A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas – AGUIAR; DOURADO (EP)

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: Anpae, 2018. Resenha de: FELIZARDO, Clayton Tôrres. Educação Pública, v. 20, n. 21, 9 de junho de 2020.

O livro A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas tem como organizadores Márcia Angela da Silva Aguiar e Luiz Fernandes Dourado; é dividido em oito capítulos.

No primeiro, intitulado “Relato da resistência à instituição da BNCC pelo Conselho Nacional de Educação mediante pedido de vista e declarações de votos”, a mesma Márcia Angela da Silva Aguiar contempla-nos com a perspectiva de como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC foi proposta pelo Ministério da Educação, e votada em sessão pública do Conselho Nacional de Educação em 2017. Foi configurada como uma contrarreforma da Educação Básica, uma ação de desmonte das conquistas democráticas e populares até aí alcançadas. Uma frente minoritária se opôs e efetivou o pedido de vistas ao Parecer e à Resolução da BNCC para o registro histórico. A terceira versão da Base não teve discussão com a sociedade, o que já aponta uma ideia de como o processo democrático foi ferido nesse processo. Voltando em 2015, a primeira versão da BNCC foi elaborada por professores convidados da Educação Básica e do Ensino Superior. Também foi feita uma consulta pública e elaborada a partir dali a segunda versão, que foi colocada à disposição para consulta de educadores em seminários pelo país. A terceira versão foi elaborada por um comitê do MEC e abrangia a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, excluindo o Ensino Médio, o que também vai na contramão de outros documentos norteadores da Educação Básica.

O segundo capítulo do livro, “Apostando na produção contextual do currículo”, de Alice Casimiro Lopes, evidencia que a BNCC desde o seu início privilegia um conjunto de conteúdos e objetivos sem o fundamental suporte de referência, não deixando claro o projeto de educação desejado. Sua metodologia de construção é linear, vertical e centralizadora; não deixa espaço para diálogo com os diferentes atores que deveriam estar imersos nesse processo e não cumprindo uma das exigências legais, ao excluir o Ensino Médio.

A Base Nacional Comum estava prevista na Constituição Federal desde 1988 para o Ensino Fundamental e ampliada para o Ensino Médio com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014.

É necessário que pensemos a educação na sua totalidade. Os conteúdos não fazem sentido se desconectados desse contexto. As diversidades regionais, estaduais e locais devem ser contempladas dentro dessas perspectivas. Considerando a educação como direito de todos, para o pleno desenvolvimento da pessoa e sua cidadania e qualificação para o trabalho, visando a garantia de qualidade social da educação. A BNCC deveria se efetivar com proposta pedagógica que tenha por eixo as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, contribuindo para superar assimetrias regionais e sociais.

Algumas críticas à normativa são feitas pela autora, como vínculo entre educação e desenvolvimento econômico, redução da educação somente a aprendizagem, todos os alunos terão aprendizados uniformes etc., são pertinentes. As disciplinas e suas comunidades são elementos sociais que orientam o currículo, além da própria formação inicial e continuada dos professores.

No terceiro capítulo, “A Base é a Base. E o currículo o que é?”, Elizabeth Macedo nota que há a presença de instituições internacionais e nacionais privadas nas políticas educacionais e seu modo de gestão, excluindo uma experiência de formação de professores e de pesquisa das universidades brasileiras. A BNCC aparece como um currículo prescrito e balizador da avaliação, em uma estrutura em torno de competências.

O Capítulo 4, “PNE e Base Nacional Comum Curricular (BNCC): impactos na gestão da Educação e da escola”, traz Erasto Fortes Mendonça pontuando que o debate acerca da implementação da Base não teve o mesmo nível de participação que outros documentos norteadores, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). A Base não foi construída em princípio de uma gestão democrática das escolas públicas. Além de não contemplar o Ensino Médio, não trata da Educação de Jovens e Adultos (EJA), nem da Educação do Campo.

No capítulo 5, “Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os impactos nas políticas de regulação e avaliação da Educação Superior”, os dois autores, Luiz Fernandes Dourado (também organizador do livro) e João Ferreira de Oliveira afirmam que, fruto de quatro anos de debates no congresso, o PNE foi promulgado sem vetos em 2014 e apresenta avanços, como a adoção de 10% do PIB para a Educação até 2024. Após o golpe que rompeu a legalidade democrática no Brasil, passamos a ter retrocessos nas políticas públicas, obedecendo a uma lógica de mercado da creche à pós-graduação. A visão político-pedagógica que estrutura a BNCC não assegura a identidade nacional e seus pluralismos: ela contribui para a padronização e o reducionismo curricular.

No capítulo 6, “PNE, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os cotidianos das escolas: relações possíveis?”, a autora Nilda Alves chama a atenção para o fato de que a Educação Básica é responsabilidade dos estados e municípios. Há muitas normatizações curriculares, dentre as quais podemos citar: diretrizes, parâmetros, orientações de documentos municipais e estaduais. O currículo tem de ter sentido, construído contextualmente para uma demanda que não é homogênea, afinal os sujeitos que fazem parte desse processo de ensino-aprendizagem têm histórias e realidades distintas. A qualidade da Educação tende a ser reduzida à assimilação de conteúdos, o que nos remete a um caráter reducionista do que seja a Educação.  A Educação é cultura. Docentes têm de ser envolvidos na produção do currículo para uma Educação de qualidade.

No penúltimo capítulo, “A formação das novas gerações como campo para os negócios?”, Theresa Adrião e Vera Peroni apontam que instituições privadas vêm influenciando a educação pública brasileira, o que corrobora a visão de capítulos anteriores. As autoras trazem à luz críticas de como essas influências podem ter consequências negativas para uma gestão democrática, participativa, por vezes confundindo o limite entre o público e o privado. Abarca também todo o universo escolar, que deve ser plural e contemplar a Educação Indígena, a questão de gêneros e sexualidade, a luta contra o racismo e outros temas e políticas públicas que perpassam esse universo.

No 8º capítulo, “Políticas curriculares no contexto do golpe de 2016: debates atuais, embates e resistências”, Inês Barbosa de Oliveira convida a uma reflexão de que se faz necessário, de modo coletivo e propositivo, continuar lutando por uma agenda democrática e inclusiva na Educação. Pesquisas de anos mostram que processos curriculares não se repetem de uma escola para outra, ou seja, fórmulas prontas não dão conta da complexidade como é entendido esse organismo chamado de escola. Há sempre a criação do novo em ações que aparentam repetição. Inês Barbosa nos presenteia com uma frase que é um convite a uma reflexão: “Tratar igualmente os desiguais é aprofundar a desigualdade”.

Referências

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro eletrônico]. Recife: Anpae, 2018.

Clayton Tôrres Felizardo

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El futuro del currículum: La educación y el conocimiento en la era digital – WILLIAMSON (RHYG)

WILLIAMSON, Bem. El futuro del currículum: La educación y el conocimiento en la era digital. Madrid: Ediciones Morata, 2019 (1 era edición español). 122p. Resenha de: ALTAMIRANO, María José Umaña. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.43, p.267-271, 2020.

¿Cuáles son los factores sociales, más allá de la academia y del aula, que informan los cambios curriculares en la era digital? ¿Cuánto y cómo influyen las transformaciones de los sistemas económicos, polí- ticos y culturales? Y, lo más importante, ¿de qué forma estos currículos pretenden configurar las mentes, las ideas, las identidades y las actua- ciones de los jóvenes? Son estas y otras las preguntas que intenta responder Ben William- son, académico de la Universidad de Stirling en Reino Unido, e investigador en las áreas de política educativa y tecnología educativa, en su libro El futuro del currículum: La educación y el conocimiento en la era digital.

En siete capítulos el autor expone las principales ideas que se desprenden del estudio de nueve propuestas curriculares que incluyen el uso de medios digitales, impulsadas por organismos independientes del sistema educativo tradicional. En este contexto, plantea la interro- gante respecto de las implicancias en la formación de los estudiantes, debido a que las entidades que guían la construcción del curriculum responden a un nuevo pensamiento de “sociedad”. Leia Mais

Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas – CURY etc. al (EA)

CURY J BNCC dilemas e perspectivas Base Nacional Comum Curricular

CURY, Carlos Roberto Jamil; REIS, Magali; ZANARDI, Teodoro Adriano Costa. Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018. 144 p. Resenha de: PEDRO, Gabriel; MARSICO, Juliana. Explorando limites epistemológicos e políticos da BNCC para pensar possibilidades. Em Aberto, Brasília, v. 33, n. 107, p. 225-230, jan./abr. 2020.

No campo da pesquisa educacional, em um contexto sociopolítico de 225 desarticulação de conquistas e bandeiras importantes à educação pública no Brasil, uma discussão que se dedique à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é imprescindível e potente. Argumentamos que conhecer o que vem sendo enunciado sobre a Base é importante para melhor delinear seus efeitos como documento normativo para a educação básica e discurso que reorganiza valores e sentidos para os sujeitos escolares.

A obra Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas, dos autores Carlos Roberto Jamil Cury, Magali Reis e Teodoro Adriano Costa Zanardi, traz uma discussão atenta aos processos de formulação e efeitos da BNCC, propondo reflexões “[…] imprescindíveis para prosseguir com essa discussão, acalorada e interminável, como é a própria experiência do currículo, um campo de tensões e disputas contínuas” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 8). Propomos neste texto a apresentação dessa obra a fim de estimular o debate e instigar futuros leitores. Nesse momento de disputas em torno da educação básica escolar, consideramos o livro de Cury, Reis e Zanardi uma leitura necessária ao debate.

Na apresentação do livro – “Debates em torno da Base Nacional Comum Curricular” –, os autores fazem um mapeamento do que consideram as publicações mais relevantes a tratar da temática nos últimos anos, explorando uma série de artigos e dossiês publicados entre os anos de 2012 e 2018, nas revistas Teias (Uerj), e-Curriculum (PUC-SP), Currículo sem Fronteiras, entre outras. Apresentando as diversas perspectivas nelas publicadas, buscam elucidar os debates acadêmicos

sobre o assunto. A seção encerra-se com a afirmação de que “a aprovação da BNCC não esgotou os debates como também não resolveu os problemas e lacunas nela observados durante sua elaboração” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 15). Com isso, estabelecem a tônica do livro como crítica à BNCC, que nos remonta à ideia de crítica proposta por Judith Butler (2013) no diálogo com Michel Foucault, rejeitando seu objeto enquanto finalizado e buscando entender seus limites epistemológicos e políticos.

Nesse livro, portanto, os autores fazem uma crítica não apenas ao documento normativo publicado, mas também ao processo de elaboração da BNCC, em um movimento que atua no sentido de “colocar fundamentos em questão, de desnaturalizar hierarquias sociais e políticas e, inclusive, de estabelecer perspectivas a partir das quais uma certa distância com o mundo naturalizado pode ser tomada” (Butler, 2013, p. 161).

Os autores, no primeiro capítulo – “Por uma BNCC democrática, federativa e diferenciada” –, organizam documentos históricos normativos relativos à defesa da necessidade de um conjunto de conhecimentos comuns a todos no Brasil. Nele, argumentam como tal defesa se relaciona com as noções de cidadania e federalismo, culminando em um capítulo na Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei n° 9.394/1996).

Se, por um lado, o adjetivo “comum” é um descritor para formação indispensável ao exercício da cidadania na LDB/1996, por outro, destaca-se que o próprio Conselho Nacional de Educação (CNE) “enfatizou que as diretrizes tinham dimensões gerais, tendo estas muito mais a prevalência de um rumo, de uma direção, de um caminho tendente a um fim do que de fixação de conteúdos mínimos” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 47). Ademais, os autores salientam que, por via da Emenda Constitucional nº 59/2009 e da Lei nº 13.005/2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) tem previsão para configuração de uma base nacional comum curricular mediante instância permanente de negociação e de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (Art. 7º, § 5º), alertando que o debate precisa desaguar no “diálogo que a Constituição denomina de regime de colaboração sob a égide da gestão democrática” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 50). Assim, estabelecem limites dentro dos quais acreditam ser necessário que a elaboração da BNCC aconteça, ejetando do campo do desejável outras formas de organizá-la que não seja democrática, federativa e diferenciada.

No segundo capítulo – “BNCC e a universalização do conhecimento” –, são tensionadas questões nos planos normativo e conceitual que levaram à formulação da BNCC tal como aprovada em 2018, buscando analisá-la criticamente para expor sua legitimidade e suas possibilidades a partir do campo de estudos curriculares, em específico,perante uma “concepção comprometida com a teoria freireana como forma de promover uma educação para emancipação” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 55). Aqui, uma importante discussão é travada, problematizando o que significa um conhecimento ser básico e comum, salientando que a neutralidade pretendida não existe de fato, o que resulta num problema difícil de resolver, a afirmação inequívoca de qual é a formação desejada em um território tão extenso e plural como o brasileiro. Desse modo, os autores apontam que adotar uma compreensão curricular pautada em descritores de conteúdos, competências e habilidades, casados com prescrições fixistas, é também assumir um projeto universalizante de conhecimentos comprometidos com a homogeneização, o que os coloca em explícito contraste com uma compreensão de currículo construído democraticamente, do qual decantam práticas que respeitam a pluralidade e as diferenças sociais.

A noção de uma base nacional comum curricular tem, em sua raiz, “o sonho iluminista de universalização de direitos no tocante ao acesso ao conhecimento acumulado e à qualidade de educação que se realizaria pela distribuição igualitária e isonômica dos conhecimentos” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 53). Tal argumento vai ao encontro da noção de cosmopolitismo de Popkewitz (2009), em que se lança mão da razão e de um modo comparativo de raciocínio para planejar transformações no mundo, visando a uma sociedade mais igualitária e justa. Entretanto, para Popkewitz (2009), esse mesmo modo comparativo de raciocínio produz um duplo gesto, uma vez que, ao buscar a inclusão gradativa de todos na sociedade cosmopolita, é preciso definir quem são aqueles sujeitos que a ela pertencem e estão incluídos, simultaneamente, definindo os que não pertencem e estão excluídos, reinscrevendo a exclusão no tecido do planejamento e das práticas escolares.

O terceiro capítulo – “Base Nacional Comum Curricular é Currículo?” – argumenta em duas direções. Na primeira, focaliza-se a discussão sobre algumas concepções de currículo em diálogo com José Gimeno Sacristán, Roberto Macedo e Paulo Freire, a fim de desestabilizar a narrativa do Ministério da Educação (MEC), que posiciona a BNCC como um documento meramente norteador de currículos, revelando sua ação como um currículo prescritivo, tecnicista e meritocrático. A segunda direção diz respeito à BNCC como um objeto não acabado, que constitui um campo de disputa, e as diferentes forças, que atuam no sentido de mobilizar e/ou reificar seus sentidos. Discutem-se os argumentos legitimadores em favor da definição de conteúdos básicos comuns, como, por exemplo, as pesquisas de Michael Young e Demerval Saviani, que defendem a necessidade dessa definição. Para os autores, tal ideia revitaliza “o gerenciamento científico característico das teorias tradicionais do currículo e fortalece a manipulação da educação escolarizada”, além de desconsiderar o “papel dos professores e alunos como sujeitos produtores de conhecimentos valiosos para o currículo” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 89-90).

A partir desse ponto, os autores estabelecem relações entre as organizações internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as fundações privadas e o próprio Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a elite capitalista neoliberal e o esforço epistemológico e político, visando à fixação de conhecimentos “básicos” como um objetivo da educação escolarizada. Nesse movimento, os autores contrapõem argumentos daquelas organizações e setores da sociedade civil com o posicionamento de associações brasileiras de estudos curriculares, a saber, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC). Para essas associações, algumas questões são colocadas a favor da não publicação de uma base nacional comum curricular, como o fato de não contemplar as dimensões da diversidade na educação brasileira, a problemática centralização no desempenho e na avaliação, a desqualificação do trabalho docente, para dar alguns exemplos. Em grande medida, é pontuado nesse capítulo o posicionamento de tais associações de pesquisa diante do Golpe de 2016, que trouxe “seu autoritarismo, conservadorismo e claro compromisso com a lógica do capital para dentro do processo de elaboração da terceira versão da BNCC” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 98). Nessa direção, os autores mantêm a tônica da obra e apresentam diversos entendimentos sobre o processo de construção da BNCC, em um movimento que busca desnaturalizar os fundamentos e não se exime de pontuar a necessidade do enfrentamento contínuo, sob o risco de homogeneização das diferenças, aprisionamento da educação pública por uma lógica mercadológica e desumanização dos processos dialéticos de construção do conhecimento.

No quarto capítulo – “BNCC e educação das novas gerações: limites conceituais” –, os autores abrem um espaço para problematizar a educação de novas gerações, entendendo a primeira etapa da educação básica também como um campo de disputas e tensões que se expressaram nas diferentes versões do documento curricular. Tal disputa se situa na tensão entre “modelos assistencialistas, de um lado, e escolarizantes, de outro, presentes nas políticas que determinam abordagens de currículo, pedagogia e avaliação para a educação de crianças e jovens” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 101), em torno do que se pensa sobre a educação infantil.

Para os autores, há lacunas na BNCC no que se refere a aspectos considerados importantes para a educação na primeira infância, como brincar, experimentar, realizar atividades de livre escolha para a satisfação de diversas necessidades das crianças. Nesse contexto, criticam o modo de afirmar genericamente noções de cuidado, educação e campos de experiência, presentes na BNCC, documento que, conforme alegam, apresenta, quanto à forma de educar crianças, uma ruptura entre a educação infantil e o ensino fundamental. Em contrapartida, trazem argumentos para pensar uma educação infantil que não se concretiza com um currículo mínimo padronizado, em um movimento presente ao longo da obra.

No quinto e último capítulo – “Habemus Base, mas Habemus Freire” –, são retomadas questões problemáticas acerca da BNCC trabalhadas ao longo do livro, para assim afirmar a necessidade de se buscar alternativas a essa proposta curricular com articulações “necessárias à transformação social e ao desvelamento das causas da desigualdade” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 119). Desse modo, dialogam com a obra de Paulo Freire, que corrobora a ideia de transmissão de conhecimentos padronizados para a libertação e emancipação, sem abrir mão do compromisso com a criticidade. Assim, “sob uma perspectiva freireana, não há o desprezo ao conhecimento acumulado historicamente, mas um cuidado democrático e dialógico na construção da proposta curricular” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 121), salientando a potência da rejeição de uma concepção de currículo como doação/imposição aos sujeitos escolares.

Em todo o livro, os autores se dedicam a problematizar a ideia de conhecimentos que qualificam sujeitos para a atuação no mundo neoliberal, afirmando que a terceira versão da Base tornou-se o “local através do qual conteúdo, coerência e controle estão sendo articulados” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 104). Assim, ao refletirem sobre pesquisas que respaldam a necessidade de uma base nacional comum curricular, que afirmam ser a escola, e a educação escolar, o espaço para a construção de uma cidadania democrática e menos desigual, argumentam que tais estudos ignoram a desigualdade produzida socialmente e na qual a escola é incluída. Ao dar visibilidade a essa discussão sobre escola e sociedade, vão ao encontro de autores como Daniel Friedrich, Bryn Jaastad e Thomas S. Popkewitz (2010), quando estes afirmam que a “missão” empreendida pela escola, ao buscar promover uma sociedade mais igualitária, abre espaço para reforçar epistemologicamente a desigualdade como condição ontológica para pensar sobre e planejar o futuro da sociedade, problema que o campo educacional vem confrontando historicamente.

Argumentam os autores do livro, finalmente, que, se “a escola abraçar a BNCC como prescrição a ser detalhadamente cumprida, colocamos em sério risco os princípios estabelecidos pela Constituição de 1988 no que diz respeito à pluralidade, diversidade e não discriminação. Princípios que se constituem em essência de nossa (frágil) democracia” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 129). Ao, aparentemente, tomarem certos pressupostos do campo educacional por certezas no início do livro – os objetivos da educação escolarizada como distribuição igualitária e isonômica do conhecimento visando à construção de uma sociedade menos desigual –, assumiram um risco. De maneira não intencional, poderiam por meio de duplos gestos (Popkewitz, 2009) reforçar epistemologicamente as desigualdades que procuram combater enquanto condição ontológica para pensar e, portanto, construir um certo tipo de educação escolarizada (Friedrich; Jaastad; Popkewitz, 2010).

Entretanto, de forma robusta, contornam esse risco ao explorarem a existência e os limites de outras maneiras de pensar a educação, distintas das suas. Assim, rejeitam não apenas a BNCC como terminada e cristalizada, mas também seus próprios pressupostos, realizando algo afeito àquilo que Butler (2013) chamou de crítica enquanto prática de exposição dos limites do horizonte epistemológico de determinado objeto. Buscando entender os limites da BNCC e dos próprios objetivos e estratégias defendidos na obra, os autores não os assumem como verdades a priori, operacionalizando-os antes como posicionamentos epistemológicos e políticos que foram conscientemente construídos e, desse modo, úteis na luta por outra base nacional comum curricular, democraticamente constituída e que pontue práticas que respeitem a pluralidade e as diferenças sociais.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1.

BUTLER, J. O que é a crítica? Um ensaio sobre a virtude de Foucault. Traduzido por Gustavo Hessmann Dalaqua. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, v. 1, n. 22, p. 159-179, 2013.

FRIEDRICH, D.; JAASTAD, B.; POPKEWITZ, T. S. Democratic education: an (im) possibility that yet remains to come. Educational Philosophy and Theory, Oxford, v. 42, n. 5-6 p. 571-587, 2010.

POPKEWITZ, T. S. The double gestures of cosmopolitanism and comparative studies of education. In.: COWEN, R.; KAZAMIAS, A. M. (Ed.). International handbook of comparative education. Dordrecht: Springer Science, 2009. p.385-401.

Gabriel Pedro – Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua no Grupo de Estudos em História do Currículo, no âmbito do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ). E-mail: gabriel.brasil.88@gmail.com.

Juliana Marsico – Doutora em Educação, é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integra o corpo de pesquisadores do Grupo de Estudos em História do Currículo, no âmbito do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ). E-mail: jumarsico@gmail.com.

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Base Nacional Comum Curricular: Dilemas e perspectivas – CURY; ZANARDI (REC)

CURY, Roberto Jamil; REIS, Magali; ZANARDI, Teodoro Adriano. Base Nacional Comum Curricular: Dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018. Resenha de: CASTRO, Luzia de Marilac; PEREIRA, Sandra Márcia Campos. Base Nacional Comum Curricular: é currículo prescrito ou documento norteador? Revista Espaço do Currículo, João Pessoa, v.12, n.3, p. 431-433, set/dez. 2019.

Na obra Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas, os autores trazem uma discussão sobre as bases legais que deram sustentação à elaboração de um currículo nacional, fazem um recorte temporal das legislações que tratam de currículo desde o ano de 1823 aos dias atuais, trazem para o debate conceitos que estão na base e problematizam-os à luz de teóricos que discutem currículo.O livro está organizado em cinco capítulos que podem ser lidos e discutidos separadamente, mapeia várias publicações relativas à BNCC logo na apresentação da obra. Além da referência da obra, também há uma referência exclusiva de publicações referentes a Base com autores conceituados, como: Alice Casimiro Lopes, Elizabeth Macedo, Inês Barbosa Oliveira, Ana Maria Saul, entre outros. O livro resenhado é uma importante ferramenta no âmbito das discussões curriculares, pois traz aspectos históricos para entendermos como no passado esse assunto foi tratado e traz o panorama atual do debate em torno da BNCC.

Cury tem pós doutorado em Direito pela USP, é professor titular (aposentado) da Faculdade de Educação da UFMG, da qual é professor emérito. Reis é doutora e pós doutora em educação, na área de concentração: Sociedade e Cultura, pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da PUC- Minas. E Zanardi possui doutorado em Educação (Currículo) pela PUC de São Paulo, é Professor Adjunto IV do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Na parte de apresentação do livro, que recebe o título Debates em torno da Base Nacional Comum Curricular, os autores fogem do formato padrão de apresentar os capítulos que compõem a obra. Eles fazem um apanhado de publicações e debates em torno da Base Nacional Comum Curricular a partir do ano de 2012. Citam dossiês e revistas que fomentaram essas discussões a partir desse período até o ano de 2018. Numa espécie de estado da arte, apresentam as discussões relativas à BNCC. Algumas publicações ficaram de fora, certamente, mas o levantamento feito na apresentação do livro subsidia os pesquisadores e estudiosos da área de currículo.

O primeiro capítulo, Por uma BNCC democrática, federativa e diferenciada, tem como objetivo identificar como o ordenamento educacional formulou a constituição de currículos escolares por meio dos principais documentos normativos, desde a Constituição de 1823 até o Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005/2014. Os autores estabelecem uma relação entre currículo nacional e o conceito de cidadania, contextualizam suas falas com trechos dos documentos normativos desse período e finalizam conclamando esforços, clareza de posições, com estudos sólidos para que aconteça de fato o diálogo que a Constituição chama de regime de colaboração entre os entes federados.

Problematizar criticamente a proposta da BNCC levando em consideração o contexto normativo em que foi gestada como também suas as bases conceituais é o objetivo do 2º capítulo, que traz o título BNCC e a universalização do conhecimento. Os autores afirmam que a Base traz o sonho iluminista de resolver os problemas da desigualdade de acesso ao conhecimento por meio da educação escolarizada e dizem ser necessário pontuar os caminhos normativos e conceituais para compreender a proposta da Base. Para tal empreitada, analisam os princípios estabelecidos na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) e no Plano Nacional de Educação. Finalizam citando a atuação da Fundação Lemann na defesa da BNCC, exemplificando esse interesse através da conhecida pesquisa publicada pela fundação em 2015.

Base Nacional Comum Curricular é Currículo? É o título e a pergunta central que direciona todo o debate do 3º capítulo. Os autores asseveram que a BNCC, como está sendo posta, é sim currículo. Traz conceitos de currículo na concepção de Sacristán, Roberto Macedo e Ana Saul e dizem que a Base se aproxima dos conceitos dos dois primeiros autores citados. Falam do processo de disputa de posicionamentos de setores empresariais e comunidade científica no processo de elaboração das três versões da BNCC. Para discutir o conceito de currículo comum, refletem sobre os estudos de Michel Young e Demerval Saviani trançando um paralelo de pontos comuns e divergentes entre os dois, mas frisam que ambos defendem a viabilidade de um currículo comum. Por fim, trazem as críticas das associações de pesquisa acadêmicas mostrando que estas são contrárias a uma ideia de currículo nacional.

As questões relativas ao currículo para a educação da infância são tratadas no 4º capítulo do livro, BNCC e Educação das Novas Gerações: Limites Conceituais, os autores advogam que o currículo da educação infantil tem sido um campo de disputas e que isso tem reflexos em três temas significativos no campo do currículo: conteúdo, coerência e acompanhamento. E que esses três temas são vistos de maneiras diferentes e até opostas por teorias educacionais e pelas políticas públicas. Debatem o conceito de experiência, que na BNCC vem como campos de experiência. Na visão dos autores, o conceito de experiência na Base é lacunar. Para fundamentar a discussão, trazem os estudos de Walter Benjamim para se pensar os conceitos de experiência e fundamentos da educação de crianças pequenas.

