Posts com a Tag ‘Crítica Historiográfica (CHr)’
A World after Liberalism – Philosophers of the Radical Right | Matthew Rose
Matthew Rose | Imagem: Tikvah Fund
Matthew Rose é especialista em História das ideias teológicas e políticas e doutor pela Universidade de Chicago. Seu novo trabalho – A World after Liberalism – Philosophers of the Radical Right (2021) – foi pensado no contexto da campanha de Donald Trump e da crise dos refugiados de 2016, quando ele notou que jornalistas dos EUA e da Europa começavam a citar autores da extrema direita cuja tradição era “mais profunda e filosófica sobre a vida contemporânea e mais cética sobre o lugar do cristianismo na cultura ocidental” (Mclemee, 2022). Do desconhecimento inicial, o autor avançou para uma análise das ideias radicais do pensador “nacionalista” e de direita Samuel Francis, publicado na revista First Things (2018). O artigo se estendeu e se transformou na obra atual, acrescida de notas (ou retratos) biobibliográficos de mais quatro intelectuais: “o profeta” alemão Oswald Spengler, “o fantasista” italiano Julus Evola, “o antissemita” estadunidense Francis Parker Yockey e “o pagão” francês Alain de Benoist.
Rose é católico, democrata e, academicamente, orientado pelo trabalho de Heinrich A. Rommen (1897-1967) que, na condição de ex-aluno de Carl Schmitt (1888-1985), examinou a obra do mestre sob o ponto de vista da crítica que a “direita radical” disparava contra as ideias de “igualdade e justiça”, compreendidas como corruptoras “das mais altas inspirações humanas” (Mclemee, 2022). A meta explícita e modesta de Rose é tornar inteligíveis as ideias de pensadores que orientam o “novo conservadorismo” em seus ataques aos princípios de “igualdade humana”, respeito às “minorias”, “tolerância religiosa” e “pluralismo cultural” (Rose, 2021, p.5). A meta implícita e engajada é fazer a defesa do cristianismo em termos teológicos e apresentar valores cristãos de longa duração como possíveis respostas ao vazio ideológico de muitos jovens do seu tempo e país. Leia Mais
Analizar el auge de la ultraderecha | Beatriz Ugarte Acha
Beatriz Ugarte Acha (2020) Imagem: Metapolitica
Analizar el auge de la ultradereha é o mais recente livro de Beatriz Ugarte Acha. Natural de Vizcaya (1970), Acha é professora de Sociologia e Trabalho Social na Universidad del País Vasco.[i] Doutorou-se em Ciência Política com a tese Éxito y fracaso de los nuevos partidos de extrema derecha en Europa Occidental: el caso de los Republikaner en el Land de Baden-Württemberg (2017), defendida junto ao Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidad Autónoma de Madrid. A experiência do doutorado lhe permitiu estender e, simultaneamente, encurtar os marcos temporais e espaciais, estudando a ascensão dos Partidos de Extrema Direita (PUDs) na Europa e, de modo especial, na Espanha. Grande parte do livro, portanto, corresponde aos três primeiros capítulos da tese. Com exceção do último, que trata do “assalto ao Capitólio” (onde faz considerações sobre o caráter pedagógico desse evento), o livro se estrutura no exame das trajetórias dos PUDs, ideologias, causas da sua ascensão, perfil dos seus votantes.
Na breve “Apresentação” da obra, Cristina Monge y Jorge Urdánoz disparam a ironia: “Ya somos europeus”. Com a frase, anunciam a chegada do multipartidarismo e da ultradireita à Espanha, entre 2015 e 2019, representados, respectivamente, pelos sucessos do 15 M, Podemos, Ciudadanos e, ainda, o Vox, a exemplo do que já havia acontecido com demais países da Europa. No primeiro capítulo – “Los partidos de ultraderecha y sus trayectorias” –, contudo, Beatriz Acha não dá sequência ao tom irônico e, de certa forma, amortece a proposição. Não é que o fenômeno dos PUDs na Espanha seja mais brando. O fato é que a ascensão dos partidos de ultradireita, em 14 países, entre 1996 e 2019, só aparentemente pode ser considerada exitosa. É certo que eles ampliaram o número de adeptos, organizações, líderes e votantes, que ganharam cadeiras nos parlamentos nacionais e até apoiam governos. Contudo, observados em suas trajetórias individuais, partidos, como a Frente Nacional, na França; o Partido do Progresso, da Noruega; e, o Partido da Liberdade, da Áustria, oscilam entre o sucesso, o fracasso e até a cisão, lutas intestinas ou motivadas pela perda de prestígio imediatamente após um atentado terrorista perpetrado por um membro partidário (o caso de Oslo). Leia Mais
O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil | Esther Solano Gallego
Ester Solano | Imagem: Nocaute
No dia 8 de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial brasileira, a editora Boitempo liberou gratuitamente o e-book O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil, organizado pela socióloga Esther Solano Gallego, com o objetivo e “ajudar a compreender” como havíamos chegado à situação na qual o retrógrado Jair Bolsonaro estava à frente nas pesquisas e com grandes chances de vencer a eleição. Às vésperas de um novo certame, em junho de 2022, as preocupações com as ameaças (algumas delas já concretizadas) à democracia brasileira, as teses, as propostas de resistência ao “fascismo” comunicadas naquele livro permanecem na “ordem do dia”. Por essa razão, revisitaos a obra tantas vezes resenhada para reavivar as suas assertivas.
Os 22 autores que compõem o projeto são, em maioria, professores universitários brasileiros das áreas das ciências humanas e sociais, ativistas e cartunistas e um religioso identificados com o campo progressista. Todos contribuem para o cumprimento da meta do livro, descrita por Gallego: “aprofundar-se nas complexas dinâmicas das direitas desde diversos pontos de vista e análises”. Se quisermos de fato lutar contra as direitas, continua a organizadora, “com frequência antidemocráticas e retrógradas, devemos primeiro observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la. Não sabemos tudo. Aprendamos juntos.” (p.8). [i]
Para iniciar o aprendizado, compreendamos que as “direitas” às quais o título da obra se refere são plurais na terminologia. Os autores a tratam como “conservadorismo radical”, “direita”, “direita radical”, “extrema direita”, “grupos de direita”, “nova direita” e “novas direitas”. Abordadas, em sua maioria, como lideranças políticas, partidos políticos, movimentos e instituições da sociedade civil, as direitas nascem nos anos 80, a partir da reorganização “das classes dominantes”, representadas em várias instituições de pesquisa e financiamento (think thanks), como também das ameaças sofridas por essas classes médias em suas “oportunidades”, da conjunção de identidades e da conjuntura propiciada pelas redes sociais e internet, já nos anos 2000/2010.
Alguns autores destacam o caráter militante desses grupos (ao contrário do caráter financiado desses grupos), o transbordamento dessa militância para além dos partidos, alcançando editoras, movimentos e grande mídia, marcando a sensibilidades de jovens da periferia que passaram literalmente da esperança dos anos de crescimento econômico à indignação com a indiferença do Estado em termos de segurança e oportunidades, por exemplo. Outros ainda ressaltam as consequências que essas direitas de orientação militarizadas trouxeram à vida dos negros, dos pobres, das mulheres e das pessoas GLBTI. A “democracia, os direitos humanos, ao Estado laico e à diversidade humana”, segundo um desses autores, foram as principais vítimas dos fundamentalismos e extremismos advindos das novas direitas.
O diagnóstico está presente na maioria dos textos, enquanto as declarações propositivas são minoritárias. Como sair dessa situação? Em geral, estudar, denunciar, protestar são as medidas. Apenas um se engaja em solução radical: transformar “as condições socioeconômicas que lhe fornecem a base material” (p.35).
No que diz respeito ao espírito deste dossiê de Crítica Historiográfica, vale destacar as ideologias atribuídas às novas direitas brasileiras. Se hoje, autores divergem nos critérios de classificá-las e nos termos empregados para as designações, imaginem há quatro anos. Os autores agrupam os mesmos étimos de modo diferente, embora na maioria das combinações o libertarianismo esteja presente: “libertarianismo” (ultraliberalismo), “fundamentalismo religioso” (antiaborto, homofobia) e “anticomunismo”; “libertarianismo”, “monetarismo” (Chicago) e “neoliberalismo” (Áustria); “libertarianismo”, “conservadorismo” e “reacionarismo”; “libertarianismo”, “fundamentalismo religioso” e “anticomunismo”; “fundamentalismo religioso cristão” e “extremismo religioso cristão” (que ganham a forma de “protofascismo”).
Autores também significam as palavras de modo diferente e até divergente. Eles afirmam que os “conservadores” são os mais aguerridos combatentes da (falsa) “ideologia de gênero”; que o “conservadorismo radical” (mapeado nas redes sociais) divide brasileiros em “pessoas de bem” e “vagabundos”, ou seja, denunciam esse segundo tipo como humanos de comportamento desviante, resultantes de uma educação equivocada e do culto aos direitos humanos, que corrompem a inocência das crianças, cujo líder é Lula e os instrumentos são movimentos sociais, sindicatos e Supremo Tribunal Federal. Eles afirmam, por fim, que a ideologia das novas direitas pode ser sintetizada na ameaça do “inimigo interno”, sobrevivente do Discurso de Segurança Nacional dos tempos da ditadura, na reação ao estado de bem-estar social (neoconservadorismo) e na implantação de políticas de “austeridade” (neoliberalismo).
No que diz respeito especificamente ao lugar do direito, três textos se destacam. Dois deles tratam de direitos de grupos determinados e um da ação do poder judiciário. Em “Precisamos falar da ‘direita jurídica’”, Rubens Casara denuncia o “populismo jurídico” e o “ativismo jurídico” como ameaças à democracia, assim como os operadores do direito que interpretam as leis ao modo conservador e neoliberal, ou seja, que concebem o poder judiciário como “um mero homologador das expectativas do mercado” ou “instrumento de controle tanto dos pobres […] quanto das pessoas identificadas como inimigos políticos do projeto neoliberal” (p.92)
Dos dois que tratam de grupos, o primeiro descreve ações dos fundamentalistas aos “direitos LGBTI” na Constituinte de 1988 (orientação sexual) e no parlamento, de 2006 a 2015 (anti-homofobia, união estável de pessoas do mesmo sexo e identidade de gênero). “Moralidades e direitos LGBTI nos anos 2010”, de Lucas Bulgarelli, põe formalmente os direitos LGBTI e os direitos humanos em posições separadas, ambos combatidos pelos conservadores. O segundo texto – “Feminismo: um caminho longo à frente”, de Stephanie Ribeiro –, denuncia a negação do “direito ao aborto seguro e legal” (de modo direto pela direita e indireto pela esquerda) e a vertente feminista de orientação “liberal”. Segundo a autora, trata-se de “um feminismo sem comprometimento com outras mulheres […] ou que não precisa ter um posicionamento político […] pautado em ascensão individual e não em rompimento com estruturas opressoras” (p.133)
Apesar dos esclarecimentos, das denúncias e alertas, a coletânea não está isenta de afirmações controversas e/ou usos equivocados de conceitos. Duas delas chamam a atenção pelo primarismo: a inclusão do conservadorismo (uma macro ideologia) em pé de igualdade com o neoliberalismo, por exemplo, a afirmação de que a defesa do estado de direito é uma “reivindicação conservadora” que serve ao capital. Outras não menos inquietantes são: a admissão da existência de “neoliberais de esquerda”; a declaração de que o Ministério Público foi partícipe de todos os golpes de Estado; que o neoliberalismo” e a “nova direita” são ideais antagônicos; e que a esquerda liberal e neoliberalismo progressista são ideais sinônimos.
Usos equívocos que merecem a atenção do leitor são a tomada do fundamentalismo como fundamentalismo religioso, a definição de extremismo como uso de violência, sem a respectiva definição de violência; e o emprego de “feminismo liberal” com o sentido de feminismo neoliberal.
