Desafios Contemporâneos / Khronos – Revista de História da Ciência / 2019

O número 7 de Khronos apresenta o dossiê “Desafios Contemporâneos”, que traz uma seleção de trabalhos apresentados no Segundo Congresso de História da Ciência e da Técnica”, ocorrido na Universidade de São Paulo de 8 a 10 de abril de 2019. Mais de duas centenas de trabalhos de docentes, alunos de graduação e pós-graduação foram discutidos, em meio a uma intensa programação que incluiu atividades culturais, bem como conferências e mesas-redondas – estas podem ser vistas em sua íntegra no canal de vídeos do Centro de História da Ciência da USP, acessível em sua página de internet.

Dentro do dossiê, o primeiro trabalho é de Fabíola Durães, Adriano Oliveira e Paulo Monteiro que, a partir do tema da primeira vacinação administrada por Edward Jenner, fazem uma certeira crítica quanto à necessidade de incrementar a contextualização e a discussão de história da ciência, o que pode ser estendida pari passu à maior parte da expografia adotada nos museus de ciência, geralmente parca nesse quesito.

Fábio Andreoni revisita as propostas futurológicas de Hermann Kahn, fundador do Instituto Hudson, conhecido thinktank estadunidense, e famoso no Brasil por sua proposta mirabolante na década de 1960 de inundar uma grande área da Amazônia. O autor reconta como esse tipo de exercício antecedeu a controversa “história do futuro”, em que o desenvolvimento tecnológico desempenha papel importante, e que veio a influenciar diversos teóricos da historiografia contemporânea.

Um dos pilares sobre os quais se construíram as modernas ciências da biblioteconomia e da arquivologia é a obra de Paul Otlet sobre informação e comunicação. George Sarton, o pioneiro da institucionalização da História da Ciência no começo do século 20 estava atento para as bases propostas por Otlet e há mais de cem anos as utilizou em sua revista Isis de forma interdisciplinar, como analisa Márcia Rosetto.

A talidomida é certamente um dos exemplos funestos de como a tecnologia pode ter consequências indesejáveis. Promovida como solução para o enjôo da gravidez, o remédio logo se tornou um pesadelo pelas malformações causadas a membros superiores e inferiores, levando o desespero às mães vítimas desse erro. Dones Janz Jr. analisa como na Espanha esse medicamento continuou a ser comercializado mesmo depois da sua retirada do mercado mundial, com consequências que se estendem aos dias de hoje.

O dossiê se encerra com a apresentação do processo de digitalização do jornal estudantil da Faculdade de Medicina da Unicamp, que seguiu preceitos recomendados pela arquivologia. A sua disponibilização se revela uma fonte valiosa para estudos acadêmicos, como contam Ivan Luiz Amaral, Rodrigo Souza, Raíssa Antunes e Rosana Poderoso.

A seguir esta edição de Khronos contém artigos de fluxo contínuo, começando com o texto de Ricardo Canale sobre formas de encarar a construção do pensamento e das práticas científicas. O objetivo maior do autor é contribuir para com a alfabetização e letramento científicos, que deveriam se manifestar desde o início da escolarização, passando pelas práticas laboratoriais e a divulgação jornalística.

Em extenso texto sobre a deflexão gravitacional einsteiniana da luz a partir das medições durante o eclipse de Sobral em 1919, Oscar Matsuura refaz o contexto científico das controvérsias que cercaram os resultados obtidos e suas interpretações. Torna-se fascinante perceber como havia também componentes sociológicos e políticos nas disputas que se travaram entre grupos de astrônomos, e mais surpreendente é que as controvérsias se mantiveram ou ressurgiram neste primeiro século após o eclipse. Elementos racionais e outros nem tanto compõem essa trajetória de ideias, que comprovam como a história da ciência é importante para se adquirir uma visão equilibrada de como as teorias e fatos são interpretáveis, sem cair num excesso triunfalista, como costuma ser ensinado que é a marcha da ciência, nem um niilismo descrente do sucesso e da validade do conhecimento.

A partir da questão da técnica discutida principalmente por Milton Santos, Leandro Pereira apresenta os questionamentos deste pensador e outros sobre sua dimensão geográfica. A aceleração da financeirização do capital coloca o tema no eixo das crises econômicas presentes.

Cláudio Galeno e seus estudos de anatomia tiveram uma longevidade notável. Camille Stülp e Samira Mansur investigam o contexto social e cultural da Grécia Antiga que propiciou essa obra e apresentam dados da biografia galênica, enfatizando sua formação hipocrática. Sua originalidade e seus acertos (e erros) influenciaram a medicina europeia e islâmica até o Renascimento, sendo, portanto, figura obrigatória nos estudos de história da ciência.

Domingos Vandelli foi o iniciador da Academia Real das Ciências, de Lisboa, tornando-se importante para a modernização portuguesa empreendida a partir das reformas pombalinas da segunda metade do século 18. Ricardo Dalla Costa nos mostra a dimensão técnica das academias científicas, a partir das memórias de Vandelli sobre o carvão como combustível, e suas propostas de usar turfa e materiais betuminosos de importância para a calafetagem naval.

O último artigo se insere nas pesquisas que Carlos Fioravanti vem empreendendo sobre o estudo e tratamento do câncer feito por médicos brasileiros, em geral pouco conhecidos. Pimenta Bueno no início do século 20 especulou numa base interdisciplinar que vários fenômenos poderiam gerar acidose no interior de células, ligando esse resultado à hipótese de origem do câncer. Suas teorias foram confirmadas apenas bem posteriormente.

Fechando a edição temos uma entrevista com Mario Taddei. Este pesquisador italiano fez com grande sucesso de público a conferência de abertura do Segundo Congresso de História da Ciência e da Técnica, apresentando suas pesquisas originais acerca do pensamento de Leonardo da Vinci e as análises que tem levado a cabo em Milão, que têm revelado resultados surpreendentes sobre os artefatos e experimentos de Leonardo.

Esperamos que o leitor partilhe conosco o entusiasmo despertado por uma história da ciência e técnica bem atuantes no Brasil – e desejamos uma leitura prazerosa!

Gildo Magalhães – Editor


MAGALHÃES, Gildo. Editorial. Khronos – Revista de História da Ciência. São Paulo, n.7, ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

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