As contribuições de Paulo Freire, para discussão do currículo comum, vem no 5º e último capítulo, Habermus Base, mas Habermus Freire. O capítulo traz várias considerações sobre a BNCC, relacionando-as com as contribuições de Freire. Os autores reconhecem que o patrono da educação brasileira não se debruçou diretamente sobre uma teoria curricular, mas inegável são as suas contribuições em relação ao saberes e conhecimentos. Advogam que Freire não despreza os conhecimentos acumulados historicamente, mas que é preciso problematizá-los. Os autores defendem a ideia de que as escolas não devem abraçar a BNCC como currículo prescrito, que o momento é oportuno para renovar a proposta emancipatória de Paulo Freire. Concluem: “Desvelar a BNCC se constitui em obrigação dos educadores para a compreensão dos projetos que se colocam em disputa no sociedade e no interior da escola.” (130)

É imprescindível a leitura e discussão da obra aqui resenhada, tendo em vista o momento atual em que todas as escolas da rede pública e privada estão em processo de (re)elaboração curricular. A obra traz aspectos relevantes que suscitam o debate em torno da Base Nacional Comum Curricular. Os capítulos da obra, cada um com sua especificidade, atendem todas as etapas da educação básica, desde a educação infantil ao ensino médio. Quando o livro foi publicado ainda não tínhamos a aprovação da Base do Ensino médio, mas as discussões aqui trazidas servem também para repensar o currículo da última etapa da educação básica. A obra serve como referência para todos os educadores da educação básica e para pesquisadores do campo do currículo.

Referências

SIMIANO, Luciane Pandini; SIMÃO, Márcia Buss. Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil: entre desafios e possibilidades dos campos de experiência educativa. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 41, p. 77-90, set./dez. 2016.

IHU- INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Base Nacional Comum Curricular: O futuro da educação brasileira. São Leopoldo: RS. Nº 516, ano XVII, 4/12/2017.

SAVIANI, D. Da nova LDB ao plano nacional de educação.3.ed.rev.Campinas: Autores Associados,2000. (Educação contemporânea).

Luzia de Marilac Pereira Castro – Mestranda em Ensino pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB e Coordenadora Pedagógica na Educação Infantil. E-mail: ns3ead@yahoo.com.br.

Sandra Márcia Campos Pereira – Professora titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: sandra.campos@uesb.edu.br.

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Los espejos de Clío: Usos y abusos de la Historia en el ámbito escolar – GÓMEZ CARRASCO; MIRALLES MARTÍNEZ

GÓMEZ CARRASCO, C.J.; MIRALLES MARTÍNEZ, P. Los espejos de Clío: Usos y abusos de la Historia en el ámbito escolar. Madrid. Sílex, 2017 Resenha de: LÓPEZ-GARCÍA, Alejandro. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.91, p.83-84, abr., 2018.

El manual objeto de estas líneas bien podría entenderse como una especie de carta magna que desmenuza y desenmascara las inertes directrices u ordenanzas que caracterizan al oficio de enseñar historia. Una unidireccionalidad no solo contemplada desde su vertiente legislativa sino que, además, detalla las carencias de un sistema educativo donde el profesorado demanda nuevos derechos y libertades, así como una vuelta de tuerca en las honduras de la didáctica de la historia, tan cabal como pertinente para el estudiantado presente y futuro.

Gómez y Miralles presentan el organigrama del grupo de investigación DICSO (Universidad de Murcia) enfocando algunas de sus principales líneas de acción, perfectamente conectadas hacia una nueva idea en la profesionalización docente. Esta descripción se hace con una simbiosis digna y eficiente entre investigación e innovación, canalizando propuestas interesantes para superar esos reflejos de Clío que, obviados a veces, perturban la idiosincrasia de esta disciplina.

La competencia profesional de los autores queda de manifiesto durante toda la obra, pero el trasfondo de su conciencia ciudadana se plasma sobre todo en el primer capítulo, en el que se esboza un análisis de propuestas de enseñanza, bien fundamentado desde la influencia posmodernista y estructuralista.

Con el calado que dejaron influjos pasados como la Escuela de los Annales o el marxismo, los autores analizan la historia entendiéndola como conocimientos en construcción, más allá de tensiones identitarias e ideológicas, donde primaba un pensamiento lineal, individualista y acrítico. Al amparo de la corriente internacional, postulan un ejercicio de reflexión en torno a la comprensión del mundo desde la idea de globalización, estableciendo una serie de aristas competenciales sostenidas en la necesidad de pensar históricamente y desarrollar habilidades cognitivas. La idea prestada a este trabajo denota una caracterización que trata de escapar de un discurso monista, plano y descriptivo, defendiendo un ideal didáctico basado en la pluralidad del conocimiento histórico, mediante destrezas de cuestionamiento, giros lingüísticos, resquicios a la duda e interpretaciones que dinamicen el saber.

Esta contraposición entre positivismo e interpretación, o entre identidad y ciudadanía, influye de forma directa en los cánones que establece el currículo. En el segundo capítulo los autores analizan este documento, tan relevante para entender los planteamientos didácticos vigentes y las líneas rojas de nuestro sistema educativo. Aun cuando las pruebas de diagnóstico determinan los principales problemas al respecto, los autores nos muestran que sigue predominando una imposición conceptual o sustantiva que otorga más valor a la cantidad que a la calidad del conocimiento.

Igualmente, se analiza la evolución del currículo español desde 1990 hasta la actualidad, comparándolo con el currículo inglés y otros currículos internacionales, desde un punto de vista competencial.

En el tercer capítulo Gómez y Miralles abordan el excesivo peso del libro de texto para enseñar, así como la influencia de los libros españoles en el contexto europeo.

Esta presentación se hace desde distintos enfoques, como el discurso historiográfico, en una sutil comparativa con los manuales de Francia e Inglaterra; la presencia de narrativas vinculadas a los Estados nación, los mitos de la disciplina y sus tópicos y estereotipos más característicos que constituyen ese abismo entre la producción historiográfica pasada y la de nuestros días. El reflejo o enfoque que pretenden transmitir los autores gira en torno a la disparidad de modelos de educación histórica como aspecto reseñable y digno de revisión, si queremos asemejarnos a nuestros colegas europeos.

En el cuarto capítulo se evalúan los conocimientos históricos mediante el análisis de más de tres mil preguntas de exámenes de historia desde 5.º de educación primaria hasta 4.º de la ESO, corroborándose la predominancia de los conceptos de primer orden sobre los conceptos metodológicos.

Igualmente, los autores analizan un total de cien narrativas históricas del alumnado y trescientos cuestionarios, con objeto de comprobar la percepción epistemológica de este modelo de educación histórica, que se muestra como impulsor de tópicos y estereotipos historiográficos, cuyos usos y abusos desembocan en una evaluación igualmente tradicionalista que no transfiere las escasas innovaciones acaecidas tras la superación de la lección magistral.

Esta obra, osada a la par que acertada, ha de concebirse como una lectura recomendada para aquellos que hayan quedado rezagados en modelos de enseñanza obsoletos y sientan la necesidad de enlazar el pasado con el presente para reconstruir la historia.

Con premisas como la problematización, el rigor argumentativo y el sustento mediante fuentes ha de plantearse el discurrir de esta profesión, favoreciendo el desarrollo de habilidades cognitivas más complejas, superando el conceptualismo nacionalista de antaño y abriéndose paso como una ciencia de análisis social.

Igualmente, las propuestas de mejora que nos sugieren Gómez y Miralles deben entenderse como una invitación para construir las identidades del siglo xxi, rompiendo con siglos pretéritos y con una hegemonía histórica que deconstruye la memoria y resta más que suma. Cada una de sus coherentes e ilusionantes líneas son fruto de una historiografía moderna y dinámica que, apoyada en la investigación más reciente, vela por cuestionar aquellos temas más controvertidos en aras de promover un cambio metodológico en la docencia actual que proteja y haga brillar, más que nunca, esos espejos de Clío.

Alejandro López-García – E-mail: aloga@um.es

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A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas – AQUIAR; DOURADO (RF)

AGUIAR, Márcia Angela da S.; DOURADO, Luiz Fernandes (Org.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro eletrônico]. Recife: Anpae, 2018. Resenha de: RODRIGUES Luiz Alberto Ribeiro. REVASF, Petrolina, vol. 8, n.15, p. 164-168, jan./abr., 2018.

Esta obra, publicada pela Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (Anpae), reúne uma série de oito artigos produzidos por pesquisadores das áreas de política educacional e currículo, em que discutem o significado do processo que tem gerado a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e seus desdobramentos frente ao PNE 2014-2024.

São apresentados elementos que têm caracterizado a BNCC, construída em três distintas versões, sendo a primeira elaborada por especialistas no MEC e submetida a apreciação pública, recendo contribuições, em grande parte individualizada; a segunda versão, apresentada por componentes curriculares, foi discutida em seminários em todo o país, coordenados pela Undime e Consed. A terceira versão incorporou contribuições definidas por um grupo gestor instituído pelo MEC e excluiu a etapa do ensino médio.

Toda essa trajetória e as características que assumem cada versão deve ser compreendida a partir do contexto no qual a BNCC vem sendo instituída, ou seja, um tumultuado contexto político em torno da composição do governo central, na figura do presidente Michel Temer, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, e que, a partir 2016 vem provocando um desmonte das conquistas democráticas e populares, sobretudo no que diz respeito aos avanços efetivados nas últimas décadas quanto ao direito à educação e às políticas educacionais. No âmbito educacional, posto em ação uma contrarreforma da Educação Básica, que impôs por meio de Medida Provisória, a reforma do ensino médio.

O contexto da contrarreforma da educação em curso apresenta-se bastante conservador e privatista, sobretudo porque veio acompanhada por um amplo processo de (des)regulação da educação, que favorece a expansão privada mercantil. Assim, questiona-se a ausência de um marco de referência, capaz de indicar princípios educacionais, concepções, utopias, sonhos, os desejados definidos coletivamente, no sentido de subsidiar as decisões em torno da BNCC. Lembrou-se ainda que no Brasil documentos semelhantes já foram lançados, a exemplo dos “Guias Curriculares” nos anos 1980, os “Parâmetros Curriculares” nos anos 90 e as “Diretrizes Curriculares Nacionais” em 2001.

Contesta-se nesta obra a anseio da BNCC em fixar mínimos curriculares nacionais ou engessar a ação pedagógica com objetivos de aprendizagem dissociados do desenvolvimento integral do estudante. Argumenta-se que esta pretensão limita o direito a educação e a aprendizagem. Defende-se ao contrário, a garantia dos princípios constitucionais de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Em defesa do currículo, põe-se em questão pressupostos que simplificam o debate pedagógico sobre o tema, tais como o vínculo imediato entre educação e desenvolvimento econômico, a redução da educação a níveis de aprendizagem, a restrição da crítica teórica à BNCC ao registro ideológico, a suposição de que os docentes não sabem o que fazer nas escolas sem uma orientação curricular comum.

Além disso, sustenta esta obra, a BNCC fere o princípio de valorização das experiências extraescolares; afronta o princípio da gestão democrática das escolas públicas; atenta contra a organicidade da Educação Básica necessária à existência de um Sistema Nacional de Educação (SNE).

Rebatem os autores a pretensão de que, para garantir metas de aprendizagem, todas escolas precisam da mesma proposta curricular e da mesma orientação pedagógica. Em assim sendo, esconde-se a problemática da desigualdade social associada à educação, o fator investimento diferenciado na carreira do professor e nas condições de trabalho nas escolas, além do peso das condições de vida das famílias e das condições de estudo dos estudantes. Nesse sentido, defende-se que não é necessário que o currículo seja igual em todo país, até porque, na prática isso não seria possível.

Ainda na linha do currículo, contesta os autores a auto determinação da Base como currículo prescrito e como norteador da avaliação. Afirma-se no debate, a ideia de que a BNCC resulta em uma listagem de competências, não podendo ser considerado currículo. Aponta-se, à luz de experiências nacionais e internacionais, a ausência de fatores fundamentais para o êxito de políticas desta natureza, tais como o formato de intervenção descentralizada via currículos, a valorização dos professores, o financiamento inadequado para a educação.

Foi identificada ainda que no bojo de seu conteúdo, falta à BNCC a articulação referente à concepção e diretrizes da Educação Básica, tendo em vista a construção de uma educação formadora do ser humano, cidadão, capaz de influir nos rumos políticos e econômicos do país, capaz de criar novos conhecimentos, de criar novas direções para o nosso futuro comum.

Em meio a esse momento de crise da política brasileira, ganham força na definição de políticas curriculares que estabeleceu o último formato da BNCC, algumas organizações privadas, assumindo um papel condutor e indutor de sua aprovação e disseminação. Realce para a Fundação Lemann associada ao Cenpec, Instituto Natura, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Fundação SM, Insper e Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Os autores analisam esse contexto e apontam para a existência de uma nova configuração de poder que se vai se afirmando no âmbito do MEC e a consequente alteração na correlação de forças do CNE, na perspectiva de fortalecer políticas que, no limite, apresentam um forte viés privatista favorecendo interesses do mercado.

Ressalta esta obra que as políticas materializam-se em estratégias de privatização e incidem em três dimensões estratégicas, didaticamente consideradas em separado: oferta educativa; gestão educacional e sobre o currículo.

Alerta-se ainda para outros passos que poderão ocorrer em decorrência da BNCC, entre as quais a avaliação em larga escala, que terminam por legitimar determinados saberes e ampliar ainda mais a seletividade da educação, prejudicando grupos sociais menos favorecidos e elevando a desigualdade educacional.

Mas afinal, o que tem justificado então a BNCC? No contexto desta obra há indicações de que os interesses imediatos do mercado pautam a possível criação de um mercado para livros didáticos, ambientes instrucionais informatizados, cursos para capacitação de professores, consultorias na formulação dos “currículos em ação” nos municípios; seminários envolvendo instituições estrangeiras com vistas à formação de professores; movimentos das diversas fundações no sentido de produção de material e capacitação.

Interessante crítica nesta obra sobre o significado que ganha a BNCC, como um artifício que pode ser chamado de “apostilagem dos processos pedagógicos”, ou seja, os problemas da educação são apropriados por fundações privadas, inúmeras delas ligadas a bancos, e são dadas soluções que entendem ser as ‘indispensáveis’, porque “mais rápidas e mais fáceis”. Recorda o texto que essas fundações têm sido buscadas por gestores públicos, em nível estadual e municipal, com objetivos de indicar aos professores como devem atuar, a partir de períodos curtos de formação, com a criação de material didático que devem seguir à risca – o que dar em que dia, em que hora, ou seja, verdadeiras “apostilas” – e com um controle do que fazem em sala de aula.

Lembra os autores tratar-se de uma falsa aí inclusa, pensar que tudo estará resolvido, se os docentes forem obedientes, aplicando em seus estudantes estas fórmulas mágicas. Como ocorrem em outros países, esse tipo de intervenção não tem dado certo, não considera a realidade complexa onde a escola se encontra. Tendem ser portanto, soluções insuficientes e a culpa voltará aos docentes, por “não executarem” o processo indicado e ainda reforça um discurso culpabilizando-se as universidades pela má formação dada aos docentes.

Também se reconhece que, apesar dos equívocos quanto a tentativa de imposição da BNCC como um currículo, de sua vinculação à processos de avaliação em larga escala, ao mercado de livros e material didático, há um contraponto a ser considerado: a autonomia na gestão pedagógica, garantida aos sistemas de ensino, nos estados e município, e materializada nos projetos políticos pedagógicos (PPP).

Além disso, recordam os autores de processos de resistências observados neste período histórico, em que surgiram movimentos com ideias que mobilizam estudantes e seus docentes em torno do que significam e como devem ser as escolas que querem e que estão dispostos a fazer funcionar porque atendem às suas necessidades. Nesse sentido são mencionados a força de resistência expressa em movimentos, como os “Ocupa”, que foi sendo produzido nas salas de aulas, por seus docentes e discentes nestes últimos anos. Ressalta esta obra, não é possível quebrar os sonhos de milhares de docentes e de milhões de estudantes por escolas melhores dos quais eles são muito bons conhecedores.

Expressam ainda os autores a necessidade de reconhecer, nas realidades cotidianas, mais práticas educativas do que as de obediência subserviente às normas autoritárias. Assim, expressam a necessidade de reconhecer que não estivemos e não estamos parados, que a luta pela escola pública e por propostas curriculares respeitosas com os sujeitos da escola e plurais epistemológica e culturalmente, vale a pena e já está em andamento.

A contribuição de reconhecidos pesquisadores na área, tais como seus organizadores somados aos demais autores, Alice Casimiro Lopes; Elizabeth Macedo; Erasto Fortes Mendonça; João Ferreira de Oliveira; Inês Barbosa de Oliveira; Nilda Alves; Theresa Adrião e Vera Peroni, faz dessa obra um registro crítico necessário para construir horizontes de superação dos limites em que foram impostos a atual política educacional no Brasil. Trata-se portando de uma obra recomendada aos educadores e pesquisadores da educação que buscam examinar a política da educação no Brasil e reconstruir os novos rumos para uma formação cidadã, a partir de uma educação pública e de qualidade social referenciada.

Referências

AGUIAR, M. A. da S. e DOURADO, L. F. (Orgs). A BNCC na contramão do PNE 2014- 2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. Recife: ANPAE, 2018.

Luiz Alberto Ribeiro Rodrigues – Professor Adjunto da UPE, Doutor em Educação pela UFPE Membro do Colegiado do Programa de Mestrado Profissional em Educação. E-mail: luiz.rodrigues@upe.br

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Quando ninguém educa: questionando Paulo Freire – ROCHA (SO)

ROCHA, Ronai Pires da. Quando ninguém educa: questionando Paulo Freire. São Paulo: Contexto, 2017. Resenha de: SECCO, Gisele Dalva. Sofia, Vitória, v.6, n.3, p. 175-191, jul./dez., 2017.

INTRODUÇÃO: UM POUCO DE CONTEXTO

Muitos dos temas e problemas com os quais lida Quando ninguém educa: questionando Paulo Freire (ROCHA, 2017) são frutos de reflexões germinadas no ainda pouco explorado Ensino de filosofia e currículo (ROCHA, 2008). Exemplarmente constam ali críticas do “princípio do presépio” como critério capital de desenho curricular; da concepção expressivista de currículo; da imagem da desnutrida da escola como mero aparelho de reprodução de desigualdades sociais; das abstrusas caracterizações de interdisciplinaridade mobilizadas em documentos e debates sobre currículo escolar, do populismo pedagógico; das projeções de ferinas disputas universitárias em ambiente escolar.

A Introdução de Quando ninguém educa informa que a motivação final para sua escrita data de fins de 2015, quando da publicação do ofício endereçado ao Conselho Nacional de Educação (CNE) por pesquisadores da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) com o apoio da Associação Brasileira de Currículo (ABdC). Intitulado “Exposição de Motivos sobre a Base Nacional Comum Curricular”,2 o documento apresenta, em nove tópicos, observações desfavoravelmente críticas à forma e ao conteúdo da primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — naquela ocasião, sujeita à consulta e a debates públicos.

A oferta da BNCC pelo Ministério da Educação (MEC) em 2015 fora prescrita em 1996, no artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O objetivo fulcral do documento sugere-se em sua denominação: servir de alicerce para edificações de currículos nas redes estaduais (caso do Ensino Médio, a partir de agora EM) e municipais (caso do ensino fundamental, a partir de agora EF), e em cada instituição de ensino brasileira. A proposição da BNCC, portanto, configura-se como uma condição de possibilidade do exercício pleno dos direitos garantidos pela lei máxima da educação nacional.

Para além do destaque à reação das entidades representantes da comunidade de pesquisadores em educação frente à proposição da primeira versão da BNCC, vale ressaltar outro elemento do cenário em que se compôs o livro aqui analisado: o fato de que, como se conta no primeiro capítulo (“O currículo e as competições ferozes”), aquela reação foi uma de outras, todas fluindo em peculiar leito midiático:

De um dia para outro a conversa sobre o currículo saiu do círculo dos especialistas, passou para os editoriais dos grandes jornais e dali foi para as redes sociais. A questão da existência ou não de uma base curricular nacional deixou de ser um tema dos especialistas e passou a ser matéria do noticiário cotidiano. (Rocha, 2017, p. 23)

Voltemos ao ofício da ANPEd: em uma passagem, declara-se existir, na base de elaboração da Base, um descolamento entre “as constantes críticas dos especialistas na área” e os alicerces curriculares estipulados na LDB, que deveriam figurar na BNCC. Alega-se ainda, na mesma passagem, que nos anos imediatamente anteriores à publicação da BNCC o MEC operou silenciamentos “sobre os debates, avanços e políticas no sentido de democratização e valorização da diversidade” em prol de um “projeto unificador e mercadológico na direção que apontam as tendências internacionais” (ANPED, Ofício n.º 01/2015/GR, p. 1). Se é fato a ruptura entre o que dizem os especialistas na área (mencionados do ofício da ANPEd) e os especialistas chamados pelo MEC a elaborar a BNCC, perguntar parece propício: o que nos insinua tal fato? Por que a BNCC, parece, teria sido elaborada sem considerar as referidas “críticas constantes”, encarnando um modelo de currículo a elas avesso?

Questão de segunda ordem: seriam tais perguntas respondidas a contento pela via explicativa de mão única que enfatiza as opções políticas desta ou daquela gestão ministerial, e de cada equipe de professores e pesquisadores por elas mobilizadas na confecção da Base? Ou, como acadêmicos dedicados a pensar em como nossa área (a Filosofia) pode contribuir para os debates sobre a construção da Base, nos seria permitido duvidar desta via expressa, buscando compreender as coisas sob outras perspectivas em teorias curriculares? É apostando em respostas positivas a esta última questão, que Quando ninguém educa foi publicado — sem para nada excluir como irrelevantes os elementos de ordem política que compõem o quadro das práticas curriculares no Brasil.

Sobre o momento desta publicação, é trivial lembrar que se trata de um período de padecimento para todos. Vivemos consideráveis perdas de direitos sociais, e ameaças de maiores, mais profundos e variados retrocessos. É inevitável mencionar, nesse contexto, a proposta de revogação do título de Patrono da Educação Nacional, pertencente a Paulo Freire, por parte de mensageiros de “movimentos” “sem partido”, nem ideologia. Um sobreaviso, assim, quase tarda: o livro aqui anotado não seja tratado, por motivo de subtítulo, como gato no saco de desmastreios em que estão metidas iniciativas de similar estirpe. Se é verdade que Quando ninguém educa (QNE) foi publicado em momento turvo e tenso, não é menos verdade que por seus estilo, teor e dicção, visa um público extenso e multiforme, e tem um dilatado potencial para provocar conversas, debates e autocríticas cuja urgência e importância não podemos falhar em reconhecer. Que o mapa que se pode traçar a partir das anotações a seguir possa servir para estimular a leitura deste livro, contracorrente.

1 SOBRE A PRIMEIRA PARTE: A TRAMA E A CRÍTICA

Do ponto de vista morfológico o livro está composto de três partes intercaladas por quatro parábolas, denominadas pelo autor como “fábulas de Zilbra”. O comparecimento de tais historietas não configura aspecto ignorável, pois não somente impõem certo ritmo à leitura das partes principais do livro, como também um tom que pode gerar desconfortos em leitores mais sensíveis às críticas embutidas nesta peculiar eleição retórica. O mesmo se aplica aos primeiros parágrafos do capítulo inaugural, em que, ao modo de pastiche, encontramos uma comparação entre discussões atuais acerca de currículo escolar e debates sobre o valor universal da democracia no Brasil dos anos 1970. Desde o início, portanto, saiba o leitor da possibilidade de estranhamentos diversos no que diz respeito ao modo como são apresentadas as ideias do autor. Quais são elas?

Sigo aqui a ordem da composição. Após a proposição do pastiche como forma de verificarmos semelhanças e diferenças entre o cenário atual e o cenário em que se iniciou o processo de suspensão da tradição de estudos curriculares no Brasil, a primeira parte do livro narra o processo de estabelecimento da teoria curricular hoje hegemônica no país, fortemente calcada em estudos culturais e sociologias do conhecimento (trata-se, portanto, do advento de teorias críticas e teorias pós-críticas do currículo, ocorrido com o abandono das teorias tradicionais). Desde cedo em QNE somos impelidos a pensar que as críticas ao modelo teórico tradicional — o assim chamado currículo por objetivos — resultaram, no Brasil da segunda metade do século passado, em um processo de descarte do abacate junto com o caroço. Vejamos, ainda de que brevemente, quais eram os pontos principais destas críticas.

O primeiro deles indica que teorias como as de Ralph Tyler e Hilda Taba (nomes dos mais conhecidos nos estudos curriculares de então), tal como praticadas no Brasil e a despeito de algum sucesso do ponto de vista de “metas triviais”, não satisfaziam “os fins mais amplos da educação” (ROCHA, 2017, p. 28). Foram, assim, batizadas de tecnicistas. A segunda acusação alegava que a formulação de objetivos de aprendizagem em termos operacionais, válida para o campo empresarial, não valeria para o educacional. Ademais, tal modelo pressionaria em demasia os professores quanto ao planejamento sequencial das fases da aprendizagem, sem espaço para desdobramentos da ordem do imprevisível, que exigiriam menos planejamento e mais capacidade de improviso por parte dos docentes.3 A esta crítica se associa uma quarta, relativa ao privilégio de comportamentos cognitivos enquadráveis em avaliações e mensurações que acabariam por excluir a dimensão humana da experiência escolar — razão pela qual se incriminou o modelo por baixa densidade democrática. Finalmente, dada a padronização da avaliação dos resultados das aprendizagens escolares em termos de mensurações objetivas, artes e ciências humanas não caberiam no espartilho de um tal modelo curricular, cujo descarte estaria, assim, plenamente justificado. Uma sugestão de pesquisa, no livro somente implicada, propõe comparar os cinco pontos das críticas ao modelo tradicional de currículo com os nove pontos de crítica apresentados pela ANPEd no oficio acima descrito: quais diferenças e repetições vigoram entre elas?

O capítulo inicial remete ainda à discussão proposta no segundo capítulo de Ensino de filosofia e currículo (EFC), onde Rocha delineia uma perspectiva sobre educação na qual convivem em paz seu objetivo principal, o da conservação da herança cultural da humanidade — e que será esclarecido adiante no livro, na seção “A educação é conservadora” — e o respeito ao “aspecto essencial de indeterminação, intrínseco à formação educativa” (ROCHA, 2017, p. 29). O capítulo finaliza num duplo movimento: por um lado, e com base nas sugestões de Lawrence Stenhouse, “desempacota” o conceito de educação, como o conceito de um complexo contendo ao menos cinco etapas ou eixos:

Quanto mais nos elevamos nas camadas do processo educativo — habituação, treinamento, instrução, iniciação, indução — mais torna-se complexa a aplicação do modelo de currículo por objetivos. Os problemas mais interessantes ocorrem na área de indução ao conhecimento, pois trata-se de uma tarefa na qual as diferentes camadas da educação estão presentes. De um lado, quando aprendemos a falar colocamos em ação as estruturas conceituais e inferenciais da linguagem, das quais nem sempre temos uma consciência explícita e de cujas potências nem sempre suspeitamos; mas quando aprendemos nossa língua materna não estamos apenas dominando um código, pois ele traz consigo algo que um dia chamaremos, com sorte, de “mundo”. Aqui surge (ou não) a aventura do conhecimento, pois queremos induzir nossos filhos a uma explicitação dos níveis básicos de conhecimento que acompanham a aquisição da língua materna. O nome disso pode ser escola e currículo. (ROCHA, 2017, p. 31).

