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Migrações: identidades, culturas e trajetórias / Aedos / 2021
Migrações | Imagem: Fundação FHC |
Há pouco mais de um ano, nossos editores finalizavam o volume onze, número vinte e cinco, da Revista Aedos, já sob as recomendações sanitárias de isolamento social, fundamentais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Este é o volume doze, vigésimo sétimo número desse periódico, e a terceira publicação finalizada, integralmente, sob tais circunstâncias. A crise sanitária persiste, acompanhada por uma dolorosa paisagem de mortes e destruição econômica e social. No Brasil, passado um ano dos primeiros alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a disseminação em massa do novo coronavírus, ainda há uma assombrosa carência de políticas efetivas e coordenadas pelo governo federal para mitigar esses efeitos – o que nos lançou tragicamente ao epicentro da crise mundial nas últimas semanas. Enquanto estas palavras são escritas, o país beira as três mil mortes diárias, sem contar subnotificações, de um total de mais de trezentas mil vidas perdidas. Os profissionais da saúde encontram-se exaustos; por toda parte, faltam leitos e medicamentos essenciais para o tratamento dos pacientes.
Embora o vírus não descrimine ninguém, demonstrando como a comunidade humana é igualmente frágil, a desigualdade, segundo Judith Butler (2020, p. 60-62), que inclui “o nacionalismo, a supremacia branca, a violência contra as mulheres, as pessoas queer e trans, e a exploração capitalista”, atribui-lhe esse componente de modo cada vez mais “radical”. Ora, pois não seria ao menos emblemático que a primeira vítima notificada no Brasil tenha sido uma empregada doméstica de 63 anos? E, já que falamos disso, como não recordar, conforme Achille Mbembe (2020, p. 4), de “todas as epidemias imagináveis e inimagináveis que, durante séculos, devastaram povos sem nome em terras remotas”? Como esquecer das guerras e ocupações predatórias que mutilam e lançam milhares de pessoas a uma vida errante?1 Ou ainda, que tem a saúde e a expectativa de vida comprometidas pela “ação de empresas poluidoras e destruidoras da biodiversidade.” A propósito, na medida em que o vírus quebrava as barreiras do espaço e dos alvéolos pulmonares, as florestas brasileiras (os pulmões da Terra), juntamente com a sua fauna, arderam em chamas, tal qual qualquer imagem arquetípica do juízo final. A fumaça liberada daquele “inferno” transformou dia em noite.
Ainda que muitas vezes queiramos nos livrar do fato, é no mínimo lamentável tamanha destruição para “olharmos para a história humana como parte da história da vida nesse planeta”, como tanto insistiu Dipesh Chakrabarty (2013, p. 15). Nessa perspectiva, nos voltamos ao “corpo”, com seus medos, desejos e sensibilidades – e, agora, isolado; nos voltamos à experiência do “frágil e minúsculo corpo humano”, a que Walter Benjamin (1987, p. 114) tanto se esforçou para evidenciar no século passado. Diante de tamanha catástrofe, esperamos que os trabalhos reunidos em mais uma edição “pandêmica”, com um dossiê temático dedicado às migrações, identidades, culturas e trajetórias, possa talvez servir como um “sopro”. Não como aquele que vem da “tempestade do paraíso”, impedindo o “anjo da história” de Benjamin (1987, p. 226) de “acordar os mortos e juntar os fragmentos”; mas como o “(co)movedor”, no “jogo de palavras” de Alistair Thomson (2002, p. 359), toque da cítara dos aedos
Notas
1. Com a pandemia, segundo o último relatório de Tendências Globais (2020) do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “o número de pedidos de asilo registrados na União Europeia em março de 2020 caiu 43% em comparação com fevereiro, à medida que os sistemas de asilo diminuíram ou pararam com países fechando fronteiras”.
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. v. 1.