O grande termo ausente, porém, é o “ódio”, que está no título do livro e na apresentação da editora. Ele aparece (antifeminista e pró segurança pública) tangencialmente como o par oposto da esperança (orçamento participativo e bolsa família) entre os jovens pobres de Porto Alegre, o ódio às minorias, disparado pelas “classes dominantes” (FHCC), o discurso de ódio experimentado pelos pobres, diante da falta de “dignidade” resultante da crise econômica (F), o ódio ao pensamento livre disparado pelos reacionários contra os professores pelo ESP (FP), demonstrando que não é sentimento de esquerda ou de direita (contraditando, de certo modo, o que sugere a designação da obra).
As ausências e as situações controversas, ao contrário de borrarem a obra, somente reforçam a importância da sua leitura. Para profissionais do direito, principalmente, o livro pode auxiliar na mudança de sensibilidade dos apartidários e imparciais “operadores” para as causas das mulheres e da população LGBTQIA+. Para os professores de História, o livro serve duplamente: como testemunhos dos anos quentes do golpe e da campanha eleitoral de 2018 e como roteiro de para a ação, seja no planejamento da formação continuada, seja na orientação da ação no interior da escola. Aliás, os objetivos anunciados pela organizadora (e cumpridos com sobras) são em si mesmos pragmáticos e beneméritos: “observar, escutar, enxergar a realidade e entendê-la para depois combatê-la.” (p.9).
Sumário de O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil
Prólogo | Gregório Duvivier
Apresentação | Esther Solano Gallego
- A reemergência da direita brasileira | Luis Felipe Miguel
- Neoconservadorismo e liberalismo | Silvio Luiz de Almeida
- A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo | Carapanã
- As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo | Flávio Henrique Calheiros Casimiro
- O boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância? | Camila Rocha
- Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista | Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco
- Periferia e conservadorismo | Ferréz
- A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e de exceção | Edson Teles
- Precisamos falar da “direita jurídica” | Rubens Casara
- O discurso econômico da austeridade e os interesses velados | Pedro Rossi e Esther Dweck
- Antipetismo e conservadorismo no Facebook | Márcio Moretto Ribeiro
- Fundamentalismo e extremismo não esgotam experiência do sagrado nas religiões, Henrique Vieira
- Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010 | Lucas Bulgarelli
- Feminismo: um caminho longo à frente | Stephanie Ribeiro
- O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido” | Fernando Penna
- Sobre os autores
- Charges
Resenhista
Lucas Miranda Pinheiro é Doutor em História (UNESP/Franca), professor do Departamento de Relações Internacionais (DRI) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre outros trabalhos, publicou (em coautoria) Perspectivas e Debates em Segurança, Defesa e Relações Internacionais e Relações Internacionais: Olhares Cruzados. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6576943412041943; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4821-0168; E-mail: cucapinheiro@yahoo.com.br.
Para citar esta resenha
GALLEGO, Esther Solano. O ódio como política: A reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. 133p. Resenha de: PINHEIRO, Lucas Miranda. Bolsonarismo à direita? Crítica Historiográfica. Natal,.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/um-elemento-ausente-resenha-de-o-odio-como-politica-a-reinvencao-das-direitas-no-brasil-organizado-por-esther-solano-gallego/>.
La reledía se volvió de la derecha | Pablo Stefanoni
Pablo Stefanoni | Foto: Bernardino Ávila
La reledía se volvió de la derecha, de Pablo Stefanoni traz um subtítulo enciclopédico, entregando a matéria ao leitor sem que se tenha a necessidade de abrir o livro: o combate ao progressismo político e ao politicamente correto é rebelde e atrai multidões de jovens. É necessário, então, ler esses arautos das novas direitas (“extrema direita”, da “direita alternativa” ou “populismo de direita”) caso queiramos compreender as razões do seu sucesso ou, em outra chave, as razões do fracasso das esquerdas. A tarefa anunciada é cumprida com um texto breve, distribuído em cinco capítulos (além de epílogo e glossário) que focam o pensamento das novas direitas em escala global (América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia).
Antes de La rebeldia, Stefanoni escreveu livros sobre a ação da esquerda na Bolívia e na Rússia e atuou em parcerias com Clarín e o Le Monde Diplomatique. Professor da Universidade Nacional de San Martín e Doutor em História, o autor situa seu novo livro no domínio da História Intelectual. Stefanoni se ocupa de autores comuns – terroristas, ativistas moderados, intelectuais que militam na internet, escritores – atuantes nas duas últimas décadas, mediante redes de divulgação artigos, posts em redes sociais, vídeos, trechos de livros e memes. Ao abordar indivíduos de “subculturas on line”, Stefanoni investiga o significado dessa nova rebeldia, questionando sobre a ideia de “futuro próximo” compartilhada entre seguidos e respectivos seguidores. Leia Mais
Da direita Moderna à Direita Tradicional | Cesar Ranqueta Júnior
Cesar Ranqueta Júnior | Imagem: Unipampa
De autoria de Cesar Ranqueta Jr, o livro Da direita Moderna a Direita tradicional, publicado em 2019, tem duas ambições. A primeira delas é reconstituir historicamente o conceito de Direita, sistematizando argumentos e compilando autores que são ícones para sua fundamentação no mundo ocidental. A segunda é, a partir de uma análise dessa corrente de pensamento no Brasil, apresentar suas fragilidades, incongruências, antinomias e propor, a partir dessas análises, uma fundamentação teórica a ser seguida.
O interesse do autor por essa questão tem como base uma dupla crítica que é por demais razoável em uma sociedade cada vez mais polarizada e marcada por uma naturalização de conceitos do campo da política. A primeira é a recusa aos autores filiados ao pensamento de direita, assim como às suas ideias nos círculos especializados de debate, implicando em seu desmerecimento. A segunda está na forma pela qual esses pensadores tendem a ser adjetivados: “fascistas” e “anacrônicos”. Para Ranqueta, esta última é uma clássica estratégia da esquerda em desmerecer seu maior rival ideológico. Para nós, trata-se de um problema de metodológica científica. Leia Mais
Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right | Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On
Estado Islâmico | Imagem: BBC News
Tudo parece tranquilo entre os investigadores das novas direitas do eixo Europa-América nos últimos cinco anos. Eles divergem conceitualmente (fascismo, neofascismo, posfascismo, ultradireita, nova direita etc.), ocupam-se de objetos distintos (ideologias, partidos, eleições, movimentos, redes, subculturas, líderes, programas, eleições e ações de governo), mas convergem na ideia de que a maior parte dos seus fenômenos-objeto representa ameaças à democracia liberal. Não sem razão, parte deles encerra os seus ensaios ou teses com a clássica alusão ao “que fazer?”, de Vladmir Lênin. Essa harmonia tem chance de ser abalada após a publicação de Fighting the Last War: Confusion, Partisanship, and Alarmism in the Literature on the Radical Right (2022). Nesse ensaio estendido, Jeffrey M. Bale e Tamir Bar-On denunciam a incompetência dos acadêmicos e jornalistas para interpretar fenômenos designados como “direita radical”, “extrema direita” ou “nova direita radical”, e a esperteza de políticos, empresários e oligarcas das Big Tech que tiram proveito dessa espécie de “histeria” intelectual para “deslegitimar e demonizar virtualmente todos os oponentes da atual ideologia ocidental reinante do globalismo progressista” (p.xvi).
Jeffrey Bale e Tamir Bar-On são dois experimentados professores universitários e investigadores de movimentos extremistas há décadas. Bale é historiador e especialista em movimentos religiosos e políticos “propensos à violência” e docente no Nonproliferation and Terrorism Studies (NPTS) e no Program at the Middlebury Institute of International Studies at Monterey (MIIS). O sociólogo Bar-On estuda ideologias políticas e novas direitas e é professor na School of Social Sciences and Government e do Monterrey Institute of Technology and Higher Education, no México. Para chamar os colegas às falas, eles apontam preconceitos acadêmicos, uso equivocado de conceitos, desinformação sobre o imperialismo islâmico, sobre seus traços teocrático, fundamentalista e (no caso dos jihadistas) violento.
The far right today | Cas Mudde
Cas Mudde (2018) | Imagem: Wikipédia
The far right today é o primeiro livro de Cas Mudde voltado para o público “não acadêmico” interessado no impulso das “novas direitas”, na América e na Europa, nomeada por ele como a “quarta onda”. O caráter de manual está na arquitetura da informação, na brevidade do texto, na ausência de digressões teóricas e de citações diretas, como também na clareza com que apresenta suas proposições e exemplos. Mudde quer apenas oferecer uma visão geral desse período marcada pela ação da direita (far right) “antissistema e hostil à democracia liberal”, que se configura em dois grupos: a extrema direita (extreme right), que rejeita a “soberania popular e a regra da maioria” (sendo, portanto, revolucionária), e a direita radical (radical right), que aceita a soberania popular e a regra da maioria, mas se opõe à “democracia liberal”, no que diz respeito, principalmente, aos “direitos das minorias”, à legitimidade das leis e à “separação de poderes” (p.19). Sua meta é instrumentalizar o leitor comum a avaliar “os desafios que a far right coloca para as democracias liberais no século XXI” e, consequentemente, defender essa democracia liberal das várias ameaças reais e potenciais listadas ao longo da obra. (p.17).
Cas Mudde é um cientista político que trabalhou em universidades da Hungria, Holanda, Escócia, Bélgica, Alemanha, Eslováquia, Suécia e Espanha. Nos últimos seis anos, e já radicado nos Estados Unidos da América (EUA), Mudde tem escrito sobre ideologias, movimentos e partidos europeus e estadunidenses de extrema direita e direita radical, além de refinar categorias como o populismo e explorar o fenômeno das ideias extremistas entre jovens (SPIA/UGEO). The far right today reúne grande parte desses estudos em capítulos que contam a história das novas direitas entre 1945 e 2019, suas ideologias, formas de organização, as lideranças, as atividades, os debates sobre as causas e consequências da quarta onda, as respostas dos Estados e, especificamente, as respostas relativas às questões de gênero. Este livro foi traduzido para mais de cinco idiomas apresentando diversas paratraduções em cada uma das suas edições. Leia Mais
Las nuevas caras de la derecha | Enzo Traverso
Enzo Traverso | Foto: ULF Andersen/Gamma-Rapho/Getty/O Globo
O que me levou a ler o livro de Enzo Traverso não foi apenas o título referente a esse dossiê de resenhas sobre “novas direitas”. O fato de ele ser um dos poucos historiadores de ofício a estudarem o fenômeno e de fazê-lo com ferramentas típicas de historiador – a categoria “regimes de historicidade” – foi o que pesou na escolha. Las nuevas caras de la derecha (2021) é a tradução argentina de Les nouveaux visages du fascisme (2017). O título em francês retrata com maior fidelidade o conteúdo desse livro do historiador italiano, atuante na Holanda, França e nos Estados Unidos da América (EUA): a narrativa do processo de transição do fascismo ao pós-fascismo, vivenciada por europeus e estadunidenses nos últimos vinte ou trinta anos, e comunicada imediatamente após atentados terroristas na França, como o massacre do Charlie Hebdo.
O livro é um agregado de entrevistas concedidas ao antropólogo Régis Meyran, em Paris (2016), sobre temas correlatos, atravessados pelo conceito de “pós-fascismo”. O prólogo à edição castelhana, contudo, é inteiramente dedicado a outro conceito: “populismo”. As constantes referências à expressão durante as entrevistas e forte apelo dos estudiosos de Filosofia e História Política ao conceito (em sua visão, já enfraquecido academicamente) levaram-no, provavelmente, a dispender duas páginas para diferenciar populismo e “tendências regressivas solidamente arraigadas” na Europa e nos EUA no século XXI.
Na tipologia, curiosamente, Traverso o reintegra como categoria, quando afirma que o populismo argentino e peronista (nacionalista, messiânico, carismático, autoritário e idealizador do povo) difere dos “populismos reacionários” estadunidense (D. Trump) e francês (M. Le Pen e E. Macron). O primeiro distribui riqueza entre os pobres e os insere no sistema democrático. Os segundos são orientados pela entrega da nação “las fuerzas impersonales del mercado”. (p.21). O primeiro, acrescentamos, foi gestado no imediato pós-guerra em mundo bipolar. O segundo, reitera o autor, foi gestado na “era da globalização neoliberal”. O primeiro, por fim (como vários movimentos políticos do século XIX), pode continuar a ser designado “populismo”. O segundo, entretanto, deve ser tipificado como “pós-fascismo”.