Por outro lado, o autor sugere que é possível retomar alguns dos bons elementos da tradição de desenhos curriculares calcada no modelo por objetivos, desde que nossa atitude como filósofos e teóricos do currículo não consista na dogmática postura de virar-lhe as costas, sem qualquer empenho de compreensão e subsequente avaliação de seu valor na empreitada de aprimorar a cultura curricular e pedagógica nacional. Além disso, após oferecer — novamente com o apoio de Stenhouse — uma caracterização de currículo como esforço para comunicar as linhas gerais de propósitos educacionais de maneira constitutivamente aberta à crítica, Rocha termina por alinhavar a primeira apreciação mais pungente do espectro hegemônico do campo curricular no Brasil. É neste momento que começamos a entender a função que a análise da opera magna de Paulo Freire tem no livro, pois somos então informados de que

No final dos anos 1970, o giro sociopolítico no campo do currículo consolidou-se e, com ele, os estudos curriculares ligados aos conteúdos e às didáticas foram varridos para baixo do tapete pedagógico. No lugar deles entraram as teorias da ação social aplicadas à educação. O esvaziamento da escola foi de tal ordem que surgiu no início dos anos 1980 um movimento que procurou recuperar o que havia sido sacrificado no altar da crítica. (ROCHA, 2017, p. 33).

Ora, foi justamente o grupo da “Pedagogia histórico-crítica” ou “Pedagogia crítico-social dos conteúdos” o responsável por tecer as primeiras críticas à pedagogia freiriana. Nela não estariam contemplados, de modo adequado, a entrada das crianças e dos jovens no universo dos conhecimentos escolares. De acordo com os primeiros críticos, esta insuficiência se deve, em larga medida, à ênfase desmesurada na valorização da cultura extraescolar na experiência pedagógica. Veremos a seguir, porque o deixa bastante claro o autor, que uma tal desmedida parece se dever um pouco menos à letra do texto de Paulo Freire do que a certas apropriações inadequadamente dogmáticas, derivadas de leituras anacrônicas, de sua Pedagogia do oprimido.

O segundo capítulo segue a narrativa acerca do que chama de extravio da cultura curricular nacional, mobilizando discussões acerca da natureza da escola, uma reflexão sobre as melhores maneiras de conversar sobre currículo, e uma importante crítica à “visão expressivista do currículo” — exposta em documentos oficiais como as Orientações curriculares para o ensino médio . Nesta visão, o currículo é compreendido como um tipo de orientação sem poder de prescrição . A ideia é a de que um currículo que descreva comportamentos esperados de cada ator do teatro educacional não deve desdobrar seu potencial de prescrição das melhores atitudes a esperar de professores e alunos,4 mas tão somente manifestar, revelar, exteriorizar (quiçá sem critério algum?) o que cada sistema e escola entende como o melhor para sua comunidade particular (estaríamos diante de uma sorte especial de relativismo pedagógico?).

Esta primeira e também extensa parte do livro contém ainda cinco capítulos. Antes de expor a crítica a Freire, e a certo freirismo, constante no capítulo “Ninguém educa ninguém”, direi do contexto da crítica no fluxo narrativo-argumentativo de QNE. É que imediatamente antes do estudo de caso crítico, aparece “Formas do conhecimento”. Este capítulo abre com uma máxima de dupla função: de um lado, arrematar o que fora exposto nos capítulos “O currículo como iniciação” e “O currículo como mensagem” (duas perspectivas pouco ou nunca sonhadas pelo grosso da pedagogia nacional) e, de outro, anunciar a tônica de sua crítica: “Conversar sobre currículo sem falar em epistemologia é como pacto sem espada, vira conversa fiada” (ROCHA, 2017, p. 59). Que o modo de adágio desta frase não aligeire o leitor a ignorar a que imediatamente se segue:

Se é verdade que o currículo implica poder e política, pois ele está ligado às formas de distribuição e transmissão de conhecimento, é igualmente verdadeiro que estamos falando exatamente sobre conhecimento .” ( Loc. cit .).

Quem, em são entendimento, poderia desviar-se de tamanha evidência? A quem serviria ler QNE de modo a ignorar sua obstinação na discussão conceitual, filosófica, sobre as relações internas entre categorias epistemológicas e curriculares? Possivelmente somente àqueles sectários afeitos à erística, dessidente do jogo de dar e pedir razões — dos quais temos exemplos de sobra tanto à direita quanto a esquerda do espectro político-ideológico.5 Mas voltemos ao texto.

Antes, no capítulo sobre o currículo como mensagem, o leitor havia sido familiarizado com o vocabulário, algo denso, advindo de uma sociologia da educação epistemologicamente tratada, encarnada na obra de Basil Bernstein. Destaque-se aqui a centralidade da distinção entre conhecimento ou discurso horizontal e vertical , a partir da qual somos a apresentados à crítica do “populismo pedagógico” como fruto de uma confusão entre tais categorias. Registre-se, de modo telegráfico, que se os discursos ou conhecimentos horizontais são da ordem do mostrar — das coisas que aprendemos em nossas comunidades locais, por meio de treino e exemplo (amarrar os sapatos, usar talheres) —, os conhecimentos horizontais são da ordem do dizer : eles operam e se aprendem por meio de “estruturas simbólicas especializadas de tipo explícito, proposicional” (ROCHA, 2017, p. 50). Tais conhecimentos, que Michael Young compreende como efetivamente “empoderadores”,6 demandam ambientes especialmente desenhados, como escolas, para sua aquisição.

Ora, o que em QNE se chama populismo pedagógico se resume num conjunto de práticas curriculares balizadas na polarização entre o conhecimento popular e o conhecimento especializado, frequentemente associadas a uma romantização ou supervalorização do primeiro em detrimento do segundo. Podese neste ponto antecipar os resultados das críticas ao modo hegemônico de ler a Pedagogia do oprimido como uma forma particular de populismo pedagógico: de tanto proteger o aluno de “sustos didáticos”7 (derivados de coisas como aprender a demonstrar um teorema geométrico ou compreender o que é se contradizer), o populismo pedagógico acarreta o abandono de aprendizagens daquele “conhecimento poderoso” de que fala Young (como aprender a demonstrar um teorema geométrico ou ser capaz de reconhecer ou visualizar a relação lógica de contradição no clássico quadro das oposições, ou a aprender a ler mapas, ou uma obra de Clarice Lispector).8

A trama de fundo da crítica a Freire e a seu modo habitual de apropriação e propagação apresentada na seção “Ninguém educa ninguém” envolve ainda a ênfase de Rocha na ideia de que a epistemologia, como investigação sobre as variedades do conhecimento humano, é indispensável para práticas curriculares adequadas aos fins da escola. Aquelas, as variedades, dizem respeito aos distintos critérios para a disposição e ajuste curricular dos conhecimentos, tais como: suas fontes, seus tipos, objetos, as estruturas dos objetos de conhecimento, os tipos de consciência que cada saber mobiliza, seus graus de publicidade, e as não menos relevantes condições sociais e históricas de sua produção e apropriação. Já os fins da escola, por sua vez, tomam corpo na ideia de empoderamento intelectual e humano dos estudantes, e serão ainda tematizados em ao menos três das “séries de lembranças” que compõem a parte final do livro. De todo modo, desta trama praticamente se pode deduzir a pergunta pela epistemologia sobre a qual se erige a referência máxima da pedagogia nacional. Chegamos, assim, ao acontecimento crítico central da primeira parte de QNE.

O capítulo dedicado, ao modo de estudo de caso, a analisar a Pedagogia do oprimido se desdobra em quatro momentos, a começar por um duplo reconhecimento: o da importância histórica da obra, combinado ao do anacronismo de suas leituras mais comuns. Se da primeira não há folga em esquecer, do segundo pouco se diz. As luzes anacrônicas que geralmente se projetam sobre esta obra de Freire, mostra Rocha, se revelam no modo como uma distinção importante como aquela entre educação bancária e educação emancipadora é transportada, do contexto em que foi engendrada — com a finalidade de criticar os modos de relação dos dirigentes políticos da ação revolucionária com as massas, afinal “o tema do livro são as relações de opressão consideradas em um nível de bastante abrangência” (ROCHA, 2017, p. 69) — para contextos de discussão sobre os fins e meios da escola . Não à toa, somos informados, a palavra “escola” aparece em escassas cinco ocasiões ao longo de toda a obra. Mas o problema indicado com as parcas referências à escola não se encerra nesta observação, estendendo-se ao modo como Freire pensa a relação entre lar e escola, fortemente influenciada pelas assim chamadas visões reprodutivistas. Tais perspectivas consideram a escola, prioritariamente, com um aparelho de réplica das desigualdades sociais típicas de instituições como a família (em que os pais mandam e as crianças obedecem, e não pensam) e as prisões (comparação suficientemente desgastada como para exigir alguma explicação aqui).

Que uma distinção tão central para o livro de Freire, como entre “bancário” e “emancipador” seja assim generalizada — do contexto de alfabetização de adultos para o contexto de alfabetização de crianças em idade escolar — explica-se pelo fato de que além de anacrônicas, as leituras mais comuns da Pedagogia do oprimido são também seletivas. De acordo com Rocha, a dificuldade de contextualizar o que Freire diz nos capítulos inicial e final do livro acaba por induzir os leitores contemporâneos a simplesmente ignora-los, para o mal de sua compreensão. Nesses capítulos, aponta Rocha, Freire indica claramente a quem o livro se dirige (os companheiros revolucionários, por quem era acusado de não ser suficientemente comunista, e a quem acusa de agir conforme um sectarismo tão nefasto quanto o de seus efetivos oponentes), e de onde brotam os princípios que orientam, por exemplo, a necessária “reeducação ‘dos profissionais de formação universitária ou não’”, calcada em um alargamento das estratégias dialógicas de ação cultural por parte dos revolucionários. Rocha destaca que

O tema da reeducação dos acadêmicos ocupa quatro páginas no final do livro e é mais uma das formulações freirianas que somente faz sentido quando se tem presente o flerte de muitos intelectuais com o maoísmo da época. Como já antecipei, o livro era um libelo contra o dirigismo revolucionário que contaminava as fileiras da esquerda e a educação bancária a que se o livro se refere pouco tem a ver com os processos de escolarização formal. (ROCHA, 2017, p. 70).

Tendo mostrado suficientemente como a falta de sentido histórico é um aspecto importante na avaliação da atualidade da Pedagogia do oprimido , Rocha se dedica a auscultar a epistemologia sugerida nas considerações de Freire acerca da estruturação do conhecimento. Não se vai longe: citadas algumas passagens, ficamos sabendo que as importantíssimas fontes de saber que são memória e testemunho são ali desprezadas, dando-se a entender “que quando alguém nos conta alguma coisa não há um trabalho de conhecimento” (ROCHA, 2017, p. 71). Do que resulta uma concepção de saber que, aceitas as maneiras de encarar os fenômenos relativos ao conhecimento desde a perspectiva em epistemologia contemporânea aqui adotada, faz pouco sentido — embora se adeque à causa da época.

Ao postular uma educação libertadora que parece não atentar a elementos relevantes para uma descrição minimamente adequada dos processos de conhecimento — como a participação da memória e do testemunho de outros seres humanos na construção de diferentes tipos de saber — engasta-se na obra de Freire a ideia de que “ninguém educa ninguém”. Rocha enfatiza que esta tese foi mobilizada pelo autor no contexto de abordagem da tarefa de alfabetizar adultos. Quer parecer, portanto, que uma reterritorialização da tese para “pensar a escola, o currículo e o conhecimento em outros níveis que não o da alfabetização de adultos” (ROCHA, 2017, p. 72) implicaria alguma mudança no modo de ver a coisa. Deveríamos nos precaver de generalizar teses situadas em contextos específicos. Para que possa o leitor ele mesmo julgar se a concepção sobre o conhecimento humano que encontramos na Pedagogia do oprimido é, como pretende Rocha, demasiadamente restrita, o capítulo “Variedades do conhecimento” mostrará, articuladas, uma gama de distinções conceituais. Vendo este capítulo como uma sorte de “introdução à epistemologia para fins de desenho curricular”, e dado o atual contexto de discussões sobre o que é e como se faz currículo, talvez seja este um dos momentos mais importante de todo o livro. Para Rocha, os critérios de classificação das formas de conhecer, a que já me referi acima e que recebem uma organização gráfica bastante simpática (cf. Rocha, 2017, p. 82), devem ser incorporados ao léxico dos desenhistas de currículos. Isso se justifica na medida em que se aceita a adequação deste gênero de taxonomia diante da tarefa de projeção de distintas e plurais dimensões da formação e das aprendizagens humanas (objeto de estudo da epistemologia aqui mobilizada) nos currículos escolares. A título de amostra da articulação entre epistemologia e currículo escolar proposta por Rocha, ofereço abaixo uma importante passagem deste capítulo final da primeira parte:

A noção de conhecimento precisa de um esclarecimento simples e importante. Não podemos considerar o conhecimento humano apenas como o conjunto das afirmações verdadeiras sobre os diversos aspectos da realidade. O conhecimento tem muitas outras dimensões. As afirmações que encontramos nas diversas áreas de realizações e conhecimentos surgiram a partir do exercício de habilidades e procedimentos duramente conquistados ao longo da história da humanidade. O conhecimento não é apenas produto, é antes de tudo um processo, e a Pedagogia, de modo coerente com essa compreensão, não é um misto de teoria e prática acompanhada de consciência política. A capacidade profissional de intervenção do pedagogo não é adquirida apenas pelo estudo de teorias; ela surge da combinação disso com a formação de uma capacidade de julgamento e avaliação de situações particulares. Essas habilidades surgem no contexto de uma formação por meio de situações de conhecimento por familiaridade, ligadas ao desenvolvimento da capacidade de saber-fazer. (ROCHA, 2017, p. 85)

Além de servir também para que não se acuse o autor de proclamar uma monarquia do conhecimento proposicional, vale destacar que esta passagem participa de um argumento crítico de certas estratégias de estudo sobre currículo de teor sobremaneira sociologizante e descontrutivista, de que a Pedagogia do oprimido é exemplar. Em geral, para Rocha, elas consistem na desidratação de considerações de ordem metateórica que são imprescindíveis para bem situar e realizar o que pretendem — desmantelar as edificações erguidas a partir de nefastas relações de poder e saber, “construções sociais de x ”. Nelas também se encontra um uso “de descrições homogeneizadoras e estereotipadas da ‘ciência’, do ‘ocidental’, da ‘objetividade’, da ‘neutralidade’.” (ROCHA, 2017, p. 85) Isso posto, não é de se espantar a baixa atratividade de muitos debates sobre currículo e pedagogia no Brasil para o público do campo filosófico: enquanto a fenomenologia do conhecimento e da ciência que perpassa as estratégias desconstrucionistas permanecer tão precária como nos apresenta Rocha, parece que nosso destino guarda forte tendência a seguirmos patinando em discursos dotados de tanto sentido quanto a maior parte das experiências escolares cotidianas — sobre as quais, sabemos, incidem elementos que por óbvio ultrapassam os temas de QNE, que afinal não é um livro sobre a dimensão política da escola. Somente leituras tortuosamente motivadas podem esperar deste livro mais do que ele pretende fornecer: uma perspectiva em estudos curriculares que, posicionando o estudioso em primeira, e não mais terceira em pessoa, favoreça o resgate de uma mística mínima para a escola.

2 SOBRE A SEGUNDA PARTE: EPISTEMOLOGIA, CURRÍCULO, E UM CHAMAMENTO

Após noventa páginas de abertura, e precedida por uma parábola que conta sobre o início da derrocada da hierarquização das disciplinas no currículo escolar, a segunda parte de QNE se dedica a fazer o que apontou como ausente nas estratégias anteriormente criticadas: refletir, em perspectiva de segunda ordem, sobre as relações conceituais que mobiliza em seus argumentos. Assim, os dois capítulos desta parte do livro tematizam, o primeiro, as relações entre o campo da epistemologia e o campo do currículo; o segundo, os modos como a noção de interdisciplinaridade floresceu nos documentos e nos debates sobre desenho curricular — como solução algo mágica para o fenômeno do “professor fragmentado”. Vejamos quais os principais pontos de cada capítulo.

Em “Currículo e epistemologia”, Rocha retoma algumas questões já abordadas em outros momentos de sua obra,9 descrevendo os bons frutos que uma interação entre estas duas áreas pode gerar para ambas e, em especial, para as práticas de desenho e realização de currículo. Resgatando as perspectivas sobre currículo apresentadas anteriormente (currículo como iniciação e como mensagem ou narrativa daquilo que valoramos como passível de transmissão às novas gerações), o autor reconhece a evidência de que as práticas curriculares são objeto de disputas que envolvem a tentativa de “chegar a acordos sobre os aspectos centrais de nosso reservatório curricular” (ROCHA, 2017, p. 93). Tal reconhecimento calibra, por meio de um contraste, os aspectos sociológicos dos fenômenos curriculares com os aspectos primordiais, os que implicam “uma teoria do conhecimento, ligada ao papel da escola como uma instituição comprometida com o que temos de melhor.” ( Loc. cit .).

Da parte da epistemologia, Rocha a descreve novamente utilizando a categoria da narração: “é o estudo do conhecimento — daquilo que contamos como conhecimento, sua natureza, fontes, limites, formas etc.” ( Idem , grifos meus), e segue esclarecendo que os problemas da epistemologia são tão polimorfos quanto as variedades já exploradas. Tais problemas e variedades incluem, em um polo, temas ligados ao papel de formalismos de ordem lógica na estruturação de certos conhecimentos e, no oposto, temas vinculados aos aspectos políticos e sociais das diferentes formas de saber. Os dois campos nomeados com as palavras “epistemologia” e “currículo” podem andar juntos sem estranheza:

Isso parece ser cada vez mais necessário, na conjuntura em que vivemos, diante das muitas propostas de intervenção no currículo escolar: as pressões para a introdução de conteúdos sobre criacionismo e ensino religioso, as polêmicas sobre a base curricular nacional e as propostas de mordaças na escola. Nessa hora fala-se sobre muita coisa e pouco sobre os critérios conceituais que devem presidir as decisões de desenho curricular, menos ainda sobre a penúria de nossa cultura pedagógica, curricular e avaliativa. (ROCHA, 2017, p. 94)

Oportuna, a lembrança da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) que se segue a esta passagem não nos deixa esquecer que, a despeito das rupturas e dificuldades que vivemos, este livro participa do esforço em continuar e qualificar os debates sobre educação no país. O PNE renovou as pressões anteriores para que se pratique interdisciplinaridade nas escolas, o que supõe planejadores “boa noção das características dos domínios da experiência e do conhecimento que serão alvo do currículo” ( Idem ). Ocorre que planejar currículos interdisciplinarmente articulados exige muito mais do que tem sido feito — vide o exemplo das duas primeiras versões da BNCC para o Ensino Médio, claramente confeccionadas sem qualquer sinal de contato entre diferentes interfaces disciplinares. Diante destes fatos, e das sugestões até aqui colocadas em QNE, aparece um conjunto de nove “perguntas singelas”, das quais destaco as que dizem respeito ao tipo de unidade curricular que se pode supor, à organização curricular de diferentes disciplinas ou saberes (ou seja, dadas as disciplinas de que dispomos, pode-se deduzir uma organização implícita do currículo ou qualquer critério organizacional é externo às disciplinas?), à compreensão da estrutura conceitual de cada disciplina , e de suas relações.

Um dos esclarecimentos mais importantes no que diz respeito ao tema da interdisciplinaridade no currículo é elaborado na segunda seção deste capítulo. Trata-se da distinção entre um nível avançado, dito “de pesquisa”, e um nível mais elementar, propriamente escolar. Vale destacar que para Rocha, independentemente da perspectiva assumida, qualquer empreitada interdisciplinar precisa, por manutenção de sentido, reconhecer o respeito pelo conhecimento disciplinar. A não ser que se retorne a algum ideal absolutista de unificação dos saberes, parece que a famigerada fragmentação dos conhecimentos precisa ser recolocada, e avaliada, em seu devido lugar.

Enquanto a interdisciplinaridade à serviço da pesquisa tem a ver com o desenvolvimento de explicações de fenômenos tão complexos a ponto de exigir a associação de disciplinas existentes (e às vezes mesmo a criação de novos campos de saber, como observa Olga Pombo)10, a interdisciplinaridade a serviço da escola “é uma tarefa curricular e didático-pedagógica”:

É curricular porque pode ser antecipada nas fases de macroplanejamento, é didático-pedagógica porque sua realização efetiva na escola depende da mobilização de vontades particulares, da sensibilidade aos contextos de aprendizagem e da subordinação aos objetivos formacionais. Pense aqui, como exemplo, nas relações de dependência conceitual entre a matemática e a física, ou entre habilidades de argumentação e domínio da língua: não aprendemos a argumentar adequadamente no vazio conceitual. O interdisciplinar escolar não entra em conflito com as disciplinas e tampouco é uma panaceia contra a falta de unidade do saber e a fragmentação dos conhecimentos. Por vezes a gente esquece que “disciplina” também quer dizer “ter cuidado”. (ROCHA, 2017, p. 95)

A última observação, associada ao reconhecimento de um fato conhecido por quase todos os educadores do Brasil — o que de não somos habituados a trabalhar como equipes — o que se segue até o final do capítulo é uma reflexão instigante acerca do conceito de transmissão (lembra-se aqui do desprezo de Freire pela narração como transmissão), posto que as disciplinas escolares passam e ser vistas como “rizomas de realizações e curiosidades humanas” (ROCHA, 2017, p. 96) que merecem e devem ser transmitidas, ou traduzidas,11 para aqueles que se iniciam no mundo através da escola. Reconhecendo que os processos de transmissão de tais rizomas culturais não são passíveis de formulações canônicas satisfatórias, Rocha termina por considerar o currículo como sendo “para a educação, como um roteiro ou guião, com a diferença importante de que temos que contar a história” (ROCHA, 2017, p. 97). Este, por assim dizer, “dever curricular” deriva, na perspectiva de Rocha, de sua concordância com a filósofa que tão bem abordou o tema do caráter conservador da educação — Hannah Arendt.

O capítulo seguinte, segundo e final desta parte do livro, nos conta como e por quais motivações os documentos oficiais trazem à tona a demanda por ações curriculares interdisciplinares e contextualizadas. A história é complicada e repleta de matizes, os quais apenas insinuarei aqui. Em primeiro lugar, cabe destacar como um exemplo de complicação (por vagueza) conceitual o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de acordo com o qual as disciplinas escolares figuram no currículo como passos a serem superados por uma esperada — e entretanto jamais circunscrita ou positivamente caracterizadas — interdisciplinaridade. Em seu “segundo afloramento”, nas Orientações Curriculares Nacionais (OCN), a questão da integração e da articulação no currículo passa a ser tratada, mostra-nos a análise de Rocha, por meio de verbos como relacionar, conectar, vincular, sem no entanto diferenciarem-se os modos como propostas de inter, trans, e outros gêneros curriculares se diferenciam entre si com relação a tais ações. “As expressões surgem como um rol de reis assírios, sonoras, belas, mas magras” (ROCHA, 2017, pp. 103-4). A imagem sugerida nesta passagem certamente faz referência ao princípio de organização curricular já criticado em EFC, o princípio do presépio . De acordo com este princípio, que por inércia seguimos quase todos, cada professor, em cada escola, traz para o currículo aquilo que consegue, sem jamais se perguntar pelo que trazem os demais como contribuição para as aprendizagens dos estudantes. Após seis páginas de uma detalhada análise do modo como se compreende a interdisciplinaridade nas OCN (“O mistério da multiplicação das áreas do conhecimento”), Rocha aborda o desejo de “Resgate do uno” — exemplificado num documento de orientação curricular do estado do Rio Grande do Sul. O capítulo termina com a sugestão de que uma das melhores maneiras de evidenciar a penúria de nossos debates sobre o assunto é a defesa da tendência, autorizada por documentos como o que por último foi analisado, a uma eventual democracia epistemológico-curricular (a postulação radical de uma igualdade de direitos entre todas as disciplinas escolares, refletida na distribuição igual de horas semanais). Para sustentar a legitimidade desta evidência, o autor retoma pontos já trabalhados, como a necessidade de escrutínio de importantes pressuposições conceituais das nossas conversas sobre currículo:

Tal crença na igualdade democrática das disciplinas implicaria um conjunto adicional de crenças sobre a natureza e o papel delas no crescimento e na formação humanas. Ora, estaríamos aí no núcleo duro de uma discussão de epistemologia e currículo, no início de uma longa conversa sobre a natureza dos conhecimentos, habilidades e competências que queremos promover na escola. (ROCHA, 2017, p. 110).

Nesse ponto o leitor poderia com razão reclamar do caráter algo evasivo da sugestão de discussão sobre as relações entre epistemologia e currículo. Gostaríamos de ver como elas se refletiriam ou desdobrariam, por exemplo, em negociações sobre distribuição de horários de diferentes disciplinas, ou em discussões sobre a presença compulsória de distintas disciplinas no currículo escolar — discussão de relevância fundamental após a publicação da Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, que modifica substancialmente a estrutura curricular do Ensino Médio e seus meios de financiamento.12

Aproveitando a referência à situação atual, é oportuno ressalvar as perguntas inicialmente propostas nestas notas, relativas a um fato reconhecido no documento da ANPEd: a falta de diálogo entre gestores, formuladores de currículo (mais especificamente a BNCC — que, não custa lembrar, não é um currículo ) e os especialistas que constantemente criticam os moldes e conteúdos das iniciativas propostas em distintos documentos oficiais. Propus, então, uma leitura de acordo com a qual QNE é um esforço, eminentemente acadêmico , em responder à pergunta pela possibilidade de explicar esta falta de diálogo de modo crítico e positivo. O livro de Rocha poderia, e talvez mesmo deveria, ser lido como proposição de caminhos, alternativos ao hegemônico na academia brasileira, de diálogo entre os que tomam decisões políticas acerca da educação, os professores e gestores no chão da escola e os pesquisadores em educação. Em tempos de rupturas como as que vivemos, esta não é uma tarefa de pouca valia — embora possa ser entendida por alguns como inadequada concessão ao campo inimigo. Foi em razão desta possibilidade interpretativa — além, é claro, do que se pode identificar como estrito caroço da proposta — que, também nas notas introdutórias a este texto, caracterizei QNE como um livro contracorrente. Se o leitor com nada mais concordar, fica ao menos um chamamento para a continuidade da prosa, que se adverte cedo ou tarde inevitável: precisamos falar sobre currículo.

3 SOBRE A TERCEIRA PARTE: POR OUTRA CULTURA CURRICULAR

Feita álbum, a reunião de lembranças de que é composta a parte final de QNE organiza-se em cinco partes, ou variações, sobre os principais temas abordados anteriormente. Como explicitação de pressupostos, o final do livro atesta a legitimidade da descrição fornecida ainda na em sua Introdução, como “caderneta de campo muito pessoal” do professor Ronai.

Autorizada pela consideração de que o que foi dito até aqui serve suficientemente como descrição do contexto e da estrutura do livro — e também por julgar que estas descrições funcionam como chamado à leitura do texto aqui anotado — não apresentarei com o mesmo detalhamento os capítulos de sua parte final. O que ofereço ao leitor, a partir de agora, é uma avaliação do livro, condensada em algumas perguntas que incidem menos sobre o que nele é dito, e mais no que ele pode nos mostrar.

