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Machado de Assis: a poética da moderação – BASTOS (MAEL)
BASTOS, Alcmeno. Machado de Assis: a poética da moderação. Rio de Janeiro: Batel, 2018. 315 pp. Resenha de: AZEVEDO, Sívia Maria. Machado Assis Linha v.12 n.28 São Paulo Sept./Dec. 2019 Epub Nov 25, 2019.
Se a expressiva e longa atuação de Machado de Assis no exercício da crítica teatral vem recebendo importante recepção entre os estudiosos (FARIA, 2008), ainda são relativamente poucos os trabalhos que se debruçam sobre a crítica literária machadiana, comparados aos estudos voltados à prosa de ficção (romances e contos) e, mais ultimamente, à crônica. Por isso mesmo, é muito bem-vindo o livro de Alcmeno Bastos (2018, p. 11), Machado de Assis: a poética da moderação, no qual o autor se propõe “[…] identificar a poética pela qual se guiou Machado de Assis no exercício da crítica literária e teatral, ofício que desempenhou no decurso de grande parte de sua vida intelectual”.
Bastos chama de “poética da moderação” a poética da crítica machadiana pautada pelos princípios defendidos em “O ideal do crítico” (1865) – “ciência”, “consciência”, “coerência”, “independência”, “tolerância”, “urbanidade” -, em relação aos quais, segundo o autor, “[…] Machado de Assis se manteve fiel […], exercendo uma crítica ‘ciente’ e ‘consciente’, marcada pela recusa à agressividade (com raríssimas exceções), sob o império da moderação […]” (BASTOS, 2018, p. 14).
Assim, a “poética da moderação” é o princípio condutor por meio do qual Bastos empreende o rastreamento dos principais textos de crítica literária e teatral de Machado de Assis, na promoção de um diálogo em que, sem deixar de reconhecer especificidades de ambas as áreas, privilegia a coerência de Machado aos postulados estéticos e éticos no exercício da crítica.
Agrupados em blocos temáticos, os textos de crítica literária e teatral de Machado de Assis são submetidos a leituras minuciosas, a começar por aqueles que atendem ao título “profissões de fé”, nos quais Machado identifica as qualidades necessárias para o exercício da crítica, que deveria ter função reguladora e normativa, explorados no capítulo “As profissões de fé: o ideal do crítico e o crítico ideal: ‘ciência’ e ‘consciência’, pilares da crítica machadiana”. Aqui foram selecionados os textos “Ideias sobre o teatro” (1859), “A crítica teatral. José de Alencar: Mãe” (1860) e “O ideal do crítico” (1864), ao lado de alguns pareceres que Machado de Assis exarou, enquanto censor do Conservatório Dramático, atividade que exerceu em 1862-1864 e 1886-1887. Cabe ainda mencionar as duas cartas do Dr. Semana, dirigidas ao Presidente do Conservatório Dramático Brasileiro, Antônio Félix Martins, publicadas em 3 e 17 de abril de 1864, na Semana Ilustrada, nas quais o cronista, em tom irônico, convida a autoridade censória a visitar o Alcazar Lírico para constatar a decadência moral do público e a baixa qualidade das peças encenadas naquele teatro. Bastos atribuiu essas cartas a Machado de Assis por coincidirem com o período em que o escritor atuou como censor- quando “Inúmeras vezes […] externou o ponto de vista de que o teatro tinha função social civilizadora e, portanto não podia aceitar peças que ofendessem a moral” (BASTOS, 2018, p. 46) -, crítica endereçada às peças levadas no Alcazar Lírico, o que vai ao encontro do teor das missivas do Dr. Semana.
O segundo eixo temático responde pelos “balanços críticos”, textos nos quais Machado de Assis empreende uma visão de conjunto da produção literária e dramatúrgica da época, objeto do capítulo “Os balanços críticos: a quantas andavam a literatura e o teatro no Brasil nos anos 1860/70”. Essa seção é contemplada com os textos “O passado, o presente e o futuro da literatura brasileira” (1858), “Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade” (1873), “A nova geração” (1878) e “O teatro nacional” (1866), seleção que, como se vê, descarta a linha evolutiva, e com isso a divisão da obra machadiana em duas fases. Ao longo desses quase vinte anos, se Machado de Assis imprimiu nuances a seu pensamento crítico, ao tratar de questões como o indianismo, a cor local na aferição da nacionalidade, a adesão dos escritores às novas tendências estéticas oriundas da Europa, tais como o teatro “realista”, nem por isso houve “[…] uma mudança acentuada em suas convicções crítico-teóricas, sempre marcadas pela consideração ponderada das razões em choque” (BASTOS, 2018, p. 58).
As resenhas de Machado de Assis sobre o movimento teatral no Rio de Janeiro, publicadas nas seções “Revista de Teatros” (O Espelho, 1859-160) e “Revista Dramática” (Diário do Rio de Janeiro, 1860-1861), e os estudos, produzidos de forma esparsa, sobre a obra dramática de Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Antônio José, Quintino Bocaiúva, Oliveira Lima, entre outros, integram o capítulo “Machado de Assis vai ao teatro: a militância crítica no estudo (preferencial) de autores e peças contemporâneos e alguns estudos singulares”. Nesses textos, Bastos reconhece a fidelidade de Machado de Assis ao princípio de independência, ao criticar os desempenhos de João Caetano e Eugênia Câmara, aquele, pelo exagero na representação, esta, por estar mais afinada com a comédia do que com a tragédia. A defesa da função social do teatro justificaria a referência de Machado pelo teatro realista, mais adequado à representação da realidade, embora sem deixar de reivindicar a liberdade na criação artística.
Os textos mais propriamente de crítica literária de Machado de Assis, sobre poetas e ficcionistas, sobretudo os contemporâneos, receberam capítulo à parte: “Na crítica literária, um Machado mais atento à poesia (e aos poetas) que à prosa de ficção (ao romance, aos romancistas e aos raros contistas)”. Neste título-resumo (como em outros do livro), Bastos não apenas informa o leitor sobre o perfil do capítulo, mas também, no caso, a preferência de Machado pelos poetas em vez dos romancistas e contistas, o que talvez tenha passado despercebido, mesmo entre os machadianos. Outra novidade foi extrair de várias crônicas de “A Semana”, publicadas na Gazeta de Notícias, com base em obra anterior (AZEVEDO; DUSILEK; CALLIPO, 2013), os rápidos comentários de Machado acerca de ficcionistas, alguns dos quais, Coelho Neto, Raul Pompeia, Aluísio Azevedo, José Veríssimo. Em relação aos poetas de seu tempo, nenhum nome importante deixou de receber a atenção de Machado de Assis, que se manifestou tanto sobre os que o tempo consagrou, como Gonçalves de Magalhães, Junqueira Freire, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, quanto sobre os que ficaram esquecidos (Bruno Seabra, Alberto Zaluar, Adélia Fonseca etc.), sem deixar de contemplar os estrangeiros (Garrett, Gomes de Amorim, Guilherme Malta).
Os paratextos escritos por Machado de Assis para os seus romances, livros de contos, poemas e peças teatrais foram analisados no capítulo “Machado de Assis se apresenta ao leitor: a função metadiscursiva dos prefácios, prólogos, das advertências”. A inclusão desses textos no livro em pauta significa que Bastos os compreende como integrantes da bibliografia machadiana sobre crítica literária, o que é mais outra novidade trazida pela obra. A defesa de um “realismo seletivo”, a conformidade das ações das personagens às motivações interiores, o consórcio entre dados procedentes da realidade e a invenção do autor são princípios norteadores da crítica literária e teatral, a repercutir nos paratextos machadianos, com ressalvas em relação ao prólogo de Memórias póstumas de Brás Cubas, por já integrar o tecido ficcional, e aos de Esaú e Jacó e Memorial de Aires, pela ambiguidade quanto à autoria dos textos apresentados ao leitor.
Os últimos capítulos do livro foram dedicados a Eça de Queirós e José de Alencar, respectivamente, “Uma polêmica logo descontinuada (por ‘tédio à controvérsia’?): Eça de Queirós e a questão do realismo” e “José de Alencar: o romancista e o dramaturgo lidos e admirados pelo crítico Machado de Assis”. No primeiro, Bastos aborda a célebre querela em torno d’O Primo Basílio, em 1878, sobre o qual Machado de Assis se manifestou em artigos, nos quais reiterou suas convicções acerca da representação ficcional da realidade. Essa foi das raras ocasiões em que Machado se pronunciou mais duramente como crítico literário; ainda assim, o tom severo da sua crítica ficou muito distante do acirrado debate travado na imprensa carioca da época, do qual participaram vários nomes de peso (NASCIMENTO, 2008). No capítulo sobre José de Alencar, localizado não por acaso no fecho do livro, que se abrira com ele como epígrafe, na carta enviada em 1868 a Machado de Assis, apresentando-lhe Castro Alves, o pesquisador carioca resenha três modalidades de intervenção crítica de Machado acerca da obra de Alencar: a crítica literária (Iracema, 1866), a crítica teatral (Verso e reverso, O demônio familiar, As asas de um anjo, Mãe, O que é o casamento?, 1866) e o prefácio (edição comemorativa de O guarani, 1887, que acabou não acontecendo), sem esquecer as provas de admiração manifestadas em várias ocasiões, em crônicas e discursos.
