas do fenômeno – até quando teremos forças e disposição para ouvir quem não admite escutar? Como restabelecer o diálogo – em que a arte da escuta (PORTELLI, 2016) é o centro dessa relação – em um mundo que nasceu e da implosão das noções do “comum” e da “democracia”, das próprias “ruínas do neoliberalismo” (BROWN, 2019)?
Referências
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.
PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016. (Coleção Ideias).
TRAVERSO, Enzo. The New Faces of Fascism: Populism and the Far Right. Translation David Broder. New York/London: Verso., 2019.
Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira – Doutor em História Social (UFRJ). É professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Campus Betim. Atualmente, faz residência pós-doutoral na UFF, investigando o debate público promovido por e em torno dos policiais antifascismo. E-mail: lucas.pereira@ifmg.edu.br.
HERMETO, Miriam; AMATO, Gabriel; DELLAMORE, Carolina (Org). Alteridades em tempos de (in)certezas: escutas sensíveis. São Paulo: Letra e Voz, 2019. 180p. Resenha de: PEREIRA, Lucas Carvalho Soares de Aquiar. A escuta do outro em tempos dissonantes. Canoa do Tempo, Manaus, v.12, n.1, p.457-463, 2020. Acessar publicação original. [IF].
A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente – YOUNG (SY)
YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, 3ª reimpressão, 2015. Resenha de: CORDAZZO, Karine; PREUSSLE, Gustavo. Synesis, Petrópolis, v.9, n.2, p.112-124, ago./dez., 2017.
Jock Young, sociólogo e criminologista, aborda na obra “Sociedade excludente: Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente”, primordialmente os aspectos fundantes da transição da sociedade inclusiva para a sociedade excludente.
A sociedade inclusiva remonta ao período dos “anos dourados” na Europa, e na América do Norte do pós-guerra. Tratava-se de um mundo de pleno emprego, incorporação gradual da classe trabalhadora, entrada mais plena das mulheres na vida pública e no mercado de trabalho, bem como à tentativa dos Estados Unidos em criar uma igualdade para os afro-americanos.
Nesta sociedade inclusiva, o trabalho e a família eram os pilares centrais, encaixando-se como num sonho funcionalista. Em parte alguma desenvolveu-se uma sociedade tão inclusiva, cingindo o cidadão do berço ao túmulo, insistindo na cidadania social plena. (YOUNG, 2002, p. 21)
No tocante à criminalização, a sociedade inclusiva não excluía o “outro”, não o catalogava como um inimigo, mas o enxergava como alguém que devesse ser reabilitado, socializado, curado até ficar como “nós” (YONG, 2002, p. 21). Em verdade, na visão modernista, o outro aquele a quem faltava os atributos do observador.
Entretanto, o sonho de uma sociedade inclusiva e tradicional da família e da comunidade começou a desmoronar. Ao longo dos anos 1980 e 1990, no bojo daquela sociedade utópica, figurou um período de extremo declínio, culminando em um processo de exclusão social. Notadamente, trata-se da transição da modernidade para a modernidade recente, ou seja, a transição de uma sociedade inclusiva para uma sociedade excludente.
Segundo Young, alguns fatores contribuíram para que esta exclusão fosse implementada, como por exemplo, a economia de mercado, que trouxe um salto qualitativo nos níveis de exclusão. O downsizing da economia acarretou a redução do mercado de trabalho primário, expansão do mercado de trabalho secundário e a criação de uma subclasse de desempregados estruturais. (YOUNG, 2002, p. 24)
O trabalho seguro e qualificado foi reduzido, dando lugar à força de trabalho terceirizada, mediante contratos curtos, sem qualquer estabilidade ou vínculo empregatício. O grande efeito deste processo de exclusão, foi, inevitavelmente, gerar um sentimento de precariedade em todos os trabalhadores.
Essas frustrações, afirma o autor, conscientemente são expressas sob forma de privação relativa. Trata-se da frustração daqueles a quem a igualdade no mercado de trabalho foi recusada face àqueles com mérito e dedicação iguais. Eis aqui o paradoxo do novo individualismo para Young. A insatisfação face à situação social pode dar lugar a uma variedade de respostas políticas, religiosas e culturais e, frequentemente, fechar e restringir as possibilidades criando respostas criminais. (YOUNG, p. 30)
Nesse contexto, o aumento da criminalidade é evidenciado, afinal a criminalidade emerge da inflamável combinação de privação relativa e individualismo. Ocorre que este aumento rápido da taxa de criminalidade refletiu nas transformações dos comportamentos e atitudes públicos no desenvolvimento do aparato de controle do crime e da criminologia, alimentou o medo público do crime e gerou padrões elaborados de comportamento de evitação. E, consequentemente, resultou num aumento da população encarcerada.
Young expõe alguns dados. Nos Estados Unidos, por exemplo, os presos constituem uma população excluída significativa, cerca de 1,6 milhões de pessoas estão presas – uma cidade do tamanho de Filadélfia, se fossem todas reunidas no mesmo lugar –. Além disso, 5,1 milhões de pessoas estão em regime de supervisão correcional (prisão, condicional ou sursis), um em cada 37 adultos da população adulta residente. Young compara dramaticamente a situação prisional norte americana com o gulag1, em que este gulag americano seria agora do mesmo tamanho do gulag russo, e ambos contrastariam com a situação da Europa Ocidental, em que a população carcerária total seria de 200 mil pessoas.