Começo pelo que está posto no capítulo “Quarta série de lembranças”, em que se discute com mais fôlego o tema da interdisciplinaridade escolar a partir da postura de respeito às disciplinas. Para Rocha, vivemos em um clima conceitual pautado por muitos especialistas do esfarelamento curricular, no qual ocorre um “triplo jogo de faz de conta”. Nele, manter as disciplinas implica fragmentações já insuportáveis; a escola deve visar a unificação destes fragmentos; e as áreas de saber são, ainda assim, unidades pedagogicamente operacionais. Juntos, estes três elementos tornam a situação conceitualmente insustentável, pelo seguinte:

Em primeiro lugar, a diversidade de disciplinas não é o resultado de caprichos burocráticos. Ela expressa apenas o fato trivial que cada uma das disciplinas tradicionais é uma faceta peculiar da curiosidade humana, com suas características e nuances. Em segundo lugar, não podemos confundir os anseios por um sentimento de unidade na vida de cada um de nós com a fantasia de uma unidade do conhecimento. O que isso significaria: uma mesma metodologia operacional aplicada a todas as ciências? Por fim, a pesquisa sobre a integração das disciplinas em áreas, se existe, não chega nem às escolas nem aos livros. A prática usual de uma escola é a do “cada um por si”, mas isso nada tem a ver com uma suposta falta de unidade do conhecimento humano, é apenas uma falha no trabalho de formação pedagógica. (ROCHA, 2017, p. 132)

Quadro que, reconhecido, impõe a questão sobre o que fazer — especialmente com relação à formação docente nas universidades brasileiras.13 Quanto a isto, para o autor (e para esta autora), é um fato que não podemos decidir como seguir se não entendermos como chegamos até onde estamos. Nossas principais dificuldades envolvem fatores ligados à democratização do acesso à escola pública sem a devida atenção em termos de políticas de acolhimento do “novo público”, e à consequente queda de qualidade do ensino e das aprendizagens; à ênfase desmedida em leituras sociológicas e políticas das relações educacionais, em detrimento de estudos curriculares epistemologicamente tratados; mas passam também pelo fato de que, para profissionais da filosofia, é claro que a pesquisa pedagógica prática é melhor em áreas que se dedicam há mais tempo (Ciências Naturais e Matemática, por exemplo).

Além disso, a tão falada “bacharelização” dos cursos de licenciatura em filosofia constitui um dos elementos chaves neste processo, e tarda muito em ser discutida de maneira adequada entre nós — especialmente no momento em que todos os cursos de licenciatura do Brasil estão em vias de modificar seus currículos para adequar-se à já referida Lei 13.415, à Resolução nº 02, de 1º de julho de 2015 do CNE14 e à proposta, no momento ainda não divulgada, da versão final da BNCC do Ensino Médio. Sobre “As licenciaturas”, seu futuro, Rocha afirma o predomínio do ceticismo:

A formação docente que ocorre no interior das universidades ainda não encontrou um formato adequado, mas isso pouco tem a ver com boas ou más vontades . Há fatores objetivos que concorrem para isso. O principal deles é que o ciclo de afirmação dos departamentos de conhecimento básico, que são essenciais para as licenciaturas, ainda está em curso. As melhores energias institucionais ainda se concentram na fixação da identidade profissional de cada disciplina e na construção de uma rede de pós-graduação. (ROCHA, 2017, p. 137, grifos meus)

Sublinhando as ricas experiências de formação docente (inicial e continuada) possibilitadas por importantes iniciativas dos governos anteriores (seja o PIBID, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, agora ameaçado de extinção, o exemplo), não pareceria, ao contrário, haver muita má vontade distribuída em nossos departamentos no que tange à tarefa de formar bons professores para as escolas de nosso país?

Encerro este texto de modo um pouco abrupto, alinhavando uma avaliação do livro que pretende pensar menos o que ele faz e mais o que ele ainda pode fazer , com as seguintes perguntas:

  1. Quanto ao tipo de pesquisa que nos permitiria avaliar melhor a plausibilidade da ideia e da instauração de currículos “epistemologicamente democráticos”: o que podemos somente com os conceitos destacados neste livro?
  2. Quanto ao comprometimento dos Departamentos, em especial os de Filosofia, nas discussões sobre educação: é pouco mesmo o papel das vontades, e maior o das questões “objetivas” (consolidação das identidades dos cursos de graduação e da rede de Pós-Graduação)?
  3. Nas reformas curriculares das licenciaturas, agora em curso: como podemos aplicar o que em QNE é pensado na direção da relação com a escola? Quais adaptações são necessárias para que apliquemos as críticas feitas no livro aos departamentos alheios (de Educação) sobre nós mesmos (do campo da Filosofia)?

Comentando Tolstoi, Wittgenstein disse que a compreensibilidade geral de um tópico é, no mais das vezes, dificultada pelo que “a maioria das pessoas quer ver”. Por causa disso, seguiu, “as coisas mais óbvias podem se tornar as mais difíceis de compreender. Não é relacionada ao entendimento que uma dificuldade precisa ser superada, senão à vontade” (Wittgenstein, 2000). Dadas certas dificuldades da vontade que mui provavelmente alguns de nós enfrentarão com a leitura de QNE — sejamos ou não do campo da Filosofia — só posso lembrar das palavras de outro excelso escritor, silogizando algumas delas num adágio final: em filosofia da educação, muitas vezes, o que a lida quer da gente é coragem.15

Notas

1 Professora no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

2 Disponível em: <http://www.anped.org.br/sites/default/files/resources/Of_cio_01_2015_CNE_BNCC.pdf>. Acesso em: 09 de novembro de 2017.

3 Valeria perguntar-se aqui pela ideia que fazem os críticos, de ontem e hoje, acerca do improviso na arte, invariavelmente acionada como modelo de prática a ser seguida pela pedagogia, em detrimento de modelos como as práticas científicas.

4 Estranha ideia, sobretudo se pensarmos, por exemplo, no caráter inevitavelmente normativo do uso de dispositivos como mapas, que servem para representar e fornecer orientação (a não ser que se deseje flanar sem rumo, mapas prescrevem os melhores caminhos a seguir dadas certas finalidades: chegar mais rápido ao destino, ou com mais segurança, ou pelo caminho mais agradável etc.).

5 O que, aliás, não só era de conhecimento de Paulo Freire, como foi levado em conta como audiência privilegiada da Pedagogia do oprimido , conforme se conta na seção “Os sectários de esquerda e de direita” (ROCHA, p. 69). A esta altura faz-se imperioso lembrar de “A educação depois de 1968, ou cem anos de ilusão”, ensaio no qual Bento Prado Jr. reflete acerca das transformações nas ideias sobre educação no Brasil entre as décadas de 1960 e 1980. Nosso filósofo aborda então o que chamou de “descarrilamento do pensamento progressista”, alinhavando críticas similares às que Rocha concretiza em QNE no que diz respeito a aporias que a filosofia da educação brasileira deveria, já naquela ocasião, enfrentar. Que me seja permitido sugerir ao leitor sugestionado uma visita a este belo e atualíssimo ensaio.

6 Aludo em especial a um dos poucos textos deste sociólogo traduzido do inglês para nossa pátria, “Para que servem as escolas?” (YOUNG, 2007).

7 A expressão foi emprestada de Tiago Irigaray, estudante licenciatura e bolsista do PIBID Filosofia UFRGS que, sob a supervisão da Prof.ª Rúbia Vogt, realiza sua iniciação à docência no Colégio de Aplicação da UFRGS. Tiago batizou assim o efeito de práticas didáticas — atualmente sob experimentação — nas quais os alunos respondem muito positivamente às novidades conceituais que lhes são apresentadas nas aulas de Filosofia.

8 Aprender a demonstrar teoremas, mais do que aprender a calcular, é um modo de alfabetização simbólica, de aprender a manipular diagramas e figuras, usar definições, seguir regras, imaginar movimentos e testar possibilidades de percepção e raciocínio. Somente alguma sorte de cegueira diante dos prazeres estéticos e intelectuais da matemática pode engendrar qualquer desprezo por seu ensino, ou apagar as possibilidades de articulação entre práticas matemáticas e artísticas.

9 Não somente em EFC (em especial no capítulo “Estudos curriculares e filosofia”), mas também em “Qual epistemologia? Qual currículo?” (ROCHA, 2016).

10 Em um texto que serve de excelente complemento bibliográfico a esta seção, “Epistemologia da interdisciplinaridade” (POMBO, 2008). 11 Utilizo o recurso à sinonímia possível entre traduzir e transmitir a partir da constatação de similaridades positivamente relevantes entre QNE e o precioso livrinho, há pouco publicado na França, Transmettre, apprendre (BLAIS, GAUCHET & OTTAVI, 2014).

12 O texto da lei encontra-se em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13415-16fevereiro-2017-784336-publicacaooriginal-152003-pl.html>.

13 De todas as opiniões de especialistas recentemente veiculadas sobre este assunto, destaco uma das mais recentes, de Bernadete Gatti, disponível no link a seguir. (A manchete afirma o óbvio.):  http://epoca.globo.com/educacao/noticia/2016/11/bernardete-gatti-nossas-faculdades-nao-sabemformar-professores.html.

14 Disponível em: http://ced.ufsc.br/files/2015/07/RES-2-2015-CP-CNE-Diretrizes-CurricularesNacionais-para-a-forma%C3%A7%C3%A3o-inicial-em-n%C3%ADvel-superior.pd.

15 Agredeço aos colegas César Santos, Frank Sautter, Elisete Tomazetti, Mitieli Seixas e Rogério Saucedo, pelas diversas análises e críticas que compartilhamos na tarde de debates sobre o QNE organizada pelo Departamento de Filosofia da UFSM — algumas das quais foram incorporadas a este texto.

Referências

BLAIS, Marie-Claude & GAUCHET & OTTAVI, Dominique. Transmettre, apprendre . Paris: Stock, 2014.

POMBO, Olga. Epistemologia da interdisciplinaridade. Revista do Centro de Educação de Letras da Unioeste — Campus de Foz do Iguaçu , vol. 10, n. 1, pp. 940, 2008.

PRADO Jr., Bento. A educação depois de 1968 ou cem anos de ilusão. In: ______. Descaminhos da Educação. Pós — 68. São Paulo: Brasiliense, 1980. pp. 9-30.

ROCHA, Ronai Pires da. Ensino de filosofia e currículo . Petrópolis: Vozes, 2008.

______. Qual epistemologia? Qual currículo?. In: SECCO, Gisele Dalva (Ed.) Epistemologia e currículo: registros do II Workshop de Filosofia e Ensino . Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008. pp. 95-132.

______. Quando ninguém educa: questionando Paulo Freire . São Paulo: Contexto. 2017.

YOUNG, Michael. Para que servem as escolas?. Educação e Sociedade . Campinas, vol. 28, n. 101, pp. 1287-1302, 2007.

Gisele Dalva Secco1 – Professora no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Brasil. E-mail: gisele.secco@ufrgs.br

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Pesquisa em Ensino de História / Ana M. Monteiro, Warley da Costa, Carmen T. Gabriel e Cinthia M. de Araújo

Abordando diferentes perspectivas teórico-metodológicas e múltiplas abordagens epistemológicas, o livro ora resenhado é uma coletânea composta por 16 artigos, contando com uma apresentação elaborada pelas organizadoras – Ana Maria Monteiro, Carmen Teresa Gabriel, Cinthia Monteiro de Araújo e Warley da Costa – e um prefácio de Circe Fernandes Bittencourt. Ao longo do trabalho, predomina a marca institucional do lugar de pertencimento dos autores envolvidos, pois estes integram o Núcleo de Estudos de Currículo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ), sendo em sua maioria também vinculados ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino de História (LEPEH/UFRJ). Essa especificidade confere coerência interna, apesar da heterogeneidade nos pontos de vista, em torno de uma questão-chave: o reconhecimento desse campo de pesquisa como fronteira permeável em que referenciais de ambas as áreas – Educação e História – encontram-se articulados.

Há grande diversidade temática entre os artigos, alguns dos quais são extratos de pesquisas de mestrado e doutorado no âmbito NEC/LEPEH. Entre os vinte autores e autoras da coletânea há, também, grande diversidade no que tange à filiação institucional: são docentes do Ensino Superior, docentes da Educação Básica, pesquisadores; doutores, mestres, graduados, mestrandos e doutorandos.

O conjunto de textos reunidos no livro oferece subsídios consistentes para a discussão dos impasses epistemológicos contemporâneos e apostas políticas no cenário da educação básica pública, particularmente no campo de ensino da referida disciplina, compreendido como um espaço de disputas e variadas possibilidades investigativas.

A proposta explicitada pela obra contribui substancialmente para o adensamento do debate acadêmico atual, propondo novas perspectivas com base no olhar de pesquisadoras e pesquisadores em relação ao “espaço-tempo de fronteira” entre Educação e História, ambiente no qual se reconfiguram distintas interpretações a partir das interações dialéticas entre os dois campos de saber. Dessa forma, a publicação reúne análises diversificadas sobre currículo, teoria, ensino, historiografia, livro didático, tensionamentos políticos e identitários, legislação educacional, experiências e saberes docentes e demandas sociais, entre outros aspectos inter-relacionados ao “fazer pesquisa” em História escolar.

O propósito central das discussões converge para o enfrentamento dos dilemas político-institucionais ligados ao reconhecimento e valorização do potencial da escola pública como lócus privilegiado de difusão e democratização de bens culturais, incluindo o conhecimento científico. E paralelamente, está vinculado a uma intencionalidade, a um posicionamento político em defesa da função social do conhecimento histórico como instrumento cognitivo relevante para a significação de nossas experiências temporais diante das exigências do momento presente. Ao mesmo tempo, assume um desafio epistemológico, articulando campos distintos e mobilizando discursos da historiografia, das teorias do currículo, da didática e da pedagogia que construam sentido e legitimidade para o ensino da disciplina de História.

Os textos foram organizados em três blocos temáticos intitulados, respectivamente, “diálogos teóricos possíveis”; “aula de História como espaço-tempo de fronteira” e “livros didáticos de História e pesquisa em ensino de História – múltiplas apropriações”.

A primeira parte compõe-se de cinco artigos que discutem a relação entre História e Educação, enfatizando seus aspectos teórico-metodológicos com centralidade no debate epistemológico. O texto de abertura, “Currículo de História e narrativa: entre desafios epistemológicos e apostas políticas”, das organizadoras Ana Maria Monteiro e Carmen Teresa Gabriel, convida à reflexão sobre os sentidos de narrativa, suas possibilidades e limites epistemológicos para problematização de questões educacionais contemporâneas, dialogando com referenciais pós-críticos, com destaque para Stuart Hall, bem como fundamentando-se no paradigma narrativista (Hartog e Ricoeur). Em seguida, Fernando de Araújo Penna nos apresenta “A Relevância da Didática para uma Epistemologia da História”. O autor propõe uma discussão teórica sobre a epistemologia da disciplina, para além do campo de produção acadêmica, destacando a relação desses saberes com um espectro social mais amplo. Partindo de um viés historiográfico, Penna sugere uma nova apropriação do conceito de operação historiográfica tecido por Certeau, articulando-o ao conceito de transposição didática proposto por Chevallard para estabelecer uma conexão entre Epistemologia e Didática, em um movimento de deslocamento da produção de conhecimento histórico escolar para o âmbito da operação historiográfica, tornando Didática e Epistemologia “indissociáveis” (p.50).

Os três artigos subsequentes introduzem outras perspectivas de articulação entre História e Educação, possibilitadas pela análise do currículo e da trajetória dessa disciplina no contexto escolar brasileiro. Em seu trabalho intitulado: “A História e os Estudos Sociais, entre tradição acadêmica e tradição pedagógica: o Colégio Pedro II e a reforma educacional da década de 1970”, Beatriz Boclin Marques dos Santos estuda o impacto e as resistências da Lei de Diretrizes e Bases 5.692/1971 no currículo daquela instituição, onde, a despeito da orientação legal, a disciplina História manteve-se como disciplina autônoma.

Investiga as características da dinâmica curricular da disciplina Estudos Sociais imposta em 1971 e suas implicações para o ensino de História, referenciando- se nos “padrões de estabilidade e mudança” propostos por Ivor F.

Goodson. O trabalho de Rodrigo Lamosa, “O ensino de História e as transições paradigmáticas no contexto da nova regulação do trabalho docente” traz importantes considerações sobre as transformações no ensino de História e nas condições e formas de regulação das atividades profissionais docentes nessa área, a partir do período de redemocratização. Lamosa demonstra que as avaliações externas e as parcerias empresariais têm empurrado o ensino de História a uma pedagogia tradicional, posto que “os modelos baseados no adestramento dos alunos para a realização dos exames estão sendo difundidos pelas escolas” (p.77).

Posteriormente, Marcele Xavier Torres e Marcia Serra Ferreira, no artigo “Currículo de História: reflexões sobre a problemática da mudança a partir da Lei 10.639/2003”, tecem, em diálogo com Hannah Arendt, considerações a respeito da inserção do componente História e cultura africana e afro-brasileira, avaliando seus impactos para o ensino de História. As autoras reconhecem a importância de instrumentos legais, mas afirmam a sua insuficiência na mudança de uma tradição eurocêntrica se a tradição expressa na cultura escolar não for, ela própria, objeto de mudanças.

Nos cinco textos reunidos no segundo bloco da coletânea, o foco principal está na análise das relações discursivas estabelecidas entre sujeitos do processo ensino-aprendizagem e conhecimento histórico escolar. Abrindo essas discussões encontra-se o artigo “Identidades Sociais: produção de sentido nas enunciações de uma docência”, no qual Ana Paula Taveira Soares apresenta resultados de sua pesquisa empreendida no mestrado sobre currículo e linguagem nas negociações de sentidos que constituem, qualificam e transformam as marcas identitárias presentes nos discursos dos docentes em suas aulas de História, enquanto práticas discursivas sociais. No artigo seguinte, “A produção de sentido na História ensinada e sua relação constitutiva com o espaço- -tempo”, Patrícia Bastos de Azevedo reflete sobre a História ensinada, as contingências e os constrangimentos que permeiam esse tempo-espaço composto por múltiplas forças histórico-sociais que compõem a cultura escolar e limitam/ delimitam a ação do professor, compreendido como protagonista desse processo, assim como o aluno é o agente central da História aprendida.

Partindo das potencialidades dialógicas entre ensino de História, a teoria do discurso de Laclau e Mouffe e os aportes da transposição didática de Chevallard, Warley da Costa, no texto “Currículo de História e produção da diferença: fluxos de sentido de negro recontextualizados na História ensinada”, analisa as configurações das narrativas históricas produzidas pelos discentes na realização de uma atividade proposta em sala de aula para alertar sobre a necessidade de deslocar “leituras dicotômicas e conservadoras de mundo” (p.144), que reatualizam discursos racistas, a despeito do alargamento da presença de conteúdos não binários sobre o tema. Costa evidencia esse espaço como território curricular de lutas político-identitárias que envolvem as relações étnico-raciais contemporâneas. Márcia Cristina de Souza Pugas apresenta o texto “Currículo, Diferença, Identidade e Conhecimento Histórico Escolar”, o qual compreende parte da pesquisa de mestrado da autora em que investiga os conhecimentos históricos escolares pelo viés da cultura e da diferença, sob o enfoque das negociações acerca dos sentidos de brasilidade mobilizados por alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, utilizando como arcabouço teórico os estudos culturais pós-coloniais e o repertório analítico da crítica do discurso. Concluindo esse bloco, o texto de Daniel de Albuquerque Bahiense, “Articulações hegemônicas na construção discursiva sobre bons alunos de História” aborda a relação estudante/professor/conhecimento histórico, pensada na interface currículo, conhecimento e identidades sociais discursivas. O pesquisador procura entender como são fixados sentidos provisórios sobre “bons alunos de História” e o conhecimento histórico escolar.

O terceiro e último bloco, formado pelo encadeamento de seis textos, articula-se em torno da questão do conhecimento escolar e a escolha/produção do livro didático da disciplina. Em “Narrativas do ‘outro’ no currículo de História: uma reflexão a partir de livros didáticos”, Adriana Soares Ralejo e Érika Elizabeth Vieira Frazão examinam como são abordados os conteúdos sobre História e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas obras didáticas, após a promulgação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. No texto seguinte “‘Brasil: uma História dinâmica’: desafios didáticos no Ensino de História”, partindo das articulações entre ensino de História e historiografia, os autores Ana Maria Monteiro, Adriana Soares Ralejo e Vicente Cicarino avaliam as mediações didático-culturais promovidas pelo livro didático Brasil: uma História dinâmica, publicado e utilizado na década de 1970. No terceiro texto, “A Revolta dos Malês nos livros didáticos de História e a Lei 10.639/2003: uma análise a partir da ‘epistemologia social escolar’”, os autores Luciene Maciel Stumbo Moraes e Wallace dos Santos Moraes estudam a presença dos conteúdos referentes ao movimento rebelde de 1835 em livros didáticos de História, tomando como aporte as contribuições teóricas da epistemologia social escolar, entendendo a inclusão desse conteúdo como desdobramento de um processo mais amplo de questionamento social a respeito da disputa de sentidos e memórias no âmbito da história ensinada consubstanciado pela implantação da Lei 10.639/2003.

Os três últimos artigos abordam questões relacionadas à história do tempo presente. Cinthia Monteiro de Araujo, no texto “Por outras Histórias possíveis: construindo uma alternativa à tradição moderna”, compara duas obras didáticas com abordagens diferentes – a História Temática e a História Integrada – para perceber as tensões entre a tradição e as visões alternativas de articulação temporal dos processos históricos. Conclui alertando sobre os perigos de uma tradição curricular de História única e eurocêntrica, apoiada na perspectiva temporal linear e progressiva, ainda vigente em grande parte das escolas brasileiras. Com base em Hartog e Koselleck, destaca a necessidade de investimento em novas práticas pedagógicas abertas a uma concepção pluralista que envolve múltiplas narrativas, temporalidades e espacialidades. No quinto capítulo da Parte III, “Currículo de História e Projetos de Democratização: entre memórias e demandas de cada presente”, Carmen Teresa Gabriel e Érika Elizabeth Vieira Frazão analisam as transformações nos sentidos de conceitos como democracia e cidadania no decorrer das décadas posteriores à redemocratização, utilizando, para isso, três edições de um mesmo livro didático. Encerrando o bloco, o artigo “Demandas do tempo presente e sentidos de cidadania: redefinições e deslocamentos no currículo de História (anos 1980 x anos 2010)”, cujos autores, Diego Bruno Velasco e Vitor Andrade Barcellos, analisam diferentes edições de uma mesma obra com o objetivo de identificar os deslocamentos no sentido de cidadania provocados pelas mudanças nas demandas sociais.

Pesquisa em Ensino de História apresenta, assim, um leque de perspectivas para quem se interesse pela área e suas faces de contato com a Historiografia, a Teoria e a Filosofia da História, os estudos sobre currículo, identidades e contemporaneidade. Os artigos amalgamados na obra acrescentam elementos para reflexão e abordagens paradigmáticas apoiadas nos repertórios crítico e pós-moderno, possibilitando o aprofundamento de perspectivas teórico-metodológicas e epistemológicas que articulam aspectos da teoria do currículo e da historiografia. Contribuem, também, para pensarmos a escola real e seu dia a dia, tanto pelos instrumentos didáticos quanto pelos seus sujeitos – docentes e discentes e seus saberes – desvelando-se, na visão dos autores, como um espaço repleto de contradições, mas, fundamentalmente, de possibilidades.

Como bem aponta Circe Bittencourt em seu prefácio, os temas e problemas apresentados pela obra “se abrem para formulações relevantes sobre as relações entre escola, cultura e poder” (p.19), o que para os autores traduz-se no comprometimento com a dimensão política desse campo, principalmente no tocante ao atendimento das demandas sócio-históricas do tempo presente, que constantemente mobilizam seus pesquisadores a questionar, reavaliar e reinventar o papel da História como componente curricular da educação básica.

Em tempos de ataques à História como disciplina escolar e de tentativas de criminalização da autonomia docente, o Ensino de História e a sua pesquisa transformam-se em arena fundamental na defesa dos valores democráticos e da diversidade, objetos privilegiados do campo a que nos dedicamos.

Isabelle de Lacerda Nascentes – Professora de História da rede pública do estado do Rio de Janeiro (Seduc/RJ); aluna do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ProfHistória/ UFRRJ). Seropédica, RJ, Brasil. isanascentes@hotmail.com.br.

Sérgio Armando Diniz Guerra Filho – Doutor em História Social. Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Cachoeira, BA, Brasil. sadgfilho@gmail.com.


MONTEIRO, Ana Maria; COSTA, Warley da; GABRIEL, Carmen Teresa; ARAUJO, Cinthia Monteiro de (Org). Pesquisa em Ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2014. 280p. Resenha de: NASCENTES, Isabelle de; GUERRA FILHO, Sérgio Armando Diniz. Ensino de História e Currículo: interfaces teóricas e metodológicas. Revista História Hoje, v. 4, nº 8, p. 315-321 – 2015.

O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos – RAMOS (HCS-M)

RAMOS, Aura Helena. O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: Quartet,2011. 195pp. Resenha de: COSTA, Hugo Heleno Camilo. Um convite ao lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 21 n.2 Apr./June 2014.

Inicio este texto com a ideia derridiana de disseminação. Para o filósofo franco-argelino (Derrida, 2001), a disseminação, diferentemente da polissemia, produz uma infinidade de sentidos, tornando impossível o acesso à origem do pensamento, do conhecimento. Essa concepção é um convite que a produção derridiana nos faz para pensar os desdobramentos generativos da interpretação, e é com essa deixa que, neste breve texto, convido à leitura do disseminador livro O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos, de Aura Helena Ramos.

A dívida assumida ao ler/resenhar um livro é impagável e sempre uma injustiça, porque há, de praxe, traição interpretativa, violência para com discussões singulares e importantes, que são muitas ao longo do livro e que não cabem neste contexto. Defender uma vigilância na leitura/apresentação do texto, ou um melindre para com esta resenha, é, entretanto, tão importante quanto desnecessário, porque é impossível a precisão total, o controle absoluto sobre o entendimento do leitor deste texto, que já é uma supervisão. Dominar o pensamento da autora é a impossibilidade que nos cabe. Estar na interlocução, por meio da leitura do livro, é, de todas as maneiras, a possibilidade parcial que o papel de leitor viabiliza.

Meu convite se dá, então, na interpretação de que o livro em questão é um trabalho com potência para disseminar novos sentidos no âmbito das discussões sobre currículo para a Educação em Direitos Humanos (EDH) e, em seu dinamismo, instabilizar muitas questões que, frequentemente, tendem a ser supostas como fundamentais. Termos como o humano, diversidade, igualdade e direito, perdem, pelo trabalho de Aura Ramos, seu status de pressupostos e são submetidos à crítica pós-estrutural e pós-fundacional a partir de um olhar atento à diferença.

Assumindo como problemática central a necessidade de uma reconceptualização do que se entende por “direitos humanos” e, especificamente, EDH, a autora se volta para a necessidade de operar uma densa discussão no campo em foco a partir dos estudos da diferença. Uma leitura de diferença como produção discursiva, produção cultural, como enunciação. Leitura que, articulada pela autora no campo discursivo da EDH, lhe permite defender tais direitos como não estando fixados em seus sentidos, como não sendo objetos de conhecimento a difundir nas escolas, mas como produção diferencial escolar.

Para Ramos, mais importante e produtivo do que pensar a EDH de um ponto de vista normativo e de regulamentação da vida escolar, é operar com a leitura de que se constitui em experiência a ser construída, uma ética própria a ser performada, produzida, desenvolvida na relação com a diferença, com o outro. Isto é, assumir o conflito e a assimetria como meio de também enfatizar a dimensão política que caracteriza a vida social e oportuniza a circulação de sentidos provisórios.