Como balanço geral, o livro de Alcmeno Bastos vem trazer importante contribuição aos estudos machadianos, quanto à atuação de Machado de Assis no exercício da crítica literária e teatral, ao promover frutífero diálogo entre essas duas áreas de militância crítica, norteadas pelos princípios da “poética da moderação”.
Referências
AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro (Orgs.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Editora UNESP, 2013. [ Links ]
BASTOS, Alcmeno. Machado de Assis: a poética da moderação. Rio de Janeiro: Batel, 2018. [ Links ]
FARIA, João Roberto (Org.). Machado de Assis: do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008. [ Links ]
NASCIMENTO, José Leonardo. A recepção de O Primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX: estética e história. São Paulo: Editora UNESP , 2008. [ Links ]
Sílvia Maria Azevedo – É professora adjunto de Teoria Literária e Literatura Comparada, do Departamento de Literatura, UNESP/Assis, tendo publicado artigos e livros sobre Machado de Assis, dentre os quais a organização das seguintes antologias Badaladas Dr Semana (São Paulo: Nankin, 2019, t. I e II), História de quinze dias, História de trinta dias (São Paulo: Editora UNESP, 2001), Machado de Assis: crítica literária e textos diversos (São Paulo: Editora UNESP, 2013), em colaboração com Adriana Dusilek e Daniela Mantarro Callipo. É autora da reedição de O Momento Literário, de João do Rio (São Paulo: Editora Rafael Copetti, 2019), com Tania Regina de Luca, e da obra Brasil em imagens: um estudo da revista Ilustração Brasileira (1876-1878) (São Paulo: Editora UNESP, 2010). https://orcid.org/0000-0001-7679-1919. E-mail: silrey@uol.com.br.
Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda – NICODEMO (Topoi)
NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: FAP-Unifesp, 2014. Resenha de: GAIO, Henrique Pinheiro Costa. A crítica como missão: formação e modernização na obra de Sérgio Buarque de Holanda; Topoi v.18 n.35 Rio de Janeiro July/Dec. 2017.
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) tem uma obra volumosa e que transitou entre a crítica literária, o ensaísmo e a escrita histórica monográfica. Talvez não seja equivocado dizer que sua trajetória intelectual, sobretudo entre os anos 1920 e 1950, pode funcionar como uma espécie de metonímia do processo de profissionalização do historiador ou de autonomização do campo, tendo como referência importante a consolidação de instituições universitárias no Brasil. Sua obra mostra-se encorajadora de imensa fortuna crítica: variadas abordagens demonstram não somente a juventude perene de um pensador clássico como também ilumina certas nuances da reflexão buarquiana. É justamente neste contexto de ampliação e sedimentação da fortuna crítica do autor – que tanto serve como estorvo para leituras ingênuas como também instiga novos caminhos de pesquisa – que Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda (2014), de Thiago Lima Nicodemo, deve ser inserido.
A trajetória da pesquisa de Thiago Nicodemo parece traçar um movimento contrário ao do processo de profissionalização do historiador, uma espécie de leitura a contrapelo ou teleologia às avessas. Nicodemo, em seu livro anterior, fruto de sua dissertação de mestrado, Urdidura do vivido: Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos de 1950 (2008), lidou com um momento basilar no trabalho de Sérgio Buarque: o processo de especialização que culmina com a feitura de Visão do paraíso (1958) e sua inserção universitária. Em sua nova publicação, Nicodemo recua cronologicamente com o intuito de perscrutar o processo de formação do historiador acadêmico, abarcando desde a década de 1920 até a de 1950, ou seja, a passagem do jovem crítico modernista, atento ao debate dos dilemas da modernização nacional, para o historiador maduro que opta por cortes mais circunscritos em detrimento de generalizações e que, sobretudo, mescla com peculiar maestria erudição e imaginação. O arco cronológico abarcado pela pesquisa permite uma compreensão abrangente da formação do intelectual; por meio do cruzamento entre crítico literário, ensaísta e historiador, é possível mapear interesses recorrentes e constantemente burilados. Tal esforço de cruzamento já demonstra a relevância da pesquisa que temos em mãos.
Ao retornar para a década de 1920, Thiago Nicodemo aponta para os interesses compartilhados com aquela geração e a influência duradoura de temas tipicamente modernistas ao longo da vida intelectual de Sérgio Buarque de Holanda. Para além da definição estanque do jovem modernista ou do historiador maduro, almeja demonstrar certa continuidade, ou seja, a importância do resgate de sua produção de crítica literária como forma de compreender sua formação intelectual e o desenvolvimento intermitente de temas fulcrais na sua reflexão. Nicodemo realiza um bem-sucedido esforço de lastrear o caráter de missão que orienta a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda, pois ao definir precursores e ao reconhecer a manutenção de assuntos do jovem modernista na pena do historiador maduro demonstra a unidade do pensamento e certo sentido da escrita.
Sérgio Buarque molda sua crítica por meio de uma metodologia fugidia e diversificada, todavia, esforça-se para estabelecer um diálogo entre obra e tradição, autor e ambiente de escrita. Segundo Antonio Candido, para se ter dimensão da fortuna da contribuição do jovem crítico, às vezes é preciso compreender que ela se articula “com todo um ciclo da civilização a que pertence, como no caso da extraordinária análise de Cláudio Manuel da Costa”, quando o crítico, de acordo com Candido, “circula no tempo, vai até Petrarca, vem até Lope de Vega, vai até Dante Alighieri, vem a Metastasio, volta para Cláudio Manuel da Costa, a constelação vai se formando e você sente que para explicar aquele texto curto de catorze versos ele mobiliza a civilização do Ocidente.”1 Tal comentário mostra-se importante para indicar não só a conhecida erudição do crítico, mas também a dimensão histórica que se revela no diálogo da obra literária com uma tradição ocidental.
Nicodemo, evitando o risco e o reducionismo da influência, explora o impacto da viagem de Sérgio Buarque aos Estados Unidos, em 1941, momento em que entrou em contato com os pressupostos teóricos do new criticism, que reivindicava a autonomia do texto literário em relação à biografia do autor e o ambiente de sua produção. A técnica do close reading, no entanto, não provocou no crítico o descarte da historicização da estrutura linguística e estética. A experiência norte-americana, mesmo com seu valor na institucionalização disciplinar, trazia como corolário um formalismo radical que soava como conservadorismo. Além disso, o “senso das coalescências”, indicado por Candido na crítica literária de Sérgio Buarque, apontava para o jogo de semelhanças e diferenças, rupturas e permanências. Portanto, o crítico, ao temporalizar a experiência estética, recusava deliberadamente fazer da historiografia literária um mero catálogo de escolas. Desse modo, a historicidade literária, segundo a crítica buarquiana, implica não ignorar que a obra de ficção seria fruto de certa inserção no tempo, condicionada por determinado horizonte histórico, donde o autor não pode mais ser visto como um gênio romântico que prescinde do mundo para criar. Assim, o que parece estar em jogo são as condições de possibilidade de criação literária ou a “pesquisa da constituição do texto”. Dito em outras palavras, sem denegar a autonomia da linguagem da ficção, o crítico busca combinar sua análise aos estratos históricos que possibilitam a feitura do artefato literário.
A chave de leitura de Candido, também seguida por Antonio Arnoni Prado, parece funcionar como um fio condutor de Alegoria moderna. Não somente porque existe um deliberado esforço de continuação de certa tradição interpretativa, algo demarcado claramente ao longo do trabalho, mas também porque a missão modernista parece conferir sentido ao processo de profissionalização das letras nacionais. Seguindo os passos de Mário de Andrade, inclusive o substituindo no Diário de Notícias em 1941, Sérgio Buarque, desde sua militância modernista, assume o compromisso da especialização e da superação de uma cultura de superfície, pautada por bacharéis e medalhões, críticos impressionistas e historiadores diletantes. Tais personagens funcionariam como arautos de uma palavra vazia, palavra feito ornamento, ou ainda, como um passado que ainda se faz presente, algo que depõe contra o esforço de modernização das letras nacionais. Thiago Nicodemo, ao alargar a crítica literária de Sérgio Buarque num horizonte mais amplo de exortação de mudanças na intelectualidade brasileira, identifica sua dimensão cultural e sua inserção no processo de autonomização do campo intelectual, tal como pensado por Pierre Bourdieu.
Se a costura do trabalho de Thiago Nicodemo é o reconhecimento de certa missão crítica de superação de traços coloniais, conferindo unidade à reflexão, faz-se necessário dizer que isso não implica carência de contradições ou o descarte de rasuras significativas na obra de Sérgio Buarque. Os planos de historicidade que se manifestam em modificações nas três primeiras edições de Raízes do Brasil, as intersecções entre Visão do paraíso (1958) e Capítulos de literatura colonial (1991), assim como a recorrência dos temas, revelam a presença de diversas temporalidades na orientação e reorientação da escrita buarquiana.2 Como em um palimpsesto, onde horizontes históricos se cruzam na constante atividade de reescrita que não apaga de todo o passado, a escrita ficcional e o próprio ato crítico são marcados pela passagem do tempo e por uma consciência histórica que desempenha um papel estruturante. A abordagem hermenêutica mobilizada por Nicodemo, valendo-se de autores como Hans-Georg Gadamer e Jörn Rüsen, numa espécie de duplicação da abordagem buarquiana, permite compreender a dimensão estética no interior de estruturas históricas, sem, contudo, subsumir uma na outra. Desse modo, segundo alerta Thiago Nicodemo, “não é possível afirmar que Sérgio Buarque de Holanda possuía uma ‘concepção’ de crítica literária, já que sua ideia era justamente buscar um ‘ajuste’ entre o horizonte criativo e o horizonte crítico”.3 Além do reconhecimento do caráter movediço da reflexão, o sentido de missão de Sérgio Buarque parece ter sido captado em seu momento de engendra mento, evitando-se certa teleologia que descrevesse sem tensões a transição do crítico diletante para o historiador profissional.