O primeiro capítulo do livro – “¿Del fascismo al posfascismo” – é dedicado à definição dessa nova categoria. O que vemos nas duas primeiras décadas do século XX, segundo Traverso, não é um resíduo nem um prolongamento do fascismo, ou seja, não é o caso de se falar em “neofascismo”. Os fascismos clássicos (italiano ou alemão) eram antidemocráticos e os pós-fascismos (ao menos o de Le Pen) querem “transformar el sistema desde dentro” (p.27). Os fascismos clássicos eram estatistas, imperialistas e queriam criar uma “terceira via entre liberalismo e comunismo” e os pós-fascismos (ao menos o de Trump) são neoliberais. Os fascismos clássicos possuíam uma visão de mundo e um “modelo alternativo de sociedade”, enquanto os pós-fascismos (o de Trump é, novamente o exemplo) não tem programa ou se reduz a um “Make America Great Again”. Os fascismos clássicos estavam fundamentados em uma “ideologia forte” e o pós-fascismo, exemplificado por Macron, significa o “grau zero de ideologia”.
Com as sucessivas comparações, somos levados a definir o pós-fascismo a partir de traços ideológicos na esfera política, econômica e social: combate à democracia, defesa do livre mercado, ausência de projeto societário e de ideologia forte. Traverso, contudo, acrescenta uma marca diacrítica fundamental: “Lo que caracteriza al posfascismo es un régimen de historicidade específico – el comiezo del siglo XXI – que explica su contenido ideológico fluctuante, inestable, a menudo contradictorio, en el cual se mezclan filosofias políticas antinómicas.” (p.26).
A oralidade que marca o texto e a interrupção do entrevistador, provavelmente, o impede de detalhar esse novo “regime de historicidade”. Tomando como base o seu livro anterior (citado pelo apresentador, Régis Meyran), somos induzidos a compreendê-lo como um tempo sem futuro (horizonte de expectativas), algo que explicaria, inclusive, o caráter instável e contraditório das ideologias e as recorrentes antinomias em termos de “filosofia política” no interior dos movimentos e partidos. Esse auxílio, contudo, é insuficiente para relevar as contradições do próprio Traverso nas definições de pós-fascismos por meio de exemplos.
Afinal, se as antinomias são o caráter dos movimentos pós-fascistas, poderíamos rotulá-los como antidemocráticos? Se os fascismos italiano e alemão reuniam “corrientes diferentes, desde las vanguardias futuristas hasta los neoconservadores, de los militaristas más belicosos a los pacifistas muniquenses etc.” as antinomias deveriam continuar traço diferenciador dos movimentos e partidos do século XXI? Se as categorias “horizonte de expectativa” e “espaço de experiência” estão fundadas na ideia de continuidade passado/presente/futuro, porque afirmar peremptoriamente que as novas direitas do século XXI, exemplificadas na figura de Trump, não representariam uma continuidade histórica e nem uma herança com o fascismo histórico (mesmo que o sujeito citado não as reivindicasse conscientemente)?
O segundo capítulo – “Políticas identitarias” – expressa concepções de Traverso sobre o emprego da categoria “identidade”, acompanhada de suas críticas aos discursos identitários difundidos, principalmente, pela Frente Nacional (FN) e o “Partido de Indígenas de la República” (PIR). Sua ideia de identidade é remetida (entre outros referenciais) a P. Ricoeur – que lhe inspira na caracterização das identidades veiculadas pelos partidos de esquerda (ipseidade – identidade histórica) e de direita (mesmidade – identidade essencial). Em termos abstratos, Traverso elogia as políticas identitárias de esquerda que reivindicam o “reconhecimento”, ao passo que as de direita reivindicam a “exclusão”.
A esquerda radical (Traverso lamenta) nunca soube conciliar diferentes pautas identitárias, pondo o fator econômico (a classe) acima das identidades de raça, gênero e religião. Nesse sentido (ainda que de modo irônico, para Traverso), a nova direita representada pela FN, por exemplo, é mais eficiente, pois associa a defesa dos “blancos humildes”, manifestando, assim, a sua simpatia pela categoria interseccionalidade. Quanto às críticas às políticas de direita, estas não são nada genéricas. O laicismo, as identidades nacionais e étnicas difundidos pela FN são reacionárias (defensivas), ilógicas, antieconômicas e antissociais.
A melhor parte da discussão entabulada por Traverso, nesse capítulo segundo, está nas razões que ele aponta para esse reacionarismo. As políticas identitárias das novas direitas (que geram a exclusão de migrantes), o laicismo autoritário de Estado (que negam a cidadania plena aos ex-colonizados e que prometem o retorno à Europa anterior ao Euro) são produtos da própria República e do Colonialismo. Assim, não se pode acusar a FN de antirrepublicana, posto que as exclusões do tipo fazem parte da história da República francesa recente. Nesse trecho, quase que ouvimos Traverso declarar que não há (não houve) um germe ultradireitista. Foi a própria serpente (a República francesa) que pariu os identitarismos excludentes dos novos reacionarismos.
Aqui, vemos como o autor põe grupos de esquerda e de direita sob o mesmo solo – que gera as mesmas distorções. Ele avança ainda mais na indicação de semelhanças quando afirma que as “direitas radicais”, os “expoentes liberais e conservadores” não mais buscam “legitimar uma política” por meio da “ideologia”, que “se improvisa a posteriori”. Chega a empregar a expressão “pós-moderna” para tipificar esse traço do nosso tempo. Mesmo que esteja entre aspas, essa expressão não cabe na passagem.
Se ele admite a legitimidade política não ideológica como consequência de uma relação pós-moderna dos humanos com o tempo, as continuidades de ideias e práticas das novas direitas com as ideias e práticas de direitas do século XIX e XX não mais se sustentam. Se, ao contrário, ele reitera a interpretação das novas direitas dentro dos quadros de um novo regime de historicidade, a condição “pós-moderna” não faz nenhum sentido no seu texto.
Além desse deslise teórico, Traverso revela um misto de idealismo em relação à ideia de partido político, em prejuízo, inclusive da sua abordagem historicista (realista) sobre as novas direitas. A vida partidária, mesmo em tempo anterior ao século XXI, é marcada por estratégias de sobrevivência que resultam em diferentes comportamentos, desde a manutenção de um programa, passando pela captura dos eleitores, até a manutenção do poder, quando à frente do Executivo.
No terceiro capítulo do livro – “Antissemitismo e islamofobia” –, as questões identitárias ganham ainda maior espaço. O entrevistador parece determinado a extrair de Traverso uma crítica às definições dos termos em pauta e uma comparação entre os dois fenômenos, tomando-os em seus elementos aparentemente similares: o antissemitismo na primeira metade do século XX e a islamofobia no início do século XXI. O autor resiste várias vezes a compreendê-los como fenômenos simétricos e, implicitamente, a considerá-los “ideologias”. É certo, julga ele , que as afinidades existem: para os antissemitas dos anos 30 do século passado, judeus e bolchevistas eram um “outro” ameaçador, enquanto para os islamofóbicos, os mulçumanos e os terroristas islâmicos são um novo outro inimigo; o antissemitismo estruturava os ideais nacionalistas do início do século XX, enquanto a islamofobia estrutura os nacionalismos europeus do início do século XXI.
Essas similitudes, contudo, são menos expressivas quando observadas caso a caso, com destaque para a experiência francesa. Para Traverso, a “judeofobia” é combatida pelo Estado francês que, por sua vez, legitima a islamofobia. Os judeus estão integrados econômica, social e culturalmente, enquanto africanos e asiáticos e seus descendentes, mesmo nascidos na França, experimentam uma cidadania de segunda categoria. Nos anos 60 do século passado, ao lado dos negros, judeus marcharam em luta contra o racismo e pelos direitos civis. Hoje, organizações civis que congregam judeus confundem o Estado de Israel e comunidade judaica, oprimindo palestinos em suas próprias terras: “La memoria del Holocausto se há convertido en una religión civil republicana, en tanto que la memoria de los crímenes coloniales sigue negada o acallada, como en el caso de las controvertidas leyes de 2005 sobre el ‘papel positivo’ de la colonización.” (p.88). A emergência da islamofobia contemporânea, conclui o autor, não pode ser reduzida ao racismo clássico dos séculos XIX e XX ou ao fator imigração. O colonialismo entranhado na República é o que explica (na certeira expressão de Meyran) o “racismo de pobre” em vigor na França.
Observem que não apresentei nenhum senão ao capítulo terceiro e o mesmo ocorre com o quarto capítulo – “¿Islamismo radical o islomofascismo? El Estado Islãmico a la luz de la historia del fascismo”. Nele, novamente, Meyran tenta extrair de Traverso uma posição sobre a potência heurística da categoria (“islamofascismo”) e, consequentemente, sobre a validade de tipificar o Estado Islâmico (EI) com expressão do fascismo. Ele rechaça a proposição, embora reconheça semelhanças entre os fascismos italiano, alemão e francês e as ações do EI.
Elas estariam principalmente, nos contextos de emergência do primeiro e do segundo fenômeno (desestabilização da Europa pós Primeira Guerra Mundial e desestabilização de países árabes pós invasões soviéticas, estadunidenses e europeias no Iraque e Afeganistão, por exemplo) e no caráter conservador das suas revoluções (o emprego da tecnologia para propagandear uma sociedade “obscurantista”, baseada em um “passado imaginário”. As diferenças, contudo, superam as similaridades mais gerais, quando, segundo Traverso, o analista aborda os fenômenos diacronicamente e em suas particularidades.
hemos visto surgir fascismos en América Latina, es decir, fuera de Europa: ahora bien, estos se instalaron en el poder gracias al apoyo de los imperialismos, las grandes potencias. En Chile, uno de los peores regímenes fascistas latinoamericanos se instaló mediante un golpe de Estado organizado por la CIA. […] La fuerza del EI, al contrario, radica en el hecho de mostrarse ante los ojos de muchos musulmanes como un movimiento de lucha contra el Occidente opresor. Eso vuelve problemático definir este movimiento como fascista.
Fascismo é conceito histórico, não devendo ser usado como categoria analítica. Totalitarismo (de H. Arendt) é categoria analítica adequada ao exame do EI, mas limitada à sua natureza abstrata (de categoria), a exemplo da categoria nacionalismo. O nacionalismo fascista é cimentado pelo “culto ao sangue” (Itália) e “culto ao solo” (Alemanha) e o nacionalismo do EI é “universalista”; o fascismo (categoria ou conceito histórico?) do Chile foi apoiado pelo imperialismo estadunidense que combate agora as ações do EI; o fascismo da Itália e da Alemanha emergem como alternativa à democracia liberal, enquanto o EI emerge em território que nunca praticou a democracia; o fascismo da Itália e da Alemanha eram anticomunistas enquanto o EI nunca encontrou a resistência de “uma esquerda radical”.
Ao listar meia dezena de razões para não tipificar o EI como fascista, Traverso demonstra os perigos das conclusões sobre causas e consequências de fenômenos históricos com base apenas no emprego de categorias (sobre todo os tipos ideais). Ideologias são apenas uma variável. Não é a religião que explica o EI: “hay que estudiar l la relacion que existe entre Marx, el marxismo, la Revolución Rusa y el estalinismo […] resulta evidente que el EI no es la revelación del islan ni la única expresión posible del islam, pero si uma de sus expresiones […] la Inquisición no es la única expresión posible del cristianismo, !también existe la teologia de la Liberación”. (p.92) Traverso, por fim, deixa implícito que quando cientistas sociais e historiadores tomam a ideologia como causa eles enviesam os resultados. Quando estrategistas e políticos agem dessa forma, o prejuízo é em escala. Eles criam “espantalhos”, omitem o assentimento popular ao EI, o financiamento ocidental ao EI, a contribuição ocidental midiática à banalização da violência (adotada pelo EI), a instrumentalização das ideias de direitos humanos, liberalismo e democracia para exterminar os movimentos emancipatórios de povos africanos e asiáticos.
