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Cultura visual e construções de gênero | História Debates e Tendências | 2021
Mas, para sabê-lo, para senti-lo, é preciso atrever- se, é preciso acercar o rosto à cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a emitir seu calor, seu resplendor, seu perigo. Como se, da imagem cinza, elevara-se uma voz: “Não vês que ardo?”
Georges Didi-Huberman
Neste número da revista História: debates e tendências, apresentamos o dossiê “Cultura visual e construções de gênero”, reunindo artigos que contemplam a intersecção entre estudos de gênero e visualidades em diferentes contextos de historicidades. Laçando mão de inúmeras tipologias de indícios (BURKE, 2004) visuais, especialistas abordam o tema a partir da fotografia, da história em quadrinhos, do cinema e das fontes literárias como meios para entender processos sociais pretéritos e contemporâneos, problematizando as formas como se inscrevem, se materializam e se naturalizam os indicadores de gêneros e sexualidades na cultura visual. Leia Mais
Cultura Visual / Estudos Históricos / 2021
[Cultura visual] | Foto: Plataforma 9 |
Este dossiê da Revista Estudos Históricos dedica-se ao tema da Cultura Visual.
Para a sua composição optamos por seguir os caminhos que começaram a ser traçados na origem desse campo, adotando uma perspectiva interdisciplinar e marcadamente política. A Cultura Visual enquanto campo de investigação e estudo institucionaliza-se entre as décadas de 1980 e 1990, quando teóricos ligados aos Estudos Culturais, seguindo os passos de Stuart Hall, passam a interrogar dentro de centros universitários as imagens e a visualidade modernas. Se essas duas décadas podem ser entendidas como o marco inicial do campo, vamos assistir nos anos seguintes a uma verdadeira explosão dos estudos das imagens. A Cultura Visual, ou melhor, as questões da visualidade, não são mais — isso podemos afirmar com certeza — domínio exclusivo da História da Arte. Os estudos visuais infiltraram-se e parecem ter criado raízes em áreas como a Antropologia, a História e a Sociologia.
A amplitude do campo foi o grande desafio que este dossiê precisou enfrentar. Como apresentar no reduzido espaço da revista um universo tão vasto? Como contemplar a diversidade de abordagens metodológicas e a heterogeneidade dos objetos estudados? Cabe lembrar que a Cultura Visual se interessa pelas imagens que habitam nosso cotidiano em seus mais variados formatos (fotografia, cinema, publicidade, televisão etc.), sejam elas imagens do passado que assombram o presente ou imagens do presente que conformam valores e identidades.
Na tentativa de enfrentar esse desafio acolhemos artigos que apresentam diferentes pontos de vista sobre objetos variados, mas que partilham um princípio comum: interrogam, sobretudo, a política das imagens. Na origem do campo da Cultura Visual está uma concepção construtivista da noção de representação. Como coloca Stuart Hall no clássico Cultura e representação (2016), no domínio da representação há sempre alguém que ganha e alguém que perde, alguém que ascende e alguém que descende, incluídos e excluídos (Hall, 2016).
Em meio à diversidade do campo da Cultura Visual identificamos um entendimento que permanece: as imagens são historicamente construídas e politicamente comprometidas. Para a composição do dossiê tentamos, na medida do possível, contemplar a multiplicidade do campo sem perder de vista esse princípio comum.
Os artigos que integram este número apresentam estudos de caso originais sobre o domínio do cinema, da fotografia, da história em quadrinhos, da televisão, da arquitetura, e desta nova modalidade de imagens desencarnadas, os memes. O primeiro bloco de artigos volta-se às imagens do passado. Transitando entre a História e os Estudos Visuais, as autoras e autores presentes nesse bloco examinam a origem, a circulação e a sobrevivência das imagens em arquivos físicos e imaginários. Um segundo conjunto de textos coloca questões às imagens do contemporâneo, seus modos de produção e suas vinculações identitárias.
Para encerrar o dossiê realizamos uma entrevista inédita com os pesquisadores Ana Maria Mauad e Maurício Lissovsky, referências nos estudos das imagens. Na entrevista, intitulada “Imagens Selvagens”, os pesquisadores abordam o percurso dos estudos visuais no Brasil, questionam o próprio conceito de Cultura Visual e apresentam-nos uma reflexão, por vezes ácida e provocadora, sobre o papel das imagens enquanto sujeitos da história no Brasil de 2020.
Desejamos a todas e todos uma excelente leitura.
Referências
HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2016.
BLANK, Thais. Cultura visual. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vl 34, n.72, p.1-3, jan./abr. 2021.
Quadrinhos & cultura visual: modos de ver e ler histórias | ArtCultura | 2019
Este dossiê pretende apresentar novos olhares sobre as pesquisas em torno de cultura visual e HQs. Longe de pensá-las como meros reflexos da sociedade, os artigos aqui reunidos elaboram análises a partir de aspectos concernentes à linguagem das HQs (quadros, balões etc.), bem como examinam os seus impactos na construção do olhar ao longo do tempo. Sendo este um campo passível de exploração por pesquisadores das humanidades, espera-se que essas colaborações contribuam para estabelecer as HQs como um modo de expressão fundamental para o estudo da cultural visual dos séculos XIX e XX.
O trabalho de abertura de Arthur Valle (UFRRJ) procura delinear conexões entre duas modalidades de História: a História em Quadrinhos e a História da Arte. Com base nas HQs centradas no universo da produção artística, o autor analisa procedimentos e caminhos adotados por quadrinistas que, por vezes, assemelham-se àqueles percorridos por historiadores da arte. Tal relação é enfrentada sem medos por Valle, que sugere a seguinte provocação: em que medida a abordagem de historiadores da arte como John Berger e Aby Warburg não se aproximaria dos tipos de narrativa visual que associamos mais diretamente às HQs? Leia Mais
Fotografia, Cultura Visual e História: perspectivas teóricas e metodológicas / Estudos Ibero-Americanos / 2018
Nos últimos 25 anos a fotografia consolidou-se, no campo dos estudos históricos, como fonte de pesquisa e objeto de análise. Ultrapassamos uma história da fotografia, tradicionalmente, concebida como história da técnica ou do gênero fotográfico, para incorporar as dimensões de prática social e de experiência histórica associadas aos modos de ver, dar a ver e representar fotograficamente o mundo social. Os dispositivos óticos associados à visão, os espaços de sociabilidade em que se desenvolveu uma cultura visual cada vez mais complexa, contemplando públicos e observadores com objetivos e propósitos diferentes, passaram a integrar as problemáticas de pesquisa história. As noções de visualidade, a ideia de observador, de público, de prática fotográfica, de experiência visual se tornaram familiares à oficina da História, embora o mundo das imagens não seja desprovido de conflitos, ganhamos muito com a adesão das imagens à causa historiográfica.
Os artigos reunidos nesse dossiê se debruçam sobre a relação entre fotografia e história em diferentes chaves de abordagem. Um primeiro conjunto de artigos aborda questões associadas aos debates teóricos, metodológicos, filosóficos e estéticos. A esse primeiro grupo de questões fundadoras se desdobram abordagens que se dedicam a compreender os percursos de algumas fotografias em seus deslocamentos no mundo das imagens, nos levando para os universos onde as imagens habitam e ganham materialidade, fotolivros, revistas ilustradas, séries fotográficas e exposições. Ressalta-se, entretanto, que na riqueza das diferentes abordagens que compõem o dossiê reside a sua melhor qualidade.
