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Relações raciais nas diásporas africanas em perspectiva interseccional / Em Tempo de Histórias / 2020
O dossiê Dinâmicas das relações raciais nas diásporas africanas em perspectiva interseccional reúne trabalhos que abordam temas relacionados às dinâmicas interseccionais de relações de raça nas diásporas africanas nos diferentes espaços e níveis de sociabilidade. Frantz Fanon aponta que “o racismo é uma chaga da humanidade. Mas é preciso que não nos contentemos com essa frase. É preciso procurar incansavelmente as repercussões do racismo em todos os níveis de sociabilidade” (FANON, 1980, p. 40). Para esse autor, a superação do racismo somente ocorrerá no momento em que se experimentar um processo de descolonização a partir de uma práxis anticolonial e emancipadora que envolva tanto os aspectos objetivos quanto os subjetivos da existência humana.
É nesse sentido que os artigos aqui selecionados para comporem o dossiê apresentam um campo fértil de debate no âmbito das relações raciais, com estudos e análises que tem como enfoque trabalhos que dialogam entre si e que permite a nós, leitores/as, importantes reflexões. Tais artigos têm em suas bases pressupostos teóricos que partem de outros “locais de saberes”, que não o continente europeu, de lugares que possibilitam a demolição dos muros historicamente construídos do patriarcalismo branco heteronormativo, para estimular um “descolonizar de mentes” (HOOKS, 1995) e a construção de pontes para novas epistemes.
Sendo assim, agrupamos os artigos por série, respeitando suas propostas de discussões e reflexões. A primeira série contém artigos que buscam desvelar, por meio de diferentes temas, metodologias e fontes de análise, os aspectos religiosos que dialogam diretamente com questões étnico-raciais. O artigo que abre as propostas de reflexão é intitulado As irmandades negras na encruzilhada do “sincretismo”: leituras sobre o Catolicismo e as religiosidades afro-baianas nos séculos XIX e XX, de autoria de Mariana de Mesquita Santos, que objetiva apresentar aos/às leitores/as uma nova forma de se interpretar as religiosidades afro-baianas, numa tentativa de desconstrução de antigos discursos e análises calcados em interpretações preconceituosas e racistas em torno dessa religiosidade. Ainda dentro da mesma abordagem, o artigo de Jaciely Soares da Silva e Admilson Eustáquio Prates discute e apresenta o Ponto Cantado de Umbanda como fonte para o ensino de História, como também propõe, a partir da música, o debater sobre a religiosidade de matriz africana no espaço da sala de aula. Por fim, o artigo Congo, Congado, Congadas: tradição cultural afro-brasileira de resistência ao racismo e discriminação e os tempos de diásporas e escravidão, de Jeremias Brasileiro da Silva, discorre sobre questões inerentes à prática da Congada no município de Uberlândia-MG, problematizando como a permanência do racismo perpassa relações sociais, culturais e religiosas, nas relações de lazer, de trabalho e de poder.
Na segunda série, apresentamos um conjunto de artigos que tem como debate central o discurso de pensadores que, em tempos e espaços diferentes, abordam a presença negra no Brasil. Para iniciarmos, o artigo A política da morte nos projetos abolicionistas de Andrade Corvo e Joaquim Nabuco, de autoria de Gabriel Felipe Silva Bem, propôs discutir, a partir de leituras desses abolicionistas, como seus discursos carregavam um ideal colonial que perpassava o pressuposto de um projeto de eliminação de indivíduos negros em prol de uma idealização de um modelo de sociedade. Ainda seguindo uma linha de análise de pensadores, o artigo intitulado Raça: uma ferramenta de poder na construção das identidades e o pensamento de Geraldo Rocha, de Erica Naiara Ribeiro Borges e José Francisco dos Santos, problematiza esses escritos colocando-os no campo de análise da construção da identidade pós colonial no Brasil mediado por um discurso positivo de mestiçagem que, em tese, apresentava o apagamento de negros e mestiços na formação da sociedade.