Para a defesa de uma ética da diferença no currículo para a EDH, Aura Ramos empreende uma escavação nos pressupostos que dão base às discussões sobre o tema. A autora se volta para as construções discursivas nas políticas sobre EDH instalando um constrangimento no caráter de verdade última a que se pretendem as visões críticas e liberais, que colonizam as discussões sobre direitos humanos. Dessa forma, longe de pretender colaborar para a manutenção de tais verdades, assume um exercício de desconstrução dos discursos modernos, dos quais derivam diferentes visões a respeito desse tema.

Em seu trabalho de crítica ao embasamento moderno das discussões em torno dos direitos humanos, Ramos focaliza os discursos liberal e crítico, chamando a atenção para o fato de que, embora também se desenhem como críticas aos princípios e valores modernos e se oponham entre si, não deixam de operar no mesmo registro e de aspirar à condição de verdades inquestionáveis. Tais construções, segundo a autora, favorecem uma perspectiva violenta para com sua leitura de cultura e diferença, constituindo-se em críticas que tendem a suavizar o conflito, o dissenso, a relação com o outro, a produção cultural híbrida que compõe o currículo para a EDH.

Sem negligenciar um interessante diálogo sobre cultura e globalização, com autores como Vera Candau e Boaventura de Souza Santos, Ramos parte de uma afirmação radical da diferença, apoiando-se, para isso, nos estudos pós-críticos de Bhabha, Laclau e Mouffe. Com base nas perspectivas teóricas desses autores, vai focalizar o significante/nome vazio “direitos humanos” a partir das ideias de “universal” e “igualdade”, que tendem a favorecer a subordinação do “outro”, impondo-lhe o “mesmo” como condição para ser. Dito de outra forma, a autora busca pensar as ideias mencionadas em suas potencialidades de se constituir como padrões e verdades. E, como decorrência de tal construção universal, focaliza a tensão entre “igualdade” e “diferença” no âmbito escolar. Tensão que coloca a escola como lugar privilegiado para a socialização dos saberes elaborados, considerados universais, cuja finalidade seria a formação do cidadão, que, uma vez alcançada, levaria à igualdade social, à justiça social. É justamente na universalização de um modelo de cidadão, de humano, e, portanto, de educação, de valor, que se configura o alvo das críticas na obra de Ramos.

Em seu ritmo, a autora analisa os diferentes sentidos atribuídos à expressão “direitos humanos”, chamando a atenção para o conflito em torno de sua significação. Para isso, retoma marcos das discussões de um contexto social mais amplo, atentando para questões como a globalização e a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), através da difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na tentativa de estabilização de uma visão universal de direitos humanos. Focaliza também, produções acadêmicas que tratam do tema, bem como lança mão de textos de entrevistas realizadas com lideranças nacionais que atuaram na produção de documentos de grande repercussão na definição de políticas de currículo para a EDH, tais como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2003) e Subsídios para a elaboração das diretrizes gerais da Educação em Direitos Humanos (Dias, Nader, Silveira, 2007).

Tendo em vista tais documentos e pautada na teorização de Laclau e Mouffe, Aura Ramos propõe pensarmos as diferentes leituras que perpassam a denominação direitos humanos no cenário dos conflitos em prol da hegemonização de sentidos, de ideias. Conflitos que, para a autora, não devem ser entendidos nos termos de um “etapismo” histórico-social, mas como movimentos que, em cada contexto específico, produzem sentidos e fixam significados provisórios e contingentes. Com base nessa discussão, a autora pondera que não há um fechamento, ou significado, último em torno desse conflito, mas somente a produção de consensos conflituosos entre diferenças, entre diferentes demandas sociais.

Como via de acesso à parte de tais conflitos, ou consensos conflituosos, que marcam a produção das políticas de currículo para EDH, a autora chama a atenção para os processos de identificação e constituição dos grupos, compreendidos como elementos de uma comunidade política, que atuam no contexto de produção dos textos curriculares de EDH. A preocupação de Ramos, no que diz respeito aos fazeres de tais grupos, não está em destacar e culpar os atores envolvidos, mas em compreender as marcas de discursos, as tentativas de representação, que são provisoriamente constituídas nos documentos produzidos.

Trata-se, em sua opinião, de interpretar tais construções textuais para além de asserções objetivas, da superficialidade do que se coloca como pleito. Segundo Ramos, na abordagem aos textos da política, importa entendê-los como resultados contingentes das tensões entre distintos projetos envolvidos na política. Isso é conceber a produção da política como embate, negociação e hibridismo de sentidos, levando à hegemonização de verdades, presenças, ausências e silenciamentos.

Destaca-se, em termos de organização metodológica, a apropriação da teoria do ciclo de políticas de Stephen Ball, com vistas a pensar a produção da política como não detentora de uma gênese, um espaço originário, mas como uma produção textual discursiva contínua, que se dá no hibridismo de diferentes sentidos, no entrelaçamento de muitas verdades tramadas na política. Sentidos e verdades que circulam tanto em um cenário social mais amplo como naqueles que, em linhas gerais, se poderiam dizer mais restritos ou associados ao campo da educação.

Como resultado de seu trabalho de análise, Ramos propõe pensarmos “direitos humanos” como um significante vazio. Um significante, um nome, disputado em sua significação por diferentes grupos e que se desdobra para a/na escola com toda a sua rasurada significação, sendo ressignificado também na própria escola. A autora ressalta, como uma problemática, o desenvolvimento de tal conflito no campo discursivo da modernidade, no qual estão em confronto os discursos liberal e crítico, que se destacam em construções jurídico-políticas projetadas, marcadamente, por um viés universalista associado às perspectivas modernas.

Chama a atenção também para os deslizamentos de sentidos, no campo da corrente crítica, que tendem, na atualidade, a produzir sentidos híbridos, associados à discussão da diferença. O que, segundo a autora, tende a sustentar uma leitura de diferença nos termos da diversidade/pluralidade, cuja pretensão está na hegemonização das ideias de convivência multicultural e tolerância. A esse respeito, Ramos coloca sua crítica argumentando sobre a permanência da cultura como objeto de conhecimento, como repertório de sentidos a ser partilhados nas escolas.

Para Ramos, no âmbito das discussões sobre a EDH, a saída via a tolerância mantém a estratégia moderna de universalização de valores particulares que nada mais são do que uma visão particular que, entre tantas outras, foi universalizada. Um universal que não é considerado verdade a ser ensinada nas escolas, algo capaz de suplantar, negligenciar ou minimizar, a diferença, o local. Justamente por não considerar tal pretensão universal como uma totalidade fixa, mas mantida por muitas articulações, a autora vai chamar a atenção, a partir de Mouffe e Bhabha, para o fato de que, além dos binarismos (liberal e crítico), o ímpeto discursivo colonial, ou seja, toda tentativa de colonização do outro, precisa negociar seu reconhecimento com a diferença, com o particular.

No entanto, apesar da consideração acima, a autora não supõe que a negociação com a diferença seja capaz de anestesiar os discursos modernos universalizados. Antes, chama a atenção para a importância de que sejam problematizadas, no âmbito do próprio discurso moderno, ideias como autonomia e diálogo, uma vez que tendem a ser pensadas a partir de decisões já tomadas, de verdades já estabelecidas. Portanto, “uma” autonomia e “um” diálogo controlados, circunscritos ao terreno das verdades modernas.

Para a autora, ainda é novo o campo de investigação em EDH e significativamente (ainda) pensado nos marcos da modernidade. Pensar os direitos humanos a partir da afirmação da diferença e não da universalidade de valores é o cerne do trabalho de Aura Ramos, desenhado como uma proposta de “abordagem agonística”, expressão cunhada nas discussões de Chantal Mouffe e que supõe a negociação contínua com o outro. Uma proposta de “diálogo e consenso conflituosos” que, segundo a autora, reiteram a provisoriedade e contingência da política, da democracia. Um diálogo que não pretende estabelecer um último vencedor, mas favorecer políticas culturais que ampliem os espaços de negociação com a diferença, que preserve a interpretação do outro, que conceba a diferença como constitutiva e inerradicável do social.

Concluo pontuando o livro de Aura Ramos como uma grande contribuição à investigação em EDH. Argumento que a singularidade de sua produção consiste, também, no convite a um recuo estratégico na relação com o modo como são pensadas as justificativas, prioridades e metas para a educação em direitos humanos. Em seu trabalho investigativo, a autora provoca uma fratura no piso em que são assentadas as propostas no campo. Uma crítica severa aos significativos movimentos políticos/discursivos que tendem a assumir como problema os meios para a efetivação de ideais acertados pela modernidade, tanto por intermédio de perspectivas liberais, como críticas. O trabalho de Ramos vem de encontro à efervescência dos movimentos em prol da difusão de valores universais, tidos como absolutos e fundamentais ao social, à educação. Valores que, pretendidos à universalidade, tendem a ser incorporados ao campo da educação sem as devidas críticas e preocupações com a originalidade do local, da escola, da diferença. É na atenção para com essas dinâmicas que reside o convite da obra de Aura Ramos. Um convite a que desloquemos o olhar moderno sobre o humano e seus direitos (na educação), para pensar nos termos do direito humano à diferença.

Referências

BRASIL. Comitê Nacional de Educação e m Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação. 2003. [ Links ]

DERRIDA, Jacques. Posições. Belo Horizonte: Autêntica. 2001. [ Links ]

DIAS, Adelaide A.; NADER, Alexandre Antônio Gili; SILVEIRA, Rosa M.G. (Org.).  Subsídios para a elaboração das diretrizes gerais da educação em direitos humanos: versão preliminar. João Pessoa: Editora Universitária UFPB. 2007. [ Links ]

Hugo Heleno Camilo Costa – Professor, Faculdade e Programa de Pós-graduação em Educação/Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: hugoguimel@yahoo.com.br

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Multiculturalismo Crítico / Peter McLaren

A partir da obra Multiculturalismo Crítico do autor Peter McLaren, destacamos nesta resenha os conceitos centrais e principais influências teóricas trazidas pelo autor. Tendo sua primeira edição publicada na América do Norte no ano de 1994, o livro é considerado ainda hoje uma das grandes obras de referência mundial em relação ao ensino multicultural. Destaca as possibilidades que o multiculturalismo crítico exerce numa pedagogia de resistência, interrogando os sistemas culturais estabelecidos em uma lógica fixa e unitária. Neste sentido, o que seria o multiculturalismo crítico? O que vem a ser uma pedagogia de resistência? Na tentativa de responder estas e demais perguntas desmembramos o trabalho de acordo com a sequência de capítulos abordada pelo autor. Analisamos dessa forma, o contexto global em que o multiculturalismo esta inserido; os diferentes tipos de multiculturalismo existentes, bem como as diversas correntes e influências das teorias pós-modernas e, por fim, tecemos nossas considerações sobre alguns pontos de sua teoria.

Introdução

Quando vasculhamos dentro dos estudos históricos, ainda nas primeiras décadas do século passado, podemos observar que somente a partir dos anos 70 com o interesse sobre a chamada “História dos Vencidos” 2, a história dos povos colonizados, como a dos povos africanos, sociedades ameríndias entre outros foram ganhando novos espaços no meio acadêmico.

Seguindo esta abertura, o multiculturalismo “nasce” imbricado nas lutas sociais3 dos anos 60, 70 e aos poucos vai se constituindo em uma proposta pedagógica no campo do Currículo. Neste momento, Peter McLaren já reconhecido como um dos principais autores da teoria da resistência4 lança em 1994 o livro ‘Multiculturalismo Crítico’ nos Estados Unidos e no ano de 1997 o publica no Brasil.

Peter McLaren é um canadense radicado nos Estados Unidos, que segundo Moacir Gadotti (2000), antes de ser professor universitário lecionou nas escolas da periferia de Toronto no Canadá, aprendendo com os filhos dos imigrantes de diferentes nacionalidades as fronteiras de um ensino multicultural.

Neste sentido, o livro teve grande repercussão marcando um mapeamento das correntes multiculturais. Mas, o que seria o multiculturalismo crítico? E, sobretudo, o que caracteriza as possibilidades de uma educação de resistência, é uma das tantas questões que o autor busca responder.

1.1 Pedagogia Crítica na idade do Capitalismo Global alguns desafios para uma educação de esquerda

Entrando no primeiro capítulo, a questão dos desafios para se vivenciar uma pedagogia crítica em contexto global é logo apresentada. Compartilhando do pensamento de David Harvey (1989), afirma que a relação capitalista expandiu seu alcance para todas as coordenadas do tempo e espaço geográfico, se transformando num espaço sem limites, onde passado e futuro encontram-se em um “relógio timex” ou em outras inúmeras possibilidades dos shoppings centers.

Mas, neste sentido, qual seria o papel da escola neste contexto de economia globalizada marcada pela sociedade de consumo? Qual sua função para uma educação crítica e de resistência?

Por pedagogia crítica ou de resistência entende-se o conceito e “chave mestra” utilizada pelo autor para designar uma práxis transformadora na sociedade e uma educação não harmônica. Em suas palavras “na medida em que o objetivo da pedagogia crítica é o de capacitar seus praticantes a falar com autoridade, enquanto perturbam a naturalização de convenções fixas(McLaren, 2000:50). Em outras palavras, é a pedagogia mais condizente com um possível multiculturalismo crítico, conceito que abordaremos mais adiante.

1.2 Multiculturalismo e a crítica Pós Moderna: por uma pedagogia de resistência e transformação

Já no segundo capítulo, o foco concentra-se em torno da crítica pós – moderna. Por teoria pós – moderna, o autor considera uma teoria com distinções entre duas tendências fortemente expressas, a primeira classifica-a como pós-modernismo lúdico e a segunda como pós-modernismo crítico ou de resistência.

Posicionando-se como um teórico de forte influência marxista, logo nas primeiras páginas do livro, o autor expõe seu desconforto a partir do que compreende como “pós-modernismo lúdico”, define-os como uma teoria que privilegia o cultural, o discursivo em detrimento da materialidade dos modos de produção levando a um relativismo epistemológico que demanda uma tolerância por uma gama de significados sem defender nenhum deles” (McLaren, 2000:51).

Por conseguinte, apresenta a “teoria pós-moderna da resistência”, mas não como forma de uma alternativa à corrente que descreve como lúdica, mas como um meio de extensões de suas críticas. Para ele o pós-modernismo de resistência “traz à crítica lúdica uma forma de intervenção materialista uma vez que não está somente embasado em uma teoria social da diferença, mas em vez disso, em uma teoria que é social e histórica” (Idem, p.68). A corrente pós – moderna de resistência, seria uma crítica intervencionista, onde as “textualidades” tornam-se práticas materiais.

Mas, em que sentido as correntes pós-modernas se relacionam com o multiculturalismo? Em que aspecto a teoria pós-moderna da resistência difere das demais concepções de diferença proposta pelas teorias liberais?

Segundo o autor, para os liberais, o conceito diversidade estaria associado à noção de um “balsamo calmante”, isto é, uma solução para “administração da crise” imposta pelas questões raciais. Mas já para os membros da teoria pós-moderna de resistência, a diferença difere do conceito de diversidade. Isto porque o conceito não é tomado superficialmente – afirma a “diferença” ser sempre incerta e polivocal, nem sempre servindo ao consenso, e, portanto um conceito não determinado por limites claramente demarcados, servindo assim, ao que chama de “multiculturalismo crítico”.

1.2 O terror Branco e Agência de Oposição: por um multiculturalismo crítico Por conseguinte, na terceira parte o eixo concentra-se na discussão sobre as diferentes concepções de multiculturalismo diferenciando-os em (1) multiculturalismo conservador ou empresarial; (2) multiculturalismo liberal humanista; (3) multiculturalismo liberal de esquerda e (4) multiculturalismo crítico. Assumindo a preocupação com o risco de uma representação monolítica, o autor adverte que seu objetivo não se estende além de uma tentativa inicial de mapear um esquema teórico.

Dessa forma, por multiculturalismo conservador é apresentado o projeto de universalização da cultura branca, respaldado nas teorias evolucionistas do século XIX. Sob este contexto, a representação da África como um “grande” e “misterioso” continente selvagem expressa uma dessas conotações imperialistas das primeiras vertentes desse tipo de multiculturalismo. Como forma de ilustrar a extenuação do racismo, o autor conta que na virada do século XIX, Joseph Moller, um menino negro de 10 anos chegou a ser exibido em um zoológico na Europa como um legítimo descendente “homoluncus africano”.

Sob outra perspectiva, já na versão de um multiculturalismo humanista liberal descreve como sua principal característica certa apropriação humanística, respaldada na crença do princípio de igualdade independentemente de questões de etnia, gênero ou sexualidade.

Diferentemente da corrente conservadora, o multiculturalismo humanista acusa o sistema capitalista de prover restrições econômicas. Defendendo assim, a mudança dessas condições, mas embasados no discurso da equivalência intelectual ente as raças, afirmando que todas podem competir “igualmente” em uma sociedade capitalista. No entanto, McLaren adverte que o fato desse caráter universal ser dotado de aspectos predominantemente brancos, eurocêntricos e referentes à cultura ocidental não é em nenhum momento colocado em questão.

De forma contrária, apresenta o multiculturalismo liberal de esquerda (uma terceira versão), que enfatiza a diferença cultural acusando a ênfase na igualdade universal de “esconder” as diferenças entre raça, gênero, classe e sexualidade.

Entretanto, critica a tendência que esta terceira corrente teria de “essencializar” a diferença como se fosse algo suspensa do processo histórico. E no mais, o fato deste multiculturalismo de esquerda privilegiar a fala de uma pessoa que possua a marca de uma identidade local, é igualmente criticado pelo autor como “um populismo elitista que se constrói na medida em que professores de bairros pobres estabelecem um pedigree de voz baseado na experiência.” (McLaren, 2000:120). Deste modo, acusa o político de estar sempre reduzido ao pessoal.

Por último, como uma alternativa apresenta o Multiculturalismo Crítico a partir de uma abordagem pós-moderna de resistência. Em suas palavras: a perspectiva que chamo de multiculturalismo crítico compreende a representação da raça, classe e gênero como resultado de lutas sociais sobre signos e significações e, enfatiza não apenas o jogo textual, mas a tarefa de transformar as relações sociais” (Idem, p.123).

Dessa forma, enfatiza que o pensamento ocidental é construído como um sistema de diferenças organizado por lógicas binárias – branco /preto, bom /ruim, e, neste sentido quando os binarismos tornam-se racial e culturamente identificados, o branco acaba por assumir a posição do ele ou do tu, onde a “branquidade” é percebida como neutra. Os signos são assim, compreendidos como parte de uma luta ideológica.

Portanto, para um currículo multiculturalista crítico, Peter sugere que os educadores levantem questões da diferença de maneira que superem o essencialismo monocultural dos “centrismos” – anglocentrismos, afrocentrismo e assim por diante, pois um multiculturalismo de resistência entende a cultura como não harmoniosa e consensual.

Considerações Finais

Considerando a tentativa de apresentar nesse breve texto, os elementos centrais referentes à obra Multiculturalismo Crítico, terminamos afirmando sua relevância. O texto da forma como conduzido, torna-se uma espécie de bússola que nos permite visibilizar as diferentes tendências multiculturalistas.

A partir desta perspectiva, o multiculturalismo crítico é definido como aquele que se recusa a ver cultura como não conflitiva, harmoniosa ou consensual. Ao longo de todo o livro, é notável sua preocupação em afirmar a influência do pensamento marxista. Portanto, defende que é necessário “não ver a diferença como simples textualidade” (Idem, p.69).

Do contrário, cabe ressaltar que já para o filósofo Jacques Derrida5, o próprio conceito de identidade traz consigo suas problemáticas, pois ao atribuir ao outro uma identidade, nós limitamos os campos de possibilidade desse outro. Contudo, a nosso ver, a concepção derridiana não reduz a idéia de diferença a “mera textualidade”. A proposta suplementa6 a busca por uma pedagogia de resistência, quando nos instiga a procurar deslocamentos e desvios possibilitando novas formas de pensar.

Assim, encerramos o artigo, consonantes com Peter McLaren quando diz que entre os muitos aspectos de sua teoria concordantes com o pós-estruturalismo está, o fato, de que a língua não é apenas um reflexo passivo da cultura e, portanto, no caminho para uma pedagogia crítica cabe buscar uma educação que interrogue os discursos racistas, xenófobos e machistas.

Notas

  1. OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Ed. Museu Histórico Nacional. UFRJ, 1999.
  2. De acordo com Vera Candau (2002) as “raízes” do multiculturalismo podem ser encontradas nos movimentos sociais, mais especificamente nos movimentos étnicos que ocorreram nos Estados Unidos durante a década de 60 quando estudantes, líderes religiosos e negros do sul resolveram levar adiante a luta por igualdade de exercício dos direitos civis.
  3. Segundo Lopes e Macedo (2011) as teorias da resistência são desenvolvidas por diferentes autores nos Estados Unidos e na Inglaterra entre os fins dos anos 1970 e início dos anos 80. No Brasil, as teorias da resistência ocupam debate crítico no campo do currículo nos anos 80.
  4. Jacques Derrida é descrito por Peter McLaren como um dos autores pertencentes à corrente que intitula como “pós-modernismo lúdico”. Contudo, para alguns campos da Filosofia o pertencimento do Derrida é algo ainda muito polemizado, considerado por alguns como pós-estruturalista, e, por outros somente como filósofo da diferença.
  5. Para Derrida, por suplemento entende-se um “algo a mais”, isto é, um suplemento, mas que não se constituirá jamais em outro centro ou em mero complemento, de vez que sua função é a de suprir, transitoriamente. Afinal, a suplementaridade vai marcar-se por um mesmo diferido e, por isso, é incapaz de complementar.

 

Referências Bibliográficas

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003.

CANDAU, Vera. Educação Multicultural: tendências e propostas. In: Candau, V. (Org.). Sociedade, Educação e Cultura(s): questões e propostas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Trad. Maria Beatriz da Silva, São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002.

__________. Posições. Trad. Maria Correia Cavalcante. Lisboa: Ed. Plátano, 1975.

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, E (Orgs.). Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 2000.

OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Ed. Museu Histórico Nacional. UFRJ, 1999, Jun. 2006.

Danielle Bastos Lopes – Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro PROPED- UERJ e mestre em História Social PPGHS-UERJ.


MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 2000. Resenha de: LOPES, Danielle Bastos. Multiculturalismo crítico: uma aproximação. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.21, 205-210, ago./dez., 2012. Acessar publicação original. [IF].

Currículo, território em disputa – ARROYO (ES)

ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis: vozes, 2011. 374p. Resenha de: FAFVACHO, André Picanço. O que há de novo nas disputas curriculares? Educação & Sociedade, Campinas, v.33 n.120  jul./set. 2012.

A concepção de currículo como campo de disputa não é nova, pois veio à tona, internacionalmente, nos anos de 1970 e, no Brasil, nos anos de 1980. Revelou-se, desde então, um importante balizador para a análise das relações de poder que envolvem os currículos. O próprio professor Miguel Arroyo contribuiu fortemente para o debate dessa época.

Se o referido tema não é novo, qual é o acréscimo que traz o último livro de Arroyo, Currículo, território em disputa? O autor destaca que o currículo não é apenas território de disputas teóricas. Quem disputa vez nos currículos são os sujeitos da ação educativa: os docentes-educadores e os alunos-educandos. Os professores e alunos não se pensam apenas como ensinantes e aprendizes dos conhecimentos dos currículos, mas exigem ser reconhecidos como sujeitos de experiências sociais e de saberes que requerem ter vez no território dos currículos.

Arroyo aponta ainda duas novidades: 1) o currículo oficial está cada vez mais pressionado pelos coletivos populares, que exigem o direito de ver suas narrativas também pronunciadas pela escola; 2) entretanto, esses coletivos, por sua vez, não lutam mais pela escolarização em si; aos poucos passaram a entender que o processo de sua afirmação como sujeitos de direitos não se dá exclusivamente pela escola (promessa apregoada por muito tempo). Agora, a luta é por pertencimento social amplo, por acesso aos bens materiais e culturais, simbólicos e memoriais, na diversidade de espaços sociais, onde o direito à escola adquire outra relevância. Assim, os coletivos populares, embalados por um amplo movimento de afirmação, inverteram a antiga lógica: articulam o seu direito à escola à conquista e ocupação de outros espaços e, com isso, pressionam o currículo oficial para incorporar o resultado de suas lutas.

Isso não significa que o currículo oficial perdeu sua força controladora, mas sim que algo realmente forte inaugurou-se: a possibilidade de que as histórias-memórias dos diversos sujeitos sejam contadas, ainda que por meio de outras linguagens. Assim, não se trata de uma vitória final dos coletivos populares sobre o Estado, mas de uma nova estratégia de luta que tem alterado o lugar da escolarização na visão desses coletivos, e também na visão da academia, que vendia a ideia de que a escolarização retiraria os brasileiros da subcidadania. Também não se trata de uma prática completamente difundida e consolidada entre os professores, mas apenas de um desenho alternativo de currículo onde os saberes da docência tenham vez.

Obviamente, a escola continua importante para esses sujeitos, mas os saberes, as conquistas, as experiências e tudo mais que as novas lutas são capazes de produzir podem, estrategicamente, se converter em prática curricular, em conteúdo político, em ato a ser valorizado dentro da escola. Tal situação tem ameaçado fortemente o currículo oficial, uma vez que se vê brotar no seu interior algo maior que ele mesmo: a inesperada ação dos movimentos sociais que adentra os processos de escolarização por outra via: a do acesso pelo direito. Isso justifica a forte reação estatal: Parâmetros Curriculares Nacionais, Provinha Brasil, Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Diretrizes Curriculares Nacionais, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), entre outros; tudo com o intuito de reforçar o caráter conteudista e cognitivista da escolarização, bem como retirar o poder da nova estratégia, essa que une saberes, direito e escolarização.

Para ilustrar as questões apresentadas até aqui, me remeto, parte a parte, ao livro de Arroyo.

Na primeira parte, intitulada “Os professores e seus direitos a ter vez nos currículos – autorias, identidades profissionais”, Arroyo acredita que a atividade do professor não se reduz, de forma alguma, a validar o controle das instâncias superiores sobre a escola. Entretanto, essas instâncias tiveram o poder de bloquear a arte de educar dos professores, isto é, de governar o campo das possibilidades de se ensinar de outras maneiras, com práticas inventadas, criadas e imaginadas pelos professores, ou seja, bloquearam a autoria profissional do professor e seus saberes docentes. Para o autor, dois grandes momentos históricos foram responsáveis, no Brasil, por esse bloqueio: a ditadura de 1964 e as atuais políticas neoliberais; ambas produziram a secundarização da autoria docente, substituindo-a por controles de mercado e controles científicos, com o intuito de matematizar e estatistizar os resultados escolares através de modelos de competências, reduzidos ao treinamento e fórmulas descontextualizadas de metas avaliativas. Contudo, para Arroyo, a autoria docente não foi totalmente eliminada, uma vez que a arte de educar não se separa do mundo da vida, das práticas reais das pessoas, de suas mazelas, de seus desejos. Embora alguns queiram negar essa relação, não se pode desconsiderar que são os eventos sociais, culturais e políticos que convocam a docência para a ação. E é isso que desbloqueia a arte de educar ou a autoria docente.

segunda parte do livro, “Os saberes do trabalho docente disputam lugar nos currículos”, denuncia que, lamentavelmente, contra os avanços de se educar partindo das vivências humanas ou desumanas dos sujeitos, vê-se nascer, nos dias de hoje, financiada pelas reformas educacionais, a função aulista do professor. Tal fato substitui a necessária função educadora da docência – que é a própria arte de educar – pelo frio cumprimento de metas do ensino por competência e de avaliação de resultados. Isso ocorre porque as políticas públicas da educação entendem que os saberes daqueles que frequentam a escola pública são desqualificados, sem crédito, sem valor; são saberes pobres, de pobres; pretendem educar os alunos para a empregabilidade, para esse tipo de trabalho que mais desumaniza do que humaniza. Para Arroyo, infelizmente, perdemos a possibilidade de substituir esse trabalho embrutecido e embrutecedor por um trabalho cujo princípio é a transformação do homem para que ele se integre à vida, ao mundo, enfim, às práticas sociais; perdemos a oportunidade de educar a partir do trabalho cujo princípio é educativo. O trabalho como princípio educativo é, para Arroyo, o elo perdido dos saberes docentes, mas também o elo a ser encontrado.