Nas conclusões do livro – “Imaginario político y surgimento del posfascismo” –, mais uma vez, o leitor perceberá a tensão entre o reiterar de uma tese (a falência das utopias do século XX, a exemplo do comunismo e do fascismo, dá vasão às investidas pós-fascistas, encarnadas pelas novas direitas e o terrorismo islâmico), a instabilidade da aplicação dos conceitos (o “modelo antropológico do neoliberalismo”, também referido como “idolatria do mercado”, é ou não uma ideologia dos últimos 20 anos?) e a atribuição de valor na causação das novas direitas (a extinção das ideologias do século XX, a precariedade socioeconômica de grandes segmentos populacionais, na Europa, Ásia e África ou os dois condicionantes simultaneamente?).
Da mesma forma, ainda na conclusão, Traverso consolidará, sinteticamente, as principais ideias que se propôs a defender durante a entrevista: 1. Novas direitas (ou direitas radicais) e islamismos não são fascistas; 2. Novas direitas e islamismos são “sucedâneos” reacionários (passadistas e xenófobos) das utopias do século XX; 3. Movimentos sociais e partidos políticos de esquerda (com suas iniciativas, ironicamente, dispersas em um mundo globalizado) não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico; 4. “Religiões cívicas” como o republicanismo francês pós massacre Charlie Ebdo e memorialismo anti-holocausto, respectivamente, acrítico e vitimista, são incompetentes como freios às novas direitas. Sua percepção de futuro, contudo, é otimista: “no hay inexorabilidade alguna. Pueden myy biente aparecer en cualquer momento mentes creadoras, dotadas de una poderosa imaginación, y proponer una alternativa, outro modelo de sociedad.” (p.116).
No início desta resenha, anunciei a razão da minha escolha: queria observar o que caracterizaria o trabalho de um historiador de formação e ofício que estuda o fenômeno das “novas direitas”. A resposta serve como avaliação geral do livro. Em Las nuevas caras de la derecha o noviço de história é beneficiado, talvez, pelo gênero textual (marcado pelos diálogos entre Meyran e Traverso) que elimina a organização lógica de um texto e (se o noviço aceita participar como observador) em benefício da liberdade de suspender a leitura e refletir sobre o lido sem perder o fio da meada (já que as questões ou temas se encerram ao final de uma ou duas intervenções do entrevistador).
Esse expediente possibilita a percepção das várias tensões que atravessam o livro e que ensinam de modo mais realista como trabalha um historiador que se ocupa do referido tema, obviamente, aos que estão predispostos a aprender: a tensão sobre as escolhas de variáveis para a comparação (sobre o que serve e o que não serve para fazer analogias, se mais as semelhanças, se mais as diferenças) e as justificativas políticas empregadas para fazê-lo; a tensão sobre a adequabilidade e a eficácia do emprego do conceito histórico e da categoria analítica; a tensão da escolha entre se comportar como historiador tipicamente historicista (examinando múltiplas variáveis e construindo contextos prováveis a partir de múltiplos pontos de vista) e um cientista social (empregando modelos/tipos e fazendo generalizações sobre sujeitos concretos a partir de categorias/abstrações); a tensão de perceber a oportunidade para problematizar uma situação concreta, mediante antinomias ou explicações unilaterais, e de encontrar o melhor momento para reiterar a sua tese sobre os estados de coisas nos quais estamos envolvidos no início do século XXI (Estado Islâmico, Trump, Le Pen): fenômenos pós-fascistas resultam do fracasso das revoluções do século XX e da crise do capitalismo como fornecedores de horizontes de expectativas para populações alijadas da globalização e vitimadas pelo colonialismo.
Sumário de Las nuevas caras de la drecha
- Prefacio a la edición castellana
- 1. Prólogo
- 2. ¿Del fascismo al posfascismo
- 3. Políticas identitarias
- 4. Antisemitismo e islamofobia
- 5. ¿Islamismo radical o “islamofascismo”? El Estado Islámico a la luz
- de la historia del fascismo
- Conclusión. Imaginario político y surgimiento del posfascismo
- Sobre el autor
Para citar esta resenha
TRAVERSO, Enzo. Las nuevas caras de la drecha. Buenos Aires: Titivillus, 2021. 234p. Resenha de: FREITAS, Itamar. As recentes direitas de um historiador. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3237/>.
Menos Marx, Mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil | Camila Rocha
Camila Rocha | Imagem: Diplomatic
Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil, de Camila Rocha, resulta da pesquisa de doutorado em Ciência Política, desenvolvida na Universidade de São Paulo/USP e defendida em 2018. A pesquisa ganhou os prêmios de Tese Destaque USP no âmbito das Ciências Humanas e melhor tese pela Associação Brasileira de Ciência Política. Em 2021, após adaptações na estrutura e na linguagem, com vistas a atingir a comunidade leitora não especializada, o trabalho foi publicado pela editora Todavia.
A obra está organizada em introdução, três capítulos centrais, estes divididos em subcapítulos de número e extensão variável, e considerações finais. Nuclearmente no livro é o argumento de que a chamada “nova direita” brasileira constitui “contra-públicos” que se organizaram fora das estruturas tradicionais de poder; se afastariam da “velha direita” por serem críticos e não mostrarem-se tributários nem devedores da ditadura-civil militar; e resultarem de acomodações entre o ideário “ultraliberal”, no âmbito da economia, com perspectivas “conservadoras”, no campo das relações sociais, algo que o debate político corrente na mídia e imprensa tem tratado, por vezes, de maneira simplista e inadequada sob a expressão “pauta de costumes”. Leia Mais
Os militares e a crise brasileira | João Roberto Martins
João Roberto Martins Filho Foto: Gabriela Di Bella/The Intercept
Em 2020, João Roberto Martins Filho publicou a segunda edição de O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises políticas na Ditadura (1964-1969), adaptação da sua tese de Doutorado em Ciência Política, orientada por Décio Saes e defendida em 1989. Nesse livro, manteve a proposição de que as forças armadas brasileiras configuram um partido político fortalecido na emergência uma “ideologia militar fortemente calcada na repulsa à política civil”, cujas pautas correlatas e consequentes seriam a estabilidade social e a garantia da ordem. (p.55). A tese contrapunha-se à interpretação da experiência militar como um conflito entre dois ideais capitalistas: o internacionalismo da Escola Superior de Guerra (ESG) e o nacionalismo de grupos minoritários. Um ano depois da republicação, Martins Filho nos brinda com outro estudos sobre “militares” e “crise” dos anos recentes, reunindo dezessete autores vinculados a instituições de ensino e pesquisa nas áreas de Estudos de Defesa, Segurança Internacional, Relações Internacionais, Estudos Estratégicos, Ciência Política e História Contemporânea, Antropologia e, ainda, profissionais do jornalismo e da área militar.
Se o organizador registra que a proposição de 1989 ficou no limbo até 2005, agora restam poucas dúvidas de que os militares representam funções e estratégias de um partido político para si mesmos e que são corresponsáveis pelos ataques à democracia liberal brasileira, perpetrados, por exemplo, desde 2013. O leitor, contudo, encontrará alguma dificuldade para chegar às provas dessa responsabilização. A coletânea é qualitativamente desequilibrada e variada em termos de gênero textual. Verá divergências compreensíveis e saudáveis, em termos de fontes e interpretações. A credibilidade das Forças Armadas (FA), na última década, por exemplo, é tida como em declínio e em ascensão; as políticas dos governos progressistas em termos de defesa são vistas positivamente e negativamente; e a profissionalização dos militares é fundamental e nula para a sua submissão ao controle político civil. Leia Mais
AMABA: O esquecido círculo de cultura da Aracaju dos anos de 1980 | Zezito Oliveira
Zezito Oliveira | Imagem: Blog da Ação Cultural
O livro “AMABA: O esquecido círculo de cultura da Aracaju dos anos de 1980”, de Zezito Oliveira, foi lançado em 2021, contando com o apoio financeiro da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe – FUNCAP, por meio da Lei Aldir Blanc. Dividido em quinze capítulos, seu conteúdo registra as iniciativas artístico-culturais da Associação de Moradores e Amigos do Bairro América, no período de 1983 a 1990, a partir de fontes documentais (relatórios, ofícios, cartazes e fotos produzidos pela entidade), fontes orais (entrevistas a personagens que vivenciaram a trajetória da entidade) e bibliografia afim (artigos e livros na forma física e digital).
Antes de adentrar na temática, o autor reserva os capítulos I e II a um breve histórico da formação do bairro utilizando-se de um livro autoral (Rocha e Corrêa, 2009) e de uma monografia de conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo (Ramalho, 2016). O capítulo III trata do nascimento da Associação (1983) motivada, principalmente, pela luta contra a poluição da Fábrica de Cimento Portland, situada nas proximidades. Cita nomes da primeira diretoria e as sucessivas mudanças na sua composição, a luta e a conquista da sede própria, as mobilizações em torno do transporte coletivo, infraestrutura urbana, creche, escola, alfabetização de crianças e adultos, e a participação em encontros e congressos nacionais. Chama a atenção o registro do trabalho de conscientização comunitária a respeito da importância da Constituinte de 1986-87 e o engajamento em movimentos populares, como o dos Sem-Teto e dos Meninos e Meninas de Rua. Conclui listando as iniciativas artístico-culturais da entidade, grande parte em parceria com órgãos públicos. Leia Mais
Um feminismo decolonial | Françoise Vergès
Françoise Vergès (2020) | Imagem: Anthony Francin/Divulgação
Un féminisme décolonial, [Um Feminismo Decolonial], de Françoise Vergés, reivindica uma teoria multidimensional do movimento feminista: antirracista, antipatriarcal, anticolonial e anticapitalista. O livro também tece críticas ao movimento feminista civilizatório. Apresentado inicialmente por Flávia Rios, no texto ‘Por um feminismo radical’, traduzido por Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo. A obra é construída por um prefácio à edição brasileira, da própria autora, uma introdução – “Invisíveis, elas “abrem a cidade” – e dois capítulos: “Definir um campo: o Feminismo Decolonial” e “A evolução para um feminismo civilizatório do século XXI”. O livro resulta dos estudos da autora sobre o pensamento feminista e a decolonialidade, publicado originariamente na França, em 2019, e lançado em português, no Brasil, pela Ubu Editora, em 2020.
Françoise Vergés é cientista política, historiadora, ativista e especialista em estudos pós-coloniais. Graduou-se em Ciências Políticas e Estudos Feministas na San Diego State University (1989) e tornou-se PhD em Teoria Política pela Berkeley University of California (1995) com a tese “Monsters and Revolutionaries: Colonial Family Romance and Métissage” [Monstros e revolucionários: o romance e a mestiçagem da família colonial] (Duke University Press, 1999). Vergés lecionou na Sussex University e na Goldsmiths College (Inglaterra). De 2009 a 2012, presidiu o comitê nacional francês de preservação da memória e da história da escravidão. Entre 2014 e 2018, foi titular do programa Global South(s) no Collège d’études mondiales da Fondation Maison des Sciences de l’Homme e publicou diversos artigos sobre Frantz Fanon, Aimé Césaire, abolicionismo, psiquiatria colonial e pós-colonial, memória da escravidão, processos de creolização no Oceano Índico e novas formas de colonização e racialização. Trabalha regularmente com artistas, tendo sido coautora dos documentários “Aimé Césaire face aux révoltes du monde” [Aimé Césaire em face das revoltas do mundo] e “Maryse Condé: une voix singulière” [Maryse Condé: uma voz singular] (Jérôme-Cécile Auffret, 2002; Paris Triennale, 2012). Vergé também organizou as exposições “L’Esclave au Louvre: une humanité invisible” [O escravo no Louvre: uma humanidade invisível] (Museu do Louvre, 2013), “Dix femmes puissantes” [Dez mulheres poderosas], (2013), e “Haiti, medo dos opressores, esperança dos oprimidos” (2014), ambas para o Mémorial de l’abolition de l’esclavage, de Nantes. (p.139-140) Leia Mais
A Campanha Abolicionista (1879-1888) | Evaristo de Moraes
Antônio Evaristo de Moraes | Imagem: Blog do Pedro Eloi
A abolição da escravidão, no Brasil, é uma questão de extrema relevância não só para os estudantes da História, mas para a sociedade como um todo. Este, foi o maior movimento negro e popular da história do país. Por isso, “A Campanha abolicionista (1879-1888), escrito há quase cem anos, por Antônio Evaristo de Moraes é leitura obrigatória porque o seu objetivo principal é apresentar, aos seus leitores contemporâneos e aos futuros leitores, os vários aspectos da campanha abolicionista, de maneira técnica, ou seja, como Moraes mesmo mencionou, não é um livro apenas para os “campeões da abolição”, “nem aos sustentadores da necessidade temporária da Escravidão” (p. 22). Assim, olhar do historiador Evaristo de Moraes é técnico e busca interpretar a história da abolição da escravidão no Brasil de tal forma.