Thiago Nicodemo movimenta-se entre texto e contexto esquivando-se das dicotomias e do equívoco das influências reguladoras. Tal cuidado teórico fica patente ao demonstrar o impacto da experiência italiana na feitura do estudo inacabado que dá origem a Capítulos de literatura colonial – título concebido por Antonio Candido aos rascunhos encontrados postumamente e publicados em 1991. Detalhando a vivência italiana por meio de ampla documentação (cartas, documentos do Itamaraty, ementas de disciplina etc.), Nicodemo, seguindo a sugestão de Candido sobre uma “fase italiana” (1952-1954), descreve as condições que possibilitam a redação de Capítulos de literatura colonial e Visão do paraíso, ou seja, articula um momento fundamental da trajetória tanto do crítico quanto do historiador.4 A influência de pensadores como Mario Praz e Benedetto Croce, assim como a familiaridade com autores italianos do Renascimento, Barroco e Arcadismo, permitiu a ampliação do aparato erudito do crítico e o distanciamento de um nacionalismo literário típico do século XIX – mas que se estendeu, não sem alterações, até a década de 1950 como “nacionalismo estratégico”, na definição de Antonio Candido.
Admitindo-se a concomitância da pesquisa e escrita de Capítulos de literatura colonial e Visão do paraíso na década de 1950, mostra-se relevante o distanciamento de uma historiografia literária que se amparava na reconstituição de origens e no esforço de identificação de nativismos pretéritos, buscando retrospectivamente eventos que permitissem elaborar uma narrativa redentora da formação, numa espécie de anunciação da presença. Evitando a orientação interessada do nacionalismo que pautava a historiografia literária tradicional, Sérgio Buarque procurou a articulação do passado literário nacional por meio dos topoi. Nesse sentido, o trabalho de Ernest Robert Curtius, Literatura europeia e Idade Média latina (1948), torna-se central para compreender o papel que as permanências literárias que atravessam fronteiras e remetem a uma herança retórica antiga adquirem na reflexão buarquiana da década de 1950.
A tópica enquanto “celeiro de provisões” literárias, tal como anunciada por Curtius, foi fundamental na feitura de Visão do pa raíso.5 Os motivos edênicos que impulsionam o ideal aventureiro dos descobrimentos e organizam os primeiros contatos com o Novo Mundo não somente criavam uma tensão entre experiência e fantasia, mas também imputavam ao estilo condicionamentos históricos, podendo inclusive expor novas disposições subjetivas. Nicodemo, que, seguindo a sugestão de Luiz Costa Lima, estudou com densidade o uso da tópica na costura de Visão do paraíso, estendeu sua análise para Capítulos de literatura colonial. Esse movimento mostra-se extremamente profícuo para a compreensão do esboço de historiografia literária de Sérgio Buarque.
Segundo Nicodemo, o autor aponta para uma “longa permanência da épica como padrão figurativo da literatura na América portuguesa”, o que significou o afastamento da influência romântica na avaliação do passado literário colonial. Desse modo, o gênero tornou-se, para o crítico e historiador, “ponto de partida para compreender os textos como parte de um tecido social e, por isso, em constante interação com um público dotado de horizonte específico”.6 Dito de outra forma, como consequência desse ponto de partida, a demonstração da extensão do gênero épico, que perpassa o século XVII e estende-se até o XIX, indica a força da convenção em detrimento de uma originalidade de traço romântico, donde a emulação e a engenhosidade possuem uma ocorrência técnica. Assim, segundo a leitura proposta por Nicodemo, “a literatura na América portuguesa busca conferir dignidade épica a temas figurados no território ultramarino”,7 ou seja, a história da literatura colonial parece ser o relato da gradativa adaptação de códigos literários europeus ao ambiente americano. O intuito de inserir a América no quadro imagético europeu faz com que Capítulos de literatura colonial tenha como estrutura narrativa a formação da tópica do “mito americano” ou “tópica do sentimento nacional”. Portanto, figura como uma espécie de continuação de Visão do paraíso.
No âmbito de uma história cultural, o que emerge do uso da tópica é uma consciência histórica que se molda por meio da tensão entre um modelo figurativo associado ao corpo místico, fundamentação do Estado Absoluto, e o gosto arcádico que se vincula ao modelo figurativo da modernidade. Nesse jogo entre o antigo e o novo, compreender a permanência de barroquismos, de uma hiperbólica e retorcida linguagem, significa ater-se à dificuldade de sedimentação da clareza e sobriedade árcade, significa problematizar os estorvos impostos à modernização da cultura, investir no descompasso entre os influxos do iluminismo e o desenvolvimento do “gosto árcade”. Segundo Nicodemo, investir em tal tensão pressupõe que “a cultura cumpre, enfim, um papel fundamental e oferece para Sérgio Buarque de Holanda a chave da compreensão do processo histórico de formação (…)”. 8
O descompasso ou o impasse da modernização remete à questão do Barroco. Em Capítulos de literatura colonial, o Barroco aparece não somente como parte das demandas crítico-literárias da década de 1950, condicionada pelo resgate de procedimentos poéticos herméticos, mas como possibilidade de se pensar a formação nacional – tema caro aos modernistas. Nicodemo demonstra como a preocupação com o papel do “longo barroco” na colônia não aparece de maneira fortuita na obra de Sérgio Buarque. Este, além de anunciar na terceira edição de Raízes do Brasil, de 1956, A Era do Barroco no Brasil (Cultura e vida espiritual nos séculos XVII e XVIII) como obra em preparo e indicando a realização de três volumes – trabalho nunca realizado -, parecia querer articular uma mentalidade barroca com seu diagnóstico dos problemas da formação nacional.
Assim, o que está em jogo para Nicodemo, em sua proposta de relacionar a história literária buarquiana com a formação nacional, não é somente o caráter convencional da literatura colonial que se pautava em preceptivas retórico-poéticas rígidas, mas a dimensão histórica do processo de acomodação dessas preceptivas, justamente a possibilidade de amolecimento ou de misturas de gêneros. A tradição ibérica, desse modo, pressupõe a força da figuração barroca que se prolonga até o início do século XIX, marcando a manutenção de uma linguagem alambicada e de uma mentalidade formatada pela aversão às hierarquias e à hegemonia dos laços familiares e patriarcais. Nesse ponto, o tema central de Raízes do Brasil, a preocupação com a superação do passado ibérico que teima em impor-se diante da vontade de modernização, parece prolongar-se na reflexão buarquiana.
Fruto de tese de doutoramento, Alegoria moderna tem como mérito investir, com resultados profícuos, em veredas sugeridas pela fortuna crítica do autor analisado, mas ainda não percorridas. Thiago Nicodemo acrescenta mais um traço firme no quadro interpretativo-analítico da obra buarquiana, como também de sua própria trajetória acadêmica, que vem se caracterizando por pesquisa consistente e esforço contínuo de compreensão da escrita de Sérgio Buarque de Holanda.
1CANDIDO, Antonio. Apud PRADO, Antonio Arnoni. Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. O espírito e a letra: estudos e crítica literária. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 32. Ver também: CANDIDO, Antonio. Inéditos sobre literatura colonial. In: Sérgio Buarque de Holanda: 3. Colóquio Uerj — Rio de Janeiro: Imago, 1992.
2NICODEMO, Thiago Lima. Planos de historicidade. História da Historiografia, Ouro Preto, n. 14, p. 44-61, abr. 2014. Disponível em: <www.historiadahistoriografia.com.br>. Acesso em: 4 ago. 2016.
3NICODEMO, Thiago Lima. Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: FAP-Unifesp, 2014, p. 125.
4CANDIDO, Antonio. Introdução. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.
5CURTIUS, Ernest Robert. Literatura europeia e Idade Média latina. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957. Ver também: LIMA, Luiz Costa. Sérgio Buarque de Holanda: Visão do paraíso. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 42-53, mar./maio 2002. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br>. Acesso em: 4 ag. 2016; NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido. Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos de 1950. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
6NICODEMO, Thiago Lima, Alegoria moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., p. 216.
7Ibidem, p. 221.
8Ibidem, p. 236.
Recebido: 16 de Agosto de 2016; Aceito: 24 de Setembro de 2016
Henrique Pinheiro Costa Gaio – Doutor em História pela PUC-Rio e pós-doutorando no Departamento de História da Univesidade Federal de Ouro Preto-UFOP. Ouro Preto – MG, Brasil. E-mail: henriquecgaio@gmail.com.
Monstros e arquivos. Textos críticos reunidos – ECHEVARRÍA (A-EN)
ECHEVARRÍA, Roberto González. Monstros e arquivos. Textos críticos reunidos. Organização e apresentação: GONZÁLES, Elena Palmero. Tradução de Ary Pimentel. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014. Resenha de: GUTIÉRREZ, Rafael. Alea, Rio de Janeiro, v.17 n.2, july/dec., 2015.