Os estudos sobre os gêneros fotográficos ganham especial atenção no artigo de John Mraz, “Analysing Historical Photographs: Genres, Functions, and Mehodologies”. Na proposta de Mraz, a análise histórica desempenha papel fundamental na definição dos gêneros fotográficos por meio da diferenciação das situações em que as fotografias foram produzidas. Na perspectiva do autor, trata-se de compreender que o fotojornalismo como um gênero se apresenta em diferentes funções: fotografia de imprensa, fotojornalismo, documentalismo e foto-ensaio, impondo a análise histórica como condição para que não se confunda gênero fotográfico com a sua função.
Em “Fotografia e Antropogenese: o melhor amigo do homem”, Mauricio Lissovsky nos proporciona uma reflexão singular sobre homens e cães. Escreve no ritmo das analogias visuais e vai buscando para cada um dos sintomas da imagem que permite a comparação, uma história, uma narrativa que afasta a semelhança entre os duplos nos remetendo para novas imagens. O resultado disso é uma fabulação em que a imagem se torna sujeito de uma aventura, em que humanos e caninos se duplicam e transmutam-se, revelando situações extraordinárias. Em suas reflexões a câmera fotográfica como máquina antropológica, segundo Agamben, desvelaria a humanidade de cada sujeito fotografado.
No potencial teórico-metodológico da fotografia de moda assenta-se a base de argumentação de Maria do Carmo Rainho em “Imagens encenadas? Atos performativos e construção de sujeitos nas fotografias de moda”. Sua reflexão apoia-se em uma larga trajetória com pesquisas sobre vestuário, circuitos de moda e representação do corpo tendo a fotografia como fonte e objeto de análise, o que a possibilita traçar percursos possíveis para pesquisas em que a fotografia de moda ilumine questões sobre a sociedade que a produz e a consome. O valor epistemológico dos estudos sobre imagem da moda, na concepção de Rainho, reside em tomar sua dimensão estética como agente de representações sociais, o que permite transcender o valor utilitário da moda como mercadoria, e da fotografia de moda como ilustração.
Nos deslocamos das questões teóricas e metodológicas operadas em marcos mais amplos, para a análise de trajetórias de imagens particulares e individualizadas. No artigo, “Circuitos e potencial icônico da fotografia: o caso Aylan Kurdi”, as pesquisadoras Solange Ferraz de Lima e Vania Carneiro de Carvalho tomam a fotografia de Aylan Kurdi, produzida pelo fotógrafo Nilfüfer Demir, como ponto de partida para refletir sobre a materialidade da imagem na era digital, seu potencial icônico e sua capacidade de guardar marcas do acontecimento registrado. O exercício de análise apoia-se na consagrada abordagem de Ulpiano Bezerra de Meneses, em uma das suas brilhantes referências para o estudo da imagem, em especial, da imagem fotográfica. Entretanto, mais do que fazer valer uma metodologia de análise fotográfica, as autoras nos proporcionam uma profunda reflexão sobre o papel da imagem na cultura contemporânea das mídias digitais em rede.
Os estudos visuais sobre fotografia, em chave interdisciplinar, se fazem presentes na abordagem de Cleopatra Barrios e Mariana Giordano, em “Violencia, memoria y mito. Espectacularización de la muerte en la fotografía de Isidro Velázquez (Argentina)”. Em sua análise, a espetacularização da morte e da violência são operados por meio do estudo da relação entre fotografia pública, representações iconográficas do corpo morto e a cultura visual Latino-Americana. Avalia-se os circuitos e os percursos das fotografias de Isidro Velázquez de registro policial à santificação popular.
Ainda na linha das trajetórias das imagens se insere a abordagem de Marcos Felipe de Brum Lopes, no artigo “Migrantes e fantasmas: imagens e figuras de Benjamin Constant”. A imagem heroica do fundador da República Benjamin Constant é analisada pelo autor através do mapeamento das trajetórias das figuras de diferentes tamanhos e formatos em que essa imagem foi materializada. Ao analisar os significados históricos das imagens em trânsito por diferentes suportes, Lopes, defende a ideia de que o movimento positivista buscou configurar, no final do século XIX, um observadorcidadão, que acreditava no poder das imagens seculares e heroicas. Ponderar sobre o poder de mobilização das imagens em situação de crise política é o desafio que o artigo nos coloca ao final.
Das imagens dotadas de corpo para as imagensmeio, os artigos que se somam ao dossiê abordam um conjunto de questões que envolvem: os objetos-meios em que as fotografias circulam; o papel da imprensa na consolidação dos espaços públicos visuais; da fotografia como mensagem de amplo alcance; os circuitos sociais das fotografias e seus usos públicos. Em “Cornucópia visual mexicana: as fotografias do livro México seus recursos naturais, sua situação atual, 1922”, Carlos Alberto Sampaio Barbosa, analisa o discurso visual criado pelo corpo diplomático mexicano como forma de propaganda da cultura e da política do México no Brasil. A publicação em formato de livro, amplamente ilustrado com fotografias, foi elaborada como parte dos preparativos da comitiva mexicana na Exposição do Centenário da Independência do Brasil em 1922, constituindo-se uma narrativa visual sobre o México que se complementava com outros aspectos da participação mexicana no evento.
Em “Imagens da desigualdade em fotolivros do Rio de Janeiro: a visualidade na história de um conceito”, Maria Inez Turazzi reune a abordagem da história dos conceitos à da história visual para problematizar a natureza complexa das narrativas visuais e textuais que compõem os fotolivros. No caso em estudo, a cidade do Rio de Janeiro torna-se palco em que se encenam representações de desigualdade, o meio de circulação da mise-en-scène são livros-objetos, fotolivros, sobretudo um especialmente produzido sobre o Rio de Janeiro (Zauberhaftes Rio / Strolling through Rio, 1958) pelo fotógrafo alemão Hans Mann, como parte de seu trabalho sobre a América do Sul realizado entre as décadas de 1940 e 1950. Em sua análise, Turazzi busca problematizar a visualidade da pobreza na representação da “paisagem carioca”, compreendida nas dimensões de construção simbólica e patrimonial.
As revistas ilustradas merecem destaque no artigo de Cora Gamarnik, “La fotografía en la revista Caras y Caretas en Argentina (1898-1939): innovaciones técnicas, profesionalización e imágenes de actualidad”. A revista Caras y Caretas, publicação argentina, atua como plataforma para Gamarnik avaliar as profundas transformações que a imprensa passou com a introdução massiva de fotografias como forma de registrar as notícias, eventos sociais, políticos e acontecimentos em geral, atraindo novos leitores e ampliando seus públicos por meio da imagem. Paralelamente, a autora avalia as mudanças operadas na dinâmica da imprensa com a valorização da fotografia tanto como atrativo e estratégia de venda, como meio de figurar a modernização nacional e os conflitos políticos que esse processo envolveu. Apoiada em minuciosa análise das fontes, o estudo revela aspectos importantes sobre a consolidação sul-americana de um espaço público visual nos primeiros trinta anos do século XX.
O potencial indiciário da fotografia é explorado no artigo de Marco Antonio León León, “Pesquisas visuales – Representación e identificación criminal a través de revistas policiales chilenas (1934-1961)”, que tem como objeto três revistas publicadas pela Polícia de Investigação chilena entre 1934 e 1961. Em sua análise, León centra-se na seção “galeria de delicuentes” para descortinar os sentidos atribuídos visualmente aos criminosos e delinquentes para que o público pudesse identificar, em registro lombrosiano, os inimigos sociais. Em diálogo com as tradições francesas de identificação criminal, o autor avalia o papel da fotografia de registro criminal para a conformação de um discurso de controle social no Chile.