Após estas reflexões iniciais, Young indaga aos seus leitores a respeito da existência de uma possível distopia de exclusão, onde as divisões e desigualdades ocorreriam não apenas entre nações, mas no interior das próprias nações.
A modernidade recente, ou sociedade excludente, pode ser identificada através de um núcleo, de um cordão sanitário e pelas pessoas que estão de fora.
O núcleo corresponde aos que pertencem ao mercado de trabalho primário, aqueles que trabalham em tempo integral, com estruturas de carreiras seguras e sólidas. Aqui é o reino da meritocracia. No entanto, trata-se de um núcleo que encolhe sem parar. A parte que mais cresce do mercado de trabalho é a do mercado secundário, em que a segurança no emprego é muito menor, em que as estruturas de carreira estão ausentes e a vida é experimentada como precária. (YOUNG, 2002, p. 40)
Também é possível visualizar o chamado cordão sanitário, uma fronteira criada entre o grupo nuclear e os que estão fora deste grupo, através de uma série de medidas, pelo planejamento urbano e, principalmente, pelo dinheiro. Já os que estão fora, são grupos que viram bodes expiatórios para os problemas da sociedade mais ampla. Eles são a subclasse, onde todos os problemas da sociedade lhes são imputados.
Neste contexto, é destacado pelo autor a dualidade do Sonho Americano e do Sonho Europeu. Para Young, é evidente a natureza excludente do Sonho Americano, onde a noção de cidadania enfatiza fortemente a ideia de igualdade legal e política, e muito menos a de igualdade social. Em verdade, o foco está sobre os bens sucedidos. Por outro lado, no sonho Europeu há uma menção à igualdade social, aos direitos de inclusão.
Em que pese a suposta utopia de alcançar o Sonho Americano ou o Sonho Europeu, Young demonstra que o cordão sanitário, que busca diferenciar, afastar e excluir os segmentos mais vulneráveis da população, tem conseguido cada vez menos proteger separar o cidadão “honesto” contra o crime e a desordem em ambas visões. Afinal, a noção de que o criminoso é um inimigo externo está fundamentalmente equivocada. Privação relativa e individualismo ocorrem através de toda a estrutura social e em todos os lugares, a existência de crimes de colarinho branco disseminados e de crimes entre membros “respeitáveis” das classes trabalhadoras mal nos permitem separar os criminosos dos não criminosos. (YOUNG, 2002, p. 45-46)
Para o autor, há relação inequívoca entre as mudanças na criminalidade e desordem com as mudanças na base material. A solução estaria na criação e implementação de políticas que partam da margem e vão tão longe quanto seja aceitável em vez de políticas que partam do centro e vão tão longe quanto seja caridoso.
Encerrando o primeiro capítulo, Young é enfático, a nostalgia social-democrata do mundo inclusivo dos anos 1950, com pleno emprego masculino, família nuclear e comunidade orgânica, é um sonho impossível. (YOUNG, 2002, p. 50)
No segundo capítulo, Young explicita como ocorreu a transformação nos últimos vinte anos no âmbito do crime, do controle da criminalidade e da própria criminologia. Para o autor, existe uma relação linear entre a crise da criminologia com a crise da modernidade. As velhas certezas sobre a natureza óbvia do crime e o papel central do sistema de justiça criminal em seu controle já não são tão obvias assim.
Young aborda cinco fatores, que em sua visão, contribuíram para que a modernidade fosse repensada.
O primeiro fator refere-se ao rápido crescimento das taxas de criminalidade, sustentado no positivismo social de que o crime seria causado por más condições sociais e que foi claramente contradito, afinal, a criminalidade aumentou à medida que o Ocidente enriqueceu.
O segundo fator remonta à existência de uma cifra oculta de crimes não notificados. Com efeito, a taxa de criminalidade seria pelo menos três vezes maior do que os números oficiais apresentam. Esta distinção entre crimes visíveis e crimes invisíveis quase vira de cabeça para baixo o paradigma modernista. Pois sugere que a imagem da criminalidade apresentada nas cifras oficiais seja fundamentalmente defeituosa (YOUNG, 2002, p. 66).
Sob a ótica da problematização do crime – terceiro fator –, Young demonstra como é construída a noção de crime. Em verdade, a quantidade de crime, o tipo de pessoa e de infração selecionados para serem criminalizados, e as categorias usadas para descrever e explicar o desviante são construções sociais, que podem variar de acordo com o tempo e espaço, ou seja, emergem da pura discricionariedade e conveniência do homem em um dado momento histórico. (YOUNG, 2002, p. 67)
Quanto ao quarto fator – que notadamente culminou na desintegração da modernidade –, diz respeito à universalidade do crime e a seletividade da justiça. Tradicionalmente a criminologia vê a criminalidade como se estivesse concentrada na parte mais baixa da estrutura de classes e como se fosse maior entre adolescentes do sexo masculino. No entanto, os crimes de colarinho branco desiquilibraram esta ortodoxia. A seletividade da justiça criminal, por seu turno, ocasiona toda uma série de ações espetaculares de discriminação e preconceito gerando um descontentamento público disseminado quanto à imparcialidade do sistema de justiça criminal.
