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Cultura Popular na Antiguidade Clássica-grafites, arte, erotismo, sensualidade e amor, poesia e cultura – FUNARI (VH)
FUNARI, Pedro Paulo. Cultura Popular na Antiguidade Clássica-grafites, arte, erotismo, sensualidade e amor, poesia e cultura. São Paulo: Contexto, 1989. Resenha de: DUARTE, Regina Horta. Varia História, Belo Horizonte, v.9, n.12, p. 154-155, dez., 1993.
Os estudiosos da história vêm, há muito tempo, ampliando sensibilidade em relação aos sinais do passado que chegaram até nós, trazendo seu testemunho acerca de outras organizações sociais.
O historiador francês Lucien Febvre alertou, num texto de 1949, para a 1mportancra dessa abertura da noção do documento histórico: os documentos escritos têm grande utilidade na pesquisa. Porém, sua ausência não deve impossibilitar tal trabalho. Também os signos, as palavras, as paisagens e as formas dos campos, ou seja, tudo o que traga inscrita a ação humana serve como documento ao historiador hábil e perspicaz.
É esta criatividade na busca de fontes que faz da obra de Pedro Paulo Funari um texto essencial para os leitores que s interessam pelas várias possibilidades abertas pela construção do passado histórico. No caso, a Antigüidade Clássica é analisada a partir de um aspecto inédito, o que leva o autor a falar em uma outra Antiguidade. A cultura popular, suas manifestações esquecidas e desprezadas durante tantos séculos- quando só uma parte da cultura clássica fascinou e serviu de modelo à cultura ocidental moderna – é o tema de reflexão da obra.
Na ausência de documentos escritos tradicionais, o autor recupera as pichações nos muros e paredes das cidades antigas. A maior parte da documentação foi levantada em Pompéia, cidade onde uma catástrofe vulcânica Preveniu a destruição desses sinais. A forma de lidar com os grafites mostra-se tão original quanto a sua escolha como documentação: Funari não se reduz a desvendar as palavras, frases e poesias inscritas, mas analisa a expressividade iconográfica dos sinais gráficos, mostrando a excelência artística dos autores anônimos e, talvez o mais importante para o olhar do historiador, a forma através da qual esses pichadores relacionavam-se com as palavras.
No seu intento de fugir a uma história parcial, que privilegia apenas uma versão construída pelas elites dominantes da época, o autor utiliza os grafites como monumentos: são sinais de um assado construídos dentro de situações de conflito, ambiguidades, sonhos e esperanças, protestos e indignações. Entretanto, a obra continua apoiando-se num dos pilares da historiografia tradicional: o que move a pesquisa é, segundo as palavras de Funari, reconhecer-se “nos gregos e nos romanos e perceber como eles têm a ver com a gente”. Historiadores dedicados ao período clássico – como Finley, Vidal-Naquet, Vernant, M. Dettienne e Paul Veyne – renovaram a abordagem historiográfica justamente pela vertente oposta. Destacam a diferença de valores, de mentalidade, de organização social. Ressaltam o caráter diverso dessas sociedades, renunciando-se às categorias eternas e continuidades enganadoras. Como afirma o filósofo C. Castoriadis, o que precisamente nos interessa na história é nossa “alteridade autêntica, os outros possíveis do homem em sua singularidade absoluta”.
Outro aspecto passível de discussão pode ser apontado na visão dicotômica transmitida na separação cultura popular/cultura erudita. A cultura erudita é classificada como “continuadora imóvel da tradição reprodutora de um passado clássico”; a minoria erudita é inativa; a pintura apreciada pela elite caracteriza-se, para o autor, pela ”continuidade na ausência de rupturas, na sensação de imutabilidade”. Funari apresenta o leitor uma cultura clássica erudita completamente estática e desprezível. Por outro lado, a cultura popular é dinâmica, criativa, revestida de caráter multifacetado e contestatório.
Entretanto, não é tão fácil dividir, cultura erudita e popular, já que há um movimento constante de recriações e apropriações, onde pólos aparentemente opostos se interpenetram. Além disso, é inútil negar a riqueza da cultura clássica que o autor classifica como erudita. Como desprezar (só para citar alguns exemplos) Ésquilo, Sófoles, Hesíodo, Heródoto, Virgílio e tantos outros? A nova história precisa exorcisar o perigo da adesão às novidades simplificadoras, como a de que tudo o que foi criado pelos “vencidos” seja “bom”, sob pena d cair no moralismo românico.
Paralelamente à necessidade de debater tais posições contidas no livro, afirma-se o valor de sua leitura. Dedicado a um público Jovem, estimulará, sem margem de dúvida, o fascínio pelo estudo da história. Acreditamos que seu uso, em turmas de jovens estudantes, poderá contribuir imensamente para levar, ao ensino de segundo grau, uma história renovada, simples sem ser simplista, interessante e, finalmente, instigante.
Regina Horta Duarte – Professora do Departamento de História FAFICH·UFMG.
[DR]