A terceira série de artigos é composta por textos entrelaçados pela cultura negra nos Estados Unidos da América e no Brasil. O primeiro artigo desta série é Ideários Estéticos Afro-Atlânticos e Decolonialidade: Um estudo de caso em Jean-Michel Basquiat, de autoria de Hélio Ricardo Marino Rainho, no qual sugere um estudo sobre as proposições do artista afro-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) para problematizar o campo artístico hegemonicamente branco, ao mesmo tempo em que coloca em debate o apagamento, a invisibilidade e o primitivismo a legados artísticos afro-atlânticos. No artigo seguinte, Black Arts Movement: “Expressar a verdade a partir dos oprimidos ou opressores?”, do autor João Gabriel do Nascimento Nganga, é proposto um debate sobre o Black Arts Movement que surgiu em meados de 1960, nos Estados Unidos da América, com o intuito de estabelecer e consolidar a presença e vozes negras nas artes, em especial, no teatro e na literatura, tendo a África e suas diásporas como ponto de partida para a inserção nessas artes de referenciais simbólicos ignorados. O terceiro artigo desta série, O Rap negro na cidade planejada: A música negra das periferias do Distrito Federal, de autoria de Eliane Cristina Brito de Oliveira, coloca em debate os espaços destinados aos negros e brancos na cidade de Brasília-DF e a relevância do RAP como resistência e importante aliado na construção da identidade negra da juventude das periferias do Distrito Federal. Em sequência, temos o artigo, A Autoavaliação e Autodefinição de Carolina Maria de Jesus na obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada, da autora Cristiane da Rosa Elias, que analisa a obra “Quarto de Despejo” de 1960 de Carolina Maria de Jesus a partir de uma visão interseccional proposta pelo feminismo negro com o intuito de perceber como o olhar oposicional se faz presente na obra de Carolina de Jesus e como essa é uma das representações de mulheres negras nesse contexto histórico Os artigos selecionados para a quarta série trouxeram para o debate a mulher negra com suas diferentes experiências históricas e sociais. Iniciamos com o artigo intitulado Pelas ruas da cidade: cotidiano e trabalho de mulheres negras em Belém (1888-1900), autoria de David Durval Jesus Vieira, que aborda a experiência da mulher no pós-abolição da escravidão atravessada por enfrentamentos relacionados ao racismo e às questões de gênero, em meio ao momento histórico de crescimento econômico e remodelação que a cidade vivenciava. Já o artigo Raça, gênero e maternidade: as mulheres escravizadas na proposta de emancipação gradual de José Bonifácio, de Caroline Passarini Sousa, a partir de uma minuciosa leitura da Representação a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura”, escrita por José Bonifácio em 1823, coloca no centro de leitura a mulher negra escravizada numa proposta de compreender qual o seu lugar no projeto de sociedade do século XIX. O artigo Mulheres escravizadas e relacionamentos afetivos: pensando projetos amorosos e as masculinidades negras a partir da interseccionalidade (Cachoeira do Sul, século XIX), da autora Marina Camilo Haack, problematiza um tema ainda muito recente dentro dos estudos sobre a escravidão, que são os relacionamentos afetivos entre escravizados, no entanto a autora paira seu olhar detalhadamente nos espaços afetivos sobretudo das mulheres. O artigo Parda Liberta que Vive do Ofício de Meretriz: Gênero, raça e sexualidade em Goiás no século XIX, de Murilo Borges da Silva, propõe analisar como as práticas discursivas e não discursivas, legitimadas por relações de saber e poder, produziram historicamente corpos femininos negros, sendo que tais discursos entonavam em uma maior vigilância e controle sobre as mulheres negras e pobres, com o objetivo de torna-las dóceis, úteis e ordeiras. Por último, o artigo intitulado Corpos Fragmentados: a representação da raça e do corpo da mulher africana nos Cadernos Coloniais (1935-1941), de Rannyelle Rocha Teixeira, traz como proposta de análise as imagens e os textos sobre como a raça e os corpos femininos das mulheres africanas eram representados nesses cadernos, os quais estavam intimamente relacionados às manobras e estratégias de poder em prol do projeto colonialista português.