BUTLER, Judith. El capitalismo tiene sus limites. In: AGAMBEN, Giorgio et. al. Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiempos de Pandemias. [S.l.]: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.
CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da História: quatro teses. Sopro, São Paulo, n. 91, jul. 2013.
MBEMBE, Achille. O direito universal à respiração. N-1 Edições, São Paulo, 2020.
THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: História Oral e estudos de migração. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, p. 341-364, 2002.
UNCHR. Global Trends. Forced Displacement in 2019. The UN Refugee Agency, Genebra, 18 jun. 2020
Lúcio Geller Junior – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). E-mail: lucio.geller@gmail.com
GELLER JUNIOR, Lúcio. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 27, março, 2021. Acessar publicação original [DR]
La Antigua Gobernación del Tucumán. Política, sociedad y cultura (s. XVI al XIX) | Guilhermo Nieva Ocampo, Ana Mónica González Fasani e Alejandro Nicolás Chiliguay
Esta obra fue publicada en 2020 con el patrocinio del “Instituto Universitario La Corte en Europa” (IULCE) de la Universidad Autónoma de Madrid y del Proyecto N° 2.354: “Agentes del gobierno en el mundo hispano. Microanálisis del poder monárquico (ss. XV-XVIII)” del Consejo de Investigación de la Universidad Nacional de Salta (CIUNSa). Su coordinación estuvo a cargo de Guillermo Nieva Ocampo (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Ana Mónica González Fasani (Universidad Nacional del Sur) y Alejandro Nicolás Chiliguay (CONICET/Universidad Nacional de Salta). Además participan como autores: Juan Jiménez Castillo (Universidad Autónoma de Madrid), Adriana del Valle Báez (Universidad Nacional de Salta), Giovanni Zampar (Universidad Nacional de Salta), Daniela Alejandra Carrasco (Universidad del Salvador), Jezabel Borella (Universidad Nacional de Salta), Marcelo Correa (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Javier Hipólito Villanueva (Universidad de los Andes), Bárbara Aramendi (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Gabriela Lupiañez (Universidad Nacional de Tucumán), Gustavo Bazán (Universidad Nacional de Salta), Ana María Martínez de Sánchez (CIESC. CONICET/ Universidad Nacional de Córdoba), Silvano G. A. Benito Moya (CONICET/Universidad Nacional de Córdoba), María Luciana Llanpur (Universidad Nacional de Jujuy), Nora Siegrist (CONICET/ Pontificia Universidad Católica Argentina), Marisa Restiffo (Universidad Nacional de Córdoba), Leonardo Waisman (CONICET/ Universidad Nacional de Córdoba) y Cecilia Cornejo (Universidad Católica de Salta).
Según explican los coordinadores, el texto se pensó y diseñó con calidad y formato de “manual general” con la finalidad de proporcionar un relato histórico claro, simple y completo sobre la historia de la antigua Gobernación del Tucumán. Principalmente, su lectura está destinada a docentes de nivel medio, estudiantes universitarios y a todos aquellos lectores pertenecientes a un público interesado en esta temática. Leia Mais
Utopia e repressão: 1968 no Brasil – NUNES et al (FH)
NUNES, Paulo Giovani Antonio; PETIT, Pere; LOHN, Reinaldo Lindolfo (org.). Utopia e repressão: 1968 no Brasil. Salvador: Sagga, 2018. 355p. Resenha de: VENTURINI, Luan Gabriel Silveira. Um país de vários rostos, várias culturas e várias lutas: o ano de 1968 no Brasil. Faces da História, Assis, v.6, n.2, p.553-558, jul./dez., 2019.