Isso nos leva à problematização da punição e da culpabilidade – quinto e último fator –. À medida que aumentam os crimes, problemas por trás do processo de criminalização devem ser analisados, como por exemplo, como operar um sistema punitivo com recursos limitados em termos de detecção e isolamento. A reação à isto, como em qualquer outra burocracia, é tentar pegar atalhos. Consequentemente, a polícia deixou de suspeitar de indivíduos e passou a suspeitar de categorias sociais. (YOUNG, 2002, p. 74)
Corrupção, transação penal e seletividade sobre o infrator refletem na problematização da justiça. A justiça que o suposto infrator recebe torna-se resultado, não de uma culpa individual e uma punição proporcional, mas de um processo negociado, resultante de pressões políticas ou burocráticas, e não de obediência a padrões absolutos. (YOUNG, 2002, p. 75)
A partir destas análises Young volta à noção de privação relativa, que surge do fato das pessoas compararem-se umas às outras. Para o autor, quando os diferenciais se aproximam, as diferenças se tornam ainda mais evidentes. A privação relativa não desapareceu com o crescimento da riqueza, não melhorou com o avanço disseminado da cidadania – ao contrário, foi exacerbada. Mas a privação relativa não explica sozinha o aumento da criminalidade e da desordem a partir dos anos 1960. Ela origina um mal-estar que pode se manifestar de muitas maneiras, e o crime é somente uma delas. (YOUNG, 2002, p. 80)
Há um pensamento predominante, compartilhado pela esquerda e pela direita do espectro político, de que o último terço do século XX foi um período de declínio. No entanto, este declínio nada mais é do que o reflexo do triunfo do mercado.
Young alerta que a sociedade de mercado engendra uma cultura de individualismo que mina as relações e os valores necessários a uma ordem social estável, fazendo aumentar, consequentemente a criminalidade e desordem.
O sistema capitalista exige ordem política e estabilidade econômica, mas a criminalidade não representa grande ameaça, para o autor, sem dúvida alguma, a criminalidade representa uma consequência inevitável de um sistema de mercado livre bem-sucedido.
Superado o segundo capítulo, o autor traz à tona as categorias de inclusão e exclusão elaboradas por Claude Lévi-Strauss. Para Lévi-Strauss, as sociedades primitivas engolem os desviantes e adquirem sua força de trabalho – são antropofágicos –, ao passo que as sociedades modernas – antropoêmicas –, lidam com desviantes vomitando-os, conservando-os fora da sociedade ou inserindo-os em espaços determinados, mantendo-os sob constante supervisão.
Neste contexto, surgem dois termos muito utilizados por Young em toda obra, a dificuldade e a diferença. A combinação do aumento da dificuldade (crime, desordem e incivilidades) com o aumento da diferença (diversidade) resulta em uma mudança qualitativa na sociedade, como também numa mudança no sistema de controle, particularmente pelo crescimento de um sistema atuarial de justiça.
Destarte, haveria um declínio a longo prazo na tolerância, afinal, as sociedades modernas recentes consomem diversidade, elas não recuam diante da diferença, elas reciclam e a vendem no supermercado, o que estão menos inclinadas a suportar é a dificuldade (crime).
Em sentido diametralmente oposto, na modernidade, a ênfase era antropofágica. Criminosos eram reabilitados, viciados em drogas eram tratados, imigrantes assimilados, adolescentes eram ajustados e famílias disfuncionais recebiam aconselhamento para voltarem à normalidade. A modernidade não tinha medo do indivíduo difícil, não era a dificuldade que ameaçava a modernidade, era a diversidade. Sua tarefa foi transformar a diversidade em desvio (YOUNG, 2002, p. 98), ou seja, transformar o diferente em criminoso.
O mundo excludente da modernidade recente começa a mudar tudo isto. A diferença adquire valor supremo, a diferença é livremente reconhecida, aceita e, muitas vezes, certamente exagerada, é a dificuldade que é mais problemática. (YOUNG, 2002, p. 102)
O atuarialismo emerge desse contexto, como o motivo principal do controle social na sociedade moderna recente. A postura atuarial reflete o fato da criminalidade ter se tornado uma parte normalizada da vida cotidiana, onde tanto os crimes como as pequenas incivilidades geram um sentimento de desconforto e insegurança.
Com relação à esta insegurança, Young traz à tona o termo Umwelt, que representa uma proteção que os indivíduos e grupos criam e cercam a si mesmos. Pensemos, exemplificativamente, em uma bolha, e dentro desta bolha estaria inserido o homem, que evitaria ao máximo o contato com o mundo externo. Desta forma, o Umwelt teria duas dimensões, a área em que o indivíduo se sente seguro e confortável e a área em que ele está em guarda, a área de apreensão.
A natureza do Umwelt varia segundo a categoria social, é fortemente baseada no gênero, é marcada pela questão racial e pelas classes. A título de exemplo, o Umwelt representaria como a cultura dominante vê as culturas minoritárias como sinônimo de perigo, criando uma espécie de proteção ou barreira entre elas. Com efeito, o que é visto na modernidade recente, é nada mais que uma diminuição da área de segurança dos indivíduos ao passo que a área de apreensão se expande sem precedentes.