Na quinta série de artigos, os textos têm como tema central a educação. O artigo que abre esta série é o Relações étnico-raciais e integração curricular no ensino das Ciências Humanas, de autoria de Guilherme Babo Sedlacek e Rodolfo Denk Neto, que abordam a temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena a partir da produção de material didático, de modo transversal e interseccional, nesta área para cursos de ensino médio técnico. No segundo artigo, temos o texto Ensino de História sob um olhar interseccional: considerações sobre relatos de estudantes negras do Sul do Pará, da autora Andreia Costa Souza e do autor Dernival Venâncio Ramos Júnior, que partem das discussões resultantes de uma pesquisa de mestrado no campo do Ensino de História, que teve estudantes negras como protagonistas, no qual o objetivo foi refletir sobre os sistemas de discriminação e opressão que estruturam a condição histórica da mulher negra, além de visibilizar vivências de estudantes negras a partir da perspectiva interseccional, para, assim, permitir uma maior aproximação da realidade das estudantes, a fim de criar futuras e novas narrativas na prática pedagógica do Ensino de História. Na sequência, o artigo Cenário de uma Educação Étnico-Racial em movimento para o Século XXI: ações afirmativas ou medidas compensatórias?, de autoria de Cairo Mohamad Ibrahim Katrib e Tadeu Pereira dos Santos, aborda as ações afirmativas, no tocante à inclusão e permanência dos ingressantes na educação superior, e problematiza os dados produzidos por órgãos públicos como Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE), a Agência Brasil, o Ministério da Educação (MEC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). O quarto artigo, Movimentos políticos negros no Atlântico: análise de uma oficina pedagógica sob uma perspectiva antirracista e decolonial, da autora Clara Marques Souza, a partir de um aporte teórico decolonial, analisa a experiência da aplicação de uma oficina pedagógica de história no ensino básico, em duas turmas de oitavo ano do Ensino Fundamental II, sobre três movimentos políticos majoritariamente negros no Atlântico: a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Haitiana (1791-1804) e a Conspiração de Aponte (1812). Em seguida, temos o artigo O que pode a cultura material enquanto fonte para o estudo da história afro-brasileira e africana nas escolas? Por um ensino de História pluriepistêmico, de autoria de Clarissa Adjuto Ulhoa, que defende que a cultura material, ao ser escolhida como fonte para o ensino da história e da cultura afrobrasileira e africana, tem o potencial de contribuir para práticas pautadas em pluriepistemologias. Em seguida, temos o artigo Os impactos da lei 10.639/03 nos cursos de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Catalão, das autoras Maria Helena de Paula e Carolina Faleiros Felício, que discute a aplicação da Lei 10.639/03 nos cursos de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Catalão, a partir da análise do Projeto Pedagógico dos cursos e dos horários semestrais de oferta de disciplinas, nos últimos dez anos. Fechando esta série de artigos, temos o texto O jogo Mancala como estratégia pedagógica Etnomatemática: relato de uma experiência numa turma de 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor Elídio Duque no município de Salinas-MG, de autoria de Adriana Lúcia Brandão Diogenes e Graziele Santos Ferreira, que, em seu artigo, faz uma abordagem entre as características étnico-raciais com os conceitos matemáticos, procurando iniciar uma modificação do pensamento eurocêntrico no contexto escolar em que esse trabalho foi realizado, bem como olhar para a ciência matemática para além de números e cálculos, no qual buscou-se fazer um paralelo entre os conceitos matemáticos e a questão étnico-racial, demanda necessária em função da implementação da Lei 10.639/03.
A sexta série de artigos se inicia com o texto As famílias cativas capixabas entre 1850-1871: um comparativo entre as Regiões Sul e Central da província, de autoria de Laryssa da Silva Machado e Lucas da Silva Machado, que analisam a composição das famílias cativas do Espírito Santo entre os anos de 1850 e 1871, datas marcadas pela promulgação das leis abolicionistas Eusébio de Queirós e Lei do Ventre Livre. Em seguida, temos o artigo Decifrando as fugas escravas: narrativas, senhores e fujões na cidade do Rio de Janeiro (1840-1850), da autora Fernanda Cristina Puchinelli Ferreira, que aborda a fuga de escravizados, no sentido de analisar os significados e sentidos que uma fuga tinha para os escravizados, senhores outros segmentos sociais. O terceiro artigo, “Vá bater naquele negro que eu garanto”: marcadores raciais na Bahia (1940 – 1960), de autoria de Diego Lino Silva e Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira, versa sobre a trajetória de populações negras na Bahia entre as décadas de 1940 e 1960, tomando como referência a região de Feira de Santana, no qual utilizam processos criminais para debater os indicadores do uso e negação da cor preta como instrumento de criminalização ou aceitação dos sujeitos pesquisados.
A sétima e última série de artigos selecionados contribuem com a discussão em torno do preconceito do racismo histórico e socialmente construído no Brasil. Para tanto, o artigo intitulado As desvantagens de ser invisível: uma reflexão sobre o racismo no Brasil, de Daiara Suellen Gabriel de Ávila, aborda como a diáspora africana e a escravidão nas Américas alicerçou a construção e manutenção do racismo estrutural. Nesse sentido, a autora propôs apresentar tanto as diversas faces do racismo durante a escravidão e no pósemancipação, como também as estratégias usadas pelos mesmos para manterem não só a humanidade diante do sistema, mas também a cultura viva, ainda que de forma modificada. Já o artigo A invisibilidade dos negros na história de Gramado/RS: levantamento preliminar, autoria de Alex Juarez Müller e Raimundo Nonato Wanderley de Souza Cavalcante, debatem sobre a quase inexistência de registros acerca da presença negra no Sul do Brasil, e, na busca construir uma história que rompa com essa invisibilidade da e na História, os autores recorrem a lugares de memória, livros de memorialistas, fotografias e paisagens nunca tentativa de trazer para o tempo presente material que possa problematizar a efetiva presença e importância afro-brasileira na formação tanto no Sul, como também do Brasil. O artigo intitulado Um feriado a Zumbi: a tentativa de reconhecimento do 20 de Novembro em Porto Alegre (2001-2003), de José Augusto Zorzi, traz como foco de problematização o dia 20 de Novembro, e como essa data, ao ser projetada como feriado municipal, desencadeou uma série de debates e disputas políticas que evidenciaram dois blocos de discussão: o poder das agências negras e os limites políticos e ideológicos para o reconhecimento. Na sequência, o artigo intitulado As ações afirmativas e o sistema de costas raciais: resgate histórico ou reparação das desigualdades sociais?, de Ana Amélia Aquino Brito, propôs analisar a utilização de políticas de ação afirmativa para implementação de cotas raciais, tendo como ponto de problematização e questionamento se as cotas se referem a um resgate histórico das injustiças cometidas aos afrodescendentes pelo passado escravista ou se trata-se da reparação das desigualdades sociais dos grupos minoritários de negros, pardos e afrodescendentes. Por último, o artigo Apontamentos sobre o apagamento da população negra no relatório da Comissão Nacional da Verdade – 2014, autoria de Tairane Ribeiro da Silva, traz para a discussão o processo de apagamento da população negra durante a ditadura-militar no Brasil. A autora, além de apresentar qual a situação em que tais indivíduos viviam no período, propõe também dar visibilidade aos mesmo abordando seus perfis, atuação profissional e organizações políticas as quais participavam.
Portanto esse dossiê agrega uma série de proposta de discussão que tem como objetivo problematizar as Dinâmicas das relações raciais nas diásporas africanas, com investigações, perspectivas de abordagem teórica e metodológica múltipla e diversificada.
A leitura dos artigos nos apresenta tanto a necessidade de romper e desnaturalizar o racismo, como também indica novos caminhos para o entendimento do tema. Boa leitura!
Prof. Dr. João Gabriel do Nascimento Nganga
Profa. Dra. Jaciely Soares da Silva
Organizadores
Cultura (s) e as Diásporas Africanas nas Américas / Revista Mosaico / 2013
– Há muito que lhe queria dizer isto, Mwadia Malunga:
você ficou muito tempo lá no seminário, perdeu o espírito
das nossas coisas, nem parece uma africana.
– Há muitas maneiras de ser africana.
– É preciso não esquecer quem somos.
– E quem somos, compadre Lázáro, quem somos?
– Você não sabe?
A epígrafe que abre o dossiê traz um fragmento da obra “O outro pé da sereia” do escritor angolano Mia Couto (2009, p. 113), Dela destacamos a frase de Mwadia Malunga: “Há muitas maneiras de ser africana”. Para Mia Couto o conceito de africanidade não é o exótico e nem a folcorização da identidade, “mas antes, significa revalorizar as temáticas históricas e antropológicas; considerar os problemas éticos e explorar as tendências linguísticas do continente” (D’ANGELO, 2013, p. 197).
Nessa perspectiva a literatura ocupa um espaço singular. Carmen Lucia Secco (2003), por exemplo, destaca o ensaio como um gênero de grande importância, principalmente “no que se refere ao universo cultural africano, pois se oferece como espaço discursivo capaz de repensar a África, permitindo a recuperação de vozes e histórias do passado obliteradas ao longo do processo colonial” (SECCO, 2003, p. 273).
Historicamente podemos situar o recorte temporal (1920-1950) como o despertar da “consciência negra” veiculada pelo “Renascimento Negro” norte-americano, pelo Indigenismo Haitiano, pelo Negrismo cubano, pela Negritude de língua francesa. É nesse período, segundo Carmen Lucia Secco (2003, p. 274), que acorre uma significativa produção discursiva de vertente ensaística na área da filosofia, história, sociologia e política que se insurge contra a ordem colonial que oprimiu, por séculos, os negros do continente africano e os obrigou à diáspora.
No campo historiográfico contemporâneo observa-se um avanço na perspectiva da descolonização da História da África. Fato que reforçou novos vieses interpretativos. A novidade é a difusão de uma “antropologização” dos conceitos historiográficos. Além disso, aponta Muryatan Santana Barbosa (2008) que numa perspectiva africana, autores como Akinjogbin et al. (1981), vêm postulando uma ressignificação conceitual de categorias como poder e território, que passam a ser estabelecidas segundo seu sentido cultural nativo: akan, ibo e Joseph Ki-Zerbo. Boubou Hama (1980), no mesmo sentido, reclama pela compreensão singular de história e fazer histórico das próprias sociedades africanas (BARBOSA, 2008).
Nessa perspectiva, concluímos com outra passagem do escritor angolano.
Às vezes pergunto-me. De onde vem à dificuldade em nos pensarmos como sujeitos da História? Vem, sobretudo, de termos legado sempre aos outros o desenho de nossa própria identidade. Primeiro, os africanos foram negados. O seu território era a ausência, o seu tempo estava fora da História. Depois, os africanos foram estudados como um caso clínico. Agora são ajudados a sobreviver no quintal da história (COUTO, 2009, p. 31-2).
Fazemos também nossas as inquietações de Mia Couto.
No Dossiê “Cultura(s) e as diásporas africanas nas Américas” publicamos estudos realizados em regiões nas duas margens do Atlântico com a intenção de contribuir para o conhecimento das culturas afro-atlânticas.
Abre o dossiê o artigo ”Entre africanidades y africanismo: fiestas publicas en Cartagena de Indias, Colombia” da autora colombiana Laura de la Rosa Solano. Nesse artigo ela aborda as transformações das manifestações culturais negras nas festas públicas em Cartagena de Índias, cidade que foi por muito tempo o maior porto do tráfico atlântico de escravos. O artigo investiga os blocos afros que desfilam na Festa da Independência e analisa as referências de matriz africana na questão identitária.
O segundo artigo apresentado por Dernival Venâncio Ramos e Márcio Araújo de Melo, intitulado “Edouard Glissant e a narrativa da descolonização” aborda a relação entre a narrativa negra caribenha e o processo de descolonização do Caribe nas décadas de 1950 e 1960. Nas obras do autor martinicano situa-se a legitimação da narrativa do processo de descolonização política das colônias europeias nas Antilhas.
No próximo artigo atravessamos o Atlântico até Angola. Cássio Santos Melo analisa em “Castro Soromenho e seus contos na Lunda do final da década de 1920” a fase inicial da obra do escritor angolano Castro Soromenho. O texto encaminha a discussão da relação entre literatura e etnografia, pois as obras analisadas dizem respeito a essa narrativa cuja temática se refere à cultura dos povos da Lunda, onde o autor viveu final da década de 1920.
O texto “Notas sobre a História da escravidão em Goiás”, por Allysson Fernandes García, discute as teses da escravidão benigna ou escravidão violenta em obras de referência sobre o tema da escravidão em Goiás, situando-as dentro das grandes linhas interpretativas sobre a escravidão.
No penúltimo artigo do dossiê, “Breve balanço da questão fundiária das comunidades Negras brasileiras”, Adelmir Fabiani faz um balanço da situação fundiárias das comunidades quilombolas brasileiras, bem como as lutas pelo seu reconhecimento. O autor discute a ambiguidade da posição do Estado que reconhece as comunidades, por um lado, mas não entrega os títulos das terras às comunidades, deixando-as fragilizadas quanto a problemas como pobreza.
Dois artigos sobre manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras encerram esse dossiê. “Comunidade quilombola Lagoa da Pedra, Arraias (TO), e seu patrimônio imaterial” de Wolfgang Teske que aborda, através da Folkcomunicação, o modo como as populações quilombolas ressignificam suas práticas culturais, no caso a Roda de São Gonçalo, ao serem impactados por mensagens midiáticas.
O artigo “Os antigos que trabalhavam perfeitamente morreram: a memória da Umbanda em Araguaína – TO” de Sariza Oliveira Caetano Venâncio e Mundicarmo Ferretti aborda o significado da memória da “comunidade de santo” para os primeiros dirigentes dos terreiros, além de trazer uma história da Umbanda na região revelando suas conexões com os processos migratórios para a Amazônia a partir de 1960.
Na sessão de artigos livres, o texto “Compadre, sábado nós vamos lá no rio: espaço e natureza através de memórias dos ribeirinhos no Araguaia”, por Monise Busquets e Marina Haizenreder Ertzogue, aborda a memória de ribeirinhos do assentamento Falcão, (Araguatins–TO) e a relação de pertencimento com o rio Araguaia diante da construção de usinas hidrelétricas.
Em “O sertão de Goiás na Literatura de viagem” Daiany Ribeiro Teixeira investiga, através dos relatos de viajantes europeus no século XIX, a representação de sertão no imaginário dos viajantes que percorreram parte do território do Tocantins que pertencia à Goiás.
O artigo “Festas do Divino Espírito Santo em Portugal e Além-mar”, de Poliana Macedo de Sousa, estuda as festas religiosas em Portugal e sua difusão no Brasil e especificamente na cidade de Natividade, Tocantins, numa abordagem histórica e cultural da festa e de seus personagens.
No artigo que finaliza esse número da revista: “O sujeito virtual nas mídias sociais: contribuições da análise do discurso para a compreensão dos Fake”, Plábio Marcos Martins Desidério trata da categoria: “sujeito virtual” e analisa os fakes nas mídias sociais procurando contribuir para o conhecimento do modo como os discursos circulam nas mídias sociais.
Incluso nessa edição, a resenha de Gihane Scaravonatti da obra “O leão e a joia” do escritor nigeriano Wole Soyinka, relacionada com o tema do dossiê apresentado nesse número.
Referências
COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
______. E se o Obama fosse africano? E outras intervenções. Lisboa: Caminho, 2009.
BARBOSA, Muryatan Santana. “Eurocentrismo, História e História da África.” Sankofa 01, Revista de História da África e de estudo da diáspora africana. São Paulo, NEACP / USP, Junho de 2008. https: / / sites.google.com / site / revistasankofa / sankofa-01 / eurocentrismo-historia-e-historia-da-africa. Acesso em 06 / 08 / 2013.
D’ANGELO, Biagio. “Como recuperar o tempo pedido?” Todas as Letras. São Paulo: v. 15, n.1, 194- 204, 2013.
SECCO, Carmen Lucia Tindó Ribeiro. “O entre-lugar do ensaio no contexto literário africano de língua portuguesa.” Scripta, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 272-285, 2º sem. 2003.
Dernival Venâncio Ramos
Marina Haizenreder Ertzogue
Editores deste número
RAMOS, Dernival Venâncio; ERTZOGUE, Marina Haizenreder. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.6, n.1, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]