À época da escrita desse livro, Evaristo de Morais era um jovem abolicionista, jornalista, advogado e professor que, aos dezesseis anos de idade, esteve presente nas comemorações alusivas à assinatura da Lei Aurea, pela princesa regente, Isabel de Bragança. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1871, o mulato era (para os padrões da época) pertencente a uma família de classe média. Nos primeiros anos da vida escolar, Moraes estudou no Colégio de São Bento e foi aluno dos notáveis Clóvis Bevilaqua, Tobias Barreto, Sílvio Romero, Artur Orlando da Silva, dentre outros. Em 1888, já era professor de português, jornalista e abolicionista. Leia Mais
Manual didático do professor de História: História local e Aprendizagem significativa | Moisés Reis
Ilustração de Mateus Oliveira Queiroz para o Manual didático do professor de História História local e aprendizagem significativa.
Manual Didático do professor de História: História local e Aprendizagem significativa, de Moisés Santos Reis Amaral, propõe metodologias ativas para o ensino de História com o uso das modernas tecnologias na educação básica a fim de aproximar o estudante e a atualidade e de envolvê-lo no processo de ensino-aprendizagem. Essa tarefa, segundo o autor, exige formação continuada numa guinada para a criticidade e a interação.
O livro aborda a história local do município de Fátima-BA, lugar onde o autor trabalha como professor da rede municipal de ensino. Ele é graduado em História pelo Centro Universitário Ages, especializado em História e Cultura Afro-brasileira pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci e Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Amaral também passou temporada na rede particular de ensino e atua como tutor e palestrante nas áreas de Educação, Ensino de História e Geografia. Leia Mais
Os militares e a crise brasileira | João Roberto Martins Filho
João Roberto Martins Filho | Foto: Gabriela Di Bela/The Intercept
Os militares e a crise brasileira é uma obra escrita a muitas mãos como declara o seu apresentador e organizador, o cientista político, João Roberto Martins Filho. São pesquisadores das ciências sociais e humanas que destrincham, com análises e evidências consistentes, o emaranhado em que nos encontramos, desde a retomada, em alta intensidade, da ação política das Forças Armadas quando vislumbraram em Jair Bolsonaro, o capitão “dono de uma fé de ofício pobre, reprovável, brutal e curta”, o representante para liderar a agenda autoritária que estava em latência desde o fim da ditadura militar que oprimiu o Brasil, de 1964 até 1985.
Os responsáveis pelos quinze textos da coletânea são parte significativa do conjunto de estudiosos sobre as Forças Armadas. Muitos estão conectados à Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e a maioria têm larga produção acadêmica na área. O livro é composto por quinze capítulos e uma entrevista com Héctor Saint-Pierre, concedida à Ana Penido. Na fala, esse especialista discorre sobre papel desempenhado pelas Forças Armadas no contexto internacional a partir de três temas: a autonomia diante do Estado e sua relação com a democracia; as percepções de hegemonia regional; e os conceitos de inimigo na dinâmica de guerra e paz. Leia Mais
Eric Hobsbawm: uma vida na história | Richard J. Evans
Richard Evans Foto Philipp Ebellin
Alguns sobrenomes possuem uma grafia difícil de ser executada corretamente, sendo esse o caso de “Hobsbaum”, geralmente escrito com “u”, que designa o historiador Eric John Ernest Hobsbawm, inglês nascido na cidade de Alexandria em 1917, filho de pai britânico e mãe austríaca, ambos judeus. Contudo, a versão de Eric Hobsbawm – que, durante seu registro, teve, erroneamente, o “w” colocado ao invés do “u” – dificilmente será esquecida graças às obras que ele assina e à biografia em que ele mesmo se apresenta como título. Referimo-nos à obra Eric Hobsbawm: uma vida na história, escrita por Richard Evans e lançada, no Brasil, em 2021.
Evans é especialista em história europeia dos séculos XIX e XX, com foco nos estudos sobre a Alemanha nazista. Foi professor da Universidade de Cambridge e autor de diversos livros, com destaque para a trilogia O Terceiro Reich. Em sua obra mais recente, Evans traz a trajetória de uma figura cosmopolita desde suas origens, alguém que conheceu e foi conhecido em todos os continentes. Não se trata de uma biografia produzida para responder um problema, tampouco de um texto que procura engrandecer ou detratar a imagem do biografado. O objetivo do livro é situar a vida de Hobsbawm e sua atuação como historiador no contexto do século XX; trata-se de apresentá-lo ao mundo do século XXI através de suas “próprias palavras” (p.10). Leia Mais
BNCC de História nos Estados: o futuro do presente | Ângela R. Ferreira, Antonio S. de Almeida Neto, Caio F. F. Adan, Carlos A. L. Ferreira, Paulo E. D. de Mello e Olavo P. Soares
BNCC de História nos Estados (Detalhe de capa) | Arte da capa: Carole Kümmecke
No final do ano passado (2021), a Editora Fi lançou BNCC de História nos Estados: o futuro do presente, reunindo estudos de 25 autores, a maioria dos quais atua em programas de pós-graduação em História, Ensino de História e Educação. Apenas dois são professores da educação básica e os demais são formadores de professores. O livro comunica os trabalhos apresentados no “Ciclo de Debates” (de mesmo título), organizado pelas Universidades Federais de Alfenas (UNIFAL), Espírito Santo (UFES), São Paulo (UNIFESP) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no segundo semestre de 2021, com grande aderência de público em mais de 300 cidades de 26 entes federados (p.12).
A publicação já nasce referência. É uma peça crítica à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e às bases curriculares de cada Estado. Além de dar publicidade desses dispositivos na rede mundial de computadores (prática que, há dez anos, seria uma via crucis para o pesquisador), põe a nu alguns “vieses de confirmação” dos nossos colegas da área. Por essas razões, o livro merece ser lido e criticado. Ele oportuniza a discussão e, com muita boa vontade, o avanço da qualidade das políticas públicas para o Ensino de História, seja em termos de formação docente, seja em termos de formação escolar. Leia Mais
Malinos, zuadentos, andejos e sibites: o Aribé nos anos 70 e 80 | Teresa Cristina Cerqueira da Graça
Andrea Moura e Tereza Cristina Cerqueira da Graça | Imagem: Pra Você Saber
Alguns personagens malignos, barulhentos, errantes, atrevidos e habitantes do bairro Siqueira Campos, na cidade de Aracaju (SE) são o objeto do novo livro de Tereza Cristina Cerqueira da Graça. Essa é a mensagem, traduzida em português culto, que o pitoresco título quer transmitir. Trata-se de uma memória de pessoas para registro da memória de uma pessoa, que é Teresa Cristina Cerqueira da Graça, historiadora da cultura, “malina”, “zuadenta”, “andeja”, “sibite” e moradora do bairro Aribé (oficialmente, Siqueira Campos), durante dois terços de sua vida.
É livro desafiador para os nossos tempos acelerados. Quinhentas e três páginas. Uma semana de leitura para quem dedica um turno diário. Lourival Santana foi feliz em seu prefácio. Escreveu pouco, usou convenções – “relato de memórias”, “acurada pesquisa histórica” sobre o “cotidiano de Aracaju”, baseado “em fontes primárias”, escrito em “estilo simples”, que incorporou o depoimento de “quase 120 pessoas”, “trouxe de volta objeto brincadeiras, lugares, cenários e pessoas”, vai “encher os olhos e a alma da geração da época” e despertar a “curiosidade dos jovens do presente”. Leia Mais
A linguagem fascista | Carlos Piovezani e Emilio Gentile
Carlos Piovezani e Emilio Gentile | Imagens: UFSCAR e Igoriziano
A ascensão da extrema direita nos últimos anos aconteceu em sequência ao fim de governos que adotaram posturas progressistas no que condiz à concessão de direitos. Assim, após o governo de Barack Obama (2009-2017), o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, tivemos a eleição do republicano Donald Trump; no Brasil, por sua vez, os doze anos de governos petistas foram encerrados com o impedimento da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Dois anos mais tarde, Jair Messias Bolsonaro, então filiado ao Partido Social Liberal (PSL), foi eleito presidente. Frente a esse quadro, interrogamo-nos: como lideranças extremistas, associadas a discursos fascistas, conseguiram conquistar legiões de seguidores? Essa questão foi o cerne do livro A linguagem fascista, escrita por Carlos Piovezani e Emilio Gentile, lançado pela editora Hedra, em 2020.
Os autores possuem amplo conhecimento nos estudos acerca de linguagem e dos fascismos; Piovezani é linguista e professor associado do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos. Além disso, atuou como professor convidado na École de Hautes Études en Sciences Sociales e foi autor de obras como A voz do povo: uma longa história de discriminações (2020). Já Emilio Gentile é historiador e professor emérito da Università La Sapienza de Roma, sendo considerado um dos principais especialistas mundiais em fascismo. Entre os livros publicados por ele estão Le origini dell’ ideologia fascista (1975) e Quien és fascista (2019). Leia Mais
Historiography of Science in South America: Reception/ Reflection and Production (Argentina/ Brazil and Uruguay) | Mauro Condé
Mauro Condé | Imagem: IEA/USP
No Brasil, circulam, aproximadamente, 190 revistas autodesignadas (em seu foco e escopo) “de História” (Resenha Crítica, 2021). Um quinto desses periódicos explora questões e objetos escanteados pelos historiadores por formação inicial (graduados em História), como Direito, Educação, Ensino, Enfermagem, Esporte, Matemática e Medicina. Não é tanto por má vontade ou pré-conceito, como eu julgava há uma década, e sim pelo fato de a demanda por narrar a historicidade das coisas estar em todos os cantos da vida prática. É isso que explica, provavelmente, a criação recente de uma revista especializada em crítica e narrativa da escrita histórica sobre a ciência – Transversal: International Journal for the Historiography of Science (UFMG, 2016). Foi esse periódico quem publicou, no dia de Natal, o dossiê “Historiografia da Ciência na América do Sul, reunindo oito pesquisadores que tratam de experiências argentinas, brasileiras e uruguaias.
Com esse dossiê, o periódico visa ao fortalecimento das interações entre pesquisadores da Argentina, Brasil e do Uruguai, no que diz respeito à pesquisa sobre História e Filosofia da ciência. Esse é o objetivo principal anunciado pelo organizador Mauro Condé. Não sei se por questões de ética prática ou mesmo por crença, o apresentador reitera uma tendência recentíssima nos trabalhos do gênero: é necessário descolonizar as narrativas sobre a ciência por meio da percepção e da reflexão de ideias estrangeiras acerca do assunto em seu contexto de recepção. Na sequência, entretanto, Condé toma para si a conhecida tese de que determinadas ideias estavam fora do lugar, exemplificando com o caso de Pedro Américo a partir do qual ressuscita a hipótese de que o Brasil não estava preparado para compreendê-las: “ainda não havia uma cultura científica […] demoraria 100 anos até que Pedro Américo tivesse leitores adequados à sua tese” (p.2-3). Leia Mais
L’épistémologie historique: Histoire et méthodes | Jean-François Braunstein, Iván Moya Diez e Matteo Vagelli
Jean-François Braunstein | Foto: Zoé Ducournau
L’épistémologie historique. Histoire et méthodes (Paris: Éditions de la Sorbonne, 2019), organizado por Jean-François Braunstein e seus ex-alunos Iván Moya Diez e Matteo Vagelli, reúne algumas das comunicações apresentadas nas edições de 2015 e 2016 das Journées d’épistémologie historique.