Na terceira parte do livro, Arroyo defende a tese de que “Os sujeitos sociais e suas experiências se afirmam no território do conhecimento”, isto é, apesar de haver o impedimento às experiências sociais para se integrarem ao conhecimento considerado legítimo, os coletivos sociais mostram que os saberes têm, sim, sua origem na experiência social e não apenas na artificialidade das questões epistemológicas. Se isso for negado ou ignorado, produziremos, além de injustiça social, uma injustiça cognitiva, diz Arroyo, citando Zygmunt Baumn. Manter essa separação entre experiência social e conhecimento legítimo é sustentar a brutal hierarquização dos saberes, é desperdiçar experiências sociais, é desconsiderar que todo conhecimento tem sua origem na experiência social; é, enfim, empobrecer os currículos pela negação das experiências sociais e da sua diversidade.

Na quarta parte do livro, “As crianças, os adolescentes e os jovens abrem espaços nos currículos”, o autor apresenta duas questões potentes para esse debate. A primeira é que a pedagogia, a partir das novas vivências das crianças e jovens, foi interrogada na sua visão messiânica, romântica de criança e promotora de destinos, dando lugar a outra pedagogia capaz de (1) revelar às crianças-adolescentes suas próprias configurações na realidade, uma vez que hoje se torna cada vez mais difícil separar infância de adolescência, cabendo à pedagogia se interessar por esse “hífen” que não separa, mas une; (2) traduzir o perverso e tenso real vivido por essas infâncias, posto que elas não mais acreditam nas antigas ilusões que a pedagogia, por vezes, ainda tenta sustentar; (3) revelar às crianças-adolescentes seus direitos negados.

A segunda questão reside no embate entre as concepções inovadoras e as concepções conservadoras para a educação da infância e adolescência. Vê-se nascerem propostas cada vez mais propedêuticas, sequenciais, lineares e etapistas, enfim, propostas pobres de experiências, competindo com propostas ávidas por revelar o humano nomeado através da palavra, o que, em termos educacionais e benjaminianos, poderia ajudar a criança a saber mais de si, nomear-se, revelar-se e revelar o outro. No que concerne especificamente aos jovens, eles já sabem, e não se deixam mais enganar que serão incluídos socialmente por meio da escolarização. Já sabem que, para que essa velha promessa possa se efetivar, o lugar-escola, os tempos, os espaços, a organização e a estrutura escolar deveriam se alterar e nada se alterou. Sabem que são vistos como Outros “in-incluíveis“, ou seja, aqueles que não sabem reconhecer os esforços do poder público para a melhoria de sua educação. Mas, quais são mesmo os esforços? Os jovens resistem a conviver em um sem-lugar, isto é, resistem a habitar em um espaço que, em qualquer momento, foi para eles pensado.

Na quinta e última parte do livro, Arroyo se ocupa com “O direito a conhecimentos emergentes nos currículos”. Indigna-se com o fato de que as crianças-adolescentes “passarão anos na educação fundamental, complementarão a educação média e sairão sem saber nada ou pouco de si mesmos” (p. 262). Arroyo preconiza que saber de si é reconhecer-se vivo numa temporalidade, espacialidade e memorialidade específicas. Pode ser, também, saber-se sem-lugar e reivindicar valorizado o que foi tomado como desvalor; não apenas para ter o reconhecimento do outro, mas para ter o direito de contar a própria história, a exemplo dos coletivos afrodescendentes, indígenas e quilombolas. Pode ser, ainda, a capacidade pedagógica dos docentes de escutarem esse saber de si, auxiliando esses coletivos com novas propostas pedagógicas. Um exemplo: o tempo dos coletivos marginalizados não é o mesmo tempo da escola; o tempo deles é o aqui e agora, enquanto o da escola é o futuro. Não seria o caso de a escola praticar o tempo presente, que não é um nem outro tempo, mas o reconhecimento de como outras identidades foram parar no esquecimento, propondo que esses coletivos libertem seus saberes da condição folclórica a que foram submetidos? O que está em jogo na luta pelo saber de si mesmo é (des)romantizar a pedagogia e, portanto, os sujeitos da pedagogia: professores e alunos; acordá-los desse sono durante o qual se acredita, erroneamente, que cada um nasceu para o que é.

Para finalizar, é bom lembrar que o livro de Arroyo é rico em exemplos de didáticas de reconhecimento de sujeitos, isto é, de didáticas mais radicais e mais significativas para a docência de hoje.

Desejo a todos uma ótima leitura e que cada um possa apreciar os escritos de Arroyo a sua maneira.

André Picanço Favacho – Doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), E-mail: afavacho@uol.com.br

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVESE NETO et al (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências bibliográficas

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVES NETO et al. (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências 

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

Antoniette Camargo de Oliveira – E-mail: antoniette@bol.com.br

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Antônio Flávio Barbosa Moreira – pesquisador em currículo – PARAÍSO (ES)

PARAÍSO, Marlucy Alves (Org.) Antônio Flávio Barbosa Moreira – pesquisador em currículo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. 245p. Resenha de: FAVACHO, André Miarcio Picanto. Sobre desafios, avanços e tensões nos estudos de currículo: sobrevoos no pensamento de Antônio Flávio Barbosa Moreira. Educação & Sociedade, Campinas, v.32 no.115 Campinas abr./jun. 2011.

O livro que ora descrevo é uma coletânea de artigos de um dos mais influentes estudiosos das questões curriculares no Brasil. A professora Marlucy Paraíso, organizadora do livro e também pesquisadora em currículo, tentou buscar, em meio a palestras, entrevistas, depoimentos ou resultados de pesquisas, os textos mais importantes já publicados ao longo da carreira de Antônio Flávio Barbosa Moreira.

Vale ressaltar que a organizadora é responsável por uma excelente introdução à obra, na qual revela detalhes preciosos sobre o pensamento curricular no Brasil, bem como nos brinda com uma entrevista apaixonante, onde explora, com rigor, a vida e a trajetória política e acadêmica do autor. Essa é a razão pela qual considero a sua iniciativa uma honrosa e delicada atitude de gratidão a Antônio Flávio e a todos nós que nos dedicamos à educação brasileira. Assim, a organização do livro não é um ajuntamento qualquer de textos, mas um esforço compensador para destacar, ao mesmo tempo, a vida, a paixão, o trabalho e a veia política do autor. A coletânea não resulta em qualquer coisa parecida com um mero livro, mas, mais do que isso, resulta em um livro-homenagem, prova de respeito e veneração.

A fim de dar consistência ou coerência aos diferentes textos de Antônio Flávio, Paraíso dividiu o livro em três partes, intituladas, respectivamente, “O crítico”, “O político” e “O multiculturalista”. Obviamente, essas nomeações objetivaram alcançar certa fidedignidade na descrição da trajetória acadêmica do autor, mas, a meu ver, acabaram por representar suas lutas concretas, bem como seu compromisso social e político com a educação brasileira.

No âmbito de “O crítico”, a organizadora selecionou três textos de Antônio Flávio: “A constituição e os rumos iniciais dos estudos de currículo no Brasil”, “Currículo e controle social” e “A configuração atual dos estudos curriculares: a crise da teoria crítica”. Podemos dizer que o autor elabora, por meio desses textos, uma espécie de crítica curricular que estabelece três aspectos (ou, talvez, advertências) relevantes a serem considerados quando se deseja pesquisar currículo.

Primeiro: que, no Brasil, não houve a pura e simples transferência dos estudos curriculares americanos; pelo contrário, as formas de resistência sempre estiveram presentes em toda a extensão da produção curricular brasileira. Havendo resistência, obviamente ocorriam alterações, modificações, adaptações, enfim, todo um processo de negação e criação que impedia que o modelo curricular americano circulasse tão livremente em território brasileiro. Segundo o autor, é preferível falar em influência, que, por sua vez, produz o que ele chama de hibridização curricular, na qual tendências, modelos e discursos curriculares distintos disputam, mobilizam e articulam antigas verdades na produção de novas significações. Segundo: que o ambicionado controle da população pelos governos conservadores, por meio dos currículos, não deve ser entendido somente como uma ideia negativa a ser abandonada pelas políticas curriculares de perspectiva crítica. No seu modo de ver, o controle social pode, a partir das teorias críticas, ambicionar outra relação com os conteúdos e a organização praticados até então na escola, ofertando outra perspectiva ainda desprezada de análise da realidade e restituindo o valor histórico dos saberes estrategicamente desqualificados pelos governos conservadores e/ou pelas ciências positivistas. Terceiro: que, em se tratando de currículo, o diagnóstico do tempo presente é indispensável na compreensão do fenômeno educativo; afinal, é nossa obrigação saber onde nos encontramos – local, nacional e mundialmente – em matéria de educação. Perguntas importantes devem-se ser feitas pelos curriculistas, tais como: quais são os comportamentos desta época? Sob quais configurações políticas e econômicas vivemos na atualidade? Quais deslocamentos epistemológicos estão em curso? Quais são as novas significações da sociedade?

Já em “O político”, Paraíso selecionou: “Os Parâmetros Curriculares Nacionais em questão”, “Propostas curriculares alternativas: limites e avanços” e “Estudos de currículo: avanços e desafios no processo de internacionalização”. Como político que elabora a crítica ao Estado, Antônio Flávio, nesses textos, transita entre a crítica e a proposição, mostrando como as políticas educacionais, aliadas ao neoliberalismo econômico emergente nos anos de 1990, colocam o currículo escolar como núcleo central de suas ações, camuflando pautas importantes, como a polêmica ideia de um currículo nacional.

Com maestria, o autor mostra que, diferentemente da década de 1980 (quando se debatia qual conteúdo a escola brasileira deveria prezar na formação dos alunos), a década seguinte preferiu falar de parâmetros, de princípios e de orientações curriculares, com a clara intenção de instituir um sistema de avaliação nacional que exigia a consolidação de um currículo oficial e avaliador. Tal perspectiva ignorou boa parte do que havia sido, até então, ponto de polêmica, discórdia e negociação entre educadores e política pública, como os debates sobre conteúdos mínimos, qualidade da escola pública, experiências locais, entre outros, que simplesmente foram desprezados pelo que a política educacional brasileira batizou de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Contudo, o que “O político” propõe para combater esse processo de hegemonia curricular? A resposta parece se desenhar de três formas: em primeiro lugar, aprenda a dizer não, “simplesmente diga não!”, parafraseando Michael Apple, o que já ajuda a interrogar as políticas curriculares. Em segundo lugar, acompanhe os limites e avanços de propostas curriculares oficiais e alternativas realizadas pelos municípios e estados, o que ajuda a recuperar a ideia de que nós – professores, alunos e comunidade – também somos formuladores de políticas curriculares. E, por fim, atentem para o processo de “internacionalização dos estudos de currículo”, que pode, se bem avaliado, ser bastante útil na construção de políticas curriculares mais solidárias e comprometidas com a emancipação. Aliás, os primeiros passos nessa direção já se materializam. Já foram realizados eventos na China, na Finlândia, na África do Sul, no Brasil e em Portugal, o que mostra que essa não é mais uma discussão nacional; o objetivo é conhecer e congregar o que os pesquisadores em currículo dos diferentes continentes produzem nesse campo.

Para a última parte do livro, “O multiculturalista”, foram selecionados: “A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões”, “Currículo e estudos culturais: tensões e desafios em torno das identidades” e “A qualidade e o currículo na escola básica brasileira”, nos quais Antônio Flávio destaca a importância de se incluir, nos estudos sobre currículo, duas questões contemporâneas urgentes: a diferença e a qualidade da escola básica brasileira.

Do ponto de vista da diferença, ele argumenta que, em definitivo, vivemos, na contemporaneidade, em sociedades multiculturais, nas quais as diferenças de classe, gênero, religião, sexualidade, etnia e orientação sexual e cultural se expressam de múltiplas formas. Assim, a diferença se coloca como locus privilegiado para o descentramento do sujeito, que não é mais fixo e manipulável, mas, sim, aquele que se posiciona, nega, aceita, altera, deseja, constrói, impõe novas direções. Portanto, o autor aposta numa educação multicultural manifestada em práticas educativas que interroguem e resistam à ideia de que as coisas existiram desde sempre. Obviamente, nos alerta para o outro lado do multiculturalismo: a possibilidade de seu uso para a estandardização de culturas, posto que, sob o argumento do relativismo cultural, se celebram valores, práticas e manifestações externas às culturas locais.

Do ponto de vista da qualidade, Antônio Flávio, definitivamente, contribui com outra visão sobre a questão da qualidade da escola básica brasileira. Propõe, a partir de estudos de autores italianos, chilenos e estadunidenses, três questões sobre a qualidade. A primeira diz respeito ao conhecimento, isto é, não estaria passando da hora de os conteúdos escolares possibilitarem que os alunos compreendam suas realidades e atuem nelas? Obviamente, não se defende com isto nem a fixação dos alunos nos limites dos seus próprios mundos, tampouco a secundarização da aprendizagem em favor da pura socialização.

A segunda questão reporta-se ao processo de negociação da escola com os setores políticos da educação, a partir de seus projetos político-pedagógicos. Trata-se, portanto, de uma qualidade negociada, em que estão em jogo os diversos atores e grupos interessados no fenômeno educativo. Espera-se com isso que, no lugar de imposições verticais vindas dos órgãos centrais da educação, sejam firmadas parcerias entre escola e governo local, com vista a estabelecer o melhor para cada realidade.

Por fim, a terceira questão circunscreve-se nos limites do debate sobre o conhecimento e a negociação política. Trata-se de justiça curricular, que nada mais é do que repartir de forma mais justa os recursos materiais e simbólicos produzidos pela sociedade.

Para finalizar, algumas últimas palavras que, em minha opinião, resumem muito bem a postura que o autor demonstra ao longo de sua obra e que se encontra na entrevista transcrita nesse livro:

(…) confirmei a existência de uma educação para nossos filhos e de outra para os filhos dos outros. Educações, em vez de educação. Abalou-se, para mim, a visão da escola como um ambiente purificado, capaz de formar os bons cidadãos de que a sociedade carecia, sem que se conformasse com clareza seu papel na legitimação da estrutura de classes de uma sociedade capitalista. (Moreira, 2010, p. 32)

Assim, encerro aqui minha tarefa de resenhista. Cabe agora a cada leitor experimentar o livro do seu jeito.

André Marcio Piçanto Favacho – Doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: afavacho@uol.com.br

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História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil) – SOUZA (RBHE)

SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil). Coleção Biblioteca Básica de História da Educação Brasileira, vol.2. São Paulo: Cortez, 2008, 320 p. Resenha de: BORGES, Aline D. B. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

Com a imagem de uma sala de aula, Rosa Fátima de Souza inicia sua obra, com a perspectiva de que nenhum outro lugar simboliza mais “a finalidade cultural da escola e sua representação social”. Na introdução, a autora persuade-nos a desnaturalizar o espaço escolar, posto que ele nem sempre foi do modo como o concebemos hoje.

Para analisar a organização do trabalho escolar e o currículo no decurso do século XX, abrangendo da Primeira República aos anos de 1970, nas escolas primárias e secundárias do Brasil, mas, de um modo particular, a paulista, Souza menciona algumas questões que serão respondidas ao longo do seu texto, tais como: o que mudou ao longo desse século? Quais elementos da cultura foram considerados legítimos e válidos para transmissão nas escolas? Por que alguns conteúdos se mantiveram e outros não? Quais fatores implicaram a determinação do currículo escolar ao longo do tempo? Que tipo de homem e cultura foram privilegiados na sociedade brasileira? Como as transformações na história do currículo repercutiram na organização interna da escola? Para tal, opera com dois eixos norteadores: o currículo e a organização do trabalho escolar, e se apropria de diversos autores1, que, segundo ela, “têm ressaltado a necessidade de conceber o currículo como uma construção social e histórica”.

Aborda a organização do trabalho escolar, considerando a “diversidade das instituições educativas, a graduação do ensino, a ordenação do tempo, a constituição das classes e séries e a siste­mática de avaliação”. Para realizar esse empreendimento, faz um recorte espacial para sua pesquisa, analisando a escola primária paulista e a escola secundária em âmbito nacional, recorrendo a diversas fontes, principalmente à legislação de ensino em âmbito federal e estadual, periódicos nacionais, currículos prescritos, programas de ensino, anais de eventos, publicação de época e imagens fotográficas.

O livro encontra-se dividido em três partes: Escola Primária, Escola Secundária e Escola Básica. É relevante apontarmos que a autora defende a tese de que a escola primária serviu à formação do cidadão brasileiro, destinada, portanto, à maioria da população. Já a escola secundária, atendendo a elites dirigentes e à classe média em ascensão, permanecia como a guardiã da cultura geral de caráter humanista.

Em “A escola primária e a formação do cidadão brasileiro (1890-1960)”, primeiro capítulo do livro, a autora discute as trans­formações ocorridas nos currículos da escola primária na Primeira República. Para ela, a formação do cidadão republicano apoiava-se na possibilidade de integrar socialmente tais indivíduos, por meio da inculcação de valores essencialmente cívico-patrióticos e na constituição de culturas escolares distintas. Busca quais são os “novos” conhecimentos úteis, ressaltando que o que ensinar ao povo se tornara assunto em voga nos debates da época. Nessa discussão, percebemos as ciências como ponto “chave”, pois era a expressão do desenvolvimento do capitalismo, e, nesta sociedade imbuída pelo progresso, a educação primária deveria ser a mais prática possível.

A principal finalidade da escola primária foi, segundo Souza, a educação integral da criança (intelecto, corpo e alma), visando forjar um novo ser social e um cidadão adaptado à nova sociedade. A adoção do método intuitivo (ícone da escola primária moderna) e de novas matérias2, a dotação material das escolas, a formação científica e prática dos professores e a criação de um serviço de inspeção técnica para a orientação do ensino tornaram-se as preocu­pações centrais dessa escola republicana. Para a autora, a mudança do regime político acarretou uma série de reformas educacionais que consolidaram outro modo de organização administrativa e pedagó­gica nessa modalidade de ensino. Sinaliza as condições lastimáveis, seja material ou organizacional, das escolas na época do Império, caracterizando os moldes dessa escola (método misto, apelo à me­morização, repetição diária das lições e disciplina garantida por meio de castigos), mostrando ainda como os primeiros governos do estado de São Paulo deram à educação popular centralidade política e como o projeto republicano foi mais ambicioso. Contudo, essa dicotomia entre Império e República, que parece ser defendida pela autora, necessita ser problematizada, pois, apesar de usualmente o tema da modernidade ser vinculado ao progresso republicano, é importante desviarmos de uma perspectiva dualista que prevê o moderno em oposição ao tradicional. Observarmos que o discurso difundido pela esfera do Estado defendia o ensino primário público como uma possibilidade de superação do atraso e da apatia de outrora, intentando conferir à escola um caráter modernizador, civilizador e moralizador. Todavia, sinalizamos que as recém-chegadas propostas não anularam a coexistência de outros modelos de educação. É fundamental percebermos as dissonâncias existentes entre práticas e discursos, permanências e mudanças das formas escolares, entre o que é propagado pelas fontes oficiais e as micropráticas cotidianas estabelecidas nos interiores das instituições escolares.

De acordo com a autora, as reformas educacionais paulistas iniciaram-se pela Escola Normal, e em seguida (1892 e 1896), alguns dispositivos legais consolidaram a reforma da instrução pública, articulando os três níveis de ensino: primário, secun­dário e superior. Em 1893, contrastando com a escola unitária, foram implantados os primeiros grupos escolares organizados em moldes das escolas graduadas. A autora afirma que a organização comparado às escolas unitárias, visto que reduzia a dispersão das tarefas de ensino. É preciso adicionar a esta análise a não aceitação pacífica dos professores, as heterogêneas opiniões, tendo em vista as resistências por parte destes, indiciando que talvez não fossem tão amplamente favorecidos como a história oficial alude.

Para aproximar-nos da cultura escolar dessas instituições, Souza propõe-nos um olhar sobre as práticas de ensino, buscando analisar a função cultural da escola, seu intento em formar um modelo de homem cidadão, utilizando-se de saberes, habilidades, códigos e valores.

Souza aponta para as funções ampliadas da escola elementar revistas no Código de 1933: a gratuidade estendida para cinco anos e a obrigatoriedade instituída para crianças na idade entre 8 e 14 anos, a duração de três anos nas escolas isoladas e quatro anos nos grupos escolares e prevalência do rol de matérias do início da República3. Por esse código, as escolas públicas seriam organizadas em escolas isoladas, grupos escolares, cursos populares noturnos e escolas experimentais. Percebemos, assim, as permanências e as rupturas, seja no currículo como no próprio modo de organização escolar. A autora sugere-nos a necessidade de refletir como se deram, na prática, no interior das escolas, todas essas regras prescritas, essa seleção cultural e as alterações de programas.

“Educação secundária, cultura humanista e diferenciação so­cial na Primeira República”, segundo capítulo do livro, delineia a diferença mais marcante entre os dois ensinos, pois, para Souza, os estudos secundários “significavam a manutenção de uma alta cul­tura assentada sobre a conciliação precária entre estudos literários e científicos, prevalecendo, não obstante, os primeiros”.

A autora indica as disputas e os conflitos que estiveram em jogo pela estruturação do ensino e do currículo, a precariedade do ensino secundário brasileiro ao fim do Império e a proliferação dos colégios particulares, reafirmando que “se manteve no país a finalidade eminentemente preparatória do ensino secundário”. Esse ensino teve, no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, dois sistemas paralelos de organização: os ginásios e os estudos parcelados. Tenta apreender, em linhas gerais, “como determina­dos conteúdos da cultura mantiveram ou ganharam legitimidade com valor educativo enquanto outros foram perdendo relevância, sendo secularizados e eliminados gradativamente dos currículos”. Para ela, a educação recebida nesses colégios e ginásios era uma formação mais literária do que científica.

Assim, somos levados a refletir sobre outras reformas ou modi­ficações que, de alguma forma, dizem respeito a esse ensino, como a reforma protagonizada por Benjamin Constant, em 1890, que buscou ampliar a formação científica, o exame de madureza – aferição do desenvolvimento intelectual dos estudantes e sua maturidade –, e a divisão do ensino secundário, pelos idos de 1898, em curso realista e clássico. Dentre outras disputas, indica os conflitos acirrados em torno do estudo do latim, apontando-nos para a seletividade que marcou o ensino secundário brasileiro na Primeira República. No que tange ao público atendido, sinaliza a ausência dos negros, índios e das camadas populares. Há indícios que podem aquilatar essa discussão, mas essa ainda é uma temática pouco explorada, devido aos limites das análises das fontes historiográficas.

Retomando a longa discussão sobre as disciplinas que resistiam ou foram suprimidas do currículo, Souza afirma que essa seleção cultural servia para diferenciar e atender um grupo específico, o seleto grupo social que utilizava a educação secundária como es­tratégia de reconversão do capital econômico em capital cultural. Souza aprofunda-se na temática dos ginásios paulistas à medida que se apropria dos estudos de Nadai (1987) e Cunha (2000), analisando quem eram os alunos que frequentavam esses espaços. Destacando vários estudos que abordam colégios ou escolas em diversas regiões do Brasil4, a autora busca alguns traços comuns entre essas instituições secundárias, o que nos fornece um horizonte mais amplo de discussão.

No terceiro capítulo, “Entre a vida, as ciências e as letras: transformações da escola secundária entre as décadas de 1930 e 1960”, Souza indica que esse período foi o de consolidação e, ao mesmo tempo, de redefinição da educação secundária no Brasil, tendo organicidade, racionalidade e padronização como bases que “alicerçaram a expansão contínua das oportunidades educacionais nesse ramo de ensino médio”. Aponta ainda para esse período his­tórico como o de democratização do ensino, ou seja, aparecimento de outros sujeitos frequentadores da escola.

Durante o governo de Getúlio Vargas5, segundo a autora, “passaram a ser exigidos dos estabelecimentos de ensino estudos regulares, seriação, frequência obrigatória, aprovação em todas as disciplinas da série para a série seguinte e habilitação nos dois ciclos para realização do vestibular e entrada no ensino superior”, visando estabelecer uma organicidade em âmbito nacional, e ainda eliminar definitivamente o curso preparatório. A regulamentação do docente destinava-se à inscrição do ensino secundário público e particular. Desta forma, afirma que esta imposição de uniformidade visava “o ensino particular, responsável, na época, por mais de 75% das matrículas do ensino secundário”. Essa reforma continuou a exigir o exame de admissão para alunos e a avaliação como forma de seleção. Quanto ao currículo, obteve uma distribuição mais equilibrada entre estudos científicos e literários. Souza indica que todas essas discus­sões e disputas no período do Estado Novo estavam no bojo de uma discussão mais ampla, de cunho político e social, resultando em mais uma reforma educacional, dessa vez identificada com os interesses conservadores, instituindo as Leis Orgânicas do Ensino6.

Ainda tratando de ginásios e colégios de 1930 a 1960, tenta compreender, apoiada em alguns autores7, as múltiplas experiências dos sujeitos que passaram por esses locais, as práticas educativas, o exercício profissional do magistério, bem como seus saberes, as atitudes apreendidas pelos alunos, as sociabilidades constituídas e a cultura juvenil crescente nessas escolas. Dialogando com o texto de Jayme Abreu, a autora revela-nos sobre quais premissas se firmava o modelo de educação defendido por Fernando de Azevedo. A disputa entre uma base utilitária e cultural para escola secundária foi longa e tensa, mas, no final dos anos de 1950, a seleção cultural posta no currículo apontava em outra direção e a primeira se sobrepôs.

Na terceira parte, A Escola Básica, Souza afirma que, a partir da década de 1960, esse segmento “estaria mais em conformidade com as características do público escolar e da moderna sociedade in­dustrial brasileira”. Em contraponto, os mecanismos de seletividade continuaram a existir e a operar, “expondo de maneira veemente os problemas do fracasso e exclusão escolar”. No ensino secundário, foi profunda a substituição das humanidades pela cultura científica e técnica orientada para o trabalho.

Já na parte final do livro, Souza analisa a modernização dos currículos nas décadas finais do século XX, ressaltando que nos anos de 1960 os movimentos sociais, as reformas de base e os golpes teriam marcado vários setores da sociedade, inclusive o educacional. Faz uma análise da escola e do seu currículo a partir da lei n. 4.024/19618, e, segundo ela, “pela primeira vez, a União abria mão do forte controle que exercera sobre o ensino secundário desde o Império”. Já o curso secundário passou a fazer parte do ensino médio, juntamente com os cursos técnicos e de formação de professores, e ressalta ainda que “a hegemonia das humanidades caía definitivamente em ruína”, tornando clara qual era a predo­minância da época: a cultura científica e técnica.