O autor aborda também a existência de uma linha de pensadores que identificam o “medo” do crime como um problema autônomo em relação à criminalidade. (YOUNG, 2002, p. 115). Contudo, o crime é parte e faz um continuum com outras formas de comportamento antissocial. (YOUNG, 2002, p. 116)
Neste contexto, Young acredita que o processo de inclusão e exclusão é que seriam as verdadeiras causas da criminalidade. Com efeito, o crime ocorre quando há inclusão social e exclusão estrutural.
Ao inverter a máxima do positivismo individual, percebe-se que o crime não é resultado de uma falta de cultura, mas da adesão a uma cultura de sucesso e individualismo. Consequentemente, ao recontextualizar o positivismo social, demonstra-se que não é a privação material, nem a falta de oportunidade que dá lugar ao crime, mas a privação no contexto da cultura do “Sonho Americano”, em que se exorta a meritocracia aberta a todos. (YOUNG, 2002, p. 125)
Tudo isso leva de volta a Lévi-Strauss e suas metáforas do antropofágico e do antropoêmico, as sociedades canibais e as sociedades que vomitam os desviantes. Como paradigma de sociedade descontente é a que faça as duas coisas, devora pessoas vorazmente e depois invariavelmente as expele. A ordem social do mundo industrial avançado é uma ordem que engole seus membros. Ela consome e assimila culturalmente massas de pessoas através da educação, da mídia e da participação no mercado. (YOUNG, 2002, p. 125)
No entanto, a crise da modernidade recente não é apenas um reflexo de uma simples exclusão. Em verdade, há um verdadeiro processo bulímico de inclusão e exclusão, onde determinados grupos sociais são incentivados à participarem do sistema capitalista, da sociedade de consumo, dos tênis de marcas, dos carros de luxos, mas, diante da impossibilidade de adentrarem neste círculo de consumo, são excluídos, estigmatizados. Consequentemente, a subclasse reage a essa superidentificação pelo crime, pela criação de gangues e de subculturas criminais. (YOUNG, 2002, p.132)
Sob esta perspectiva, o autor destaca que as diferenças culturais estão diminuindo e não aumentando. Pelo bem ou pelo mal, só uma cultura viceja, a cultura do negócio, do trabalho e do consumo. (YOUNG, 2002, p. 134)
Encerrando o terceiro capítulo, Young afirma que é um erro que a sociedade multicultural seja vista como portadora de uma série de culturas independentes umas das outras. Estes argumentos encontram-se intimamente ligados ao processo de globalização, de que está ocorrendo um processo de imperialismo cultural.
No quarto capítulo, Young aborda o problema da diferença, ou seja, como o indivíduo e a sociedade como um todo lidam com os problemas gerados por uma ordem social mais diversificada.
Segundo Young, o multiculturalismo possibilitaria a diversidade, permitiria que as pessoas fossem elas mesmas e ao mesmo tempo tolerassem o desvio.
No entanto, a retórica progressista que enfatiza a igualdade entre os diversos grupos multiculturais, por exemplo, se transformou na noção de que as pessoas são essencialmente diferentes, de que a diferença deve ser reconhecida e respeitada sob forma de igualdade de tratamento. No entanto, isto se combinou com uma forma de essencialismo, tais diferenças baseavam-se em essências aparentemente fixas e atemporais. (YOUNG, 2002, p. 154)
Para o autor, o essencialismo nada mais é do que uma forma extremada de exclusão, afinal, separa grupos humanos com base na sua cultura ou na sua natureza. (YOUNG, 2002, p.156)
Eis, portanto, a crítica do essencialismo por Young. A noção de que cultura não envolve essências atemporais. As culturas podem mudar rapidamente no tempo se as circunstâncias mudarem. Para o autor, esta hibridação torna-se cada vez mais evidente no período atual de globalização. Portanto, se rejeitarmos esse essencialismo, decorre que teremos que descartar a noção de multiculturalismo que propõe um mosaico de essências fixas, coladas ao seu passado histórico. (YOUNG, 2002, p. 161) Brilhantemente, Young demonstra como a exclusão baseada no essencialismo é requisito necessário para a demonização de parte da sociedade. Notadamente porque permite que os problemas da sociedade sejam colocados nos ombros dos “outros”, em geral percebidos como situados na “margem” da sociedade. Assim, o crime é a moeda forte desta demonização. (YOUNG, 2002, p. 165)
Sendo assim, na modernidade recente, delinquentes escolhem voluntariamente a criminalidade, sem qualquer influência de circunstancias sociais, ou seja, são vistos como a causa de todos os problemas da sociedade, quando na verdade os seus problemas é que são causados pela própria sociedade, que desampara, criminaliza e estigmatiza grupos vulneráveis.
No próximo capítulo, Young adentra na seara da exclusão social proveniente do sistema de justiça criminal, que na modernidade recente, em razão do aumento da criminalidade e da desordem, demandam a criação de soluções rápidas. Neste contexto, Young expõe algumas falácias sobre a diminuição da criminalidade na cidade de Nova Iorque que teria ocorrido entre os anos de 1993 e 1996.
De fato, entre 1993 e 1996, a taxa de criminalidade em 12 de 17 países industriais avançados caiu e várias agências de controle da criminalidade começaram a reivindicá-la para si. Em nenhum lugar tanto quanto na cidade de Nova Iorque a taxa da criminalidade desabou em 36% em três anos.