A publicação pela primeira vez, no Brasil, de um conjunto de textos do crítico literário cubano e professor da Universidade de Yale Roberto González Echevarría permite ao leitor brasileiro um percorrido detalhado por autores, temas e obsessões críticas em torno da literatura hispano-americana, assim como algumas de suas conexões com a literatura espanhola.
De Cervantes a Severo Sarduy e Alvaro Mutis, passando por Calderón, Góngora, Lezama, Carpentier, Borges e García Márquez, os ensaios de González Echevarría aprofundam na análise textual das obras destes autores, revelando diversas interpretações, influências e conexões inusitadas. Embora seu enfoque seja, primordialmente, sobre as literaturas hispano-americanas e espanhola, tem um destaque especial sua aproximação a Euclides da Cunha e Os sertões, obra-chave em um de seus textos críticos mais conhecidos Myth and archive: a theory of latin american narrative (1990) e que, na coletânea agora publicada no Brasil, é novamente retomada no ensaio “De Sarmiento a Euclides: natureza e mito”.
Tal como aparece no título e é sublinhado pela introdução da professora Elena Palmeiro ao volume, esses dois conceitos, “Monstros e Arquivos”, funcionam como núcleos de atração que vinculam grande parte dos ensaios reunidos. Monstros, no sentido de figuras feitas de rasgos contraditórios e que se exibem, escritores e textos marcados pela sua excepcionalidade. Palmeiro lembra, nesse sentido, a expressão cervantina usada no prólogo a suas Comedias y entremeses, na qual Cervantes chama Lope de “monstro da natureza” para destacar seu talento dramático.
A figura do monstro é central no ensaio que González dedica à obra de Calderón A vida é sonho, mas também aparece ao falar de um personagem como Antônio Conselheiro. Em palavras de González Echeverría: “Como Facundo Quiroga, Antônio Conselheiro é um monstro, um mutante, um acidente. Seu caráter evasivo, como um objeto de observação e de perseguição militar por parte da República, deve muito a essa falta de antecedentes classificáveis” (ECHEVERRÍA, 2014: 245). E em outro lugar do livro em que o tom ensaístico do volume tende para a anedota e as intimidades da vida literária hispano-americana, Lezama é também retratado desde uma certa monstruosidade: “A gula desaforada e a resultante gordura, que o forçava a escrever sentado em uma poltrona, pois sua barriga não lhe permitia trabalhar confortavelmente em uma escrivaninha, davam a ele um aspecto monstruosamente ridículo” (ECHEVERRÍA, 2014: 216).
A apropriação particular do conceito de arquivo, como Echeverría explicita no prólogo ao volume, surge de seus estudos sobre o direito na Espanha e no Novo Mundo dos séculos XVI e XVII e se manifesta em seu ensaio sobre o amor e o direito em Cervantes, mas também em suas análises sobre as formas em que a própria materialidade dos recipientes utilizados para a atividade de arquivar se manifesta metaficcionalmente em obras centrais da literatura hispano-americana como El Aleph de Borges e Cien años de Soledad, de García Márquez.
Além da rigorosidade acadêmica que demonstra a escrita de González Echeverría, o livro está atravessado de maneira permanente por uma força afetiva e autobiográfica que permeia as análises e que se evidencia mais explicitamente nas cartas e homenagens póstumas que fazem parte da seleção de textos (cartas a Alejo Carpentier e ao economista cubano Carlos Díaz Alejandro, assim como textos de despedida para Severo Sarduy, Emir Rodríguez Monegal e Álvaro Mutis).
A amizade e proximidade do crítico com vários dos escritores estudados, especialmente com Severo Sarduy, assim como sua cercania com outros críticos destacados no contexto da literatura hispano-americana como o uruguaio Emir Rodríguez Monegal, fazem com que muitos dos ensaios de González Echeverría funcionem, eles mesmos, como uma sorte de arquivo afetivo e íntimo da vida literária e crítica hispano-americana da segunda metade do século XX. Expondo sua própria intimidade muitas vezes de forma expressiva e radical, o crítico parece atualizar aquela máxima de Oscar Wilde: “The highest, as the lowest, form of criticism is a mode of autobiography”.
Embora não seja seu eixo central, Cuba ocupa um espaço privilegiado nos ensaios de González, não somente pela importância que ocupam em suas análises os escritores cubanos, mas também em sua preocupação pela cultura popular e a formação da nacionalidade no ensaio intitulado “Literatura, dança e beisebol no (último) fim de século cubano”. O caso de Cuba, afirma González Echeverría neste que poderia ser considerado um ensaio de história cultural sobre as origens do danzón1e da prática do beisebol na ilha: “[…] pode fornecer lições para o estudo da emergência das nacionalidades modernas, que quase sempre são pensadas com base em atividades políticas e intelectuais, ignorando-se outras de caráter mais material ou físico, como os jogos, os rituais coletivos, as danças e até mesmo a cozinha” (ECHEVERRÍA, 2014: 276).
Cuba e a política é também um tema inevitável quando se trata de abordar a figura de Severo Sarduy. Neste caso, especialmente no texto de despedida que González dedica a Sarduy, publicado originalmente em 1993, o crítico deixa claro seu posicionamento de defesa do amigo frente aos ataques dogmáticos e homofóbicos sofridos por Sarduy nos anos 1960 e 1970 por parte de críticos próximos do regime.
No entanto, no ensaio em que analisa a obra De donde son los cantantes (1967), o crítico expõe seu sentimento de dúvida sobre o valor atual da obra de Sarduy, fazendo eco a alguns questionamentos que vinculam sua obra com uma cronologia específica (boom, estruturalismo, pós-estruturalismo) e mostra seu ceticismo frente a algumas das posições do escritor, especialmente seu entusiasmo lacaniano e sua rejeição de um autor como Alejo Carpentier. Parece-me que a tensão revela a tentativa de González de manter certo distanciamento crítico com a obra de Sarduy, ao tempo em que tenta compreender o fascínio que lhe produz e a sua influência na sua própria obra crítica.
Escrevendo precisamente sobre Sarduy, González declara um dos princípios centrais de sua prática leitora e crítica: “[…] ler obras modernas e contemporâneas como se já fossem clássicos, ler Sarduy como leio Cervantes e Shakespeare” (ECHEVERRÍA, 2014: 333). A seleção de textos reunidos em “Monstros e Arquivos” se configura nessa permanente oscilação entre autores clássicos e contemporâneos e a partir das conexões, continuidades e rupturas que o autor decifra na tradição literária hispano-americana.
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Finalmente, quero destacar a relevância desta iniciativa, levada a cabo pela professora Elena Palmero, da UFRJ, e acolhida pela editora da UFMG, que permitiu reunir e dar a conhecer ao público brasileiro parte significativa do trabalho de um dos críticos mais reconhecidos no campo dos estudos literários hispano-americanos dos últimos anos, assim como a cuidadosa tradução do professor Ary Pimentel, que consegue manter em português a fluência narrativa e o ritmo da prosa de González.
Tomara que este tipo de iniciativas continuem se afiançando no âmbito editorial brasileiro, no sentido de promover a difusão do pensamento crítico hispano-americano com traduções em língua portuguesa. Um campo de intercâmbio que, historicamente, apresenta lacunas, desencontros e algumas reticências, mas que, acredito, configura um caminho produtivo e interessante a ser mais explorado e discutido. Gênero musical que, com o tempo, seria identificado com a música cubana.
Rafael Gutiérrez – Escritor, crítico literário e tradutor. Doutor em Estudos de Literatura da PUC-Rio e mestre em Literatura Latino-americana da Universidade Javeriana de Bogotá. Atualmente, realiza pós-doutorado no Departamento de Letras Neolatinas da UFRJ. É autor do romance Como se tornar um escritor cult de forma rápida e simples (Rio de Janeiro: 7Letras, 2013) e organizador do livro NósOtros. Diálogos literários entre o Brasil e a América Hispânica (Rio de Janeiro: 7Letras, 2010).
[IF]Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna – WILLER (Ph)
WILLER, Cláudio. Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 2010. Resenha de: ALMEIDA, Fábio Ferreira de. Philósophos, Goiânia, v.15, n. 2, p.161-167, jul./dez., 2010.
É sem dúvida o caráter místico-esotérico, um seu lado meio mágico meio tolo, que nos faz torcer o nariz para os termos Gnose e Gnosticismo e, certamente, tal não é sem razão. Pierre Hadot, em seu livro sobre Plotino, Plotin ou la simplicité du regard, afirma a certa altura que “o gnóstico não sabe olhar o mundo” (HADOT, p., p.48), afirmação que é sem dúvida baseada na filosofia plotiniana que combateu com vigor o gnosticismo. O livro do tradutor, poeta e ensaísta Cláudio Willer retoma o debate acerca da Gnose e do Gnosticismo pelo viés da crítica literária que, abrindo mão do aspecto propriamente filosófico e das questões inerentes a uma história das religiões, pretende suprir uma carência da qual, em sua opinião, padecem os estudantes de Letras quando se deparam com autores tais que Blake, Baudelaire, Nerval, Rimbaud e outros (p. 31).
Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna (2010) é resultado da tese de doutoramento defendida pelo autor em 2008 na Universidade de São Paulo e suas mais de quatrocentas páginas estão divididas em duas partes. Na primeira, intitulada “Gnose e Gnosticismo”, temos uma exposição dos aspectos mais centrais da doutrina gnóstica para o que, além da bibliografia gnóstica básica (Pagels, Dorese, Layton, Puech e outros), o autor se vale principalmente dos trabalhos de Mircea Eliade e Hans Jonas, o que indica um parti pris que tem a virtude de ser conscientemente assumido. A pouca atenção dispensada à obra de Eric Voegelin, que não aparece na bibliografia, embora mencionada de passagem, assim como ao ácido ataque do “respeitado poeta” Bruno Tolentino (ver p. 40) ao gnosticismo moderno, revela que o autor de Anotações para um Apocalipse, A volta, Dias circulares e Jardins da provocação adere à doutrina. O que, entretanto, precisa ser notado, é que o estudo não é panfletário nem tampouco tenta se aproveitar deste irritante “gnosticismo midiático” atual. O estudo de C. Wil-ler, com efeito, está bem longe das “apropriações incorretas e superficiais” (p. 22-3) denunciadas – um tanto desnecessariamente, pois já de saída deixa ver a que veio – por ele próprio. Na companhia de nomes como Octavio Paz e Harold Bloom, a aposta de Willer é na importância da gnose e do gnosticismo para a crítica ou, se quisermos, para a compreensão da poesia moderna. Entenda-se por poesia moderna, a produzida a partir do século XIX até nossos dias. É o que mostra a segunda parte de Um obscuro encanto, intitulada “Poetas gnósticos”, composta na verdade de pequenos ensaios sobre estes poetas dentre os quais, além dos já mencionados, figuram Novalis, Goethe, Victor Hugo, Lautréamont, Pessoa, e ainda os brasileiros Dario Veloso, Sousândrade, Hilda Hilst, entre outros aos quais é dedicado o último capítulo do livro, “Gnósticos brasileiros, do simbolismo até hoje”. A partir da tese de Willer, podemos afirmar que toda poesia é em maior ou menor medida gnóstica, mas isso, naturalmente, se se admitir que a poesia – e a literatura de modo geral – é algo recente, um fenômeno da linguagem que só tem lugar neste espaço epistemológico preciso: data precisamente do século XIX, uma idéia de modernidade assumida bem claramente pelo autor. E o que marca o nascimento da literatura? Bem se vê, colocamo-nos aqui na trilha de Michel Foucault que, em seu As palavras e as coisas, afirma:
A partir do século XIX, a literatura repõe à luz a linguagem no seu ser: não, porém, tal como ela ainda aparecia no final do Renascimento. Porque agora não há mais aquela palavra primeira, absolutamente inicial, pela qual se achava fundado e limitado o movimento infinito do discurso; doravante a linguagem vai crescer sem começo, sem termo e sem promessa. É o percurso desse espaço vão e fundamental que traça, dia a dia, o texto da literatura. (FOUCAULT, M., 1995, p.60)
É, portanto, este novo sistema dos signos, dos símbolos e do significado, enfim, um novo regime na ordem do dizer o que se vê – ou sente – e, em última instância, um novo regime do pensamento, que determina aquilo que Foucault chama de experiência moderna da linguagem, a literatura moderna, à qual se ligam o Surrealismo, Kafka, Blanchot, Bataille, Artaud: “experiência da morte (e no elemento da morte), do pensamento impensável (e na sua presença inacessível), da repetição (da inocência originária, sempre lá, no extremo mais próximo da linguagem e sempre o mais afastado); como experiência da finitude (apreendida na abertura e na coerção dessa finitude)”. (Idem, p.401) Encontra-se aí tudo aquilo que Willer pretende mostrar ao longo de seu ensaio e demonstrar através das análises que faz dos autores escolhidos por ele. Várias passagens o demonstram. Vejamos esta, do capítulo 19, intitulado “O Surrealismo e suas imediações”, quando está em questão precisamente a obra de Artaud e sua associação ao gnosticismo que, como destaca o autor, já havia sido vista por Susan Sontag, em seu Sob o signo de Saturno:
Não só pelo dualismo, pela expressão do contraste radical com o mundo e o corpo; mas pela idéia de uma gnose, acesso a um conhecimento superior. Podem-se apontar dois caminhos para a gnose em Artaud. Um deles, do xamanismo, da iniciação através do ritual tribal e da experiência alucinógena: é aquele relatado em Viagem ao país dos taraumaras, efetivamente vivido, incluindo o culto ao peiote. Outro, o do teatro: como deixou claro em O teatro e seu duplo, seria equivalente a uma cerimônia mágica, através de uma linguagem poética que pudesse ―exprimir objetivamente verdades secretas, fazer vir à luz, por gestos ativos, essa porção de verdade oculta sob as formas que se confrontam com o Devir‖. Mas a leitura do que escreveria depois sobre os taraumaras (em suas cartas, em “Para acabar com o julgamento de Deus” e outros textos) sugere que seu ―rito do sol negro‖ foi, para ele, a realização autêntica do Teatro da Crueldade. (p. 381)
Como se vê, embora a tese de Willer diga fundamentalmente respeito à crítica literária e esteja, assim, mais preocupada com a discussão dos autores e suas obras do que com a escansão ou produção de conceitos, sobressai de seu trabalho um importante elemento banido do austero ambiente acadêmico no qual sobrevive a crítica, preocupada em preservar a todo custo as honras científicas de sua profissão e a racionalidade supostamente necessária ao trato com o objeto que escolheu, a literatura: o fato de que ela é, não menos do que a ciência, a moral e a filosofia, conhecimento. Ao ressaltar a importância da gnose para a poesia moderna, o que está em jogo é o conhecimento mesmo que se alcança através da poesia. De modo que não se trata de defender que o gnosticismo, aquela primitiva mistura de um platonismo recém vulgarizado com o cristianismo nascente – “cristianismo e gnosticismo nasceram juntos”, afirma Willer (p. 61) –, que a alquimia e o hermetismo, determinantes do espaço epistemológico daquela época, devam ser recuperados para nossa visão de mundo. Não nos parece, assim, apesar de sua reserva com relação a ele, que o estudo de Cláudio Willer ou, talvez possamos dizê-lo, seu gnosticismo, se enquadre neste gnosticismo moderno que B. Tolentino enxerga como “transformação de mero sistema de magias numa sofisticada auto-hipnose coletiva, daí em cultura-de-massas e mais adiante (por que não?) em mass murder”. (TOLENTINO, B. 2002, p.47) Trata-se, de fato, da poesia moderna e de nela reconhecer, como indica a palavra, conhecimento.1Neste sentido, “ao gnosticismo dos poetas não poderia faltar a gnose: é a própria poesia, identificada com o conhecimento”. (p. 444)
Diríamos, pois, que o interesse dos poetas pelo conhecimento é o que faz deles gnósticos e a consciência de que só é possível levar adiante esse interesse pela poesia, pela linguagem literária, o que faz deles modernos. Certamente a forma, determinada pelo conteúdo, atua sobre ele, e é neste sentido que, por exemplo, W. Blake ―interpretou o Novo Testamento de modo afim a um gnóstico marcionita, um adepto da separação total entre a doutrina cristã e a lei mosaica. E de heréticos que viriam a encabeçar a reforma protestante […] em nome do que proclamavam como o verdadeiro ensinamento de Cristo‖. E é assim que, segundo Willer, devem-se passagens como esta, da obra O casamento do céu e do inferno: ―Não existe virtude possível que não possa romper as leis desses dez mandamentos. Jesus Cristo era totalmente virtuoso, mas agia por impulso e não por regras‖ (p. 202). Orgulho, sem dúvida, mas orgulho estudioso; o sapere aude característico da poesia moderna. Deste modo, ninguém pode acusar num Baudelaire, num Lautréamont ou num Rimbaud, desleixo de análise ou ligeireza no trato de tais questões; a ninguém será dado duvidar do rigor metódico nem do trabalho árduo destes poetas, o que seria desconhecer completamente suas obras. O problema é que, mais do que preocupado com o conhecimento, o poeta é atormentado por ele e, nisso, vive integralmente a angústia de tal experiência, o que Georges Bataille chamou de ―experiência interior‖. Com isto, aquela enfermidade de orgulho do homem moderno, no âmbito mesmo da literatura, parece dever ser compreendido como experiência do impensável do pensamento. “A experiência é o encarar a questão (o fardo), na febre e na angústia, do que um homem sabe do fato de ser”. (BATAILLE, G. 2004, p.16) Esta parece ser a sabedoria (a sophia) que buscam os poetas, sabedoria rebelde, transgressora.
Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia moderna é um livro, sem dúvida, muito útil para os estudantes aspirantes a críticos, mas é também um livro que deve ser lido com cuidado. É útil na medida em que reivindica para a crítica o estatuto que é o dela, ou seja, a exigência de reconhecer na literatura, na poesia, pensamento; reconhecer que se está diante de reflexão, talvez a mais difícil, acerca de questões fundamentais. Willer tem razão ao afirmar que tão eclética e variada quanto o gnosticismo, é a própria poesia! De modo que, assim como o gnosticismo, a literatura não cabe numa ciência. Mas é também perigoso, pois, de certa maneira, expõe a poesia à insanidade midiática deste nosso gnosticismo moderno ou, antes, adolescente. Não que a poesia seja, ela mesma, susceptível à ignorância; mas como nada grassa mais facilmente que a estultícia, o gnosticismo pode ser tomado como arma para que ela amplie seus domínios e torne ainda mais perene seu reinado. Com este tema controverso, Cláudio Willer nos apresenta uma outra face sua: a de teórico acadêmico, ainda que malgré lui. Só podemos nos alegrar com esta obra instigante ao encarar este registro luminoso e encantador do conhecimento, que é o da poesia moderna.