Reflete sobre as mudanças educacionais a partir da LDB n. 5.692 de 1971, que “ao contrário da tendência liberalizante e flexibilizadora característica da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, […] promoveu o recrudescimento da centralização curricular”. Para o 2º grau, devido ao fracasso da profissionalização obrigatória, houve o reforço da formação geral, especialmente as disciplinas científicas. Porém, as línguas clássicas (latim e grego) e a filosofia foram abolidas do rol de disciplinas desse segmento.

O livro constitui-se, enfim, numa leitura amplificada e necessária sobre a educação brasileira no século XX, que aborda seus processos, suas demandas, seus projetos, suas tensões e conflitos, e os desafios da educação e da sociedade brasileira no limiar do século XXI.

Notas

[1]Kliebard (1995), Goodson (1995, 1997), Gimeno Sacristán (1998a), Forquin (1993), Popkewitz (2000). Cf. Souza (2008, p. 11).

2 Ciências físicas e naturais, história, geografia, música, instrução moral, educação física, desenho, instrução cívica e trabalhos manuais.

3 Leitura, linguagem oral e escrita, aritmética e geometria, geografia, história do Brasil e instrução cívica, ciências físicas e naturais, trabalhos manuais, desenho, caligrafia, canto e ginástica.

4 Alves (2005), Cabral (2005) e Barros (2000), respectivamente (Cf. Souza, 2008, p. 122).

5 Em especial, com a reforma empreendida pelo ministro Francisco Campos.

6 A estas leis, a autora chama de “mais uma vitória da educação humanista”, recupe­rando a tradição humanista e as finalidades das disciplinas, ou seja, os dois ciclos, padronização do estabelecimento, exame de admissão, fiscalização e avaliação, tudo que fora solapado pela reforma de Campos. Com duas inovações: a orientação educacional e os trabalhos complementares.

7 Nadai (1991), Barroso Filho (1998), Fonseca (2004), Camargo (2000), Amaral (2003) e Perez (2006). Cf. Souza (2008, p. 188). Tais trabalhos versam sobre as representações e o imaginário consagrado na sociedade brasileira em torno da qualidade da escola secundária existente até a década de 1970.

8 Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tramitou durante 13 anos no Congresso Nacional.

Aline D. B. Borges – Graduanda em Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: linebborges@gmail.com

Ligia Bahia de Mendonça – Mestranda em História da Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: ligiabahia@gmail.com

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Il futuro del clássico – SETTIS (CN)

SETTIS, Salvatore. Il futuro del clássico. Einaudi, 2004. Euro 7. Resenha de: DEMATTÈ, Francesca. 7 ago. 2019.

Perché si studia la Storia antica, greca e romana?

In un’epoca dominata dalla retorica della globalizzazione, è ancora vero che il passato “greco e romano” è più “nostro” di quello cinese? Quale può essere il posto degli Antichi in un mondo caratterizzato sempre di più dalla mescolanza dei popoli e delle culture, dalla rivendicazione delle identità etniche e nazionali e delle tradizioni locali?

Se tutte le vicende degli uomini meritano attenzione, e per tutti le tracce del passato sono tali da obbligarci a studiarlo per capire una parte importante di noi stessi, come spiegare il progressivo, inarrestabile arretrare della cultura “classica” nei sistemi educativi e nella cultura generale di tutti i paesi che dovrebbero rifarsi ai valori immutabili e perpetui del mondo classico?

Con un argomentare serrato Settis dà voce ad un paradosso che evidenzia come, mentre siamo disposti ad imparare sempre meno dell’antichità greca e romana, incapaci di riconoscerla diversa, altra dal nostro presente, un vero e proprio altrove nel tempo e nello spazio, frammenti sconnessi di questa cultura emergono all’improvviso nel cuore di grandi culture extraeuropee, inducendo gli studiosi a interrogarsi sui valori dell’antichità elaborati dai Greci e dai Romani e sull’uso che ne è stato fatto per legittimare l’egemonia dell’Occidente sul resto del mondo.

Le vere domande diventano dunque: che cosa vuol dire classico? L’eredità greco-romana è davvero più “nostra”(lo è ancora?) di quella della civiltà giapponese, cinese, indiana? L’autore ci porta a distinguere fra classico e classicismo, individua il classico come discrimine fra post-moderno e moderno, definisce classico rispetto ad autentico, distingue classico greco da classico romano, parla del classico prima dell’antichità classica in un percorso a ritroso legato alle arti figurative che approda dentro una ridefinizione dei concetti di identità e alterità e va a individuare l’essenza del classico nel risultato di scambi e mescolanze fra culture.

Anzi fa della curiosità per le culture “altre”, del confronto fra culture il nucleo generativo e fondante della storia culturale europea: nel continuo rinascere del classico, incontriamo la forma ritmica originale e propria dell’Europa, caratterizzata dal perenne ritorno.

Francesca Demattè

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From Hope to Harris: The Reshaping of Ontario’s Schools – GIDNEY (CSS)

GIDNEY, R. D. From Hope to Harris: The Reshaping of Ontario’s Schools. Toronto: University of Toronto Press, 1999. 362p. Resenha de: BREI, Margaret E. Canadian Social Studies, v.38, n.2, p., 2004.

Why is it expedient to re-visit a book written in 1999? Because the information it contains remains valuable for clarifying common issues surrounding change within an education system. Moreover, controversy over educational change is not limited to one province or any single time, in this case Ontario in the second half of the twentieth century. Educational change is fast becoming a decisive issue over which political wars are fought provincially, nationally and internationally. My various roles as an educator have, until recently, been played out on the Alberta stage. As I witnessed the latest educational policy changes under the Klein Conservative government, in both structure and curriculum, it was impossible not to make a comparison of that journey with the one on which From Hope to Harris takes the reader. Finding myself on yet another stage, this time in the United States, where once again the complexities of major educational policy and curriculum restructuring are being played out, I can only ask: Is there nothing new? Therefore, it was with deliberate resolve that I revisited Gidney’s work, this time using the context of comparative decision-making in matters of educational policy. Larry Cuban remarked that the loci of impetus for any educational change are often to be found in the current malaise of society. His one liner When society has an itch, the schools scratch (1992, p. 216) underscores the acute vulnerability of educational change to social change. Gidney’s work is a case study of Cuban’s critical theory. The historical examination of the process of decision-making involved in developing the present system in Ontario provides valuable insights and serves as a Rosetta Stone for those wishing to contribute to an understanding of educational change in their own jurisdictions.

The volume provides possible answers to a series of relevant questions using Ontario as an example. It identifies the thematic strands of the theoretical framework of policy formation. These strands are imbedded in the 15 chapters and can be identified as: the steps of the decision making process; the classification of the agents of the decision making process; the aims of policy; the methods of legitimization of policy decisions; the competing views of the process; the models or styles of policy formation, and the decision making process as a factor of innovation. When applied to the upheaval within Ontario’s education from the Hope commission, 1945-1950, to the changes implemented by the Harris government, the volume provides a skillful, fifty year historical sweep in an attempt to answer: who made what decisions, how were they making them and why were they making them? From Hope to Harris, however, involves more than a chronological story of the events or even a blueprint for other studies of this nature. It aims to understand the processes of policy making and to offer it as a guide to present practices and thereby provide implications for the present decision makers. Employing the research strategy of the descriptive case study and using the documentary content analysis technique of the historiographer, Gidney is well qualified. As an educational historian and Professor Emeritus, Faculty of Education, University of Western Ontario, he has spent his career examining primary source documents, and gained a reputation as a scholar of educational history in Ontario with volumes such as Elementary Education in Upper Canada: A Reassessment and Inventing Secondary Education: The Rise of the High School in Nineteenth-Century Ontario. He demonstrates a delightfully subtle sense of humor with statements such as: In 1943 Ontario’s voters put the Conservatives in power, and, in a fit of absent-mindedness left them there for just over forty years (p.43). The reader is challenged to reflect on the information by choosing the context in which to use the information and thereby make it meaningful and useful on a personal level.

The volume has become required reading on campuses for courses in such diverse areas as: Sociology of Education, Educational Policy and Program Evaluation, Topics in Comparative Politics, Ontario Government and Politics, and The Economic Development of Ontario. It is my hope that it would also appear on the required reading list for all members of the various levels of government. The volume is profusely documented with bibliographic notes, an extensive index, and an appendix filled with statistical charts all testimony to the quality of research that is the foundation of this volume.

In each chapter, the focus is on a different era in policy, pedagogy, curriculum, and political change. The topics record changes in fiscal policy, educational professionalism, growing teacher militancy, union action, the structure of education, the government’s role, administration/supervision of schools and school districts, movements for equality in education, and the progress toward university trained elementary and secondary teachers. Although extensively using edu-speak, Gidney heroically attempts to make the story of Ontario’s education restructuring into a suspenseful who-done-it, as he unfolds the plot and chronicles the move toward a centralized policy but a decentralized curriculum. He clearly describes the actions of the Ontario government that moved from sharing administrative power with local educational authorities to stripping school boards of their power. In doing so, the Conservative government’s decisions, made by powerful individuals, weakened public education and badly eroded teacher morale. Gidney examines Ontario’s experiment with universal education, including secondary education for all, and seems to indicate that the experiment was not as radical as it could have been.

The final impression I take away is that educational decision-making, and the resulting changes, is a political process closely tied to the social and political milieu. The government reacted to internal and external pressures and intervened in structuring. For the average teacher this resulted in a loss of autonomy. Gidney demonstrates that any form of change is enlivened by the political interaction that took place between individuals and groups as they sought to influence the decision making process. Re-reading the work in this context, calls to attention the process of contending with competing interests, agendas and preferences in attempting to create educational policy and administer its implementation. Society changes over time, legislative power changes over time, educational philosophy and pedagogy change over time and the development of a jurisdiction’s educational policy is a lengthy process.

In re-visiting this volume, I can only suggest that a new edition is in order with added chapters bringing the reader up to date on the issues in Ontario’s education system. Issues such as corporate donors and their involvement in the curriculum, the two tiered system, the restructuring of the high school, the present level of local control of education, the existing teacher morale and the overall current state of the teaching profession should be addressed.

References
Cuban, L. (1992). Curriculum stability and change. In P.W. Jackson (Ed.). Handbook of Research on Curriculum.

Margaret E. Brci – City University of New York. New York, New York.

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Challenge of the West: A Canadian Retrospective from 1815-1914 – CRUXTON; WILSON (CSS)

CRUXTON, J. Bradley; WILSON, W. Douglas. Challenge of the West: A Canadian Retrospective from 1815-1914. Toronto: Oxford University Press, 1997. 182p. Resenha de: HORTON, Todd. Canadian Social Studies, v.39, n.1, p., 2004.

Ostensibly a social studies textbook for high school (back cover), Challenge of the West is written and presented in a style that makes it suitable for a number of grades from junior high up to and including high school. As well, the content corresponds with several social studies and history curricula across Canada including the strand entitled The Development of Western Canada found in the grade seven history curriculum of Ontario.

The front cover of the textbook is a reproduction of Adam Sherriff Scott’s The SS Beaver off Fort Victoria, 1846. The painting depicts two aboriginal persons in the foreground with their backs to the viewer. They are looking across the water to a British fort on the opposite shoreline. In the water between is a British ship and a smaller boat filled with, presumably, residents of the fort. As the two aboriginal persons are in the foreground, the viewer is encouraged to interpret the painting from their perspective. The dominant impression is one of watching from the sidelines. The aboriginal people are not participants but observers, surveying activities that will change their worlds.

Change is very much what this textbook is about. In the introduction, the authors encourage students to think about change, how it comes about in their worlds and how it has come about throughout Canadian history. As Cruxton and Wilson state in the Introduction, sometimes change just happens. Other times, we make a change happen. When we set out to make change, it can involve conflict or struggle (no page). These words are a foreshadowing of the conflict and struggle that has been a part of Canada’s historical development.

The textbook is divided into six chapters: 1) Rebellion and Change in Upper and Lower Canada; 2) The Road to Confederation; 3) Exploring and Opening the West; 4) Manitoba and British Columbia Enter Confederation; 5) Preparing the West for Settlement; 6) Settling the West. Though the content is never extensively detailed, the chapters do cover what are often considered the main events in Western Canadian history from 1815 to 1914. The building of the CPR is captured in chapter four, the Red River Rebellion, Northwest Rebellion and the trial of Louis Riel are highlighted in chapter five while the Gold Rush is explored in chapter six.

However, as the chapter titles suggest and as is the pattern of history textbooks designed to meet the requirements of history curricula, the content focuses on the changing West from the perspective of Europeans whether British soldiers, French politicians or Mennonite settlers. Even the notion of the West is a reference to territory west of earlier European settlements in Newfoundland, the Maritime colonies and the Canadas. Rarely is the history told from the perspective of aboriginal peoples. Their voices are silent and their histories, separate from those that are entwined with European colonists, are absent. This is not to suggest that aboriginal peoples are missing. They are very much present in the historical narratives and biographical inserts provided. Almost the entirety of chapter three is devoted to the First Canadians, who they are and where they live. Nevertheless, their histories remain distant and aloof from the perspective suggested-forever illustrated as the other, standing on the outside watching as their worlds are changed by the main event which is the development of a nation called Canada. The painting on the cover is indeed metaphoric.

Liberally peppered throughout the chapters are charts, maps, timelines, paintings, photographs, poems, songs, cartoons and reproductions of original documents. There are also a number of inserts that are separate from the main body of text. These inserts offer interesting biographies of people such as Qubec political reformer Louis-Joseph Papineau and author Susanna Moodie. All of these features combine to give the textbook a sense of variety and offer students different ways of learning the content. One problem to note is the serious dearth of passages which permit the historical actors to speak for themselves. Though there are a few, offering students more opportunities to read what William Lyon Mackenzie, Sir John A. Macdonald, Catherine Schubert or Crowfoot actually said would bring an increased impression of humanity to the historical narratives and elevate the textbook’s overall sense of credibility as a source of historical information.

Each chapter includes at least one developing skills section. The foci of the developing skills sections include creating a mind map, decision making, cause-and-effect relationships, interpreting political cartoons, interviewing, using maps as visual organizers, preparing a research report, debating, making oral presentations, and analyzing bias. These sections are divided into numbered steps that include easy-to-follow instructions and examples. The result should be the development of skills that are transferable to other courses of study.

Also included at the conclusion of each chapter are a series of activities. The activities sections are divided into three parts: Check Your Understanding; Confirm Your Learning; and Challenge Your Mind. The first part focuses on comprehension questions that refer to the chapter completed. The second part encourages the use of information in the answering of broader questions. The third part challenges students to analyze situations and consider questions and statements from a number of perspectives as well as synthesize information in the formulation of their own views. These parts are well written, progressive in complexity and offer teachers a range of choice to use in meeting the learning needs of students that have a range of abilities. One criticism of the developing skills and activities sections is that there needs to be better integration between them. Only occasionally are students expected to use the skills developed in one section to complete the activities in the other. Students need opportunities to refine the skills they learn. By explicitly and purposefully providing students with activities that encourage the use of newly developed skills there is greater possibility that the skills will be internalized and endure.

While the book may not be deemed adequate by some teachers as the sole text to use in their junior high or high school social studies or history courses, the authors must be given credit for hitting the high spots of the mainstream history narrative of the Canadian west, developing important skill sets and providing students with a number of interesting activities. Until the time when history curricula value aboriginal perspectives as much as they do Europeans, textbooks like this are meeting their mandate.

Todd Horton – Faculty of Education. Nipissing University. North Bay, Ontario.

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History Fair Workbook: A Manual for Teachers, Students and Parents – KOSTY (CSS)

KOSTY, Carlita. History Fair Workbook: A Manual for Teachers, Students and Parents. Lanham, Maryland and Oxford: Scarecrow Press, Inc. 2002.171p. Resenha de: SENGER, E. Canadian Social Studies, v.39, n.1, p., 2004.

This is a book about studying and delivering information about history. It guides parents, teachers and students through the fascinating and engaging process of developing a meaningful topic, proceeding through logical steps of research, and compiling the historical information into a format that will excite and interest students, and others who become involved in the project. While the book is based upon a program called National History Day that was developed by the University of Maryland at College Park, many features of it can be adapted to a regular Social Studies or History classroom at virtually any level.

For those American teachers who choose to follow the History Fair process from their local level to possibly regional and national levels, this text provides a clear and useful framework. The History Fair Project has been running for years, and Kosty provides seven years worth of past and upcoming themes: 2002 Revolution, Reaction and Reform in History
2003 Rights and Responsibilities in History
2004 Exploration, Encounter and Exchange in History
2005 Communication in History: The Key to Understanding
2006 Taking a Stand in History: People, Places, Ideas
2007 Triumph and Tragedy in History
2008 The Individual in History (p. 17).

Used in conjunction with the History Fair Project these themes furnish a solid basis from which to build the students’ projects and focus their research. For teachers who do not wish to participate in the competitions, these themes could supply a focus for a unit or a whole program.

Through the use of samples, blackline masters and suggested resources in this book, any Social Studies teacher could enhance the delivery of her or his curriculum and engage students more fully in their learning. For example, online contact information is given for the official National History Day organization at www.nationalhistoryday.org. The Annual Curriculum Book and National History Day Rule Book are both available at this website and give easy access for teachers, parents and students.

The subtitle of the book is A Manual for Teachers, Students and Parents and specific sections are directed at each of these groups. A large focus seems to be empowering students to take more control of their own learning; as Kosty puts it The goal is to encourage, not discourage (p. 15). This is clearly sound pedagogical theory and practice, and the ideas, samples and classroom ready materials found in this book will make learning about history more enjoyable and meaningful for everyone involved. By clearly laying out how parents and teachers can help their kids, and how the students can help themselves, Kosty reinforces the goal of encouraging everyone to learn.
Many of the basics of planning, researching and teaching will already be familiar to experienced teachers. The greatest values are in the guidelines for working through a meaningful research process; worksheets, mini tests and samples to guide students; and the provision of lists of resources that will all enhance learning. There is, for example, a History Project Skills Profile on page 8 which lists sources and presentation, interpersonal and social skills which will enable students to be more successful with this project. There is a Library Research Vocabulary quiz on page 40 and a Research Skills Test is found on pages 49-51. These could be used by the teacher to evaluate student progress, or given to students to use for self-evaluation.

History Fair Workbook is a valuable tool for teachers. In addition to the materials already mentioned, it includes samples of the following documents to facilitate planning a history project and/or the delivery of regular Social Studies material: Letter to Parents (p. 21); Group Project Contract (p. 23); Timeline Rules Summary (p. 25); and Teacher’s Checklist (p. 28). There is also an assortment of blackline masters for every step in the process: choosing topics, the research process, evaluation scoring sheets, referencing, writing thesis statements, and even certificates to recognize participation and achievement.

While the projects and themes in Kosty’s book are based upon American state and district standards, they can be adapted to any school district. She has included specific chapters on using the internet (Section V), administering a Campus Fair (Section VI) and also one on Advanced Competition (Section VII) for students who will go on to regional and/or national levels. Since Kosty is an experienced Social Studies teacher as well as a coach and judge for History Fair events, she is well qualified to advise parents, students and teachers in this capacity.

The Appendices provide some sample papers, lists of possible topics, and a list of primary source collections which will be very useful for school libraries and also help teachers to direct their students’ research. A comprehensive Glossary, Bibliography and index simplify referencing the book. On a final note, as with any good teaching material, items will need to be adapted to grade level, the experience students already have with research, each teacher’s comfort level, and school and board policies. For anyone interested in expanding their understanding of and engagement with historical issues, this is truly a valuable resource.

E. Senger – Henry Wise Wood High School. Calgary, AB.

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Pistes didactiques et chemins d’historiens. Textes offerts à Henri Moniot – BASQUÈS et al (CC)

BAQUÈS, Marie-Christine; BRUTER, Annie; TUTIAUX-GUILLON, Nicole (Org). Pistes didactiques et chemins d’historiens. Textes offerts à Henri Moniot. Paris, Budapest et Turin: L’Harmattan, 2003. 382p. Resenha de: Charles Heimberg. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.3, p.321-322, 2003.

La tradition des « Mélanges » offerts à un chercheur qui part à la retraite débouche souvent sur des volumes très éclectiques. Mais avec Henri Moniot, la diversité des approches, pardessus les frontières, de l’histoire occultée de l’Afrique à la question récemment soulevée de la didactique de l’histoire, ne fait que refléter la richesse et l’originalité d’un parcours scientifique hors du commun.

Parmi les nombreux thèmes évoqués dans ce volume, il en est qui interrogent la différence et son occultation. Ainsi la visibilité des femmes dans l’histoire enseignée est-elle évoquée pour ses limites. Annie Rouquier regrette à juste titre une réduction régulière de leur place dans les manuels et les programmes français (mais en va-t-il autrement ailleurs?). Autre dimension de la différence, celle du racisme et de la conception ethnique de la nation. Claude Liauzu traite la question de l’ethnocentrisme des savoirs universitaires, qui sont nés avec la modernité et l’émergence de l’État nation, et s’interroge sur l’opacité des ressorts profonds du racisme, ainsi que sur les points communs du racisme colonial, de la xénophobie et de l’antisémitisme, autant de manières problématiques de gérer le rapport à Catherine Coquery-Vidrovitch s’interroge sur les liens inavoués entre histoire et propagande. Les faussaires de l’histoire sont certes identifiables, mais le rapport entre histoire engagée, dans le bon sens du terme, et parti pris idéologique est plus complexe. En principe, c’est l’apport de la connaissance qui devrait distinguer l’histoire de ses usages pervertis. Mais la nature même d’une science sociale ne permet pas de régler complètement la question. D’où l’intérêt, par exemple, des Subaltern Studies, ces études d’historiens de pays anciennement colonisés qui tentent de redonner une certaine pluralité à leur discipline.

Il n’est pas possible de rendre compte brièvement ici de toutes les contributions de ce volume. Notons toutefois la présence d’une série d’auteurs polonais, ce qui témoigne des réseaux de réflexion et de recherche comparée qu’Henri Moniot a su tisser au cours de sa carrière.

La question de l’enseignement de l’histoire est au centre d’un grand nombre de textes. Par exemple, les tentatives internationales de réécrire l’histoire dans un sens pacifique, favorable à l’entente entre les peuples, qui ont été impulsées au cours de l’entre-deuxguerres par le Bureau International de l’Éducation de Genève sont analysées par Maria Cristina Giuntella. Le bilan qu’elle en dresse n’est pas brillant, mais il est intéressant de constater que le débat se déroulait alors entre les tenants d’une approche éducative et morale de l’histoire enseignée et ceux qui tenaient à transmettre les connaissances spécifiques de la discipline, un débat qui n’est toujours pas épuisé aujourd’hui. De son côté, Anne Morelli relate la période où la Belgique a connu un enseignement rénové de l’histoire, un programme problématisé et susceptible de favoriser les activités des élèves qui a été généralisé à la fin des années soixante,puis supprimé par un ministre conservateur au début des années quatre-vingt. Encore une fois, ce cas nous montre l’inscription dans la longue durée de certains débats fondamentaux sur l’enseignement de l’histoire. Les propos de Christian Laville sont encore plus inquiets pour la période récente. Il note en effet une certaine tendance, dans bien des pays, à vouloir revenir à un récit fermé destiné à « mouler les consciences ». La dimension civique de l’enseignement de l’histoire devrait pourtant nous mener à aller dans le sens du développement d’un sens critique. Sur le même thème, François Audigier appelle de ses vœux un développement des réflexions et des recherches en didactique pour que l’on sache mieux quels récits communs sont à construire et ce que les élèves s’approprient vraiment en termes de citoyenneté et de sens critique.

Nicole Tutiaux-Guillon insiste à juste titre sur la valorisation de l’adhésion et la prédominance d’une histoire scolaire, en France, qui prétend dire la réalité du monde en évitant de laisser planer le doute et les incertitudes. Enfin, les deux dernières contributions de l’ouvrage, dues à Théodora Cavoura et Nicole Lautier, portent sur la pensée historique, notamment autour du raisonnement analogique. Mais comment passe-t-on de l’analogie spontanée à l’analogie scientifiquement raisonnée? Selon quels critères peut-on sortir du sens commun et entrer réellement dans une pensée historique? C’est tout le problème de la pensée et de la conscience historiques qu’affronte désormais la recherche didactique pour développer une construction lucide de l’histoire scolaire par ses acteurs.

Ce volume, décidément, est d’une très grande richesse!

Charles Heimberg – Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genève.

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Développer des compétences en classe d’histoire – JADOULLE (CC)

JADOULLE, Jean-Louis; BOUHON, Mathieu. Développer des compétences en classe d’histoire. Unité de Didactique de l’Histoire de l’Université catholique de Louvain, 2001.  264p. BOUHON, Mathieu; DAMBROISE, Catherine. Évaluer des compétences en classe d’histoire. Unité de Didactique de l’Histoire de l’Université catholique de Louvain, 2002.  215p. Resenha de: AUDIGIER, François. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.3, p.323-325, 2003.

Dans une production d’ouvrages de didactique, malheureusement peu abondante, voici deux ouvrages à la fois fort utiles et très intéressants. Utiles parce qu’ils proposent de nombreux exemples et intéressants par l’orientation qu’ils proposent et mettent en œuvre ainsi que par les débats qu’ils ne manqueront pas de susciter. Chacun connaît le développement actuel de la réflexion sur les compétences ; quelque opinion que l’on en ait, aucune réflexion sur l’enseignement de l’histoire ne peut aujourd’hui l’ignorer. Ces deux ouvrages sont une contribution théorique et pratique en faveur d’un profond renouvellement de cet enseignement. Ils accompagnent la réforme de l’enseignement dans la Communauté française de Belgique; un décret voté en 1999 par le Parlement de cette Communauté définit les compétences terminales et les savoirs requis en histoire. Soulignons d’emblée, pour ne pas avoir à revenir sur ce qui est un faux débat, qu’il y a bien les deux termes de compétences et de savoirs et que les unes et les autres sont indissolublement liés. Un des intérêts majeurs des compétences est de nous inviter à raisonner autrement que par l’accumulation d’objets d’histoire, le plus souvent distribués dans un ordre chronologique lui-même peu rigoureux. En effet, cet ordre n’évite nullement les recouvrements lorsque les objets changent, plus encore, il est plein de trous. Raisonner les curriculums et autres plans d’étude en termes de compétences demande d’insister sur le fait que les savoirs et les savoir-faire prennent tout leur sens lorsqu’ils sont mobilisés par l’individu en situation. Ce sont dès lors, dans le cadre scolaire, les situations d’enseignement et d’apprentissage, leurs définitions, leurs intentions, leurs contenus et leurs mises en œuvre, qui sont au cœur de la réflexion didactique. Mettre en avant l’intérêt d’une telle approche ne signifie nullement que celle-ci résout tous les problèmes de l’enseignement de l’histoire aujourd’hui, mais qu’il convient de les identifier clairement et de dépasser les querelles de croyances.

Le premier ouvrage comporte trois parties d’inégale importance. La première, la plus ramassée, donne la parole à Jean-Marie de Ketele pour définir le terme de compétences et situer son intérêt aujourd’hui, puis à Britt-Mari Barth pour traiter de la conceptualisation. Elle s’achève par un texte des auteurs sur les compétences en histoire, texte dans lequel ils proposent plusieurs outils permettant d’opérationnaliser l’approche par compétences.