Nesta coletânea, os professores Paulo Giovani A. Nunes, do Departamento de História da Pós-Graduação em História da UFPB, Pere Petit, associado da UFPA, e Reinaldo L. Lohn, do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, organizam quatorze textos – divididos em capítulos – sobre o período da Ditadura militar brasileira em várias localidades do país, dando vida, assim, ao livro “Utopia e Repressão: 1968 no Brasil”, publicado no ano de 2018. Estes capítulos seguem, de certa forma, uma ordem de organização de acordo com a temática, nos quais grande parte dos textos tem como foco o tema entre memória e movimento estudantil universitário e secundarista, passando pela memória social e pela imprensa da época. Desse modo, vemos que as ações do Regime não se concentraram apenas nos grandes centros, pois movimentaram outros segmentos da sociedade na luta pelas liberdades, como estudantes secundaristas, indígenas, comunidades extrativistas, etc.
Torna-se necessário, portanto, destacar as motivações dos organizadores com a publicação da coletânea aqui apresentada. O intuito desses autores é mostrar, particularmente, os acontecimentos do ano de 1968 no Brasil ditatorial; momento de muitas agitações, manifestações, embates, perseguições e da imposição escancarada da repressão e censura, por meio do AI-5. Além disso, querem expor a enorme diversidade de atores sociais e também espacial, ou seja, apresentar que o Regime militar brasileiro e as suas determinações e consequências motivaram mais do que os principais políticos, artistas, estudantes, jornalistas e intelectuais das principais cidades brasileiras (Rio de Janeiro e São Paulo). Os capítulos irão revelar um país mais plural, afirmando a diversidade durante esse período da História.
No primeiro capítulo, “Papagaio que está trocando as penas não fala: autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do golpe de 1964”, César Augusto B. Queirós analisa as disputas políticas no Estado do Amazonas, no contexto do golpe de 1964. O autor salienta a cassação do mandato do governador Plínio Ramos Coelho (PTB) e a consequente posse de Arthur César Ferreira Reis, político indicado à Assembleia Legislativa do Estado pelas Forças Armadas e pelo presidente Castelo Branco.
A coletânea segue para o próximo texto, permanecendo ainda na região Norte, só que agora o foco não são mais os políticos e, sim, os povos indígenas. Em “Os involuntários da pátria: povos indígenas e Segurança Nacional na Amazônia Ocidental (1964-1985)”, Maria Ariádina C. Almeida e Teresa A. Cruz destacam a situação dos povos indígenas no Estado do Acre, durante um momento em que se acentuavam as ações de controle e violência contra eles por parte de alguns órgãos do Governo Federal. Segundo elas, isso ocorria graças à doutrina de Segurança Nacional e ao objetivo de incentivar a integração tanto socioeconômica quanto cultural da Amazônia ao centro-sul do país. Elas não deixam de salientar a resistência desses povos e também a dos seringueiros na defesa dos seus territórios.
Já em “Memórias de luta: eventos estudantis contra a ditadura na ‘Fortaleza 68’”, há um deslocamento da região Norte para o Nordeste, além da mudança de objeto. O autor Edmilson A. Maia Jr. apresenta a memória sobre a organização do movimento estudantil e conta a trajetória dele em Fortaleza, desde a retomada das instâncias dos interventores, a partir de 1966, até o ápice deste movimento na capital cearense, que foi a Passeata dos Vinte Mil. O autor utiliza-se principalmente de fontes orais.
No próximo capítulo, o objeto de análise continua sendo o movimento estudantil, além do estudo acerca da imprensa na cidade de Florianópolis, ou seja, agora desloca-se para a região Sul. Em “1968 entre utopias e realidades. Imprensa e protesto estudantil: o caso de Florianópolis”, Reinaldo L. Lohn e Silvia Maria F. Arend analisam a complexidade entre imprensa e movimento estudantil com as mudanças sociais ocorridas naquele momento em diferentes cidades brasileiras, principalmente Florianópolis. Eles buscam demonstrar que a temática da juventude e da inovação social implicava tanto nos projetos de quem ia às ruas combater a Ditadura quanto também nutriam os empolgados com o crescimento econômico que estava transformando as cidades de porte médio no Brasil.