Mais ou menos no mesmo período, meu colega Marcos Camolezi e eu fizemos e publicamos, no segundo número da revista Intelligere, uma entrevista com Braunstein, então supervisor do nosso estágio de pesquisa na Université Paris 1. Num dos momentos mais interessantes da conversa, Marcos lembrou que, nas décadas finais do século XX, a Epistemologia Histórica “parecia uma ocupação de velhos, um assunto fora de moda” e, antecipando uma resposta vindicadora, questionou: “qual a situação da epistemologia histórica hoje?” (Almeida; Camolezi, 2015, p.159). Leia Mais
Lentes/ memórias e histórias: Os fotógrafos Lambe-Lambes em Aracaju (1950-1990) | Cândida Oliveira
Lentes, memórias e histórias: os fotógrafos Lambe-Lambes em Aracaju (1950-1990) é o livro de Cândida Oliveira, jornalista e mestre em História, lançado no final do ano passado. O livro é produto de dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Sergipe, em 2020, sob a orientação do professor Claudefranklin Monteiro Santos, e sob o crivo da seleta banca: os também professores Antônio Lindvaldo Souza e Edna Maria Matos Antonio, da Universidade Federal de Sergipe, e Severino Vicente da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco.
O subtítulo que enuncia o objeto do livro é curioso para muitos. A expressão “lambe-lambe” está dicionarizada como “fotógrafo ambulante” e designa, literalmente, um dos atos da sua produção: “testar [com a língua] qual era o lado do papel fotográfico que tinha a emulsão” para não correr o risco de perder o “foco” e a “nitidez” da fotografia (Moraes, 2013, p.166). Esse processo e a estratégia de capturar imagens e vendê-las imediatamente, nas ruas, praças ou em estabelecimentos provisórios, disseminou-se na passagem do século XIX para o XX – e não é improvável que sobreviva em muitos lugares do Brasil. Cândida Oliveira já pesquisava esse assunto desde 2005, revelando conhecimento do objeto de pesquisa e convívio com os fotógrafos entrevistados, o que lhe deu a empatia necessária para a utilização da metodologia da história oral. Leia Mais
Conceitos elementares da Guerra Fria nos livros didáticos | Leonardo Augusto de Carvalho
Intitulada Conceitos elementares da Guerra Fria nos livros didáticos, a obra é resultado de um curso de especialização em Saberes e Práticas na Educação Básica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CESBEP/UFRJ), em 2018, na qual são condensados questionamentos que emergiram das experiências de Leonardo de Carvalho Augusto, a partir de seu trabalho na educação básica como professor de História e as reflexões alcançadas a partir da pós-graduação. Dessa forma, pode conciliar questões do mundo contemporâneo com indagações próprias ao ensino de História.
O livro tem como objeto a escrita didática em torno de um tema: a Guerra Fria. Influenciado pela teoria da história alemã atrelada à história dos conceitos de Reinhart Koselleck e da Didática da História de Jörn Rüsen, Carvalho Augusto investigou como os conceitos que dão realidade à Guerra Fria foram mobilizados e em que medida contribuíram para a constituição de um sentido a partir da narrativa dos livros didáticos. Leia Mais
Ensino de História e Historiografia digital | Marcela Albaine Farias da Costa
Ensino de História e Historiografia escolar digital, de Marcela Albaine Farias da Costa, como explicitado no título, discute a relação entre os fenômenos da Historiografia escolar digital e a prática do Ensino de História em escolas da educação básica. Construído em quatro capítulos (além da introdução e da conclusão), o livro é resultado de uma tese de doutorado em História, defendida na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sob a orientação da professora Keila Grinberg, avaliada pelos professores Anita Almeida (UNIRIO, Sonia Wanderley, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rodrigo Turim (UNIRIO) e Bruno Leal, da Universidade de Brasília (UnB).
Hoje, Marcela Costa cumpre estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e já é reconhecida na área de História como um dos poucos especialistas nos estudos sobre Historiografia Digital, sobretudo pelos textos que publicou e pelos laboratórios e projetos com quais se envolveu na última década. O seu livro, contudo, foi por nós escolhido por representar um objeto de fronteira entre os domínios da Pedagogia, Ciência da Informação, Ciência da História e Ensino de História e, principalmente, por sugerir, potencialmente, um modelo de trabalho acadêmico para muitos dos mestrandos que iniciam suas pesquisas acadêmicas na área do Ensino de História.
A introdução do livro é empregada para anunciar as ameaças que o ensino de história, professores e alunos de história e a população em geral vem sofrendo nesses tempos de pandemia e de obscurantismo político. A autora faz considerações autobiográficas sobre sua formação e a construção da tese, anuncia categorias e pressupostos – “o ‘digital’ como condição de pensamento” forjado mais nas práticas que no suporte (p.21) – e apresenta os quatro capítulos que constituem a obra.
No capítulo primeiro – “Cultura digital e políticas do currículo” –, a autora mapeia a presença da cultura digital nas políticas de currículo, configuradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNEB) e na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Para tal, mobiliza a categoria de “ciclo de políticas” sugerindo observá-la nos documentos em suas dimensões de “política proposta”, “política de fato” e “política em uso”, baseando-se nos escritos de Stephen Ball e Richard Bowe. Ao mobilizar os três documentos, a autora confirma que as tensões e relações de poder, em um contexto de dominação e resistência, contribuem para diferentes interpretações e práticas possíveis de implementação das políticas públicas mencionadas. A autora critica a associação do termo “tecnologia digital” e “inovação” como sinônimos e denuncia as ameaças ao ensino de história (a exemplo do avanço das ideias conservadoras), bem como as respectivas implicações no fazer docente na sala de aula e no âmbito da pesquisa. Segundo a autora, os PCN apontam para a hipervalorização do “tecnicismo educacional” em detrimento da ação dos sujeitos no tempo. As DCNEB trazem a expressão “era digital”, estimulando a criação de métodos didático-pedagógicos e exigindo, segundo a autora, muito do que o professor poderia oferecer. Além disso, ainda nas DCNEB, as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) podem ser trabalhadas de forma transversal. No que diz respeito à BNCC, publicada em um contexto de forte instabilidade política, a autora destaca o apelo emocional provocado pelas TICs e a incorporação vaga do digital sem subsídios ao professor sobre o adequado emprego.
No segundo capítulo – “Cultura digital como objeto de estudo dos Professores” – pesquisadores em Ensino de História” – a autora apresenta e discute produções que incorporam “cultura digital” como objeto de estudo. A pesquisa é realizada em base de dados e anais de congressos da área de História, com destaques para três fontes: 1) eventos acadêmicos; 2) dissertações de mestrado; e 3) grupos ou linhas de pesquisa do Brasil. Ela assume que o universo pesquisado não dá conta de todos os profissionais envolvidos em práticas e trabalhos voltados para os conceitos que a sua pesquisa se propõe a estudar. No decorrer da análise, contudo, a autora constata o crescimento da utilização de termos digital e virtual nas pesquisas dos autores selecionados, principalmente nos trabalhos apresentados no Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, cujo público é constituído, dominantemente, por interessados nas práticas de sala de aula. No banco de dissertações do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), a autora encontrou produções que ajudaram na construção do seu argumento, principalmente as que fazem referência às expressões “gamificação”, “ensino híbrido”, “tecnologias digitais”/”gamificação”, “plataformas digitais”, “aplicativos”, “Google” e “podcast”. O capítulo é encerrado com uma percepção de que é crescente a presença na produção, em termos quantitativos, no material examinado, além do aumento de trabalhos referentes à “cultura digital”, radicados nos campos da História e do Ensino de História.
No capítulo terceiro – “Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a primeira ida ao campo da pesquisa” – a autora retoma o conceito da cultura digital no espaço escolar e aborda o uso de novas fontes de pesquisa histórica, notadamente as ferramentas da tecnologia da informação na educação (em hardware ou software), como geratriz de ensino e aprendizagem de História sem recusar, contudo, os saberes pedagógicos tradicionais e os saberes individuais dos estudantes. Propõe investigar até que ponto, na sociedade contemporânea, os níveis de modernização digital distintos no ambiente escolar e/ou a condição socioeconômica dos estudantes podem interferir na sua formação intelectual e social. Nesse ponto, a autora questiona sobre o grau de entendimento que os jovens possuem sobre as TICs e possível implicação dessa variável na relação ensino-aprendizagem. Em tal sentido, a autora manifesta sua dificuldade para constatar as possíveis deficiências geradas em decorrência da ausência de equidade no contato ou posse com as novas ferramentas. A autora também assume o desconhecimento sobre as estratégias que o público-alvo, escolhido aleatoriamente em unidades públicas e privadas, emprega para a superação dessas dificuldades. A maior parte do capítulo, contudo, é dedicada a examinar as noções de tempo histórico partilhado pelos alunos, mediante a percepção de habilidades caras à tarefa (seriação e simultaneidade, por exemplo), e as formas como representam o tempo, empregando recursos não digitais. Assim, através dos resultados de uma oficina intitulada “Representações no Tempo”, voltada à rememoração de fatos pessoais, interagentes com fatos em escalas, local, nacional e global, a autora conclui que a cultura digital é universal, atravessa costumes e condições materiais do indivíduo e está enraizada na escola, apesar das visíveis diferenças estruturais que marcam os sujeitos dessa instituição.
No quarto e último capítulo – “Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a volta ao campo de pesquisa” –, classificado como continuidade do anterior, a autora propõe a observação e análise e o uso direto da tecnologia digital na experiência discente de narrar histórias de vida e, novamente, do modo como são relacionadas as dimensões mundial/nacional/local, em turmas do 6º e 9º ano das escolas investigadas (uma escola privada e outra pública, da rede federal de ensino, no Rio de Janeiro). A autora também objetiva investigar e descrever a preferência dos alunos pelo impresso e/ou pelo tecnológico mediante oficinas com a possibilidade de uso de material impresso e do suporte digital. No curso do capítulo, a autora confessa que, antes de ir a campo, conjecturava que os alunos escolheriam o digital, em consonância com o conceito “nativos digitais” de Marc Prensky (conceito utilizado para descrever a geração de jovens nascidos a partir da disponibilidade das informações rápidas em rede). No entanto, a autora percebeu que a ocorrência do contrário. Ela compreende tal resultado como algo plenamente justificável diante da (im)possibilidade de acesso, dos problemas de infraestrutura das instituições, o (des)estímulo das escolas, de questões legais, entre outros aspectos condicionantes. Para medir o grau de preferência dos alunos por cada meio de maneira efetiva, segundo a autora, a igualdade de acesso seria necessária tanto ao meio impresso, quanto ao meio digital. Ao final do capítulo, a autora conclui que a ideia de linearidade temporal é frequente nas representações dos alunos e que a presença dos recursos digitais não significa mudança radical, seja de emprego da “lógica da tecnologia” (p.222).
O livro que acabamos de resumir em suas principais ideias, possui, contudo, insuficiências. Algumas são pouco expressivas, como a não esclarecida e justificada definição dos marcos temporais, nos quais se inscreve a pesquisa, a excessiva repetição da descrição das turmas e das suas atividades, a exemplificação redundante de trabalhos.
Outras insuficiências apresentam maiores empecilhos a compreensão imediata do texto. Falta clareza na exposição dos objetivos, na introdução, como também no decorrer do texto, na retomada das respostas às questões anunciadas na seção conclusiva do livro e, principalmente, no esperado (embora não obrigatório) anúncio da área de pertencimento dessa pesquisa, que apresenta elementos mesclados de teoria da História, teoria da aprendizagem e de teoria do currículo, mas pouco revela elementos de epistemológica da ciência da História. A maior insuficiência, por fim, está na obscura definição de “historiografia escolar digital” e na omissão (como objetivo) do exame das noções de tempo histórico dos alunos, que compete com a busca pela noção e importância do recurso digital.