Nota
1 Penso que é, assim, num outro registro que Tolentino, próximo em seu catolicismo do neoplatônico Plotino, afirma que “gnosis, apesar do termo grego original significar ‘conhecimento‘, é hoje o que em realidade sempre foi: a revolta, a sanha do arcanjo caído, o furto, tão inútil quanto impossível, do fogo do Céu por um Prometeu. Sob a roupagem ilustre de algumas das mais sofisticadas construções da mente humana, não em seu amor ao saber (philo-sophia), mas em seu ódio a este saber (phobo-sophia), que a ultrapassa de fato e de natura, em certas colocações esconde-se, hoje como antes, sempre a mesma antiguíssima modalidade do absurdo: a absurda vontade do homem enfermo de orgulho, a sede de um ‘saber‘ que desminta ou, melhor ainda, substitua a divina sabedoria”. (Op. Cit., p.45).
REFERÊNCIAS
BATAILLE, Georges. L´expérience intérieure. Paris: Galli-mard/Tel, 2004.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. bras.: Salma T. Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
HADOT, Pierre. Plotin ou la simplicité du regard. Paris: Gal-limard/Folio, 2008.TOLENTINO, Bruno. O mundo como idéia. São Paulo: Globo, 2002.
Fábio Ferreira de Almeida – Professor-adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Goiás (UFG)., Goiânia, Goiás. E-mail: fbioferreira@yahoo.com.br
A Cultura do Romance – MORETTI (NE-C)
MORETTI, Franco. A Cultura do Romance. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Resenha de: VASCONCELOS, Sandra Guardini Teixeira. O romance como gênero planetário: a cultura do romance. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n.86, Mar. 2010.
Ao percorrer as páginas de A cultura do romance, primeiro dos cinco volumes da série O romance, organizada por Franco Moretti, o leitor logo notará que se encontra diante de uma obra singular, pois ali se narra uma história do gênero que, não raro, transgride fronteiras nacionais, abole limites espaço temporais e segue uma orientação comparatista e internacionalista, certamente inspirada na conhecida posição de seu organizador sobre a literatura mundial. Com efeito, em ensaio publicado em 2000, Franco Moretti retomava o conceito proposto por Goethe, no final do século XVIII, e defendia o retorno à antiga ambição da Weltliteratur, a partir da constatação de que”afinal, a literatura a nossa volta é inequivocamente um sistema planetário”1.
Mescla de história e crítica literárias, esta coletânea reúne um respeitável time de especialistas e põe em funcionamento outro princípio que tem norteado o trabalho de seu organizador:o de que uma história do romance,fundamentalmente pelo caráter transnacional do gênero, teria de ser escrita a partir de um esforço coletivo, por meio do qual as diferentes especialidades contribuiriam para repensar o modo como tratamos a historiografia literária, reinscrevendo o romance não mais no espaço demarcado pelas linhas divisórias das nações, mas em um mundo cujas fronteiras se alargaram e no qual o romance viaja e viceja como forma verdadeiramente livre na sua tradutibilidade2.
O romance como um sistema planetário: eis o espírito que parece animar esse conjunto diversificado de ensaios que,recobrindo um largo espectro temático e um amplo arco temporal,abarca uma multiplicidade de pontos de vista e tradições, combina traços específicos e particulares a questões de ordem geral e redesenha o mapa da história desse gênero onívoro e inclusivo, dessa forma permanentemente a se fazer e se renovar3, cuja natureza de inacabamento se comprova fartamente aqui.
Graças à sua”capacidade de mudar sem transformar-se em outra coisa”,4 o romance desafia e desestabiliza convenções, alia continuidades e descontinuidades, reinventa-se e franqueia ao romancista liberdade de imaginação, de recriação das formas e de proposição de novos caminhos.Seu modo de ser protéico e camaleônico fica patente na pletora de temas, procedimentos, técnicas e soluções que vemos mobilizados nas obras que são discutidas e comentadas nos ensaios do volume. A dinâmica da forma-romance emerge, assim, nas suas mais variadas vertentes, como narrativas de fundação, relatos da vida cotidiana, histórias de sondagem da interioridade, da experiência urbana, dos embates entre o indivíduo e a sociedade, do sobrenatural, dos recônditos da alma humana – apenas alguns exemplos das potencialidades quase ilimitadas do gênero desde sua invenção. Do mesmo modo, pelas suas próprias características e desapego às convenções, o romance convida à aproximação com outros campos e artes, como a história, a historiografia, a sociologia, a política, o cinema, a linguagem, a psicanálise, a pintura, numa teia de relações que põe em destaque sua abertura para as mais diferentes esferas da experiência humana. Esses diálogos e intersecções também vemos em ação aqui.
Os dois ensaios que, respectivamente, abrem e encerram o volume, com seus títulos especulares não só estabelecem de pronto um vínculo estreito e indiscutível entre o romance e o mundo moderno, como também pontuam alguns dos temas que iremos acompanhar com interesse no percurso dessa”primeira forma simbólica verdadeiramente mundial”5. Assim, enquanto Mario Vargas Llosa encarece a importância da leitura e explora os sentidos da literatura, enfatizando seu papel na formação do cidadão e da linguagem, seu teor de conhecimento e sua vocação para despertar um”sentimento de pertencimento à coletividade humana através do tempo e do espaço”6, ele igualmente lembra a capacidade de insubmissão e transgressão dos bons romances e, num exercício de ficcionista, imagina o quê ou como seria um mundo sem romances. Claudio Magris, por sua vez, retoma e discute com maestria outro problema que, ao leitor mais atento, não deve ter passado despercebido ao final da leitura. Ao longo de todo o volume, vamos topando freqüentemente com certa variação dos modos de se referir ao romance: ora romance mesmo, ora”romance”, romance, novel, novelas ou ainda romanesco. Além disso, muitas vezes o vocábulo romance se faz acompanhar de um adjetivo. A lista não é muito extensa, mas intriga: moderno, medieval, antigo, de corte, de cavalaria. Para os leitores menos familiarizados com as questões mais técnicas, é bom esclarecer que na tradição inglesa romance e novel designam de fato modalidades narrativas distintas, e passaram a fazer parte do vocabulário crítico no século XVIII como efeito da percepção de que ocorrera uma importante mudança histórica, com reflexos indiscutíveis na prosa de ficção. Por isso, na maioria das vezes dispensam adjetivos. A inexistência dessa diferenciação em outras línguas européias e a subsunção de romance e novel num mesmo termo genérico (cf. romance, romanz, roman, romanzo) põem em menor evidência,nessas outras tradições, a noção de ruptura que norteou a adoção dos dois vocábulos em língua inglesa.
Que conseqüências tirar dessa instabilidade, então, e desse uso reiterado dos qualificativos para melhor definir e precisar aquilo de que se fala? A resposta já ficara delineada por Catherine Gallagher7, que expõe com clareza a questão e mapeia, com bom fôlego teórico, as diferenças entre romance e novel, entre o gênero pré-moderno, precursor imediato do romance, e esse outro, encarnação da modernidade. O ensaio de Magris volta ao assunto, com uma reflexão que incorpora algumas das mais iluminadoras discussões sobre o gênero, para não apenas ressaltar a sua modernidade radical, mas sobretudo para pensar essa”epopéia do desencanto”, nos termos propostos por Hegel e Lukács,como objetivação da cisão entre o eu e o mundo. Essa”por vezes degradada mas aventurosa e radicalmente nova odisseia”8 é, entre todos os gêneros, aquele que faz do mundo, enquanto história, seu objeto, em que o caráter temporal e histórico da ação dos homens é problema sempre crucial e sempre presente para o romancista. Ao afirmar que”o romance é o mundo moderno”, Magris, além de o alinhar aos desenvolvimentos da era que se inaugura por sobre os escombros da ordem feudal, sugere que nele podemos reconhecer a experiência que nos determina e constitui. Reaparece assim,nesse remate,a relação problemática entre romance e realidade que já viera pontuando várias das outras intervenções no debate que pudemos ir acompanhando até esse final.
Essa moldura enquadra, dessa maneira, um verdadeiro mosaico de leituras que nos deslocam no tempo e no espaço e nos confrontam com um rol de questões que rondam o romance desde seu surgimento. De dentro da diversidade de abordagens, ângulos e perspectivas que os autores dos ensaios escolheram para ler seus objetos, vemos surgir alguns temas recorrentes, que atravessam o volume como um todo e remetem às escaramuças que o romance teve de enfrentar no seu longo processo de ascensão e consolidação. Um deles diz respeito à tensão entre veracidade e ficcionalidade (ou verdade e mentira, verdadeiro e falso,fato e ficção),que desde sempre esteve no centro da discussão sobre as relações entre o romance e a representação do real. Não é muito difícil compreender por que essa tem sido uma preocupação constante por parte de teóricos e críticos: afinal, o romance tem suas raízes firmemente fincadas no tempo histórico e em contextos socioculturais específicos e, mesmo nos altos vôos da fantasia, tem um conteúdo de verdade e um notável poder de revelação, de “descoberta e interpretação da realidade” (a expressão é de Antonio Candido). É essa capacidade de escavar a superfície e penetrar nas correntes subterrâneas de uma vida, de uma comunidade, de uma experiência, que lhe confere a prerrogativa de produzir uma impressão de verdade, a qual nasce da arte do romancista de absorver na estrutura narrativa, para além dos detalhes e fragmentos do real, para além dos dados externos, certos princípios constitutivos da sociedade. Basta acompanhar o que fizeram os diversos romancistas dos mais diferentes quadrantes que são motivo de comentários nas leituras críticas que compõem o mosaico e estão distribuídas ao longo do volume.