Um dos motivos atribuídos a este sucesso, seria pela aplicação da política da tolerância zero. No âmbito do policiamento, trata-se de sinalizar intolerância para com incivilidades, de varrer os desvios e a desordem das ruas, lidar com pedintes agressivos, lavadores de para-brisas de sinal, vadios, bêbados e prostitutas. (YOUNG, 2002, p. 182)
Young então desmarcara as afirmações falaciosas acerca da tolerância zero e do sucesso da Polícia de Nova Iorque para com a redução da criminalidade, afinal, afirmava-se que a tolerância zero se baseava na filosofia de “janelas quebradas”, testada em Nova Iorque e que teria levado a uma redução da criminalidade.
Em suma, a única parte verdadeira da equação é redução da criminalidade em Nova Iorque no período de 1993 a 1996. No entanto, Young esclarece que a redução não ocorreu em virtude da implementação de práticas policiais inovadoras do Departamento de Polícia de Nova Iorque, pois, o declínio da criminalidade ocorreu em cidades industrializadas de todo o mundo, muito antes de a expressão tolerância zero tornar-se um chavão internacional. Ademais, o próprio comissário do Departamento de Polícia de Nova Iorque negou explicitamente a implantação de uma política de tolerância zero. Em verdade, a grande mudança foi alterar o foco, de modo a dar mais recursos de polícia a crimes de desordem.
Esta realocação da polícia de um papel central a um mais periférico no controle da criminalidade, produziu uma concordância imediata entre criminólogos de todas as tendências teóricas. Os autores, Wilson e Kelling – da obra “Teoria das janelas quebradas” – perceberam que o controle de pequenos infratores e de comportamentos desordeiros não criminosos era tão importante para a comunidade quanto o controle da criminalidade e que este era, como efeito, o papel original da polícia. Em verdade, o controle das incivilidades seria, por assim dizer, uma partida rápida no sentido da superação da desesperança e da desintegração da comunidade. (YOUNG, 2002, p. 188)
Posteriormente, Young adentra na ideia da falácia cosmética, que concebe a criminalidade como um problema superficial da sociedade, que pode ser tratado, e não como uma doença crônica da sociedade como um todo. A ideia é de que a criminalidade causaria problemas para a sociedade, quando na verdade é a sociedade que causaria o problema da criminalidade.
Young afirma categoricamente que não se pode mais conceber a ideia de manchas cosméticas isoladas, a criminalidade já se espalhou por todo o tecido social, devendo ser abandonada a noção modernista do criminoso distinto, pois, a obviedade quanto ao infrator, como da própria infração, já não se sustentam mais na modernidade recente.
Em verdade, são os problemas estruturais do sistema que produzem as taxas de criminalidade. É necessário não apenas punir os infratores por quebrarem janelas, mas na verdade consertar as janelas. Isto é, empreender um programa de reconstrução social abrangente nas nossas cidades. Tolerância zero à criminalidade deve ser tolerância zero à desigualdade. (YOUNG, 2002, p. 205)
Neste contexto a experiência prisional norte-americana permite evidenciar outro pilar da criminologia da tolerância zero, qual seja, o aumento do uso do encarceramento. Young afirma que se a solução da criminalidade fosse o encarceramento, seria difícil imaginar o tamanho que a população carcerária teria que atingir para realizar o sonho de baixar a taxa Norte-americana a níveis Europeus. (YOUNG, 2002, p. 211)
A única lição a ser aprendida, afirma o autor, é desviar desta linha de punição desvairada, é compreender que se for necessário um gulag para manter a sociedade do vencedor leva tudo, então é a sociedade que precisa ser mudada, e não as prisões expandidas. (YOUNG, 2002, p. 214)
No sexto capítulo, Young demonstra que tanto a sociedade inclusiva dos anos 1960 quanto o mundo excludente dos anos recentes fracassaram. Com efeito, o autor acredita na superação destes modelos através de um novo inclusivismo, ou seja, um mundo que reúna as pessoas, distribuindo a riqueza de maneira justa e nivelada, garantindo, ao mesmo tempo, liberdade e diversidade. O sistema de justiça criminal isolado não consegue manter a coesão social. É para a sociedade civil que temos que nos voltar se quisermos localizar as fontes tanto da coesão como da ruptura na vida social. (YOUNG, 2002, p. 217)
Construir uma sociedade nova, justa e inclusiva demanda duas coisas: distribuição meritocrática das recompensas e uma sociedade que veja a si própria como uma unidade, respeitando ao mesmo tempo a diversidade. (YOUNG, 2002, p. 218)
A partir destas reflexões, Young adentra no sétimo capítulo, destacando como a cidade pode ser um lugar de possibilidades e estímulos intermináveis, mas também um lugar onde as pessoas se preocupam tão pouco umas com as outras que não há por que proibir a diversidade. (YOUNG, 2002, p. 246-247)
A cidade facilita uma variedade de subculturas, pois possibilita a coexistência de diferenças sociais sem exclusão. No entanto, essa diversidade só é possível diante deste cenário de impessoalidade e anonimidade.