Não obstante as insuficiências apontadas, o livro possui as suas virtudes, das quais ressaltamos três. Em primeiro lugar, ele apresenta momentos indicadores de bom uso dos rudimentos de pesquisa. Observem que a autora evidencia a importância do entendimento do conceito de Pesquisa e Docência, no que diz respeito à atividade de pesquisa básica e à atividade de ministrar aulas para adolescentes, à descrição detalhada de cada uma das oficinas e a exposição de tabelas que facilitam o processo de análise e de reanálise por parte do leitor. A autora também é feliz na sua escolha para a experimentação. Ela explora questão básica para o ensino de História: entendimento do tempo histórico. Ela o faz mediante as habilidades de datação, cronologia, anterioridade, posteridade, simultaneidade, transformação e frequência, aproximando esses elementos à realidade individual e estabelecendo uma conexão entre a história de vida com a história brasileira e a história mundial.
Em segundo lugar, a autora tece considerações sobre a prática docente e toma posições progressistas no que diz respeito ao Ensino de História. Defende a ideia de professores como mediadores e orientadores da aprendizagem, dependentes de conhecimentos e atualizações constantes, critica o fato de as políticas públicas incorporarem a tecnologia e o digital sem apontar estratégias que subsidiem o trabalho dos professores, bem como o desprezo pelo papel do docente na construção dessas políticas.
Em terceiro lugar, o livro apresenta teses conscienciosas e que contribuem para o fortalecimento do campo da pesquisa do Ensino de História. Essa positividade está, por exemplo, na afirmação de que a tecnologia da informação está enraizada na sociedade de uma maneira ampliada, ainda que existissem (e existam) barreiras socioeconômicas para tal, na percepção de que a escolha do impresso pelo digital acontece em parte por conta dos problemas de acesso, inviabilizando resultados mais consistentes, na defesa do uso das TICs, como ferramenta para inclusão digital nas escolas, e na apresentação, mesmo que de forma fragmentada, de possibilidades de uso das TICs em sala.
Em síntese, tanto pelas insuficiências como pelas virtudes que apresenta, como também pelos desafios de investigar questões de ensino-aprendizagem na fronteira da Ciência da Informação, da Pedagogia e da História, o livro de Marcela Costa deve ser lido por todo mestrando que se empenha na pesquisa sobre Ensino de História e, não apenas pelos que se interessam por temáticas que envolvem a discussão sobre os artefatos (entre os quais a narrativa histórica), as práticas, as compreensões os fins escolares adjetivados pela palavra “digital”.
Sumário de Ensino de História e Historiografia escolar digital
- Prefácio | Sonia Wanderley
- Introdução
- Cultura digital e políticas de currículo
- 1.1. Olhares sobre os Parâmetros Cutriculares Nacionais (PCNs)
- 1.2. Dialogando com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (DCNEB)
- 1.3. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em pauta
- Cultura digital como objeto de estudos dos professores
- 2.1. Mapeando eventos da área
- 2.2. Investigando as dissertações do ProfHistória
- Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a primeira ida ao campo de pesquisa
- 3.1. A primeira versão da oficina pedagógica “Representações do tempo: História(s) narrada(s)”
- 3.2. Dialogando com as fontes: aspectos gerais
- 3.3. Continuando a escuta: interconexão das histórias narradas
- 3.4. Sobre o tempo e a tecnologia
- Cultura digital nas escolas a partir da voz dos alunos: a volta ao campo de pesquisa
- 4.1. A segunda versão da oficina pedagógica “Representações do tempo: História(s) narrada(s)”
- 4.2. O porquê da escolha pelo digital
- 4.3. Análise das produções digitais
- 4.4. Um balanço comparativo: em defesa da historiografia escolar digital
- Conclusão
- Referências
- Anexo 1 – Planejamento da oficina “Representações do tempo: história(s) narrada(s)”
- Anexo II – Folha didática utilizada na oficina
Resenhistas
Douglas Silva é professor do Colégio Estadual Olavo Bilac em Aracaju-SE, da Escola Municipal Maria das Graças Souza Garcez em Itaporanga d’Ajuda e aluno do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Publicou entre outros trabalhos Cidadania em um Universo Relacional: População de Rua em Aracaju-SE projeto de iniciação científica do PBIC/CNPq. Email: Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9099513651518567; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1036-2270; Facebook: https://www.facebook.com/profile.php?id=100008474169903; Instagram: @douglasleoni13; Email: douglasleoni99@gmail.com
Elemi Santos é professora do Colégio Municipal Professora Maria Verônica Matos do Nascimento, no município de Antas (BA) e do Centro Educacional Professora Maria Ferreira da Silva, no município de Nova Soure (BA), é aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7957222155239656; Orcid: https://orcid.org/orcid=0000-0003-0744-7908; Instagram: prof.elemi; e-mail: elemisantos1@gmail.com
Johnny Gomes é professor da Escola Estadual Nossa Senhora da Conceição e do Canoa Cursos, em Lagoa da Canoa (AL) e aluno do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Publicou, entre outros trabalhos, Cinema e Didática: proposta de sensibilização a partir da obra “Vida Maria” (2007). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8051279606440569; Orcid. https://orcid.org/0000-0002-6676-894X. Instagram: gomesjohnny; Email: johnnygomes83@gmail.com
Viviane Andrade Passos é professora do Colégio Estadual Cícero Bezerra, da Escola Municipal Tiradentes no município de (Nossa Senhora da Glória- SE) e aluna do Mestrado em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7026713252936689; Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4077-3916; Facebook: /viviane.andrade.56863; Instagran: vivi.andrade_23; Email: viviane-andrade22@hotmail.com
Para citar esta resenha
COSTA, Marcela Albaine Farias da. Ensino de História e Historiografia digital. Curitiba: CRV, 2021. 212p. Resenha de: GOMES, Johnny P.; SANTOS, Elemi; SILVA, Douglas; PASSOS, Viviane Andrade. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.5, p.21-26, maio/jun. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/o-digital-no-ensino-resenha-de-ensino-de-historia-e-historiografia-escolar-digital-de-marcela-albaine-farias-da-costa/> Acessar publicação original.
Elementos de Didática da História | Alfredo Braga Furtado
Elementos de Didática da História, como o próprio título sugere, foi escrito por Alfredo Braga Furtado para subsidiar o trabalho docente dos estudantes de bacharelado e licenciatura em História e auxiliar na formação continuada dos profissionais da área. (p.47). Faz parte de uma extensa coleção do próprio Furtado, que abrange manuais do mesmo gênero (e com igual título) para diversas áreas, como a “Didática das Ciências Sociais”, “Didática das Engenharias”, “Didática do Turismo” e a “Didática da Psicologia.
Tal fertilidade em termos de manuais de ensino é explicada pelo autor em longo relato autobiográfico. Com graduação e mestrado na área da computação, foi no doutorado em Educação Matemática que Furtado despertou para a Pedagogia e a Didática, áreas nas quais atuou, ministrando disciplinas de “Estrutura e Funcionamento da Educação Básica”, “Didática Geral”. Depois de produzir os Elementos de Didática da Computação, encorajou-se a replicar o modelo nas outras áreas e literalmente submeteu o seu trabalho “à avaliação do leitor”, que é o que fazemos agora, principalmente em relação às duas áreas que tenho maior familiaridade: a licenciatura em história e as questões que envolvem o mundo digital e a educação. Leia Mais
O polímata: uma história cultural – De Leonardo da Vinci a Susan Sontag | Peter Burke
O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag foi publicado, simultaneamente, no ano de 2020, em língua inglesa pela Yale University Press e em língua portuguesa pela Editora Unesp. Mais recente livro do historiador inglês Peter Burke – professor da Universidade de Cambridge e considerado um dos intelectuais mais conceituados a respeito da Idade Moderna europeia e da história cultural –, traz uma narrativa cativante que se destaca pela “erudição e clareza”, como descreveu o jornalista João Pombo Barile (2021), e por “seu caráter pedagógico”, como sugeriu a professora e escritora Carlota Boto (2021).
O livro trata da história cultural de pensadores/as que influenciaram, sobremaneira, seus períodos históricos e os subsequentes, por meio de saberes vastos e de uma prolífica atuação no trabalho da produção do conhecimento, a exemplo de Hipátia de Alexandria, Cristina de Pisano, Alberto, o Grande, Leonardo da Vinci, Francis Bacon, Blaise Pascal, Comenius, Marie de Gournay, Sóror Juana Inés de la Cruz, Gottfried Wilhelm Leibniz, Giambattista Vico, os irmãos Wilhelm e Alexander von Humboldt, Charles Darwin e, entre alguns mais recentes, Norbert Elias, Umberto Eco, Susan Sontag e Michel de Certeau. Burke traz relevo “sobre indivíduos e pequenos grupos interessados no quadro geral nos detalhes, muitas vezes dedicados à transferência ou ‘tradução’ de ideias e práticas de uma disciplina para outra” (p. 16). Em outras palavras, indivíduos e grupos que se empenharam em aprofundar seu olhar sobre assuntos mais específicos como a ampliar seu campo de visão por meio das relações e associações promovidas com outras disciplinas, matérias e intelectuais. Leia Mais
Uma brevíssima História da UFS | Itamar Freitas
Como afirmo acima, o título é dissimulado, mas não enganador. Uma brevíssima história da UFS não faz o percurso clássico da fundação da Universidade Federal de Sergipe, nos idos de 1968, aos dias atuais, empregando narrativa curta ou suporte de poucas folhas. O breve tem a ver com o recorte temporal. É uma história de dois dias de experiência da instituição. Os dias de anúncio da intervenção e da posse da interventora – Liliádia da Silva Oliveira – designada pelo ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, ocorrida em 23 e 24 de novembro de 2020.
Conversei com o autor a respeito do gracejo do título e ele me explicou se tratar de um texto produzido para a sala de aula, destinada às suas turmas de História da Educação em Sergipe. A disciplina ganha um tema a cada período e tem orientação ativa, no que diz respeito à pesquisa histórica. Os alunos não apenas leem histórias da educação, mas também são convidados a escreverem histórias ou memórias sobre a sua experiência educacional, como faz o professor Fábio Alves, na disciplina Introdução à História da Educação. Naquele período, o tema era a Universidade Federal de Sergipe. Assim, uma das tarefas dos alunos era escrever narrativas sobre objetos de natureza diversa que retratassem experiências da e/ou na Universidade. Poderia ser a história de um aluno, um grupo de alunos, um professor, uma autobiografia, uma memória, a história de uma edificação, de um grupo de animais que circulam o campus ou uma efeméride. Leia Mais
Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso | Luciana Saddi e Maria de Lurdes de Souza Zemel
Maconha | Foto: Gustavo Carneiro/Grupo Folha
A obra “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” (2021) é uma coletânea composta por 14 textos de divulgação científica, organizados por Luciana Saddi e Maria de Lourdes S. Zemel, ambas psicólogas com experiência no estudo da relação entre família e abuso de drogas, dentre elas, o alcoolismo. Diferente de seu predecessor (Fumo Negro: a criminalização da maconha no pós-abolição), “Maconha: os diversos aspectos, da história ao uso” chega em um momento social e histórico marcado por diversos processos de flexibilização dessa substância em todo continente americano, assim como pela adesão de parte da sociedade civil brasileira a esse debate. Essa mudança de conjuntura amplifica o seu potencial como objeto de informação a ser agregado a essas discussões.
Na condição de historiador, abordamos a obra a partir de dois aspectos que estão diretamente associados ao tema: a ousadia na escolha do tema, sua abrangência e direcionamento a um público não especializado, e a relação que o conjunto de textos constrói com a historicidade do tema. Também registramos o impacto das teses do livro. Embora não exista um momento de síntese, ponto negativo da obra, é possível concluir que o objeto não é a planta ou substância designada “maconha”, mas as formas com as quais nos relacionamos com ela (de ordem pessoal, familiar, comunitária ou institucional). Cabe apontar que determinados modos de lidar não são as melhores alternativas. Elas devem ser revisadas, principalmente as que retiram a autonomia dos indivíduos no tratar com essas substâncias, como é o caso da política de guerra às drogas, pouco eficiente e baseada em lógica coercitiva. Outra conclusão possível é a de que a comunicação e a informação se configuram como as melhores saídas para lidar com os problemas de abuso, implicando, inclusive, em questões-chave como a prevenção e a redução de danos.