A fotografia humanista no pós-Segunda Guerra é o tema do artigo “As famílias dos homens. Os trânsitos do humanismo na fotografia internacional e brasileira”, de Erika Zerwes. Parte-se de uma das primeiras séries fotográficas realizada por Claudia Andujar, sobre famílias brasileiras (1960-62), para em registro comparativo com a série de fotorreportagens intitulada People are people the world over (1948-49) e a exposição Family of Man (1955), avaliar os percursos da fotografia humanista. As imagens em trânsito, movidas por impulsos diferentes, mas com o mesmo propósito: documentar a experiência humana fotograficamente. Da busca de compreender o outro por meio da linguagem universal da fotografia, no caso de Claudia Andujar, passando pelo registro de como viviam as pessoas mundo a fora, no caso da fotorreportagem publicada no Ladies’ Home Journal, e chegando ao apelo universalista da exposição do MOMA, afirma-se uma prática fotográfica de viés humanista, que nos leva a indagar sobre o destino das imagens em um mundo de contrastes e desigualdades em dimensões globais.
Nosso dossiê completa-se com uma entrevista com a historiadora da arte e professora Annateresa Fabris, enfatizando as relações entre fotografia, artes e estudos da imagem como parte da trajetória de uma das mais importantes autoras sobre o tema em âmbito nacional e, não seria exagero dizer, internacional. Concluindo-se com duas resenhas de livros voltados para a problemática da fotografia na pesquisa histórica e em arquivos – “Más allá de la simple imagen: fotografía e investigación” – e para a os itinerários históricos da fotografia na América Latina – “Notas sobre uma história da fotografia na América Latina”, escritos respectivamente por duas especialistas em estudos sobre a fotografia, Núria Rius e Carolina Etcheverry.
Boa leitura!
Ana Maria Mauad – Professora titular do Departamento de História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF. E-mail: anamauad@id.uff.br
Charles Monteiro – Professor adjunto do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: monteiro@pucrs.br
MAUAD, Ana Maria; MONTEIRO, Charles. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 44, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]
Cidade e cultura visual / Urbana / 2017
A Revista Urbana apresenta, em sua trajetória, uma especial atenção aos documentos visuais. Nos artigos reunidos pela revista, não é raro o uso de fotografias, cartografias, desenhos e outros suportes visuais, num diálogo muito profícuo e latente com as reflexões diretamente ligadas à cultura urbana. A própria transformação e o desenvolvimento dos debates acadêmicos expressos ao longo de seus volumes têm trajetória inerente a um diálogo com esses documentos, destacando uma ligação que acompanha a própria constituição dos saberes urbanos. Não por menos, logo em seu segundo volume, a Revista Urbana foi organizada em torno do tema ‘Cidade, Imagem, História e Interdisciplinaridade’, marcando, desde o seu início, a necessidade de se pensar a história urbana a partir de documentos visuais.
O volume publicado há uma década se insere num contexto muito específico dos estudos urbanos, mas também de um momento próprio da disciplina da história – em seu sentido alargado. Naquele momento, passava-se a incorporar os estudos visuais como um de seus problemas de investigação. Josianne Francia Cerasoli, no editorial do volume publicado em 2007, destacou que aquela publicação era fruto de reflexões que se deram em dois Simpósios Temáticos da ANPUH, sendo um deles proveniente do GT “Cultura Visual, Imagem e História”. Essa não é uma informação menor, visto que aquele GT nascera no ano de 2003. Foi, portanto, no início dos anos 2000, que os historiadores se puseram a pensar mais cuidadosamente as fontes visuais, propondo novos caminhos e sentidos para a história urbana. Não por menos, o grupo formado naquele GT se consolidou e relevantes pesquisas se estruturaram em torno de seus núcleos de pesquisas.
Vale destacar que esse interesse dos historiadores pelas imagens – com especial atenção à fotografia – vinha tomando corpo a partir de meados dos anos 1980, no Brasil, com notável desenvolvimento a partir dos anos 1990. Trabalhos de expressiva amplitude e cuidado metodológico foram publicados nesse período, onde se pode destacar o volume 6 da revista Acervo do Arquivo Nacional e o volume 5 do Boletim do Centro de Memória da Unicamp, ambos publicados em 1993; o número 27 da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1998 ou o volume 32 dos Anais do Museu Histórico Nacional; além de outras publicações como Retratos quase inocentes, de autoria de Carlos Eugênio de Moura e publicado em 1983, ou a publicação organizada por Annateresa Fabris, Fotografia: usos e funções no século XIX, publicado em 1991. Os documentos fotográficos – nesse caso – passavam a ser tratados não apenas como iconografia para a história, mas eles mesmos – documentos – passavam a ocupar o lugar central de reflexão dos historiadores.
No que se refere aos debates da cidade, da arquitetura e do patrimônio, o uso de documentos visuais também passou a ser recorrente nos trabalhos acadêmicos. Através desse interesse dos historiadores, colocou-se em debate momentos específicos da trajetória das cidades, especialmente no caso dos grandes centros urbanos que tiveram seus aspectos radicalmente transformados pelo processo de urbanização do século XX. Nesse sentido, o trabalho Fotografia e Cidade, das historiadoras Vânia Carneiro e Solange Lima, logo se estabeleceu como uma importante referência para qualquer pesquisador dedicado ao tema. O debate em torno dos mapas, proposto por Beatriz Bueno em Desenho e desígnio, também marca esse momento da produção acadêmica, interessada em pensar a formação das cidades brasileiras a partir dos documentos visuais.
Essa renovação em torno dos suportes documentais seguiu o momento decisivo pelo qual a historiografia brasileira da arquitetura e do urbanismo passou a partir a partir dos anos 1980. Já amplamente destacada e enfrentada em publicações organizadas pelo Dr. Abílio Guerra (2010) e pelo Dr. José Tavares Correia de Lira, através dos números 11 e 12 da revista Desígnio (2011), a revisão historiográfica da arquitetura e do urbanismo é, em grande parte, devedora dessa renovação em torno das fontes, documentos e arquivos. Desse modo, foi possível que novos objetos de investigação e novos problemas pudessem contribuir com uma transformação plural. Num movimento correspondente, Ana Claudia Veiga de Castro e a Joana Mello de Carvalho e Silva organizaram recentemente um número temático dos Anais do Museu Paulista sobre o estatuto das fontes e dos acervos nas pesquisas de história da arquitetura e da cidade, ampliando o debate especialmente no que se refere aos diferentes suportes documentais. Os arquivos e coleções passaram também a ocupar um lugar importante dentro desse movimento de renovação da historiografia.
Não por menos, identifica-se uma nova guinada nos trabalhos dos historiadores, colocando novas perguntas e novos problemas para se pensar os documentos visuais. Já no final do século XX, é possível identificar uma série de trabalhos icônicos que contribuíram de maneira singular para se pensar e produzir história com documentos visuais. De forma pioneira, Michael Baxandall constituiu uma importante contribuição sobre o Renascimento italiano, articulando de forma inovadora imagem e texto. A produção do real através de instrumentos científicos e a constituição de seus suportes visuais, numa relação imbricada com a sociedade, aparece caracterizada de forma cuidadosa no trabalho da pesquisadora Svetlana Alpers. Assinalava-se, assim, o que se denominou por Cultura Visual, um campo de saber interdisciplinar constituído “através das relações de interlocução e produção de sentidos com a história da arte, literatura, filosofia, estudos cinematográficos e de cultura de massa, sociologia, antropologia e arquitetura” (SCHIAVINATTO; COSTA, 2016). No Brasil, esse debate é recente e teve início nos trabalhos Fontes visuais, cultura visual, história visual, de Ulpiano Bezerra de Meneses; e em O desafio de fazer história com imagens, de Paulo Knauss.
A renovação historiográfica associada à cultura visual coloca, portanto, no centro de seu debate não apenas o estatuto das fontes – sua natureza – nas suas diferentes tipologias, mas também as interrelações e o lugar ocupado por elas na relação com seus temas e objetos diretamente relacionais. Isso quer dizer que pensar com imagens não significa uma associação direta com uma questão real ou objeto descrito ou ilustrado pelo documento. O documento, em si, é artefato – tem matéria – e, portanto, tem uma natureza específica que é inerente a uma dada cultura. Desse modo, é possível compreender que o documento visual funciona como elemento intrínseco e indissociável de uma dada cultura, fazendo com que certas especificidades sejam fundamentalmente importantes para a compreensão de seu lugar e relevância. A imagem que carrega uma fotografia, um filme, um livro, um mapa ou desenho é, portanto, apenas um dos elementos fundamentais para a leitura do documento. Este possui também um suporte que carrega uma imagem, valorado diferentemente em acordo com sua natureza; assim como um lugar e uma importância numa dinâmica cultural, que envolve os agentes diretamente ligados a sua produção, circulação e consumo; como também o modo como essa imagem foi produzida, sua linguagem e seus signos e instrumentos diretamente relacionados.
Foi a partir dessas avaliações que os artigos aqui reunidos foram ordenados. Primeiramente, privilegiou-se as tipologias documentais, favorecendo a futura leitura de pesquisadores interessados em determinados documentos. Assim, este número da Revista Urbana pretende servir como apoio a futuras investigações que se dediquem não apenas a um dos temas aqui tratados, mas à natureza do documento enfrentado. Para tanto, a organização deste número apresenta artigos que tratam de livros de arquitetura, produções cinematográficas, telas históricas e fotografias, como que fornecendo subsídios para que se possa acompanhar mais claramente a renovação historiográfica em curso. Paralelamente, é possível notar que os primeiros artigos se enquadram mais cuidadosamente no que se entende hoje por Cultura Visual e, neste aspecto, vale uma pequena descrição.
Em “A imagem da Cabana Primitiva no Renascimento”, Francisco Dias de Andrade apresenta um texto de grande importância para o entendimento de como a imagem da cabana primitiva foi se equacionando a partir da redescoberta do tratado De Architectura de Vitrúvio. Cuidadosamente debatido a partir de fontes, o autor demonstra como essa imagem, hoje consagrada através do trabalho de Joseph Rykwert, é fruto de disputas e tensões culturais. De maneira semelhante, Herta Franco, em seu “Cinema, Estigmatização Territorial e História Urbana”, e Flaviano Isolan, em seu “Metropolis, Trem Azul e Zumbis”, demonstram brilhantemente como a produção cinematográfica não apenas contribuem para a consolidação de significados sobre o próprio território, como no caso de Franco, mas também podem intervir no próprio campo historiográfico, mudando conceitos e sentidos sobre movimentos, como apresentado por Isolan. O cinema não é, portanto, apenas uma representação, mas ocupam uma posição ativa na formação de sentidos sobre um determinado território.
Seguindo uma reflexão cuidadosa em torno da cultura visual, Carlos Oliveira apresenta uma bela contribuição sobre o papel que a circulação de imagens teve para os debates patrimoniais. Apresentando algumas das telas produzidas por Émile Rouède, Oliveria deixa claro que os debates patrimoniais e preservacionistas, gerados pela mudança da capital de Minas Gerais no final do século XIX, guardam associações diretas com a produção visual daquele momento. De maneira semelhante, Bruno de Andrea Roma apresenta uma importante reflexão sobre o papel ocupado pela fotografia na consolidação dos debates ligados à preservação de bens culturais. Em ambos os casos, Oliveira e Roma contribuem para reforçar a importância do estatuto das fontes na relação com os debates patrimoniais, sendo que, nesse último caso, a fotografia ocupa o centro da reflexão para os debates contemporâneos ligados à preservação no Brasil.
Vera Lucia Vieria Lima e Renata de Almeida, em “Arquitetura das colônias de imigração alemã”, assim como Laura Cury, em “A imagem do Parque do Ibirapuera”, se não investem especificamente sobre os debates da cultura visual, apresentam bons contributos para se pensar a imagem na organização de uma memória. Seja sobre a cultura arquitetônica alemã ou mesmo na modernidade expressa através da arquitetura do Parque do Ibirapuera, ambos os artigos representam a natureza intrínseca dos documentos fotográficos.
A Revista Urbana apresenta, desse modo, uma mobilização renovada em torno dos debates visuais. Com este número, espera-se que os debates ligados à cultura visual possam avançar nas universidades brasileiras, renovando as perspectivas possíveis de produção intelectual ligada aos estudos urbanos.
Referências
Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Vol.6. Rio de Janeiro. 1993.
Anais do Museu Histórico Nacional. Vol.32. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura; IPHAN. 2000.
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BAXANDALL, Michael. Giotto and the Orators. Oxford: Claren- don Press, 1984. Boletim do Centro de Memória da Unicamp. Vol.5. No.10. Campinas: CMU, 1993.
BUENO, Beatriz. Desenho e Desígnio: o Brasil dos engenheiros militares (1500-1822). São Paulo: Edusp, FAPESP, 2011
CARVALHO, Vânia Carneiro de; LIMA, Solange Ferraz de. Fotografia e cidade: da razão urbana à lógica do consumo. São Paulo: Mercado das Letras, 1997.
CASTRO, Ana Claudia Veiga de; CARVALHO e SILVA, Joana Mello. Fazer história: o estatuto das fontes e o lugar dos acervos nas pesquisas de história de arquitetura e da cidade no Brasil. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. V.24. n.3. set.-dez. 2016.
Desígnio – Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo. n.11 / 12. São Paulo: Annablume, 2011.
FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1991.
GUERRA, Abilio (org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira – parte 1. Coleção Bolso RG, n.1 e n.2. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2010.
GUIMARÃES, Manoel Salgado. Vendo o passado: representação e escrita da história. Anais do Museu Paulista. São Paulo, vol. 15, 2007, no 2.
JAMENSON, Fredric. The Cultural Turn: selected writings on the postmodern. 1983-1998. Londres / Nova York: Verso, 1998.
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LISSOVSKY, Maurício. A vida póstuma de Aby Warburg: por que seu pensamento seduz os pesquisadores contemporâneos da imagem. Bol. Mus. Para. Emilio Goeldi. Ciênc. Hum., Belém, vol. 9, no 2, p. 305-322, 2014.
MENEGUELLO, Cristina. Cultura Visual: um campo estabelecido. Apresentação do Dossiê Cadernos de História. UFOP. [no prelo].
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 23, no 45, 2003, p. 11- 36.
MITCHELL, W. J. T. Picture Theory: essays on verbal and visual representation. Chicago / Londres: The University of Chicago Press, 1994.
MONTEIRO, Charles. Pensando sobre História, Imagem e Cultura Visual. Patrimônio e Memória, Assis, vol. 9, no 2, 2013, p. 3-16.
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Retratos quase inocentes. São Paulo: Nobel, 1983.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nº27. Rio de Janeiro: IPHAN, 1998.
SCHIAVINATTO, Iara Lis; COSTA, Eduardo (Orgs.). Cultura Visual & História. São Paulo: Alameda, 2016.
Eduardo Augusto Costa – Pós-doutor em história pela Unicamp (2018). Foi vencedor do XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia (2010). Atualmente é Pesquisador Colaborador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. E-mail: eduardocosta01@gmail.com
COSTA, Eduardo Augusto. Editorial. Urbana. Campinas, v.9, n.2, maio / ago, 2017. Acessar publicação original [DR]
História e Cultura Visual: múltiplas narrativas da experiência histórica / Revista Maracanan / 2016
Diálogos entre história, imagem e palavra
Nesta edição de Maracanan, o termo visual qualifica não apenas as fontes e as questões tratadas, mas procura nomear também certo modo de reconstrução do conhecimento e do passado. A aposta no enlace entre legibilidade e visibilidade levou ao acolhimento de formatos variados – o artigo, o ensaio, o depoimento, a entrevista – nos quais a reflexão se oferece como algo mais do que uma justaposição de diferenças. As colaborações reunidas revelam pontos de contato para além do interesse na imagem gráfica, retórica, poética, plástica. Como enfatizam Paulo Knauss e Ana Maria Mauad, a cultura visual coloca novos desafios para o historiador. “A elaboração dos quadros da historicidade deve partir da materialidade das experiências sociais, dos seus indícios, vestígios, restos e pistas”, argumenta Mauad: “não basta olhar, é fundamental estranhar”.
O número se inicia com os textos do Dossiê. Encontram-se lado a lado reflexões teóricas, análises pontuais e o registro de trajetórias individuais. No percurso intelectual de Paulo Knauss, o interesse pela arte e a pesquisa em acervos e coleções levaram ao encontro com especialistas de diversas áreas. A experiência foi decisiva no entusiasmo que o historiador nutre pela erudição e pela história da imagem. Para ele, a erudição significa “considerar qual o diálogo que a imagem estabelece em sua criação, na sua circulação”. Em seu depoimento, Knauss destaca a importância da imagem na definição da prática da história. O campo da cultura visual, assim designado desde a chamada “virada pictórica” dos anos 1990, afirma ele, tornou possível interrogar e reunir objetos e temas de tradições disciplinares aparentemente distintas. Referência nas pesquisas brasileiras na área, o pesquisador defende que a cultura visual não se feche institucionalmente, mas que, ao contrário, mantenha-se sempre aberta e fiel ao seu lugar de troca de experiências.
Renata Proença entrevista Glaucia Villas Bôas e demonstra a riqueza de sua trajetória pessoal e intelectual, relembrando a partida para a Alemanha durante a ditadura militar, na década de 1970, e o contato com a sociologia alemã, que marcaria suas reflexões sobre o pensamento social e a produção cultural no Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, Gláucia interessa-se pela década de 1950 e pelo concretismo no país, aprofundando-se no estudo da relação entre o surgimento da arte concreta e a experiência artística no ateliê do Engenho de Dentro (1946–1951). A socióloga considera esta experiência sui generis, levando-a a fazer da relação entre arte e loucura o centro do debate sobre o processo criativo. Gláucia delineia também as principais questões que envolvem a concepção das imagens vistas como objetos que atuam no mundo. Pontua, ainda, que a cultura visual vem provocando um interesse crescente pela maneira de encarar a imagem como objeto atuante, cujo dinamismo e vitalidade devem ser percebidos e examinados.
Ao modo de uma “genealogia”, Ana Maria Mauad apresenta diferentes perspectivas e conceitos que orientaram o interesse dos estudos históricos na imagem a partir da renovação historiográfica dos anos 1970 e 1980. No contexto da chamada história das mentalidades, a iconografia ganhou destaque como fonte de indagação ao passado. Nos Estados Unidos, partindo de premissas distintas, Martin Jay e William Mitchell definiriam, na década seguinte, o campo da chamada cultura visual, cada vez mais relevante na história. Tratava-se, escreve a autora, de “pensar além das limitações que a textualização atribui ao mundo visível e suas formas de representação não verbais”. No artigo, Mauad aprofunda a reflexão ao descrever o percurso de sua própria pesquisa com a fotografia, realçando a possibilidade de realizar duplamente a “construção histórica do visual e a construção visual da história”.
Karl Erik Shøllhammer formula uma hipótese sobre a singularidade do trabalho da fotógrafa Claudia Andujar com os Yanomami, ampliando o entendimento acerca da divisa da fotografia na atualidade das artes contemporâneas. O crítico aponta o caráter original da fotografia de Andujar como “prática fotográfica” e “possibilidade de experiência” do corpo vulnerável do índio. Segundo Karl Erik, o “desafio de colocar a linguagem de documentarista à disposição de uma convivência afetiva com os Yanomami” é uma preocupação central da artista. Os impasses da referencialidade e da temporalidade são por ele tematizados. Do documentarismo fotográfico por ela praticado ao projeto artístico de envolver o espectador na imagem, o crítico afirma: “Andujar consegue criar um espaço afetivo que interpela o espectador dinamicamente em sua plasticidade, textura e luz”. As imagens de afeto trazem a marca de um “fazer fotográfico” a desenhar o tempo imaginado dos Yanomami, no qual contraditoriamente coincide um passado “fora de nosso alcance” e uma temporalidade “sinistramente profética, apontando à catástrofe em curso”.
Em seu ensaio, Márcio Seligmann-Silva retoma a teoria benjaminiana da fotografia e a aproxima de uma escrita historiográfica capaz de facultar ao historiador, o alegorista da cultura, o gesto de congelar o tempo. Além disso, localiza na visão positiva de Benjamin sobre os avanços técnicos a cena de uma “segunda técnica” intensificadora de ilusões emancipatórias. “Novos espaços de jogo e de liberdade” são capturados pela câmera fotográfica que nos traz “o real” e produz “a visão da efetividade imediata”. Seligmann aponta para o jogo lúdico da “segunda técnica” com a natureza, de tal modo que seu fenômeno seja ainda mais desnaturalizado por nós, se supusermos, como Benjamin sugere, que cada época tem sua própria natureza conforme a sua tecnologia.
Apresentando material inédito, Maria Lucia Bueno destaca o modo pelo qual a internacionalização da moda da alta costura francesa no início do século XX ocorre em estreita relação com o desenvolvimento de uma cultura visual moderna, que teve como protagonista a imprensa de moda. A autora toma como exemplo as práticas publicitárias desenvolvidas pela costureira Jeanne Paquin e discute a maneira pela qual os criadores de moda se utilizaram dessa nova cultura visual para divulgar suas criações.
Lígia Dabul debate os processos criativos em arte e as interações sociais estabelecidas por meio da troca de cartas entre artistas, problematizando a invenção artística para além dos objetos já consagrados. O texto aponta ainda para a discussão da noção de autoria, tradicionalmente vista como produto do trabalho de um indivíduo singular.
Em seu artigo, Raquel Quinet reflete sobre o desenho como expressão da razão teórica, examinando o momento de inflexão em que a teoria da arte desponta como “uma crítica de si mesma”. Diferenciando-se, no interior da tradição platônica da pintura, os teóricos da arte passam a se confrontar com questões de natureza artística. Refinam-se, assim, os sentidos do desenho que recebe o novo significado de imagem mental constituída na interioridade do artista.
Finalizando o Dossiê, Kelvin Falcão Klein recorre à historicização dos modos de atenção conforme estabelece o crítico de arte Jonathan Crary para articular em alguns textos de W. G. Sebald, autor de Austerlitz (2001), Os anéis de Saturno (1995) e Os emigrantes (1992), uma “peculiar mistura de atenção flutuante, multitemporalidade e reflexão sobre as imagens”. Klein explora a proximidade entre os conceitos de “deriva”, “psicogeografia” e “détournement” de Guy Debord e as relações entre escritura e o ato de caminhar em Sebald, a fim de problematizar o vínculo de sua prática poética com a história, a memória e o espetáculo.
A entrevista com Ettore Finazzi-Agrò destaca os impasses historiográficos que atravessam a produção literária brasileira. A partir da hipótese da “situação intempestiva” que marca a temporalidade de nossa formação cultural, o crítico realça a literatura como o espaço de escuta de um sujeito ausente da história, citando Certeau em L’absent de l’histoire. Pois, segundo ele, “na defasagem entre o poder-dizer e o dito […] habita […] uma certa imagem da história e a própria história como sucessão caótica e heterogênea de instâncias aleatórias e como interrogação incessante desse caos e dessa heterogeneidade”.
Em resenha crítica, o escritor e historiador da arte Rafael Cardoso aponta qualidades e lacunas em Books and Periodicals in Brazil 1768-1930: a Transatlantic Perspective (2014). O livro apresenta o estado dos debates sobre a história do periodismo brasileiro, em especial do século XIX. Nem sempre atingindo o resultado proposto, segundo o resenhista, a publicação merece, entretanto, destaque pela reunião de um conjunto importante de temas, constituindo-se uma referência para o público de língua inglesa.
A seção de artigos reforça a proposta geral do Dossiê. André Azevedo remonta à centralidade do visual na tradição ocidental, destacando a arquitetura como arte estratégica para o controle da urbe e seus habitantes. Seguindo essa perspectiva, o autor mostra como a reforma urbana empreendida no Rio de Janeiro, no início do século XX, mantém firmes os laços com tal tradição. O projeto de reordenação de Pereira Passos deixara de considerar, porém, que a cidade e suas tradições – ou as “várias cidades” numa só – pediam mais do que a “persuasão estética” e o ideal civilizatório da remodelação.
O tema da reforma urbana reaparece no texto de Viviane Araújo. A partir de um álbum fotográfico encomendado pelo prefeito de Buenos Aires, Torcuato de Alvear, em 1885, a autora investiga as transformações da cidade na década de 1880. A historiadora destaca a eloquência dessas imagens no interior de um discurso voltado para a difusão de valores como o progresso, a salubridade e a modernidade em que, no entanto, as tensões e os estranhamentos decorrentes da reforma jamais se mostram.
Caio Proença e Charles Monteiro examinam a historicidade do fotojornalismo e suas práticas no Brasil dos anos 1970, tendo em vista as diferentes etapas da atividade. A partir da cobertura fotográfica das manifestações estudantis ocorridas em Porto Alegre, em 1977, publicada pela revista Veja, os autores consideram a natureza peculiar da linguagem visual construída coletivamente num grande veículo de comunicação, investigando suas implicações ideológicas e políticas.
Maria da Conceição Pires analisa estratagemas discursivos e visuais nas tirinhas de Bob Cuspe, personagem do cartunista Angeli. O humor orienta aí os jogos de adesão e oposição aos modelos estabelecidos, criando um entre-espaço no qual se efetua o que ela chama de contraconduta dos modos de viver e interagir numa grande cidade dos anos 1980. Pires realça que a crítica contida nos quadrinhos promove, senão a mudança, ao menos a desestabilização de valores social e historicamente dados.
No contexto da contemporaneidade literária, Felipe Charbel atualiza a tradição do uso de recursos retóricos em Sexo, romance de André Sant’Anna, explorando lugares-comuns, ideias-tipo e repetições no procedimento de tipificação de imagens performáticas. O historiador ressalta o “inesperado” atravessamento do campo do desejo sexual pelo automatismo das relações humanas: “o desejo é pensado no romance como puro discurso social, que realça hierarquias e reforça preconceitos, desumanizando as pessoas em vez de aproximá-las”.
A seção conta ainda com três artigos que tomam o cinema como matéria de reflexão. Alexandre Guilherme e Flávio Trovão investigam a trajetória de vida de Larry Flynt na sua crescente militância pela liberdade de expressão nos EUA. Como objeto de estudo, os autores analisam o filme “O povo contra Larry Flynt” (1996) de Milos Forman. Jean Carlos Costa e Luiza Melo Alvim discutem as relações entre a montagem cinematográfica e a escrita da história a partir das Passagens de Walter Benjamin. Tempo e narrativa são termos problematizados no gênero documentário tratado no texto. Já Sylvia Nemer, aponta para os diferentes olhares sobre a imigração produzidos pelo cinema, destacando adaptações cinematográficas de obras literárias. No artigo, ressalta a diferença de abordagens entre a década de 1970 e os anos 2000.
Encerrando a seção, Roberta Ferreira e Ivan Lima apresentam aspecto pouco estudado da obra do caricaturista Angelo Agostini: sua colaboração em publicações de destaque nos primeiros anos da República brasileira, as revistas O Malho e O Tico-Tico, esta última voltada para o público infantil. O artigo mostra a busca pela inovação da linguagem visual empreendida pelo artista e seu engajamento em temas como a cidadania, o progresso e a república, contribuindo para a reavaliação da memória do desenhista, sempre associada à imprensa oitocentista e à luta pela abolição.
As Notas de Pesquisa completam a proposta da revista. Maria Cristina Volpi reconstrói a trajetória intelectual de Sofia Jobim Magno de Carvalho, pioneira nos Estudos em Indumentária da atual Escola de Belas Artes da UFRJ, especialmente nas décadas de 1940 e 1950. A autora parte do acervo formado pela própria Sofia, atualmente sob a guarda do Museu Histórico Nacional, para revelar sua importância no campo dos estudos da moda e da indumentária. Paralelamente, Volpi ressalta o papel de Sofia no Clube Soroptimista do Rio de Janeiro, associação feminina de origem norte-americana e cunho feminista, da qual foi integrante e uma de suas fundadoras. Isabela Moura Mota examina a série “Tipos do Rio de Janeiro”, publicada em 1863, na revista satírica Semana Ilustrada. A historiadora parte de uma hipótese pouco explorada, aproximando o discurso plástico-literário criado na revista brasileira às fisiologias, gênero editorial de sucesso no início do século XIX, especialmente na França. Caroline Pires Ting aprofunda a relação entre o escritor e dramaturgo Antonin Artaud e o pintor Edvard Munch. Sob a chave da intertextualidade, a autora entrelaça histórias de vida e experimentação plástica e poética, refinando a reflexão sobre as influências entre os artistas. Por fim, Rosiel Mendonça e Vinícius Amaral valorizam a discussão em torno do documentário “Amazonas, Amazonas” produzido por Glauber Rocha em 1966. Os autores explicitam as tensões ideológicas que marcam o contexto de produção da obra, trazendo à luz um Glauber pouco conhecido.
A resposta positiva ao convite para o debate feito por esta Maracanan indica o amadurecimento da relação entre a história e a cultura visual nos estudos realizados no Brasil. O crescente reconhecimento do campo, marcado pela vocação para a aproximação e troca entre distintas tradições, acentua, assim, os méritos de um projeto multidisciplinar.
Laura Nery – Doutora em História Social da Cultura pela PUC-Rio, é professora visitante do Departamento de História da UERJ, onde atua como pesquisadora do Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais (Redes) e do Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades Sociais / LEDDES. Integra o grupo de pesquisa do CNPq “Imprensa e circulação de ideias: o papel dos periódicos nos séculos XIX e XX”.
Cláudia de Oliveira – Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professora da Escola de Belas Artes da UFRJ. Coordena o grupo de pesquisa do CNPq “Arte, Gênero e Cultura Visual no Brasil”, e o curso de graduação em História e Teoria da Arte e integra o programa de pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV / EBA / UFRJ).
Lúcia Ricotta – Doutora em História Social da Cultura pela PUC-Rio, é professora do curso de Letras do Centro de Letras e Artes da UNIRIO e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UNIFESP (PPGLETRAS). Participa dos grupos de pesquisa do CNPq “Literatura e Linguagens: fronteira, espaço, performance, memória” e “Teoria e História Literária e Geografia: Epistemologia, História e Ambiente”.
NERY, Laura; OLIVEIRA, Cláudia de; RICOTTA, Lúcia. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v.12, n.14, 2016. Acessar publicação original [DR]
Imagem e cultura visual / Revista História da Educação / 2015
Esse dossiê busca contribuir com os estudos que se inscrevem na interface entre cultura visual e história da educação e ampliar as possibilidades investigativas da dimensão visual da educação, em perspectiva histórica. Mais que incorporar os documentos visuais como elementos complementares do campo empírico das pesquisas, em geral calcadas sobre os escritos, pesquisar as imagens e a cultura visual, encontra sentido na problematização dos aspectos da visualidade da educação, seja ao delimitar os contornos das cadeias de produção, circulação, usos, consumo e apropriações das imagens; seja ao explorar as associações entre o visível e o invisível, nas quais estão subjacentes as relações de poder configuradoras do social. Desse modo, ao problematizar a dimensão visual da educação, vários dos estudos aqui apresentados propõem novas miradas às imagens produzidas, com diversas funções, no âmbito escolar e universo familiar, ambos extensamente investigados pelos historiadores da educação. Porém, instiga a ultrapassar o âmbito tradicionalmente consagrado dos estudos de história da educação ao apresentar objetos ainda pouco desbravados entre nós, como as revistas ilustradas ou o cinema.
Os artigos aqui reunidos procuram contemplar pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e internacionais, não se restringindo àqueles vinculados diretamente ao campo da História da Educação. Convidam o leitor a dialogar com aportes teóricos e metodológicos oriundos da História da Arte, da Semiótica, da Estética, do Cinema, da Comunicação, da Arquitetura, entre outras áreas cuja tradição assenta-se no trabalho com as imagens. Acredita-se que esses olhares podem contribuir com as investigações em história da educação, uma vez que propõem indagações mais enriquecedoras a documentos já interpretados a partir de outros aspectos, ou proporcionar a descoberta de repertórios visuais relegados a segundo ou terceiro plano.
Assim, abrindo o dossiê, Olivier Lugon em Nova objetividade, nova pedagogia: a respeito de Aenne Biermann. 60 Fotos, (1930) analisa o livro de fotografias dessa artista que se inseriu no movimento da Nova Pedagogia alemã, cujo substrato consistia em substituir o ensino livresco tradicional pelo contato direto com os elementos do saber. Segundo Lugon, a Nova Objetividade na fotografia, por essa razão, alcançou um papel pedagógico de grande relevância na Alemanha ao possibilitar aos estudantes o contato visual com as coisas do mundo. Mas mais que possibilitar a produção de livros com imagens didáticas para uso em sala de aula, tarefa que vários fotógrafos assumiram naquele contexto, a aprendizagem da fotografia foi incluída nas escolas alemãs, primeiramente como recurso do ensino gráfico criativo e, posteriormente, como ferramenta do ensino de diversas matérias através da projeção visual. Desse modo, Lugon aborda como arquitetura e fotografia foram reunidas de modo a construir no espaço da sala de aula um ambiente de máxima concentração para aprendizagem por meio das imagens, elaboradas de forma mais objetiva possível em relação ao seu referente, possibilitando, no isolamento da escola em relação ao mundo, conhecê-lo através das imagens fotográficas. Por outro lado, o autor explora as concepções contraditórias que reuniram fotografia e pedagogia moderna, nos anos 1920, mostrando que estas buscavam uma aprendizagem sem a leitura, restituindo à criança seu primeiro olhar sobre as coisas e tentando afastá-la das noções já incorporadas através da cultura e da educação.
Andrea Cuarterolo, em El cine científico en la Argentina de principios del siglo 20: entre la educación y el espectáculo, aborda a produção e exibição de filmes científicos, balizados pela ideia de conciliar aprendizagem e diversão. Inicialmente, produzidos por médicos cirurgiões, tais filmes caracterizavam-se como recursos pedagógicos destinados a um público especializado, adquirindo, na década de 1920, características de ampla divulgação visual das ciências para as massas de imigrantes não conhecedores do idioma, em contexto de propagação de doenças contagiosas e de difusão das ideias higienistas. Ao chegarem às escolas esses filmes constituíram-se como híbridos de espetáculo e educação, algumas vezes, alcançando grande sucesso de bilheteria nas casas de exibição por abordarem temáticas censuradas, sob véu científico. Além do especial interesse que suscita o texto da autora pela dimensão educativa do cinema nas primeiras décadas de sua existência, esta explora os denominados filmes órfãos, realizando uma arqueologia desses materiais parcamente preservados e difundidos da história do cinema na Argentina.
Na sequência, Ana Maria Mauad em Usos e funções da fotografia pública no conhecimento histórico escolar introduz a noção de fotografia pública, reportando-se, por um lado, à produção de imagens de eventos sociais, realizada por autores independentes ou a serviço institucional; e, por outro lado, às funções de representações do poder na cena pública. Segundo a autora, o potencial de mobilização de memórias e de representações históricas tornam a fotografia pública documento e monumento do passado, daí sua utilização pelos livros didáticos de história. A partir de quatro situações, a autora analisa criticamente os usos e funções da fotografia pública nos livros didáticos, alertando para as ausências observadas e oferecendo pistas para uma operação histórica com imagens, que considere os circuitos de produção e circulação, bem como as economias visuais nas quais se inserem.
Cláudio de Sá Machado Júnior em Fotografia, imprensa de variedades e educação: discursos visuais e textuais sob o foco de uma pedagogia de revista problematiza o potencial educativo da imprensa de variedades e sugere pistas metodológicas à História da Educação, através do exame das configurações narrativas que associam imagens fotográficas e textos escritos. A partir da análise da Revista do Globo, o autor discute em que medida fotografia e escrita inserem-se numa pedagogia do olhar, de modo a compor um mundo pré-configurado e em consonância com seu público leitor.
O último artigo do dossiê intitula-se A grafia dos corpos no espaço urbano: os escolares no álbum Biografia duma Cidade, Porto Alegre, 1940, de minha autoria. São tecidas considerações em torno da relação entre cultura escolar, cultura fotográfica e cultura visual. Nessa perspectiva, é possível verificar a produção de uma cultura visual escolar particular caracterizada por diversos elementos, entre os quais as fotografias veiculadas em relatórios, álbuns, revistas, cartões postais. Através da análise de determinadas imagens fotográficas do álbum Biografia duma cidade, é possível perceber, entre outros aspectos, os modos de inserção da cultura escolar no espaço urbano, bem como explorar as relações entre visibilidade e invisibilidade dos sujeitos fotografados, seja na escola, seja na cidade.
Por fim, vale ressaltar que este dossiê, tendo em vista os limites estabelecidos pela revista, constitui um anúncio de uma parcela do potencial de investigações em torno das imagens e da cultura visual no âmbito da História da Educação, que no Brasil tende a se expandir. O desejo é menos de esgotar as possibilidades, tarefa inalcançável, e mais de inspirar pesquisadores a incorporarem em seus estudos a dimensão visual reportada à educação, almejando, ainda, que os achados suscitados de documentação ainda quase inexplorada fomente a preservação dos repertórios visuais, seja nas instituições escolares, seja no âmbito privado.
Zita Rosane Possamai – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
POSSAMAI, Zita Rosane. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 47, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]
Entre séculos: Imagens de Arte e Cultura Visual | ArtCultura | 2010
Os textos aqui reunidos versam sobre produção, circulação e recepção de obras artísticas visando contribuir com olhar problematizado a partir das imagens de arte na discussão sobre a cultura visual de fins do século XIX e início do XX. Pensar entresséculos permite alargar as faixas cronológicas tradicionalmente propostas pela historiografia, permite mesclar diferentes documentos consultados pelos autores e transpor marcos temporais esta – belecidos nos arquivos e nos compêndios da história, da cultura e da arte.
São apresentadas, neste minidossiê, diferentes categorias de imagens artísticas e de documentos, em assuntos como pintura, arquitetura, ensino artístico e objetos decorativos, com relevantes contribuições ao debate atual no campo da visualidade. Vale ressaltar o interesse das áreas de história e de arte nas abordagens visuais seja para alargar seus conhecimentos específicos, como no tratamento de material visual enquanto documento e/ou objeto de estudo, seja para provocar o diálogo com outras áreas do conhecimento e levar seus saberes particulares a outros domínios. Leia Mais
História e Cultura Visual / História (Unesp) / 2007
Para encerramos a gestão do Conselho Editorial escolhemos como tema do dossiê História e Cultura Visual. A discussão em torno da relação entre História e Imagem já é uma realidade entre os historiadores e demais pesquisadores. O objetivo deste dossiê foi justamente abrir espaço para um amplo debate em torno da problemática visual. Recebemos artigos de historiadores e pesquisadores de áreas como Estética, Letras, Jornalismo, Ciências da Comunicação, Ciências da Informação e Ciência Política, fato este que nos deixou extremamente gratificados, pois permite um amplo diálogo interdisciplinar tendo como vetor a análise do social a partir do ponto de vista do visual.
O artigo que abre o dossiê é da pesquisadora mexicana da história da fotografia Rebeca Monroy Nasr, que realiza uma reflexão instigante sobre a utilização da fotografia como documento social e suas possibilidades metodológicas.
Após este primeiro texto temos um bloco de artigos vinculados à fotografia e sua utilização em diversos suportes, mas em especial em periódicos. O primeiro deles escrito pelo investigador mexicano e pesquisador da Fototeca Nacional do México vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e História – INAH Daniel Escorza. Seu trabalho procura averiguar a trajetória do fotojornalista mexicano do início do século Agustín Victor Casasola, fundador de uma dinastia de fotojornalistas e considerado como fotógrafo oficial da Revolução Mexicana. Ele atuou nos principais jornais da capital mexicana nas primeiras décadas do século passado. O segundo artigo, da francesa Marion Gautreau, analisa como se construiu um imaginário político da Revolução Mexicana através de fotografias veiculadas na impressa ilustrada mexicana logo após o fim do conflito.
O quarto artigo, escrito pela professora do curso de Ciência da Informação da Unesp de Marília, Telma Campanha de Carvalho, procura identificar elementos da formação da visualidade jornalística no país e traz subsídios para os estudos da história visual da imprensa brasileira através de uma análise de fotografias publicadas no jornal O Estado de S. Paulo entre 1910 e 1929.
A professora Maria Eliza Linhares Borges da UFMG busca, em seu artigo, desvendar o papel da cultura visual na construção da identidade nacional no começo da era republicana brasileira. Parte das práticas publicitárias para verificar a elaboração de uma imagem moderna e cosmopolita.
Fecha este bloco o trabalho da professora da UnB Flávia Biroli sobre a transformação do jornalismo no Brasil a partir da década de 1940, que levou a um disciplinamento do olhar e da escrita na imprensa.
Os próximos três artigos possuem como eixo o cinema. O primeiro, do professor de História da América da UFRJ, Mauricio Bragança, trata da relação entre cinema e história, tendo como eixo de análise as películas produzidas sobre a Revolução Mexicana. O segundo artigo, da professora Ângela Aparecida Teles, procura desvendar os hibridismos entre o mundo rural e urbano do cinema de Ozualdo Candeias. O terceiro artigo da professora de História da Unesp, campus de Franca, procura investigar o discurso visual do cineasta Arnaldo Jabor em seu filme Tudo Bem.
O próximo artigo, do professor Victor Andrade de Melo, da UFRJ, discute a relação entre esporte e futurismo. Procura desvendar a construção de imaginários sociais e políticos da modernidade européia. Já o trabalho do professor de Antonio Gilberto Ramos Nogueira, da UFC, busca construção de uma identidade brasileira durante a experiência de Mario de Andrade ao longo das décadas de 1920 e 1930 e sua elaboração de uma política de preservação e patrimônio.
A investigação de Carine Dalmas procura estudar a construção de imaginários sociais a partir dos murais propagandísticos produzidos pelas chamadas Brigadas Muralistas, ligadas aos partidos Comunista e Socialista chileno durante o governo de Salvador Allende.
O texto de Ely Bergo de Carvalho e de Eunice Sueli Nodari trabalha com outro tema pouco explorado pelos pesquisadores brasileiros, a transformação da paisagem na região da cidade Engenheiro Beltrão, Paraná.
O artigo do professor do Instituto de Investigações Históricos da Unam, Federico Navarrete, versa sobre a iconografia de Malinche na narração visual da conquista do México e como essas imagens foram utilizadas de maneira criativa e complexa pelos indígenas mesoamericanos, que se apropriaram dos símbolos e discursos ocidentais para defender sua identidade e sua autonomia política. O trabalho que fecha o dossiê do professor da UNIFESP trabalha com a iconografia portuguesa para discutir a representação dos sonhos em imagens no século XVII.
Publicamos ainda três artigos fora do dossiê: o primeiro, de Jean Rodrigues Sales, sobre a trajetória do PC do B durante o governo militar. O segundo é da professora Yolanda de Paz Trueba do Instituto de Estudios Históricos y Sociales da Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Seu trabalho investiga como instituições de beneficências tornaram-se agentes moralizadoras do Estado argentino no final do século XIX. O último é do pós-doutorando da Unicamp Daniel Faria e discute o conceito de modernismo no Brasil.
Por fim publicamos duas resenhas, sendo a primeira de Johnni Langer sobre a edição traduzida para o português do livro do historiador e paleógrafo francês Serge Gruzinski, A guerra das imagens. A segunda resenha é do professor José Carlos Barreiro, da Unesp, campus Assis, sobre o livro Frontier Goiás, 1822-1889, escrito pelo Prof. David MacCreery.
Boa leitura.
Conselho Editorial
Conselho Editorial. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.26, n.2, 2007.Acessar publicação original [DR]