A imagem de um mosaico de pequenos mundos que se tocam mas não se interpenetram não corresponde ao mundo moderno recente comum de transposição, globalização, hibridação, em que fronteiras se diluem e transformações ocorrem em todas as direções. (YOUNG, 2002, p. 264)
Nesse ponto, Young volta à noção de privação relativa. Porém, enfatiza o autor, que as pessoas não se sentem relativamente privadas às pessoas do mais alto escalão, mas sim com o homem da porta ao lado. Há uma comparação da posição material do indivíduo com a de outros que, espera-se, deveriam ganhar salários parecidos e ter estilos de vida semelhantes. (YOUNG, 2002, p. 270-271)
Destarte, Young defende a ideia de propagar uma política de meritocracia radical, através da qual, com a abertura do mercado de trabalho para todos, da distribuição equitativa da riqueza refletida no mérito, iniciar-se-ia, finalmente, uma efetiva transformação da sociedade.
No oitavo e último capítulo, Young caminha para o desfecho de sua obra destacando a contradição existente na modernidade recente.
Inicialmente, o autor compara o grande gulag penal construído nos Estados Unidos ao gulag russo. Segundo o autor, não só a violência é moeda corrente na cultura americana, mas também o sistema de justiça criminal, em forma de prisão, condicional e sursis. Com efeito, o gulag prisional americano representa a crise da modernidade recente na mesma medida em que o gulag russo representou um sinal para o mundo da crise da modernidade soviética.
Evidentemente, por trás de toda a frustação fomentada pelo individualismo está o motor do mercado. A globalização contribui com esse sentimento, pois, estimula diuturnamente os indivíduos à compararem uns aos outros, tornando suas vidas uma eterna disputa. De outro lado, há uma demanda de autoexpressão individual, onde o desejo de realização pessoal é obstruído pela real natureza do trabalho e das possibilidades de realização.
Para o autor, a luta por uma nova sociedade inclusiva, pautada em um novo contrato social parece ser a medida mais razoável. Este novo contrato social da modernidade recente não deve apenas prover empregos, mas insistir na meritocracia, deve buscar não apenas prover facilidades de lazer, mas voltar sua atenção para trabalho e lazer significantes, que deem à pessoa um sentido de propósito e identidade. (YOUNG, 2002, p. 288)
Sendo assim, criminalidade e intolerância ocorrem justamente quando a cidadania é anulada. A causa primeira da criminalidade reside na injustiça, e seu efeito inevitável é produzir mais injustiça e violação da cidadania. A solução deve ser encontrada não na ressureição de estabilidades passadas, mas numa nova cidadania, uma modernidade reflexiva capaz de manejar os problemas da justiça e da comunidade, da recompensa e do individualismo. (YOUNG, 2002, p. 290)
Notas
1 Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral que se opusesse ao regime na União Soviética.
Referência
YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. (Pensamento criminológico; 7), 3ª reimpressão, 2015.
Karine Cordazzo – Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Mestranda da Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8385110584658796. E-mail: karine.cordazzo@hotmail.com
Gustavo Preussle– Universidade Federal de Grande Dourados, Brasil. Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7966792380099410. E-mail: gustavopreussler@ufgd.edu.br
[DR]
Platão. Helenismo e diferença – AZEVEDO (RA)
AZEVEDO, Maria Teresa Nogueira Schiappa de. Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos. Coleção Archai. São Paulo: Annablume Clássica, 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Francisco de. Revista Archai, Brasília, n.9, p.137-140, jul., 2012.
A obra “Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos “aparece publicada sob patrocínio do grupo Archai, consagrado como Cátedra Unesco Archai, que se dedica às origens do pensamento ocidental. A editora é a AnnaBlumme Clássica, de São Paulo, de cujo conselho editorial faz parte o colega e amigo Gabriele Cornelli, que saúdo também como presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e enquanto cooperante com o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, em cujo âmbito foi elaborado o belo texto que tenho a honra e o prazer de apresentar.
E começo por me referir à sua autora, Maria Teresa Schiappa de Azevedo, que é bem conhecida pela inteligência, argúcia, capacidade crítica e escrita escorreita e elegante. Além disso, trata-se de uma investigadora que domina como poucos a obra de Platão, por um contacto de longos anos em estudos e traduções sempre de elevada qualidade, numa abrangência e aisance que logo são percetíveis na questão sempre difícil da cronologia da obra platónica, cuja discussão nas p.21-31 é um exemplo de análise especialmente conseguida e com grande capacidade crítica e espírito sintético, na linha de Cornford, embora divergindo dele quanto ao Fedro e ao Crátilo (cf. p.29).
E não se trata de um simples rememorar desta velha questão, pois um dos mais profícuos resultados da investigação produzida é exatamente mostrar como, sobre um tema preciso, o pensamento platónico foi sofrendo evolução ao longo do tempo e graças às vivências do próprio filósofo. Essa evolução é rastreada tanto na evolução do pensamento como a nível da arte do diálogo, incluindo a caraterização das personagens e a sua origem, e a de Sócrates em especial (ver p.175 ss., início da Segunda Parte), bem como a escolha dos cenários dos diálogos. M. T. Schiappa de Azevedo assinalou ainda, de forma magistral, a maneira como essa evolução do pensamento e da arte de Platão correspondia, também, à evolução da Atenas coeva e do resto do mundo grego, que passam por alterações muito significativas, em especial na época em causa, entre Péricles e o período helenístico.