Novamente ocorre um deslocamento de cenário, agora para a região Sudeste, porém, o movimento estudantil e a imprensa continuam sendo os objetos de análise em “A UNE na mira da VEJA desde 1968”. A autora Maria R. do Valle ressalta as lutas deste movimento estudantil em São Paulo, a partir de 1968, não só contra a repressão política, mas também contra a narrativa elaborada pela grande imprensa – especialmente a VEJA – que estigmatizava os personagens e as tomadas de decisões do movimento, produzindo assim uma memória pejorativa em relação aos ativistas.
O movimento estudantil continua como objeto de estudos no trabalho de Paulo Giovani A. Nunes, que analisa a luta armada na região Nordeste. Assim como no trabalho de Edmilson A. Maia Jr., em “O ano de 1968 no Estado da Paraíba: militância estudantil e opção pela ‘luta armada’: trajetórias, história e memória”, vemos a trajetória e as memórias de alguns militantes de esquerda, vinculados ao movimento estudantil no Estado da Paraíba. Além disso, alguns estudantes optaram por participar da luta armada no Estado e, segundo o autor, faziam parte do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário).
A questão da memória estudantil continua como foco no trabalho “O poder jovem: memória estudantil e resistência política na obra de Arthur Poerner”, no qual Rodrigo Czajka e Thiago B. Castro observam a influência do livro O poder jovem, que trata da memória social elaborada acerca dos fenômenos sociais que definiram aquela geração (década de 1960). Segundo os autores, o livro ainda é considerado uma referência para o movimento estudantil.
Após alguns trabalhos sobre movimento e memória estudantil, há uma mudança no objeto de estudo no capítulo “Anticomunismo, evangelização e conscientização: igreja e trabalhadores rurais em Pernambuco (1968-1978)”, no qual Samuel C. de Maupeou estuda a atuação da Igreja Católica no meio rural do estado nordestino, especialmente na zona canavieira, mostrando que apesar do viés social, atuava nessa área com um caráter anticomunista. O autor ainda ressalta que apesar do movimento religioso ter defendido o Golpe de 1964, ele foi abalado após a tomada do poder pelos militares; e, com isso, houve a sua reorganização e uma nova articulação.
Seguindo nesse viés de análise da Igreja no contexto do Regime militar, em “Dominicanos, 1968”, Américo Freire discorre sobre a atuação dos religiosos da Ordem dos dominicanos na luta contra a Ditadura militar e como se tornaram alvos dos militares a partir dos contatos de frades com Carlos Marighella. Segundo o autor, as razões para o envolvimento deles na luta contra o Regime vão além das questões políticas.
No texto “O 68 no Rio Grande do Sul”, Enrique S. Padrós analisa a atuação do movimento estudantil secundarista na cidade de Porto Alegre e como as aproximações e os engajamentos com a luta armada estiveram interligados com aspectos da vida cultural, particularmente o teatro.
E no capítulo “1968, memória e esquecimento: como recordar a Bahia?” Lucileide C. Cardoso analisa, especialmente, as memórias acerca do movimento estudantil secundarista e universitário, que iniciaram suas lutas em 1966, mas chegaram ao auge das mobilizações em 1968, além de diferentes interpretações sobre fatos ocorridos no estado nordestino.
Em “Partidos e Eleições no Pará nos tempos da Ditadura Militar”, Pere Petit – assim como César Augusto B. Queirós na análise sobre o Estado do Amazonas – ressalta o desfecho do Golpe de 1964 no Pará e a consequente perseguição aos opositores “comunistas”, seguida pela cassação do mandato do atual governador Aurélio do Carmo. O autor também apresenta os resultados eleitorais de 1965 e a disputa pelo controle do partido ARENA entre duas principais lideranças golpistas no Estado, Jarbas Passarinho e Alacid Nunes.