O contrato com o leitor, a “plausibilidade fictícia”9, o jogo ficcional – tudo contribui para a suspensão da descrença e carrega o leitor para um mundo que parece verdadeiro,quando é apenas crível, verossímil. A verossimilhança, entretanto, não explica esse sentimento de verdade de que somos possuídos quando um romancista” toma a si o encargo de imaginar e compor o movimento da sociedade”10. Sem dúvida, foram os nexos que estabelece com a vida real, somados à sua inegável faculdade de estimular a imaginação,que lhe valeram a pecha de influência perniciosa e prejudicial e fizeram dele alvo de censura e condenação, inclusive judicial, por meio de processos que levaram às barras dos tribunais romances e romancistas. A história literária está repleta de exemplos, e eles não se limitam aos tempos em que um controle mais rígido e rigoroso sobre a moral esteve vigente. Alguns deles são lembrados aqui e dão notícia dos obstáculos que o gênero enfrentou para ganhar dignidade e reconhecimento. Um verdadeiro dossiê reúne vários documentos que registram a história dessa batalha, cujo último capítulo não está tão distante assim e envolveu a fatwa contra os Versos satânicos de Salman Rushdie. Mas as imputações não se restringiram ao terreno da religião,da política ou da moralidade, como foi o caso de Madame Bovary ou de O amante de Lady Chatterley.Para além das acusações de sedição, blasfêmia, obscenidade ou difamação que fustigaram o romance em diferentes momentos da sua história, esse”vão caudal de tinta sobre papel esfarrapado”11 teve ainda de se haver com aqueles que o consideravam apenas um gênero bastardo, destituído de tradição e da nobreza do teatro e da poesia. Um parvenu da República das Letras, o romance não mereceria senão desprezo e desconfiança, e o establishment literário não perdeu as oportunidades de golpeá-lo,como o fizeram Pierre Nicole ou Gotthard Heidegger12. Como outros, antes e depois, eles esgrimiram argumentos éticos e estéticos para desaprovar o gênero. Na Itália, ainda no século XIX, prevalecia”a aversão da escola com relação ao romance” e se assistia” à luta destemida do padre Antonio Bresciani […]” e de seu aliado Cesare Cantú”contra a podridão proveniente das cloacas francesas”, isto é, contra o romance-folhetim13. Na mesma Itália, em 1956, Pier Paolo Pasolini foi chamado a defender seu Ragazzi di vita diante de um tribunal, que exigiu dele”justificar a sua obra no plano moral [e] esclarecer [seu] significado artístico e literário”14, enquanto em Moscou, dez anos mais tarde, os autos contra Juli Daniel e Andrei Siniavski acusavam Govorit Moskva de instigar”um acerto de contas com os dirigentes do partido e do governo”15.
Havia ainda outro motivo para a condenação da ficção. Desde seu surgimento, o romance esteve bastante próximo do universo feminino. As mulheres foram, desde o início, suas protagonistas e seu público. Por isso, muitos dos ataques ao romance foram provocados pelo medo da imitação.A oposição à fantasia e a suspeita de que a liberdade de imaginação podia levar à ação foram argumentos recorrentes nas discussões sobre os efeitos deletérios da leitura de romances principalmente sobre os jovens e as mulheres.Julgava-se que o poder corruptor dos romances, esse passatempo de ociosos, podia influenciar condutas e pôr em risco a virtude feminina, inspirando a desobediência ou a transgressão de normas de comportamento consideradas essenciais para a reputação das mulheres. Havia também um temor generalizado da identificação do leitor com as personagens ficcionais, pois ela poderia provocar emoções e sentimentos e mobilizar sua sensibilidade, fazendo aflorar uma série de reações físicas que se acreditava serem evidências da comoção produzida pela leitura. As mulheres pareciam especialmente suscetíveis a essas alterações emocionais,que se traduziam em afecções do corpo, como testemunha essa leitora de Samuel Richardson, em carta ao romancista:
Se me tivesses visto, tenho certeza de que teria despertado vossa piedade. Quando só, em agonia eu punha o livro de lado, o retomava novamente, andava pela sala, derramava um rio de lágrimas, enxugava os olhos, lia novamente, talvez nem três linhas, jogava longe o livro, bradando, desculpai-me, bom Sr. Richardson, não consigo continuar; é vossaculpa- fizestes mais do que consigo suportar; jogava-me sobre o sofá para me recompor, recordando minha promessa (que mil vezes desejei não tivesse sido feita); de novo lia, de novo agia exatamente igual: às vezes agradavelmente interrompida por meu querido esposo, que estava naquele momento avançando com dificuldade ao longo do 6o volume, com um coração capaz de impressões como o meu […].
Vendo-me tão comovida, ele implorou, pelo amor de Deus, que eu não lesse mais; bondosamente ameaçou tomar-me o livro, mas, diante da minha promessa, permitiu-me continuar. Aquela promessa agora está cumprida e estou grata que a pesada tarefa tenha acabado, embora os efeitos não. Tivesse ela sido conduzida como eu desejava, em vez de ficar impaciente para terminar a triste história, como eu teria me demorado, com prazer, em cada linha, e me sentido relutante em chegar à conclusão.
Meu ânimo foi estranhamente afetado; meu sono está perturbado, despertando durante a noite, tenho ataques de choro; isso aconteceu no desjejum, essa manhã, e agora, de novo. Deus, seja misericordioso – o que isso pode significar? Talvez, Senhor, atribuais isso a paixões violentas, mas, de fato, se conheço a mim mesma, não sou acometida delas. É tudo fragilidade, inequívoca fragilidade tola. Eu vos asseguro, não exacerbo o desassossego que me aflige, não, nem comunico o pior [Lady Bradshaigh, 6 de janeiro de 1748].
Esse depoimento de leitura é um dos exemplos daquilo que Stefano Calabrese chama de”patologias da leitura romanesca”, tais como a Wertherfieber e o bovarismo16, as quais pareciam acometer principalmente as mulheres e fazer delas suas vítimas potenciais, aumentando o preconceito e as restrições ao gênero. Apesar disso,o romance foi um dos principais instrumentos do acesso delas à esfera pública.
O século XVIII marcou em definitivo a entrada das mulheres no mundo da escrita, não mais apenas na condição de leitoras. E os romances desempenharam um papel fundamental nisso,porque,sendo um gênero sem leis nem regras e tratando de assuntos da vida cotidiana numa linguagem acessível a todos, eles se constituíram como um espaço no qual elas, como escritoras, podiam exercitar seus talentos e tratar de temas que as tocavam de perto, e, como leitoras, se reconhecer como partícipes de uma comunidade de interesses e de destino, que lhes permitia partilhar,mesmo que vicariamente,experiências comuns. O âmbito doméstico e o viés sentimental das narrativas, assim como o recurso à vivência pessoal de suas autoras,elas mesmas envolvidas e empenhadas em uma luta pela afirmação de suas aspirações, facilitavam esse reconhecimento. O romance tornou-se, para muitas delas, meio de expressão, de denúncia, de revolta e de recusa das limitações e dos constrangimentos sociais a que estavam submetidas.Um passo que Virginia Woolf reconheceria como um feito histórico, em Um teto todo seu (1929):
Assim, para o término do século XVIII promoveu-se uma mudança que, se eu estivesse reescrevendo a história,descreveria mais integralmente e consideraria de maior importância do que as Cruzadas ou as Guerras das Rosas. A mulher da classe média começou a escrever17.
Inaugurava-se, assim, uma linhagem, com uma participação cada vez maior e mais ativa das mulheres na cena literária.Mesmo em culturas muito diversas da européia, como é o caso da japonesa, a presença feminina foi central para o florescimento da prosa, por meio de cartas e narrativas escritas pelas damas da corte, com as quais elas, se utilizando da língua coloquial, própria da esfera privada, contribuíram para a busca e a formação de uma nova linguagem literária e para o desenvolvimento do romance18.A tradição da escrita feminina tem ainda desdobramentos trazidos à tona por Christa Bürger19, que, numa visada diacrônica,percorre os modos como o tema do amor assumiu diferentes formas e ajudou a inscrever algumas mulheres na história do romance. Esse quadro se completa com as leituras críticas que tratam de outras romancistas que representaram uma enorme contribuição ao gênero, como George Eliot e a própria Virginia Woolf.
Na sua longa trajetória, alguns romances foram esquecidos e condenados”à morte pelo tribunal da posteridade”20, mesmo que tenham sido populares à sua época e caros aos seus leitores; porém, a grande maioria deles passou a fazer parte do nosso acervo comum, fornecendo um repertório de imagens, temas, personagens e enredos que se incorporaram à nossa experiência e às nossas maneiras de explicar e compreender o mundo.Por quase três séculos,o romance tem sido expressão artística de um espírito democrático21, e espaço onde questões cruciais são objeto de configuração estética. Trata-se de um gênero inquieto, que continua”inacabado”, com uma”ossatura […] ainda […] longe de ser consolidada”, tornando impossível”prever todas as suas possibilidades plásticas”22.