A edição agora em apreço faz juz a todas essas qualidades: bem informada, bem escrita, bem organizada. A obra estrutura-se em 3 partes, para além de uma Introdução:
PRIMEIRA PARTE
1. Pressupostos metodológicos (cronologia, Athenaioi, xenoi e barbaroi;
2. Cronologia
2.1 Athenaioi, Xenoi e Barbaroi 31
2.2. Estatuto genérico nos diálogos platónicos 31
2. O testemunho do Crátilo 47
1. Sócrates em Platão
2. Sócrats e Atenas 59
3. Sócrates e xenoi 74
3. Incidências orientais e recriação platónica 79
1. Música grega e incidências orientais 89
2. Divindades orientais e recriação platónica 93
2.1. As duas Afrodites 93
2.2. Adónis 105
2.3. O dionisismo 119
2.4. o xamanismo 134
SEGUNDA PARTE. Diálogos da primeira e da segunda fases
1. Atenas no contexto helénico 175
2. A cidade 175
- A cidade e os mitos das origens 178
2.1. O Eutidemo e o mito de Íon 178
2.2. O Menéxeno e o mito da autoctonia 185
3. Menção genérica de outros Estados gregos 190
4. Lacedemónios 194
2. Atenas e a Antinomia Grego / Bárbaro 213
1. Contextualização 213
2. O testemunho dos diálogos 217
3. O Grande-Rei 224
4. Nomos / Physis na antinomia Grego / Bárbaro 230
TERCEIRA PARTE. Diálogos da terceira fase (últimos diálogos) 249
1. Atenas no contexto helénico 251
1. Atenienses e Xenoi 251
2. A Academia e a experiência siciliana 260
3. Uma nova vivência de xenia 283
2. Atenas e Bárbaros 291
1. Linhas de evolução 291
2. Egípcios 307
2.1. Contextualização 307
2.2. O Egipto de Platão 311
3. Persas
3.1. Contextualização 327
3.2. A Pérsia de Platão 331
4. Vias de superação da antinomia Grego / Bárbaro 338
Em relação a esta estrutura, acrescem conclusões (p.347) bem apropriadas e muito lógicas e fundamentadas; bibliografia exaustiva e criteriosa; um bom índice de autores antigos e fontes.
Diria somente que me pareceria interessante acrescentar um índice temático, pois temas e conceitos interessantes não faltam nas páginas que preenchem o esquema apresentado.
É o que logo se vê nas páginas introdutórias. Num verdadeiro sumário do estado da questão, a própria autora afirma, na p.12: são “escassos os estudos que tratem a questão incontornável da relação grego/ bárbaro através do texto platónico”, prejudicada, para alguns críticos, “pelo peso do passo 470c-471b da República, onde a cruzada pan-helénica da retórica do tempo se traduz na palavra de ordem “contra os Bárbaros”. Mas é a excepção e não a regra, como espero deixar demonstrado na análise que se segue”.
São também explanados alguns pressupostos metodológicos, que enuncio novamente através das palavras da própria autora (p.15-16):
– “a imprescindibilidade de distinção entre estrangeiro grego (xenos) e estrangeiro bárbaro (barbaros), sem a qual será difícil evitar algumas ambiguidades interpretativas – como sucede no estudo, em vários aspectos aliciante, de H. Joly;
– a importância da língua na perspectivação da dicotomia grego/ bárbaro (e parcialmente, da sua superação), de acordo com as reflexões linguísticas e etnográficas que passam do séc. V a.C. às décadas iniciais do século seguinte, concentrando-se no Crátilo;
– a projecção da figura de Sócrates num conceito de cidadania que congloba valores atenocêntricos específicos, sobretudo presentes na primeira fase dos diálogos (mas nunca de todo abandonados);
– a viragem essencial que eventos decisivos da vida de Platão, nomeadamente a primeira viagem à Sicília e a fundação da Academia, consignam na abertura dos diálogos do último período ao mundo dos xenoi e dos barbaroi”.
Esta súmula permite facilmente entrever a riqueza de conteúdo de um estudo que, logo ao escolher a temática proposta, vai tratar um vasto acervo de questões de grande relevância em termos científicos e de atualidade, e alguns até espinhosos, como a interpretação do papiro de Derveni.
Respigo algumas ideias da leitura que fiz. Schiappa de Azevedo sabe contextualizar muito bem as problemáticas discutidas, mostrando como o fenómeno de aculturação se relaciona com permutas e veículos diversos, incluindo a diplomacia e a guerra, o que se torna evidente nos intercâmbios com a Pérsia após as invasões do continente grego. Aqui, o bárbaro inimigo já tinha uma história de relacionamento com a Hélade desde a época minóica e micénica, e em particular desde o período arcaico, quando a aristocracia usava marcas de vestuário persa como sinal de elitismo, fenómeno a que Miller chama perserie (p.299); o inimigo bárbaro, dizia, verá a sua imagem liberta dos estereótipos tradicionais que baseavam a felicidade do Grande Rei no ouro, ideia desprezada no Teeteto, 175c (p.275; cf. Lísis, 209d, Ménon, 78d ou a embaixada persa nos Acarnenses de Aristófanes); sob a influência de Xenofonte, a Pérsia passa mesmo a fornecer paradigmas de comportamento à sociedade grega (p.336). Mais do que isso, é bem posto em relevo como a evolução cultural está fatalmente ligada a circunstancialismos históricos, como quando o imaginário grego substitui o bárbaro persa pelo bárbaro cartaginês ou osco, agora os verdadeiros inimigos de um pan-helenismo já alargado, em finais do séc. V, aos colonos gregos da Magna Grécia e da Sicília.