Les deux parties suivantes fournissent de nombreuses situations avec commentaires, appareillages documentaires, outils de réflexion, tous construits et expérimentés avec une équipe d’enseignants. Le premier ensemble présente des « scénarios didactiques » à propos de cinq objets d’histoire. Ils sont tous bâtis selon un canevas commun qui articule: « l’étude d’un moment-clé ou d’une vision panoramique » au cours de laquelle « les élèves s’approprient des savoirs… et des savoir-faire et développent un certain nombre d’attitudes »; une situation d’intégration au cours de laquelle les élèves mobilisent les ressources précédemment construites ; une situation d’évaluation. Cette évaluation, essentiellement formative tient une grande place dans la réflexion et dans la construction des scénarios. Des propositions en ce sens occupent la dernière partie de l’ouvrage et en constituent à elle seule plus de la moitié. Chaque situation comporte une analyse des compétences évaluées, les documents fournis aux élèves et les outils d’évaluation à la fois critériés et quantifiés, en particulier les outils d’autoévaluation. Compte tenu de la logique de cette approche, ces situations sont aussi des ressources pour construire les situations d’intégration. Dès lors qu’un travail plus autonome est mis en place, ces situations et l’évaluation formative entretiennent de très fortes connivences.

Cette importance de l’évaluation s’affirme dans le second volume. Le titre est quelque peu trompeur puisque les exemples proposés décrivent et analysent en fait l’ensemble du dispositif et présentent les situations d’intégration avec leurs supports documentaires. Les outils d’évaluation, qui sont ici aussi des outils d’autoévaluation, portent sur les productions des élèves pendant les situations d’intégration. Des exemples de ces productions accompagnent ces outils. Comme dans l’ouvrage précédent issu de la même équipe, les divers matériaux ont été expérimentés avant d’être publiés. L’ouvrage est organisé autour des deux compétences générales définies pour l’histoire – « se poser des questions », « communiquer» –, dans deux niveaux de classe 4e et 5e années; les deux autres compétences sont « critiquer» et « synthétiser». Les objets traités concernent l’histoire depuis le Moyen Âge.

L’intérêt de ces ouvrages rappelé, cette courte note s’achève par quelques thèmes de travail et de débat que leur lecture soulève. Au risque d’être redondant, j’insiste sur le fait que ces thèmes sont « au-delà » de cette approche ; autrement dit, ils n’arrivent en aucun cas comme des invitations à revenir en arrière ou comme des critiques qui délégitimeraient cette orientation. En fait, les questions que soulèvent ces thèmes sont largement présentes dans les approches traditionnelles de l’enseignement de l’histoire, mais les coutumes didactiques, la force du modèle disciplinaire, plus encore les croyances où beaucoup sont de voir les intentions et les finalités si nobles accordées à notre discipline se traduire dans les faits, les masquent le plus souvent. L’approche par compétences, en déplaçant notre regard, nous invite à les réexaminer et à les (re)travailler. J’en formule quatre: du point de vue des objets d’histoire retenus et étudiés, l’ensemble laisse un sentiment de juxtaposition dans lequel il est difficile de lire une cohérence. Il est vrai que lorsqu’on lit de l’histoire, notamment de l’histoire scolaire, l’attente spontanée est celle d’une certaine continuité chronologique, laquelle nous délivre un message de cohérence. J’ai dit précédemment l’illusion que les approches traditionnelles imposent de ce point de vue. Les propositions qui sont faites ici ont le mérite de placer ce problème au-devant de la scène. Plus profondément, c’est l’idée même de cohérence qu’il faudrait reprendre totalement. Le nombre d’objets historiques intéressants pour la formation des élèves est sans fin. Le choix de ces objets, leur succession et la cohérence de l’ensemble ont longtemps été assurés par les finalités politiques attribuées à la discipline. La définition des compétences et leur mise en réseau avec les savoirs, savoir-faire et attitudes retenus suffisent-elles à construire une nouvelle cohérence? Mais la cohérence en histoire, plus largement dans les sciences sociales estelle autre chose qu’une Weltanschauung et par là-même autre chose qu’une construction culturelle et idéologique1? D’ailleurs, avonsnous vraiment besoin de cohérence? lorsque l’on examine les documents proposés aux élèves, le sentiment de juxtaposition vient à nouveau et le constat d’une grande hétérogénéité s’impose. Hétérogénéité de forme notamment puisque tout ou presque est mis sur le même plan et que l’on trouve pêle-mêle des morceaux de sources contemporaines à la période étudiée, eux-mêmes découpés, traduits, réécrits…, des cartes, plans et schémas élaborés postérieurement dans des conditions variées et non précisées, des mises au point d’historiens, etc. Avec un tel patchwork et un travail souvent très encadré par les consignes même s’il est autonome dans sa mise en œuvre, on peut s’interroger sur la part prise par la formation critique. Si l’histoire se construit avec des sources, encore faut-il être précis sur ce que ce terme recouvre. Il me semble là que les contraintes scolaires conduisent à marginaliser ce qui s’affirme comme exigence au moins dans les discours et les références faites à l’épistémologie de l’histoire ; dans le prolongement de cette remarque, les documents proposés sont très univoques, tendus par la nécessité de construire des compétences et des savoirs dans le temps scolaire. La pluralité des points de vue, si constamment affirmée comme une préoccupation, voire un objectif de l’enseignement de l’histoire, n’apparaît guère ; le rapport passé-présent est formulé, notamment dans le titre du texte de B.-M. Barth, de manière doublement univoque ; il y a « un» passé et « une» orientation dans le temps. Le premier singulier est une habitude de langage largement répandue. Peut-être pourrionsnous faire évoluer cette habitude et mettre régulièrement un S à passé. Cette marque du pluriel est nécessaire, d’une part pour bien marquer, notamment chez nos élèves, qu’il n’y a pas aujourd’hui d’un côté et le grand magma du « temps d’avant » de l’autre, d’autre part pour nous inviter à construire le plus souvent possible des comparaisons entre des passés et le présent (voire d’ailleurs aussi les présents), surtout lorsque notre intention est dans la conceptualisation. Tous les chercheurs qui ont travaillé sur cet objectif de conceptualisation soulignent qu’un concept renvoie à un ensemble de situations dans lequel le concept est valide, ensemble non fini en histoire et plus généralement dans les sciences sociales. La diversité des situations est ainsi nécessaire à la conceptualisation. Le second singulier, cette orientation unique du temps au nom de laquelle « le passé sert à comprendre le présent », fait partie des évidences. Cette affirmation posée, il serait intéressant de disposer de recherches précises sur les manières dont se tissent, en classe, ces relations. Ainsi, par exemple et pour n’en prendre qu’un seul aspect, plusieurs recherches, reposant sur des observations de classe (voir l’article dans le Cartable n° 2), mettent en évidence le fait que les enseignants font souvent appel aux connaissances que les élèves sont supposés avoir sur la société dans laquelle les uns et les autres vivent ensemble. Ils procèdent comme si ces connaissances étaient suffisantes et qu’ils pouvaient les mobiliser pour construire le passé par comparaison, rapprochement, différenciation. Or, ces mêmes recherches observent, d’une part que les élèves sont en fait très ignorants de leur propre société et que ces appels au « vécu » fonctionnent dès lors à vide, d’autre part que les relations passés/présent sont alors inversées, puisque c’est la connaissance du présent qui est supposée aider à comprendre le passé. J’ajoute que ces appels sont très rarement l’objet d’un travail approfondi. Avec la formule « le passé aide ou sert à comprendre le présent », nous avons encore à faire à un rite rhétorique qu’il convient d’examiner plus à fond.

Engageons et prolongeons le débat. Là encore, je plaide avec insistance pour le développement de recherches dans les classes, auprès et avec des élèves et des enseignants.

Sans aucune connotation négative de ce terme, qu’il conviendrait, comme quelques autres déconsidérés aujourd’hui, de réintroduire comme outils de pensée.

François Audigier – Université de Genève.

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Curriculum: Construction and Critique – ROSS (CSS)

ROSS, Alistair. Curriculum: Construction and Critique. London & New York: Falmer Press, 2000. 187p. Resenha de: TRYSSENAAR, Laura. Canadian Social Studies, v.37, n.2, 2003.

Curriculum is a complex and compelling subject for both students and practitioners in education. Curriculum: Construction and Critique is an important book in the Masters Classes in Education Series. It is suitably written for the Masters level and would be an excellent text for graduate courses in the curriculum field. It would also be a useful reference book, helping professors and students alike to steer a course through the complexity of curriculum concepts and constructs. It is a highly readable and coherent text with a depth of scholarly perception that will encourage debate and conjecture.

The intent of the book is to raise questions regarding the purpose and design of curriculum and to examine the ideologies that shape curriculum. Alistair Ross aptly introduces the book, and the idea of curriculum, by choosing a culturally significant metaphor. Curriculum as garden takes its meaning from the English concept of garden, in which gardens have identifiable designs, purposes, and philosophies. Ross notes, the different ideas about the form and purposes of gardens are part of the same cultural movements that expressed different ideas about the structure and objectives of the school curriculum (p. 3). He consequently extends the metaphor into an examination of The Baroque Curriculum, the Naturally Landscaped Curriculum, the Dig for Victory Curriculum, and the Cottage Curriculum. The connection between curriculum and culture is firmly established and carries through the entire text.

The curriculum construction context addressed in this book is that of the curriculum in England and Wales, yet it has great relevance for students of curriculum in other nations in that it provides a point of comparison for a global inquiry into curriculum. Ross conceptualizes curriculum using universal definitions, and examines global trends in school curricula. Citing a study done by John Meyer at Stanford University, he points out the extraordinary similarities in curricula worldwide indicating that local national variations have been ironed out as a pattern of international conformity has prevailed (p. 15). Ross acknowledges that there are many local variations in curriculum, but suggests that the international trends in education reflect many of the same forces that have shaped the curriculum in England and Wales and thus offers his critique of curriculum in his culture as a template for global comparison.

Ross, like many others, perceives curriculum as a social construct that has responded to diverse influences over more than a century. He provides an interesting historical perspective of some of the great controversies and conflicting ideologies brought to bear on curriculum from 1860 to the present. Conflict and turmoil over the years are examined in light of tradition, politics, and ideology. Students of curriculum will find this book useful as a historical reference and as a basis for identifying the similarities among curriculum histories.

Another advantage of choosing a text based on a study and critique of the national curriculum in England and Wales, is its deliberate analysis of government involvement in shaping and imposing curriculum. What is particularly revealing in this text is the overwhelming connection between government ideology and the curriculum. The Thatcher government’s position on education and neo-conservative pressures of the recent past are particularly revealing. Students interested in examining the possibilities and pitfalls of a national curriculum will find this text offers much substance for the debate of central versus local control of the curriculum.

This text also has value as a model for research and scholarship. Ross presents a comprehensive compilation of curriculum scholarship and theorizing throughout the book, but most distinctively in the chapter on curriculum and reproduction. He examines the relationship between an educational system, particularly its curriculum, and the wider society within which the system is located (p. 81) from the theoretical standpoints of theorists such as Emile Durkheim, John Dewey, Michael Apple, Antonio Gramsci, Samuel Bowles and Herbert Gintis, Pierre Bordeaux, and Basil Bernstein among others. These theorists place curriculum in a social context, and provide a variety of interpretations of the role of curriculum in social reproduction.

Ross then moves from a theoretical perspective to meeting the need of many curriculum scholars for a concrete or technical depiction of curriculum. The remaining chapters of the text focus on the forms or traditions that written curriculum takes, and a critique thereof. Various approaches to curriculum are scrutinized. The reader is introduced to the discourse and ideology of content-based curriculum, objectives-based curriculum, and process-driven curricula. This is where a number of visuals add clarity to the book. Graphs, charts, and diagrams serve to illustrate and illuminate curriculum types, and the relationships between teachers, students, and the curriculum in various contexts. Diagrams are clear, flow charts easy to follow, and graphs are relevant to the content of the chapters. The connection is made between the various forms that curriculum takes and what curriculum becomes for the students for whom it is intended in these chapters and supports Ross’s argument that curriculum has a role in shaping future identities (p. 149).

The text comes full circle in the concluding chapter with another cultural metaphor, this time equating the Englishness of roast beef to the national identity forged by the curriculum, and warning of the dangers of believing both concepts. The final chapter offers a critical analysis of the symbols of nationality embedded in the curriculum which present some problems in terms of values and equality (p. 150). Ross raises questions about whose identity is being transmitted through the curriculum, and wonders about the regional, class, gender, and ethnic identities that are being denied when one national identity is created and promoted. That curriculum is important and powerful cannot be denied.

The book successfully addresses the historical, cultural, and political influences on curriculum, and provides insight into the complexity of curriculum substance and theory. Students who engage with this text may find they have as many questions as they are given answers. Alistair Ross achieves his goal and is able to both distinguish some of the competing traditions in curriculum design and purpose, and to analyse some of the ideologies that drive its construction (p. 160). The strength of this book is in its very Englishness which offers an honest perspective for curriculum critique.

Laura Tryssenaar – Faculty of Education. University of Western Ontario. London, Ontario.

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The Canadian Anthology of Social Studies: Issues and Strategies for Teachers – CASE; CLARKE (CSS)

CASE, Roland; CLARK, Penney (eds). The Canadian Anthology of Social Studies: Issues and Strategies for Teachers. Burnaby, BC: Field Relations and Teacher In-service Education, Faculty of Education, Simon Fraser University,1997. 424p. Resenha de: BRADFORD, Kathy. Canadian Social Studies, v.36, n.2, 2002.

The Canadian Anthology of Social Studies, edited by Roland Case and Penney Clark, is an impressive collection of forty-one articles contributed by both practicing teachers and teacher educators from across the country. Although several of the articles have appeared elsewhere, many were written expressly for the anthology. Case and Clark use three major themes to organize this vast collection of information: Foundations; Ends and Means; and Implementation. More specific organization within each of the major parts provide further structure to the individual chapters in the book. In the Foundations section, the editors have included articles which discuss the need to develop and understand a ‘coherent vision’ of the social studies along with overarching approaches to social studies programs characterized as discipline-based strands (history, geography, anthropology, archaeology, law), concern-based strands (global education, multiculturalism, gender issues, peace education, environmentalism), and dimension-based strands. Case and Clark organize the chapters in Ends and Means around the themes of content knowledge, critical thinking, information gathering and reporting, personal social values, and individual and collective action. The final section, Implementation, offers chapters focusing on instructional planning, learning resources, and student assessment.

Three excellent introductory chapters offering different perspectives or approaches to foundations for social studies programs, challenge teachers to think about and determine their own underlying beliefs about social studies and encourage the formation of and adherence to a personal coherent vision. In Challenges and choices facing social studies teachers, Neil Smith uses vignettes of typical social studies lessons or units (the pursuit of factual content without understanding; hands-on fun without context; and student involvement in decision-making without benefit of developing decision-making skills) to identify common problems in successfully teaching social studies. Roland Case’s solo contribution to this section, Elements of a coherent social studies program, is a chapter which every social studies teacher should read. Case believes that every teacher should be able to identify a coherent and defensible vision of social studies that drives their teaching (p. 10). To encourage teachers to develop their visions, Case identifies three necessary elements which combine to form such a social studies program: an underlying rationales (social initiation, social reformation, personal development or academic understanding); educational goals (content knowledge, critical thinking, information gathering and reporting, personal and social values, individual and collective action); and organizational strands (discipline-based, dimension-based, concern-based) which determine the emphasis and content of a social studies program. Case provides insightful examples of how a particular subject of study may be approached differently depending upon the rationale, goals, and strands used to organize the unit.

Other chapters in the anthology also explore social studies issues from and for various theoretical perspectives, however, a major strength of this collection is the emphasis on practice and the many suggestions for implementing ideas and improving social studies practice. It is important to note that the suggestions for practice are all solidly based in theory they are not ‘keep busy’ activities, rather they are tools for improving learning outcomes and meeting educational goals. One such gem is Penney Clark’s Escaping the typical report trap: Learning to conduct research effectively. Clark offers a seven-step model, for use by both elementary and secondary students, to make the complex task of conducting and reporting on research an interesting and educationally useful experience (p. 195). The steps, which include how to formulate guiding questions, how to extract information, and how to synthesize information into an effective presentation format, focus not on the regurgitation of information but rather on the development and practice of skills.

Every teacher, student teacher and teacher new to social studies, whether at the elementary or secondary level, should acquire this book for her or his personal library. This book presents a wealth of information about issues in social studies across Canada. The reader should approach the articles in The Canadian Anthology of Social Studies as excellent introductions to issues and topics rather than as definitive answers to social studies teaching and learning. As the editors state in the Foreword, the articles in the anthology present a multiplicity of viewpoints and experiences[which]rather than compete with one anothercomplement and accentuate the features of the others (p. vii). The harmony and diversity of ideas in the anthology embody the essence of the social studies themselves.

Kathy Bradford – Calgary, Alberta.

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Tapestry: A Canadian Social Studies Program, Levels 4 – 6 – PETERSUN et al (CSS)

PETERSUN, Rod; ASSELSTINE, Les; DUBOIS, Wendy; LUKS, Norma; MORRISON, Judy; SHIELDS, Bob. Tapestry: A Canadian Social Studies Program, Levels 4 – 6. Toronto: Harcourt Brace Company, Canada Ltd, 1996-97. 48p. Resenha de: BRADFORD, Katy. Canadian Social Studies, v.36, n.2, 2002.

Tapestry, a collection of twelve student booklets and corresponding teacher guides, is a new social studies program aimed at grades four, five and six. Written collectively by author teams, only Rod Peterson, the lead author, has contributed to each of the texts. The booklets within each level and among the three levels are designed as a whole unit working together to achieve the stated objectives of the program. The content themes (Self and Society, Geography and History) are organized to support four major social studies concepts: Interdependence, Change, Diversity and Heritage. Six broad learning expectations inform the Tapestry program over the course of time the student will become: a self-directed and reflective learner; an effective communicator; a responsible, collaborative contributor; a critical, creative problem solver; a creative producer; and a responsive and responsible citizen. Clearly, these are extensive expectations for twelve social studies textbooks. Leia Mais

Line Dancing: An Atlas of Geography Curriculum and Poetic Possibilities – HURREN (CSS)

HURREN, Wanda. Line Dancing: An Atlas of Geography Curriculum and Poetic Possibilities. New York: Peter Lang, 2000.152p. Resenha de: DARLING, Linda Farr. Canadian Social Studies, v.36, n.1, 2002.

When Professor of Geography Derek Gregory began work on his landmark book on geography as discipline and more importantly, discourse, he tentatively called it, The Geographic Imagination. By the time he finished mapping human geography into contemporary social theory, he had changed the title to Geographic Imaginations, an explicit reference to the diversity of perspectives, positions, and subjectivities embodied in any study of human understandings of place, space, landscape, and self. Leia Mais

Social Studies at the Center: Integrating Kids, Content, and Literacy – LINDQUIST; SELWYN (CSS)

LINDQUIST, Tarry ; SELWYN, Douglas. Social Studies at the Center: Integrating Kids, Content, and Literacy. Portsmouth, N.H.: Heinemann, 2000. 256p. Resenha de: BRADLEY, Jon G. Canadian Social Studies, v.37, n.1, 2002.

As my good pal Pooh might have exclaimed in a moment of angst, this book bothers me. At times, I am not sure which eyes I should be using. If I read the volume as a social studies teacher educator, I am bothered by its apparent narrowness and lack of a well articulated and broadly based research grounding. On the other hand, if I read it as an elementary practitioner, I can see the practicality of a system that is based upon tried and true practice. Nonetheless, even in this view, I am bothered by the personal and professional power and strength of the authors and concerned that other elementary teachers may be unable to replicate the design model and, therefore, be unable to achieve the desired success.

What is proposed in Social Studies at the Center is not new. Advocating an integrated curriculum with social studies at the hub of a wheel of learning is not a particularly novel concept. In this day of first language mastery, second (and even third) language acquisition, mathematics and sciences orientations and renewed calls for more physical education programs to accompany the academic stream, elementary educators are hard pressed to focus upon and target the social studies. While the authors’ message may be a sympathetic clarion call for the social studies to command a centrist curriculum place, the hard reality of the contemporary curriculum landscape may dictate other priorities.

Essentially, Lindquist and Selwyn present their own practical planning template which they aptly term the curriculum disk. Clearly modelling Dewey’s notions of self-reflection and reflective practice over time, these two elementary practitioners have developed a specific, personal, and particular learning model that emphasizes the social studies and integrates the other acknowledged disciplines within this centering orientation.

According to the authors, the curriculum disk is a planning wheel whose central purpose is to help teachers design and organize integrated curriculum units with social studies as the key and overarching discipline. There are seven ‘R’ components that make up this planning scheme epitomized by the action verbs read, respond, research, represent, react, reflect and relate. The authors are careful to note that teachers may begin with any one of the planning verbs, may well spend more time on certain ones than others, and at all times are to make the pupils themselves part of the active learning processes that are advocated.

Social Studies at the Center begins with an introductory chapter, light on research but heavy on practice, that attempts to situate the broad discipline defined as social studies at the center of the elementary curriculum. Following chapters detail the curriculum disk organizing model and offer explicit classroom directions on how the curriculum design was carried out with classes. Samples of teacher planning as well as examples of students’ work illustrate the overall planning-learning processes in action. The last two chapters of the book deal with anticipated questions/answers as well as suggested Internet resources for the social studies.

When all is said and done, Social Studies at the Center is a rather weak and narrowly focused volume. Based almost entirely on the practical experiences of a couple of well-intentioned and no doubt effective elementary classroom teachers, the central curriculum wheel planning model that is advocated suggests that teachers make major curriculum planning decisions. While such serious curriculum decisions might well be within the scope of experienced practitioners, they certainly would flounder on the political shoals of local school boards, and furthermore, are not even on the radar screens of beginning teachers.

The volume is too ‘preachy’! There is no fault or problem that cannot be overcome if the advocated curriculum disk model is adopted. Conventional wisdom such as planning is the crux to good social studies teaching (p. 32) too often appears to trivialize the complex and intertwined processes of adult-child-discipline classroom interaction. The overriding tone of the volume seems to suggest that all will be well as long as the curriculum planning disk model is faithfully followed.

While one may applaud the particular professional viewpoints that emerge over time from the classroom environment, this has to be balanced against the possibilities of replication and improvement in a myriad of situations involving many kinds of children interacting with various classroom practitioners. While the general planning model advocated in Social Studies at the Center clearly works for the two authors, its general applicability to a larger professional audience of experienced practitioners and/or to neophyte beginners is questionable.

Jon G. Bradley – Faculty of Education. McGill University. Montreal, Quebec.

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Un siècle de leçons d’histoire. L’histoire enseignée au lycée 1870-1970 – HERRY

HERY Evelyne. Un siècle de leçons d’histoire. L’histoire enseignée au lycée 1870-1970. Rennes : Presses Universitaires de Rennes, 1999, 437p. Resenha de: BUGNAR, Pierre-Philippe. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.1, p.222, 2001.

L’auteure dépiste les vieux habitus de l’histoire enseignée – cours magistral, résumé, leçon apprise et récitée, interrogation orale… –, érigés en autant de rituels indécrottables, un dépistage qui confère à l’immobilisme de la discipline une visibilité éclatante. Toute cette économie traditionnelle tranche fortement avec la noblesse et l’ambition des finalités qu’assignent les instructions officielles contemporaines à un tel enseignement. L’analyse des pratiques révèle donc une ankylose que dénonçait déjà Durkheim au début du XXe siècle ou Daumier, plus tôt encore, dans ses caricatures.

Il faut maintenant se demander si le « tour- nant critique » des années 1960, qui marque bien le terme amont de l’étude, a vraiment permis d’opérer la « libération» tant atten- due pour l’enseignement de la discipline des sciences humaines la plus engoncée peut- être dans un système suranné, produisant si peu d’apprentissages durables eu égard aux résultats escomptés (finalités sociales, disci- plinaires…) et aux moyens alloués (dotation horaire, manuels…).

Le cartable de Clio reviendra dans un pro- chain numéro sur cette recherche impor- tante pour la compréhension des habitus de l’enseignement de l’histoire au secondaire.

Pierre-Philippe Bugnard – Université de Fribourg – Sciences de l’éducation.

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Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum: A Framework for Respectfully Teaching About Culture – CORNELIUS (CSS)

CORNELIUS, Carol. Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum: A Framework for Respectfully Teaching About Cultures. Albany, NY: State University of New York Press, 1999. 294.p. Resenha de: BRADLEY, Jon G. Canadian Social Studies, v.35, n.1, 2000.

“The greater the ignorance the greater the dogmatism.”
Sir William Osler, 1902, Montreal Medical Journal

As I entered the staff room, I became an unintended participant in a mini-drama that was unfolding with all the fury and vitriol that such heated staff room debates can generate. The two teachers, standing toe to toe, were exchanging what any pupil would recognize as ‘those looks.’ Clearly, my unexpected entry had interrupted their oral exchange. Once determined that I was not of the school or of the Board and, in fact, was an outsider from the university, I became their self-elected referee. A winner and, thereby a loser, had to be determined and I had been chosen to render judgement!

Briefly, the two elementary teachers were arguing philosophies of education and, as we all know, this is in and of itself dangerous to do within school grounds. Teacher 1 had just erected her monthly hallway bulletin board display of grade five student work around the theme of Northland Indians. Teacher 2 had just seen the display and had commented to Teacher 1 that some of the pupils’ written and pictorial perceptions about native peoples were inaccurate. Additionally, Teacher 2 had apparently forcefully indicated that such “insensitive” and “ignorant” depictions had to be immediately removed. Teacher 1, as one might expect, took great personal umbrage to this criticism and had rebutted that pupil opinion was valid and it was not up to Teacher 2 to force her own ‘narrow’ beliefs on others. Enter the innocent university visitor.

“No matter what grade level – kindergarten to college level – whether in history, literature, or social studies, the stereotypes, omissions, and distortions about American Indians continue to pervade educational materials. What is the basis, the underlying assumption behind these images of the noble savage, savage savage, or the vanishing race?” (17).

Cornelius has written a most thought-provoking and, at times, disturbing book. This is not a volume for the faint-hearted! Cornelius asks some terribly important questions and openly challenges what many North Americans might well consider to be ‘truths’ and ‘facts’ about the First Nations peoples. Additionally, several precepts concerning general curriculum foundations and design are challenged by Cornelius. Unlike many other volumes that centrally seek a more literate or a more academically knowledgeable teacher, Cornelius asks the more difficult and deeply fundamental questions related to how minority groups are portrayed within our educational system. To a certain extent, Cornelius suggests that Native studies can only be accomplished with dignity if one operates from an assumption of cultural equality.

Basing her reflections on her own personal-practical knowledge as well as using the Haudenosaunee culture as a touch-stone, Cornelius creatively and delicately strips away imposed curriculum designs to reveal another that is deeply rooted in mystical pasts and cultural depths. Metaphorically centering the cultural dimension upon the power and spirit of corn, she deftly intertwines historical and contemporary issues so as to illustrate a multicultural curriculum in the making. Cornelius does not simply state or attempt to make a case for better, more or nicer native curriculum; rather, she offers the reader a grounded philosophical framework that emanates directly from the culture itself. In a sense, the reader is taken on a winding journey that weaves history and curriculum together in a meaningful entity and, in the process, forces the reader to confront the surfacing contradictions.

Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum provides educators at all levels with a model for curriculum development. This is a model that emphasizes cultural strengths and clearly offers an alternative to schema that suggest there is a dominant culture to which all others must be subservient.

Jon G. Bradley – McGill University, Montreal.

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