Por essa razão, o romancista está permanentemente diante de desafios formais, sempre repostos. Se no romance oitocentista o indivíduo burguês se constituiu como uma subjetividade que se reconhecia como sujeito da história, a progressiva perda dos vínculos do homem consigo próprio e com a comunidade acentuou-se cada vez mais no mundo administrado da sociedade industrial.A partir de meados do século XIX,assistimos à desagregação desse indivíduo e sua diluição na massa, no caos urbano. Desde suas origens, o romance instaurou a fratura entre o eu e o mundo,encenando a jornada do homem solitário, que já não se sente em casa em lugar algum. O esforço de recriação da totalidade preside o gesto do romancista,cuja tarefa é construir o sentido de uma vida e de um mundo que perdeu o sentido,por meio de uma forma que é a”tentativa,na época moderna,de recuperar algo da qualidade da narração épica como uma reconciliação entre matéria e espírito, entre vida e essência’23. Essa empreitada foi se mostrando cada vez mais difícil. Matéria primordial do gênero, o eu fraturado, numa sociedade fraturada, configura-se como o tema por excelência principalmente do romance modernista, com conseqüências para a forma romanesca, que também se estilhaça e se refrata na perda da onisciência ou na multiplicação da voz narrativa, na interiorização dos conflitos e na quebra do encadeamento causal no âmbito do enredo. A crise da experiência e do indivíduo contemporâneo encontra rebatimento numa forma também em crise, obrigando o romancista a re-configurar seus materiais e técnicas para dar conta de novos conteúdos,a aventurar-se em novos experimentos formais, como os que vemos comentados no último conjunto de leituras críticas, quase ao final do volume24.
Cobrindo o período de 1900 a 1950, e portanto dos movimentos de vanguarda que mudaram o panorama das artes no século XX, esse instantâneo dos múltiplos caminhos abertos aos romancistas pela consciência das transformações cruciais que sofria o mundo naquela quadra histórica flagra algumas das respostas possíveis para o desafio de dar uma nova conformação narrativa ao real.Não se trata apenas da dissolução da forma-romance tradicional,mas também de enfrentar a”questão do sujeito e de sua representação,sua ausência ou desagregação”25. Uma observação de Virginia Woolf, em ensaio de 1924, cristaliza essa percepção numa tirada lapidar:”em ou por volta de dezembro de 1910, o caráter humano mudou”. Woolf parece se reportar aqui a alguns dos acontecimentos, entre eles a exposição do Pós-Impressionismo naquele ano,que marcaram o fim de uma época de estabilidade e, na sua visão, praticamente obrigaram os artistas a repensar o modo como o caráter humano era moldado e compreendido. Essa mudança é o que ela vai buscar representar literariamente em seu romance Mrs. Dalloway (1925), como concretização de uma nova concepção do personagem de ficção e das novas maneiras de captar o fluxo incessante e caótico da vida, tanto no plano exterior como interior26.
De Rainer Maria Rilke a Mikhail Bulgakov, passando por Luigi Pirandello, Louis Aragon, Mário de Andrade e Vladislav Vanura, vemos como diferentes autores, de origens e tradições diversas, fizeram implodir a estrutura narrativa que o romance realista do século XIX havia erigido em modelo. Por meio de soluções inovadoras para o tratamento do tempo e do ponto de vista, do recurso à livre associação de idéias, ao monólogo interior e ao fluxo da consciência, entre outras providências,eles puseram em xeque as próprias fundações do gênero, possibilitando, com isso, sua renovação. Os romances que esses escritores nos legaram são exemplos do esgarçamento da experiência e da “fratura do senso de continuidade”, de que fala Enrico Testa a respeito de Pirandello27, e, no seu desassossego, são a materialização de experimentos formais que configuram algo que está para além de meros procedimentos técnicos. Na sua discussão sobre o romance moderno, Anatol Rosenfeld argumenta que a arte do século XX se caracteriza por um fenômeno que ele chama de”desrealização”, para se referir ao abandono da mimese, pela arte, e à recusa da”função de reproduzir ou copiar a realidade empírica, sensível”28. O realismo forte nunca se contentou com a mera reprodução ou cópia da realidade, contudo. O que os romances modernistas impõem, ao contrário, é a necessidade de ampliação do conceito de realismo para compreendê-lo na sua dimensão plural e histórica. Se aceitarmos que a”matéria do artista [não é] informe: é historicamente formada,e registra de algum modo o processo social a que deve a sua existência”29, é possível perceber nesses autores o esforço que empreenderam de ir além da superfície e ler cada obra como”a historiografia inconsciente de si mesma da sua época”30.
Podemos concluir, assim, que A cultura do romance constitui seu objeto como um campo de tensões e de negociação, e, à sua maneira, narra a história da ascensão, do apogeu e da crise do romance, na qual se inscreve a história do indivíduo, cuja trajetória o gênero formaliza em seus impasses, conflitos e contradições. Os autores aqui reunidos aceitam e cumprem à risca o desafio proposto por Franco Moretti de conferir aos seus ensaios”aquele tom antropológico – história da literatura como história da cultura – que é a aposta desse volume”31.
Notas
1 Idem.”Conjeturas sobre a literatura mundial”.Novos Estudos Cebrap, 2000, nº 58, pp.173-181, p.174 “Conjectures on world literature”.New Left Review, 2000, nº 1, pp. 54-68.
2 Idem. Atlas of the European novel 1800-1900. Londres: Verso, 1997 [ed. bras.: Atlas do romance europeu 1800-1900. Trad. SANDRA Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2003].
3 BAKHTIN, Mikhail.”Epic and novel”. In:The dialogic imagination. Austin: University of Texas Press, 1986, pp.3-40 [Ed.bras.: “Epos e romance”. In: Questões de literatura e estética.2 ed. Trad. Aurora F. Bernardini e outros. São Paulo: Hucitec, 1990].
4 MCKEON, Michael. “Introduction”. In: Theory of the novel: a historical approach. Baltimore/Londres: The Johns Hopkins University Press, 2000, p. xiv. Tradução minha.[Links]
5 MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 11.
6 LLOSA, Mario Vargas.”É possível pensar o mundo moderno sem o romance?”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 22. [Links]
7 GALLAGHER, Catharine.”Ficção”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 629-58. [Links]
8 MAGRIS, Claudio.”O romance é concebível sem o mundo moderno?”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 1016. [Links]
9 GALLAGHER, op. cit., p. 638.
10 SCHWARZ, Roberto.”Outra Capitu”. In: Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 104. [Links]
11 HEIDEGGER, Gottard.”Mitoscopia romântica: ou discurso sobre o chamado romance”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., 202. [Links]
12 Ver NICOLE, Pierre.”Sobre a comédia”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 200-201; Heidegger, op. cit., pp. 201-203.
13 FAETI, Antonio.”Um negócio obscuro: escola e romance na Itália”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 147. [Links]
14 SITI, Walter.”O romance sob acusação: aparato crítico”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 227. [Links]
15 Ibidem, p. 233.
16 CALABRESE, Stephano.”Wertherfieber, bovarismo e outras patologias da leitura romanesca”. In: MORETTI (org.),A cultura do romance, op. cit., pp. 697-732. [Links]
17 WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 86. [Links]
18 ORSI, Maria Teresa.”A padronização da linguagem: o caso japonês”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 425-58. [Links]
19 Ver BÜRGER, Christa.”O sistema do amor: gênese e desenvolvimento da escrita feminina”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 595-627. [Links]
20 LUZZATTO, Sergio, em”Leituras: bestsellers perdidos”, pp. 735-819. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 787 (sobre O ano 2440, de Louis Sébastien Mercier). [Links]
21“O romance nasce ao mesmo tempo que o espírito de revolta e traduz, no plano estético, a mesma ambição” (Camus, Albert. L’homme révolté. Paris: Gallimard, 1951, p. 320, trad. minha).
22 BAKHTIN, op. cit., p. 397.
23 JAMESON, Fredric. “Georg Lukács”. In: Marxism and form. Princeton: Princeton University Press, 1974, pp. 171-172. [Links]
24 Ver “Leituras: experimentos com a forma (1900-1950)”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 951-1012. [Links]
25 TESTA, Enrico, em “Leituras: experimentos com a forma (1900-1950)”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p.972 (sobre Um, nenhum e cem mil, de Luigi Pirandello). [Links]
26 Ver BANFIELD, Ann, em”Leituras: experimentos com a forma (1900-1950)”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., pp. 961-70 (sobre Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf ). [Links]
27 TESTA, op. cit., p. 971.
28 ROSENFELD, Anatol. “Reflexões sobre o romance moderno”. In: Texto/ Contexto. São Paulo/Brasília: Perspectiva/INL, 1973, pp. 75-97, p. 76. [Links]
29 SCHWARZ. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977, p. 25. [Links]
30 ADORNO, Theodor W. Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes, 1970, p. 207. [Links]
31 MORETTI.”O século sério”. In: MORETTI (org.), A cultura do romance, op. cit., p. 823. [Links]
Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos – Professora do Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP.