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Cultura e Religiosidade / Revista Trilhas da História / 2012
A Revista Trilhas da História, do curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Câmpus de Três Lagoas, chega a seu segundo número com a felicidade de contar com colaboradores que endossam e contribuem sobremaneira com a maior vocação desse periódico, a saber, constituir-se cada vez mais em veículo do saber acadêmico sério, democrático e representante de um conhecimento histórico na sua melhor relação com outras disciplinas humanas.
O presente dossiê “Cultura e Religiosidade” foi pensado a partir do “II Simpósio Internacional de História e XIV Semana de História da UFMS / CPTL, Cultura e Religiosidade: abordagens e métodos”, em 2011, e dá continuidade aquela temática e seus escopos, ou seja, cuidar de dois conceitos tão ricos à historiografia como às ciências humanas que a auxiliam e a enriquecem. Por isso, como o leitor poderá averiguar aqui, assistimos a feliz contribuição de abordagens sociológicas, antropológicas e históricas nas suas mais diversas abordagens, assim como de seus respectivos especialistas. Igualmente pudemos contemplar temporalidades múltiplas, espacialidades específicas, fontes e objetos singulares, sem perder de vista a dupla temática que une a todos, “Cultura e Religiosidade”, as quais, por sua vez, estão em estreita consonância, se tivermos por parâmetro as abordagens multidisciplinares a respeito da cultura, entendida agora, mais por sua universalidade do que, por exemplo, por sua tradicional e estanque dualidade “erudita”, “popular”.
Como já se disse, a cultura popular é aquela que contempla e oferece às mais diversas camadas sociais, um denominador comum cultural; por fim, que populariza algumas expressões, visões de mundo, formuladas tanto por uma camada mais erudita como aquela proveniente das tradições ditas folclóricas, orais, mais ligadas à memória, as suas modificações e retificações mais dinâmicas, caracterizada ainda por uma licença criadora e sensível as instabilidades do vivido e do experimentado, da policromada visão de mundo apresentada pelas práticas e pelos conceberes cotidianos. Daí que a religiosidade, no âmbito da relação homem / sagrado, é uma das mais ricas expressões dessa cultura popular.
A religião, ou sua melhor expressão no âmbito dessa cultura, a religiosidade, liberta os conceberes e os sentimentos humanos das amarras do canônico, erigi-se em um fenômeno humano privilegiado que liga o homem ao simbólico, as sensibilidades, aos ideários e sentimentos mais profundos daquela universal visão de mundo humana que são os arquétipos, o denominador comum que nos liga, ainda que modificado espaço-temporalmente por tradições socioculturais específicas sobre o qual recai a essência do existir e da experiência humana.
Por isso, a religiosidade só pode falar do sagrado enquanto cuide do humano e o entenda inserido em uma cultura específica, embora extrapole seus próprios limites em razão desse duplo denominador comum: aquele que abole ou relativiza a dualidade erudito / popular e aquele que une as diversas tradições socioculturais, quando se busca a universalidade e a essencialidade do ser e existir humano, presente sobretudo nas abordagens de longa duração, das emoções que, não obstante, inferindo mesmo na razão, prezam mais pelas permanências que pelas transformações.
Portanto, apresentamos aqui artigos que endossam e testemunham a importância e a amplitude do que vimos expondo. Textos que cuidam das vicissitudes do cristianismo antigo em sua confrontação ou conformação com espaços e tradições culturais a princípio a ele não tão consoantes, como as cidades e territórios povoados por outras tradições socioculturais e religiosas (Gilvan Ventura da Silva); que cuidam do cristianismo medieval, sobretudo a partir da visão da religiosidade por escritos oriundos da tradição erudita (Everton Grein). Trabalhos mais estreitamente ligados a uma abordagem antropológica da religião, como a construção do estereótipo da feiticeira a partir de uma visão tanto da Igreja, quanto da cultura popular, de onde se destaca, ademais, o papel da mulher na História (Helen Ulhoa Pimentel); ou das práticas religiosas afro-brasileiras no seu embate com a cultura cristã, fundamentada numa visão católica, a qual sempre procedeu em um sentido de “demonização” das religiosidades fundadas numa visão animista e politeísta do sagrado, estigmatizando essas práticas não só no campo do espiritual, mas na e pela sociedade tradicional, a exemplo da macumba, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (Roberta Soares Machado; Mario Teixeira de Sá Junior); ou aquele que trata de uma abordagem mais sociológica, das influências na visa social a partir do aparecimento de novas denominações religiosas, as igrejas neopentencostais, e seu influxo na vida social e psicológica dos novos adeptos (Claudia Neves; Denice Barboza de Souza; Patricia Vicente Dutra).
A contribuição a esse número fica ainda por conta dos ensaios de graduação apresentando temas como: a cultura camponesa, com ênfase para o modo de vida do camponês em confronto com o do latifundiário (Wagner José da Rosa), a religiosidade popular colonial e as dimensões do sagrado e o profano (Marcos Sanches da Costa) e a história da 2ª. estação ferroviária de Londrina – PR, vista como portal de ferro, expressão de um estilo urbanístico e ao mesmo tempo lugar de cultura (Priscilla Perrud Silva). Tem-se ainda a resenha de um livro que contempla a temática da história, gênero e sexualidade (Tânia Regina Zimmermann).
Encerrando os trabalhos tem-se como fonte a Entrevista realizada por Lourival dos Santos com Vicente Paula da Silva, devoto de Nossa Senhora Aparecida. A partir da transcriação, o autor nos apresenta um exercício de análise e tratamento da fonte oral, interpretada como testemunho das visões e práticas da religião católica popular brasileira.
De modo especial desejo lembrar da professora Maria Celma Borges (UFMS / CPTL) que, embora não tendo seu nome constando diretamente nesse número, foi a sua mais calorosa e laboriosa promotora, como o foi para o número anterior, e já tem sido para os próximos.
Queremos assim, expressar nossos agradecimentos a todos os colaboradores desse Dossiê, professores, pós-graduando, alunos de graduação; àqueles que doaram um pouco de si, que nos presentearam com aquilo que deve lhes ser mais rico e laborioso, ou seja, o trabalho escrito, fruto moroso e amadurecido de leituras, reflexões, discussões e que expõe aquilo que vivemos nas relações mais particulares conosco mesmo em nossos gabinetes para colaborar com a vida acadêmica e com a sociedade humana de uma forma mais geral.
Ronaldo Amaral
Inverno de 2012
AMARAL, Ronaldo. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.1, n.2, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]