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Desastres Ambientais / Esboços / 2013
Este volume da Revista Esboços traz um dossiê voltado à história e sua preocupação com desastres, além de uma sessão de artigos livres e de resenhas.
Desastres tem despertado cada vez mais a atenção dos estudos de história, principalmente a partir das perspectivas apresentadas pelo campo da história ambiental, em meio ao trato de eventos desastrosos nos mundos da tecnologia, das cidades ou dos espaços rurais.
Ursula Lehmkuhl [1], no esforço de compilar os aspectos que diferenciam estudos de história ambiental e de história dos desastres de outras formas do fazer historiográfico pontua que as principais características dessas pesquisas são a rejeição da tradicional perspectiva de que a experiência humana é isenta do mundo natural e de que as consequências ecológicas da ação humana no passado não podem ser ignoradas.
Trabalhar do ponto de vista da história, com desastres significa, assim, considerar a historicidade de suas definições, os enunciados que os delimitam, e que estão dispostos num gradiente que engloba em uma ponta tudo o que há de escorregadio e evasivo e, na outra ponta, as forçadas reduções conceituais que os objetivam para que sejam postas em práticas as operações de reação a eles.
Pensar desastres em história pode significar pensar desastres históricos, desastres na história, histórias do desastre, histórias nos desastres, desastres antes dos desastres. Se as histórias que tratam de desastres carregam, em si, as ansiedades humanas sobre as consequências das escolhas realizadas no passado em termos de padrões de produção de alimentos, de energia, de ocupação, de crescimento populacional, elas seriam diretamente histórias de desastres?
As opiniões divergem: para alguns autores como Marc Elie, se o trabalho com desastres na história não está ligado à leitura das rupturas realmente ocasionadas por eventos desastrosos, então a pesquisa não está ligada diretamente a eles. [2] Para Christof Mauch, os instrumentos metodológicos utilizados por historiadores e historiadoras ao tratar de desastres permitem incorporar não apenas a dimensão do acontecimento desses eventos, como também refletir o escopo das interações humanas com a natureza, a tecnologia, incluindo ramificações políticas e institucionais, as percepções socialmente produzidas sobre esses eventos, as ansiedades que variam historicamente, bem como os danos e riscos econômicos, socioculturais, políticos e ecológicos advindos de desastres. Nesse sentido, os desastres podem ser abordados tanto a partir de seu imediatismo, ou seja, da sua incidência repentina, bem como de seus efeitos em longa duração. [3]
Apesar das diferentes abordagens, o ponto de partida dos estudos recentes de história acerca de desastres é o de delimitá-los como um misto complexo de perigos naturais e ações humanas.
O presente volume ocupa-se do que há de mais recente na pesquisa sobre desastres em história, com artigos de pesquisadores e pesquisadoras nacionais e internacionais. Ao partir da complexidade dos desastres, buscou-se reunir contribuições que abordam eventos extremos sob óticas diversas.
Ao abrir o Dossiê, em Enchentes inesperadas? Vulnerabilidade e políticas públicas em Rio do Sul – SC, Brasil, os autores Marcos Aurélio Espíndola e Eunice Nodari analisam as principais enchentes ocorridas no município de Rio do Sul, no Vale do Rio Itajaí-Açu, no estado de Santa Catarina. As enchentes de Rio do Sul, conforme os autores, tem sido deixadas em segundo plano quando o tema é desastre, uma vez que a atenção tem recaído, principalmente, sobre cidades do Médio e do Baixo Vale do Itajaí, e não na microrregião na qual o rio Itajaí-Açu se forma. Espíndola e Nodari discutem a ocupação populacional da região como uma das grandes responsáveis pela recorrência das inundações urbanas.
Lise Fernanda Sedrez e Marina Miraglia discutem a destruição do balneário turístico argentino Vila Epecuén, Buenos Aires, devido à inundação causada pelas águas do lago de mesmo nome, em 1985. Sedrez e Miraglia discutem esse evento a partir de uma história ambiental que considera desastres como processos históricos socioambientais, no estabelecimento de um diálogo entre a história ambiental e a teoria social do risco.
A natureza do risco: paisagem e risco na análise dos desastres socioambientais, artigo de Alfredo Ricardo Silva Lopes, discute o uso conceitual do risco quando da interpretação da ideia de paisagem e seu emprego, pela história ambiental, na construção de estudos dos desastres socioambientais. O autor observa que a percepção de risco de novos desastres transforma a compreensão sobre o ambiente que os indivíduos possuem e, nesse sentido, a transformação das paisagens referendam o forte elemento antrópico na definição de desastre.
Em Chuvas de granizo e desastre nos pomares de maçã catarinenses: produzindo uma agricultura de risco, Jó Klanovicz lê a história da expansão da pomicultura no interior de Santa Catarina como uma monocultura moderna intimamente relacionada às consequências que as precipitações de granizo tem causado às ideias e práticas da agricultura convencional de larga escala.
Já Anna Leah Tabios, no artigo Que desastre? As implicações legais e práticas da Lei de Sigilo do Japão na gestão e segurança de desastre, discute a natureza pública e a importância do papel da informação e dos relatos da imprensa nos momentos seguintes aos desastres, com atenção especial à discussão sobre o desastre nuclear de Fukushima.
Na sessão de Artigos Livres, Adalmir Leonidio analisa o processo de formação da paisagem rural de Piracicaba, São Paulo, desde o século XIX, com atenção especial sobre a dinâmica agrária e a dinâmica de padrões paisagísticos em meio à produção açucareira, no artigo Piracicaba no século XIX: uma paisagem em mudança.
Em Considerações comparadas sobre a forma circular do tempo mítico e suas relações com o rito, José D’Assunção Barros discute o contraste entre as concepções antigas e míticas sobre a forma do tempo em seus padrões circulares e o padrão temporal linear da perspectiva cristã, destinando parte do artigo à leitura da relação entre mito e rito desde a introdução de uma forma binária de tempo circular estabelecido por modelos míticos de decadência da humanidade.
Rosana Silva de Moura, em Breve estudo de uma perspectiva de educação medieval, analisa a filosofia da educação medieval a partir das contribuições de Santo Agostinho e Tomás de Aquino.
Este número traz duas resenhas. A primeira delas é escrita André Vasques Vital, tratando do livro Thinking with Water, uma coletânea organizada por Cecilia Chen, Janine MacLeod e Astrida Neimanis e publicada em 2013. Enquanto que a obra De defensivos agrícolas a agrotóxicos: desafios para a regulamentação dos agroquímicos no Brasil, publicada por Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, é resenhada por Juliana Brocca Presa.
Notas
1. LEHMKUHL, Ursula. Historicizing Nature: Time and Space in German and American Environmental History. In: LEHMKUHL, Ursula; WELLENREUTHER, Hermann. Historians and Nature: Comparative Approaches to Environmental History. New York: Berg, 2007. p. 17-44.
2. ELIE, Marc. A belated and tragic ecological revolution: nature, disasters, and green activists in the Soviet Union and the Post-Soviet States, 1960s-2010s. The Soviet and Post-Soviet Review, v. 40, n. 2, p. 157-165.
3. MAUCH, Christof. Introduction. In: MAUCH, Christof; PFISTER, Christian (Eds.). Natural disasters, cultural responses: case studies toward a global environmental history. New York: Lexington Books, 2009. p. 1-17
Eunice Sueli Nodari
Jó Klanovicz
Marcos Aurélio Espíndola
[DR]