O exempo da Pérsia e do Grande Rei é apenas uma faceta da apropriação das sabedorias bárbaras praticada pelos gregos, apropriação que, naturalmente supõe ou cria as condições para o reconhecimeno, nos bárbaros, de um Outro que tem mérito e que pode, até, ser superior aos gregos em domínios específicos, da religião à organização política, a ponto de a imagem da Pérsia ideal — a de Ciro —, lembrar Atenas nos seus melhores tempos (p.333; cf. Carta VII, 332a-b, que classifica Dionísio I de Siracusa como “sete vezes menos sábio do que Dario”, p.336). Isto para não falar noutros sinais da influência assíria, caldaica e mesopotâmica, com que poderíamos relacionar os mitos da República e do Fedro, ou a filosofia dualista do Bem e do Mal, do Alcibíades I.
É esse também o caso do Egipto, cuja fonte de conhecimento primacial, à época, é o livro II de Heródoto, um Egipto exaltado por domínios artísticos, como a música e a dança, e científicos, como a farmacologia, a escrita, o ensino da matemática (veja.-se o mito de Theu, no Fedro e Leis 819bd); a aura de simpatia de que goza em Atenas assenta, além do mais, em alegadas relações entre Atenas e Saís – que, segundo o Timeu, 21e e 23-24, teriam sido fundadas pela mesma divindade (Neith na língua egípcia, Atena em grego) – e que beneficiariam de um intercâmbio regular, estabelecido após a fundação do porto de Náucratis e da colónia de Cirene, bem como do casamento do faraó Âmasis com uma grega. Os atenienses e Platão admiram no Egipto a sabedoria milenar e a estabilidade política de um regime baseado numa hierarquia social que terá servido de inspiração à República e às Leis.
A brevidade implícita nesta apresentação permite-me ainda relevar o modo como a cidade de Atenas é apresentada, e com bom fundamento na obra platónica, como cidade que, apesar do mito da autoctonia ou até graças a ele — e fazendo juz às referidas ligações preferenciais ou até originárias com a Iónia e com Saís —, se vai sabendo abrir à diversidade e à tolerância, primeiro na perspetivação de um ideal pan-helénico, depois a estrangeiros bárbaros, firmando-se no culto de Zeus Xenios (Leis, 953de). Acompanhando este percurso, a Academia funciona, a seu tempo, como instituição aberta a xenoi de toda as cidades gregas e mesmo a estrangeiros – e quadra bem ter sido doado por Anicéris de Cirene o terreno onde se fundou a Academia. Como escreve a autora, p.326: “os sistemas legislativos platónicos mantêm no conjunto o respeito pela diversidade, que os diferentes povos e Estados gregos foram consciencializando na sua evolução comum”.
Em suma, recomendo esta leitura, tanto pelo valor científico como por ser uma imagem expressiva da verdadeira paideia grega, base da tolerância europeia da alteridade. E Schiappa de Azevedo demonstrou cabalmente o enorme contributo de Platão para essa maravilha: “Ao longo do séc. V a. C., o conhecimento e a aceitação mútua de padrões civilizacionais diversos foram ganhando ‘simpatizantes dos Gregos’ (phillelenes) entre os Bárbaros e ‘simpatizantes dos Bárbaros’ (philobarbaroi) entre os Gregos (p.343); ou ainda, a propósito das Leis e do uso polissémico do termo xenos: “o intercâmbio deliberado da condição de xenoi, que os três interlocutores partilham entre si nas fórmulas de tratamento, anula idealmente a dicotomia entre polites e xenos, presente de forma mais ou menos perceptível nos diálogos anteriores”(p.285-286).
Francisco de Oliveira – Universidade de Coimbra. Trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, no âmbito do Projecto Quadrienal da UI&D- CECH/FCT POC 2010.
Picturing Health and Illness: Images of Identity and Difference | Sander Gilman
Sander Gilman pertence a um grupo de autores ainda pouco divulgados entre nós, que vêm ampliando o círculo de referências no campo das ciências humanas (no nosso caso, em diálogo com a saúde coletiva), a partir de enfoques transdisciplinares, que, mesmo quando não tematizam diretamente assuntos relativos à saúde, têm enriquecido substancialmente o debate de questões centrais à área, como o conceito de risco (por exemplo, a obra de Ulrich Beck), ou a releitura das relações entre representações simbólicas, cultura e sociedade (como Robert Alter, ou os autores que vêm analisando a questão da “materialidade da comunicação”, como H. U. Gumbrecht).
Não me ocorre qualquer paralelo entre a abordagem do autor e pesquisas desenvolvidas entre nós no campo da saúde coletiva e/ou da psicanálise, e talvez a única associação que me vem à lembrança coloca juntos Gilman e a geração de ilustres emigrados que o Brasil teve o privilégio de acolher à época da Segunda Guerra Mundial, nas obras de intelectuais como Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld. Leia Mais