No trabalho “Do uso das tecnologias e dos dispositivos de poder: ditadura militar e empresários na Amazônia”, em que Regina Beatriz G. Neto e Vitale J. Neto apresentam o processo de colonização e violência imposto no Mato Grosso como padrão de desenvolvimento econômico. Para isso, analisaram as alianças entre as elites econômicas e órgãos do governo federal e estadual, que ignoraram a territorialidade dos povos indígenas e dos extrativistas. Trata-se também de mais um trabalho sobre a região Amazônica no livro.
No último texto da coletânea, “Considerações sobre a ditadura civil-militar no sul de Mato Grosso (1964-1968)”, Suzana Arakaki analisa a atuação dos membros da Ademat (Ação Democrática de Mato Grosso) e também do Comando de Caça aos Comunistas no combate a esses “subversivos”, além do papel da imprensa da região antes e durante a Ditadura.
Como vimos, o intuito desta coletânea é apresentar aos leitores as diversas realidades brasileiras que compuseram o período de Ditadura militar, bem como a luta e resistência desses “novos” segmentos. Além disso, ela nos mostra possiblidades e objetos de pesquisa, que ainda são pouco explorados pela historiografia sobre o tema, como o uso das memórias na reconstituição da história dos movimentos estudantis, o papel das alianças entre grandes proprietários de terras e os órgãos do governo federal, a utilização de obras contemporâneas do período como forma de recuperar a memória social daquela geração etc. Assim sendo, trata-se de uma obra que traz importantíssimas contribuições e novos problemas de pesquisa.
Os organizadores cumpriram com o que se propuseram ao apresentar um Brasil plural durante a Ditadura militar, por meio da exibição de diversos cenários – tanto urbano quanto rural – e atores sociais do nosso território nacional. Desse modo, passaram por todas as regiões do país, isto é, mostrando que o Regime militar fez-se presente em cada região e não só nos principais centros. No entanto, o modo como organizaram e distribuíram esses temas no decorrer dos capítulos não valorizou a coletânea, uma vez que, aparentemente, o livro segue uma ordem de apresentação, mas em certos momentos é interrompida, ficando, assim, dispersas as regiões e assuntos que tinham relação um com o outro. Por exemplo, os dois primeiros capítulos tratam de temáticas da região Norte, sendo que o primeiro discorre sobre as questões políticas no Estado do Amazonas, antes e após o Golpe de 1964. A região Norte retorna ao livro no antepenúltimo capítulo, no qual Pere Petit também ressalta as questões políticas no Estado do Pará durante o processo do Golpe de 1964, ou seja, trata-se da mesma região e tema, que poderiam estar próximas na organização do livro.
Todavia, observamos ao longo dos capítulos a atenção dada ao tema da memória e, consequentemente, ao uso da fonte oral como recurso para se chegar a ela. No trabalho de Edmilson A. Maia Jr., por exemplo, a História Oral é utilizada como metodologia de pesquisa e constituição de fontes, permitindo “o registro de testemunhos e o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado” (ALBERTI, 2008, p. 155). Assim, a História Oral permite o estudo das formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram as suas experiências, como vemos na narrativa de Maia Jr. sobre a trajetória de embates e resistência do movimento estudantil de Fortaleza. A combinação da história com a experiência relatada significa entender como pessoas e grupos experimentaram o passado, tornando possível questionar interpretações generalizantes de certos acontecimentos (ALBERTI, 2008).
Portanto, a História Oral é muito útil para a História da Memória, pois, segundo Alberti (2008), apesar das críticas no início – afirmando que as fontes orais diziam respeito às “distorções” da memória –, hoje em dia, os historiadores consideram a análise dessas “distorções” como a melhor forma de levar a compreensão dos valores coletivos e das ações de um grupo, como o caso dos movimentos estudantis.
Ela [a memória] é resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de coerência – isto é, de identidade. E porque a memória é mutante, é possível falar de uma história das memórias de pessoas ou grupos, passível de ser estudada por meio de entrevistas de História oral. As disputas em torno das memórias que prevalecerão em um grupo, em uma comunidade, ou até em uma nação, são importantes para se compreender esse mesmo grupo, ou a sociedade como um todo (ALBERTI, 2008, p. 167).
Por fim, como nos sustenta René Rémond (2003), não há muitas realidades da nossa sociedade que o político não está presente, e isso vale para as memórias também. Admitindo-se, então, essa dimensão política no funcionamento da memória – já que seu caráter instituinte se realiza no campo conflituoso das escolhas, dos valores, dos significados –, os historiadores da memória tratam, segundo Meneses (2009), de examinar na contemporaneidade aspectos da memória politicamente marcados. Desse modo, a coletânea aborda constantemente temas relacionados à memória da Ditadura militar brasileira, especificamente a memória estudantil, que querem trazer um significado, transformando-se em elemento simbólico (MENESES, 2009), ou seja, a Ditadura em si é carregada de significados, formando uma memória coletiva a respeito dela; e as lutas e resistências destes segmentos também carregam significados próprios, formando também uma memória coletiva. Estas memórias coletivas convergem entre si e ajudam a formar a história da Ditadura militar brasileira.
Referências
ALBERTI, Verena. Fontes orais – Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 155-202.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Cultura política e lugares de memória. In: AZEVEDO, Cecília et. alli, (org.). Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 445-463.
NUNES, Paulo Giovani Antonio; PETIT, Pere; LOHN, Reinaldo Lindolfo (org.). Utopia e repressão: 1968 no Brasil. Salvador: Sagga, 2018. 355p.
RÉMOND, René. Do político. In: RÉMOND, René (org). Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 441-454.
Luan Gabriel Silveira – Graduado em História pela UFMS/CPTL, Três Lagoas, estado do Mato Grosso do Sul (MS), Brasil. Professor substituto da Educação Básica. E-mail: luan_silveira10@hotmail.com.
[IF]Escolarização, culturas e instituições: escolas étnicas em terras brasileiras | Terciane Ângela Luchese
A organizadora da obra é professora da graduação e da pós-graduação, nos Programas de Pós-graduação em História e em Educação da Universidade de Caxias do Sul. Além disso, ela é líder do grupo de pesquisa História, Educação, Imigração e Memória (Grupheim2), no qual os integrantes têm especial interesse no campo da História da Educação e a marca da presença de diferentes grupos étnicos, seus processos de escolarização e as culturas escolares. A presente obra apresenta resultados de pesquisa tanto de integrantes do Grupheim quanto de pesquisadores convidados, estabelecendo assim uma profícua interlocução com múltiplas perspectivas acerca do tema proposto para trabalho: as escolas étnicas instituídas no Brasil, com ênfase na escolarização, culturas e instituições escolares. Os capítulos apresentados têm como marco inicial o momento de intensificação das massas imigratórias italianas no Brasil, fim do século XIX e marco final a década de 1940 quando do fechamento das últimas escolas étnicas em decorrência do acirramento da nacionalização de ensino.
A obra é composta por nove capítulos, antecedidos pelo prefácio escrito pelo reconhecido pesquisador Angelo Trento, publicado na íntegra em duas línguas: português e italiano. A apresentação ficou sob a responsabilidade da organizadora da obra Terciane Ângela Luchese. Ao final do livro encontram-se ainda as informações sobre os autores, situando o leitor sobre os contextos em que se inserem cada pesquisador. Leia Mais
L’histoire, pour quoi faire? – GRUZINSKI (DH)
GRUZINSKI, Serge. L’histoire, pour quoi faire? Paris: Fayard, 2015, 300p. Resenha de: NICOD, Michel. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.1, p.203-204, 2015.
Comment et avec quelles précautions enseigner l’histoire de la première mondialisation du xvie siècle? Cet ouvrage montre que, parmi les modes de représentation du passé, le recours à l’histoire est particulièrement adéquat pour élaborer une démarche critique, surtout lorsqu’il s’accompagne de l’utilisation de supports iconiques, tels le cinéma ou le jeu vidéo. Ces supports, en effet, facilitent en classe le travail de distanciation face aux conceptions spontanées.1 L’histoire, pour quoi faire? est l’aboutissement de vingt années de recherches menées par l’historien français Serge Gruzinski. Celui-ci y reprend ses thèmes favoris: la conquête de l’Amérique du Sud et du Mexique par les Portugais et les Espagnols au xvie siècle, le métissage et la rencontre des cultures qui s’ensuit, le rôle et la place de l’image en histoire.
L’auteur plaide pour une étude des regards que colonisateurs et colonisés se sont mutuellement jetés. Il nous entraîne à scruter de l’extérieur notre propre histoire, pour voir comment l’Europe s’est emparée du monde, non seulement avec les armes mais aussi avec ses représentations, ses cartes, sa géographie.
Dans les premiers chapitres, le livre nous invite à une analyse fine des modes de représentation du passé, des cérémonies d’ouverture des Jeux olympiques aux jeux vidéo, des feuilletons télévisuels aux superproductions des cinémas chinois ou américains, qui ont tous bien davantage d’audience que les historiens. L’auteur s’interroge sur le message véhiculé par ces superproductions qui mettent en scène des époques et des lieux différents. Or leurs reconstitutions stéréotypées n’apportent que rarement une réflexion critique. Il en est de même des jeux vidéo qui n’ont rien d’innocent.
Ils mettent trop souvent en scène des idéologies conservatrices exaltant le goût du pouvoir, l’opposition des barbares aux civilisés. Loin d’être des supports de cours idéaux, ils se prêtent néanmoins à une analyse critique.
Ainsi, l’ouvrage met en lumière les nombreux supports qui existent parallèlement aux récits des historiens. En le parcourant, le lecteur prend conscience du décentrement nécessaire à l’étude des sociétés, de l’importance de décloisonner, puis de reconnecter les différents domaines historiques.
L’auteur montre que c’est à partir du local, en l’occurrence de l’étude de l’Amazonie, que pourra s’étudier la globalisation. Cette dernière est au coeur du livre, où le présent se fait l’écho du passé: aujourd’hui au Brésil, par exemple, le trafic de DVD piratés a remplacé le trafic de produits tropicaux du xvie siècle.
En résumé, Serge Gruzinski met en relief la nécessité de poser d’autres questions, de chausser d’autres lunettes pour envisager le passé comme le futur. Selon lui, notre vision du monde est décalée par rapport aux questions actuelles, car les sociétés se mélangent: l’ailleurs est venu en Europe, tandis que celle-ci s’est étendue au monde. Ainsi, une culture de l’entre-deux, mélangée, fragile mais nécessaire, est apparue, celle des métis, passeurs de culture. Le livre en fait l’éloge tout en montrant sa fragilité.
Serge Gruzinski nous interpelle et nous bouscule par les rapprochements qu’il opère entre le xvie siècle et l’époque inquiète que nous vivons.
Son livre est une bonne introduction à ses recherches antérieures et à l’histoire des mentalités.
Il offre une réflexion enrichissante sur notre temps.
Son questionnement nourrit les réflexions de ses lecteurs en les invitant à se demander si nous ne construisons pas des passés afin de construire du sens, des repères pour affronter les « incertitudes du présent ».
Né en 1949, l’historien français Serge Gruzinski, directeur d’études à l’EHESS de Paris, enseigne l’histoire en France, aux États-Unis et au Brésil.
Il a notamment publié La pensee metisse, Paris: Fayard, 1999 ; Les quatre parties du monde. Histoire d’une mondialisation, Paris: La Martinière, 2004 ; L’aigle et le dragon, Paris: Fayard, 2012.
Michel Nicod
[IF]