A obra quer compartilhar informações científicas para além da bolha acadêmica. Nesse sentido, foi composto por textos objetivos com linguagem de fácil compreensão, educando por meio de conhecimento racionalmente constituído, orientando novas práticas sociais frente à maconha. Seus textos podem ser classificados em dois grupos. O primeiro toma como centralidade as relações que se desenvolvem entre os usuários e as suas comunidades de pertencimento, demonstrando os estigmas normalmente mobilizados e as suas consequências. Assim é escrito o texto “As famílias e o uso de maconha”, de Silva Brasiliano. A autora propõe uma série de novas formas de agir que colocam o indivíduo e a sua subjetividade como alvo das comunicações, a fim de amplificar o diálogo entre os pais e seus filhos, evitando a sua marginalização a partir do lar. Não se trata de achar culpados, mas de estabelecer uma lógica de cuidados a partir do núcleo familiar.
Em “O uso da maconha por adolescentes: entre prazeres e riscos, 1o barato que sai caro!'”, Maria Fátima Olivier Sudbrack observa as relações estabelecidas entre os adolescentes e os grupos integrados por eles como forma de compreender quadros de abuso de substâncias. A autora chama atenção para a necessidade voltar o olhar para os motivadores desse contato e de seus possíveis abusos, partindo de questões como a produção do desejo em torno da maconha, assim como necessidades de alívio rápido, característicos das estruturas do Capitalismo. A autora afirma que essas questões devem ser tratadas pelo viés da educação, a fim de constituir autonomia, levando aquele que faz uso a se posicionar frente aos seus comportamentos, e não pela via da criminalização. Leia Mais
Guia de fósseis da Bacia do Araripe | Antônio Álamo Feitosa de Saraiva, Flaviana Jorge de Lima, Olga A. Barros e Renan Bantin
Antônio Álamo Feitosa Saraiva | Foto: Acervo pessoal
Foi lançado em novembro último o Guia de fósseis da Bacia do Araripe, um trabalho de fôlego que reúne pesquisas publicadas nos últimos 10 anos sobre a matéria, organizado pelos professores Antônio Álamo Feitosa Saraiva, Olga Alcântara Barros, Renan Alfredo Machado Bantin, atuantes na Universidade Regional do Cariri – URCA, e Flaviana Jorge de Lima, da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Como o próprio título anuncia, trata-se de um Guia, um instrumento de pesquisa que orienta os trabalhadores envolvidos com o estudo dos fósseis nas tarefas de identificação, descrição, classificação e avaliação de material paleontológico encontrável na região. Para Alexander Kellner, paleógrafo e diretor do Museu Nacional (RJ), o guia expressa a qualidade do trabalho dos pesquisadores das universidades federais de Campina Grande, do Ceará, da Rural de Pernambuco e do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (além das já citadas URCA e UFPE), a riqueza singular do material paleontológico encontrado na região e a oportunidade de combater o tráfico de fósseis com ações educativas de amplo alcance comunitário.
Adiantemos o nosso veredicto quanto ao cumprimento dos objetivos: a obra, efetivamente, cumpre a função projetada. Leigos na matéria (mas conhecedores de princípios científicos) vão se sentir atraídos e confortáveis ao folhear o livro. São vinte capítulos, dezesseis dos quais dedicados ao objeto primeiro (os fósseis), de modo sistemático: designação, ilustração primeira da espécie, locais onde são encontrados, “dicas de identificação”, fotografia do original, desenho correspondente à fotografia e referências das obras consultadas na descrição/classificação. Leia Mais
Guia de fósseis da Bacia do Araripe | Antônio Álamo Feitosa de Saraiva, Flaviana Jorge de Lima, Olga A. Barros e Renan Bantin
Antônio Álamo Feitosa de Saraiva | Foto: Acervo pessoal
O livro Guia de fósseis da Bacia do Araripe, organizado por Antônio Álamo Feitosa Saraiva, Flaviana Jorge de Lima, Olga Alcântara Barros e Renan Alfredo Machado Bantim, além de trazer a descrição dos vários tipos de fósseis do Período Cretáceo, como: plantas, fungos, moluscos, crustáceos, pterossauros, dinossauros e lagartos, é uma excelente referência a ser usada por professores da área de Ciências Humanas na educação básica, inclusive no Ensino Médio, considerada como Ciências Sociais Aplicadas, mesmo que essa não tenha sido a intenção dos seus autores.
Os estudos de paleontologia, tendo à frente os autores do livro, vêm se destacando na região do Cariri (Ceará, Piauí e Pernambuco), principalmente pelo seu caráter de preservação da riqueza fossilífera da região bem como pela preocupação em combater o tráfico de fósseis encontrados nas encostas da Chapada do Araripe. As pesquisas para localização e identificação das mais variadas espécies que habitaram a Bacia do Araripe, desenvolvidas pelo Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (LPU/URCA) e lideradas pelo professor Álamo Saraiva, são fundamentais para preservação do importante patrimônio científico e cultural da humanidade. Como reconhecimento internacional destas pesquisas pela comunidade científica internacional, destaca-se a criação do primeiro Geopark no Brasil (Geopark Araripe), o que fortalece ainda mais as identidades regionais e cultiva os necessários valores para o pensamento e a prática preservacionista.
O Guia é uma atualização de outras versões (2010, 2013 e 2015), aprimorado pela inserção de novas descobertas e por uma editoração gráfica bastante atrativa, principalmente pelas fotos e ilustrações em cor que dialogam com os textos descritivos. São escritos objetivos e detalhados de cada espécie que viveu na região há milhões de anos, em uma área que se estende por 12.000 Km².
Embora o objetivo do “Guia” seja a identificação dos fósseis encontrados pelos paleontólogos na vasta região do Cariri, as imagens e escritos trazem uma excelente possibilidade para a melhor compreensão dos estudos básicos de taxonomia de fósseis, paleontologia e geologia, notadamente no contexto de diferentes cenários paleográficos da evolução geológica das bacias do nordeste do Brasil entre o Devoniano Superior e o início do Cretáceo. Mas, é também um instrumento para a educação regular no Ensino Médio, como tratarei ao final desta resenha.
Dois capítulos antecedem a descrição das espécies. Ainda que tenham um caráter introdutório, as descrições são importantes referências para estudos aplicados à educação básica. O primeiro capítulo, “A geologia da Bacia do Araripe”, escrito por Renan Bantim, Flaviana Lima e Álamo Saraiva, traz um mapa geológico com a localização das dez unidades geológicas: a Sequência Paleozóica, com a formação Cariri; a Supersequência Pré-Rife, com as formações Brejo Santo e Missão Velha; a Supersequência Rifte, com a formação Abaiara; a Supersequência Pós-Rifte, constituída pelas formação Barbalha, Crato, Ipubi e Romualdo; temos, ainda, as formações de Araripina e Exu.
No segundo capítulo, os mesmos autores fazem um “breve histórico das pesquisas paleontológicas na Bacia do Araripe”. Descrevem, de forma cronológica, o desenvolvimento da paleontologia, desde que as petrificações de peixes e anfíbios geraram interesses nos cientistas alemães Spix e von Martius, ainda no início do século XIX. Segundo os autores, no relatório dos dois viajantes consta a primeira ilustração de um fóssil encontrado naquele local. Os autores citam Cope, Woodard e Jordan & Brannder como pesquisadores que também se interessaram pelos fósseis do Araripe. No século XX, os estudos sobre a Bacia do Araripe ganharam status de preocupação oficial do estado brasileiro, por meio da Inspetoria de Obras contra as Secas, tendo sido importantes os trabalhos de Crandall, em 1910, e Horace, em 1913.
O capítulo 3, organizado pelas pesquisadoras Flaviana Jorge de Lima, Ana Maria de Souza Alves e Alita Maria Neves Ribeiro, é dedicado à descrição da paleoflora da Bacia do Araripe. A maior preservação se encontra na formação rochosas do Grupo Santana, especialmente as formações Crato e Romualdo, predominando as gimnospermas. É possível, todavia, encontrá-las na Formação Missão Velha, Barbalha e Ipubi. Também já foram localizadas e descritas plantas pteridófilas e angiospermas. Após a rápida introdução do capítulo, as autoras apresentam as plantas divididas em Filicófita; Coníferas; Gnetales; Gimnosperma Incertae sedis; Angiospermas. Cada planta é descrita pelo nome da espécie, local de custódia do Holótipo, sítio de ocorrência mais comum e dicas de identificação, juntamente com uma imagem do espécime (holótipo). Esse esquema de apresentação do conteúdo se repete nos demais capítulos.
O Capítulo 4, de Álamo Saraiva, é dedicado aos fungos, representados pelo espécime Gondwanagaricites magnificus. Sua descrição segue o padrão: espécie, Holótipo, Ocorrência, Dicas de identificação e imagem acompanhada de escala. Já o capítulo 5 trata dos Moluscos e foi organizado por Damares Ribeiro Alencar e Sílvio Felipe Barbosa de Lima. Os moluscos fósseis da Bacia do Araripe são frequentes desde o Jurássico Superior até o Cretáceo Inferior, respectivamente, nas formações Brejo Santo e Romualdo.
O capítulo 6, organizado por Damares Ribeiro Alencar e Olga Alcântara Barros, aborda os crustáceos, divididos em: camarões, caranguejos e microcrustáceos que, por sua vez, são subdivididos em Copépodes, Ostracodas e Conchostráceos. O capítulo 7, dedicado às miriápodes, foi escrito por Elis Maria Gomes Santana e Renan Alfredo Machado Bantim. Ao menos três espécies foram encontradas na formação Crato e descritas a partir de holótipos depositados em Museus da Alemanha. Também são registradas as ocorrências de cada espécie, acompanhadas de datação cronológica e “dicas de identificação”. Elis Maria Gomes Santana e Edilson Bezerra dos Santos Filho (capítulo 8) escreveram sobre a identificação dos aracnídeos, mais bem preservados na formação Crato. Seu trabalho privilegia dois escorpiões, um Uropígio, um Amblipígio, um Solífugo, um Ácaro e cinco aranhas.
O capítulo 9, composto por Edilson Bezerra dos Santos Filho e Gustavo Gomes Pinho, traz a maior diversidade fóssil da Bacia do Araripe, os Insetos, predominando, quase exclusivamente, na Formação Crato, na qual foram descritas 14 famílias e 53 espécies. O Guia apresenta descrição detalhada de 27 insetos, no mesmo padrão das demais descrições (p. 163-189), além de quadro com as 387 espécies, distribuídas em 22 famílias e 17 ordens, que já foram descritas para a Bacia do Araripe (p. 191-207).
O capítulo 10, escrito por Damares Ribeiro Alencar e Antônio Álamo Feitosa Saraiva, trata dos Equinodermas. A ocorrência desses animais fósseis é mais frequente na Formação Romualdo, sendo importante evidência de ambientes marinhos com elevada salinidade. O Guia traz a descrição de quatro espécies de equinodermas, seguindo o mesmo padrão com o nome da espécie e a localização dos holótipos (2), espécime (1) e Lectótipo (1).
O texto de Thatiany Alencar Batista e José Lúcio e Silva (capítulo 11) trata dos peixes encontrados nas Formações Brejo Santo, Barbalha, Crato, Ipubi e Romualdo. Ao todo, são 35 espécies são descritas no guia. Já o Capítulo 12, escrito por Thatiany Alencar Batista e José Lúcio e Silva, descreve seis espécies de anfíbios. Em seguida, vem o capítulo 13 com 4 espécies de tartarugas, cuja descrição ficou a cargo de Gustavo Ribeiro Oliveira e Thatiany Alencar Batista.
Renan Alfredo Machado Bantim foi responsável pela escrita dos quatro capítulos seguintes. Os capítulos 14 e 15 descrevem, respectivamente, três crocodilos e quatro lagartos. Os pterossauros, comuns na Formação Romualdo e Crato, são o objeto do capítulo 16. Pelo menos dois grupos desses pterossauros são abundantes na região: os Anhangueridae e os Tapejaridae. O Guia nos apresenta oito espécies do grupo dos Anhanguerida; cinco espécies dos Anhagueria; cinco dos Tapejarinae; e dez espécies dos Thalassodrominae. Até agora, já foram descritas 30 espécies de pterossauros para a Bacia do Araripe, sendo seis da Formação Crato e 24 da formação Romualdo.
O capítulo 17 trata dos Dinossauros e Aves. Ao todo são sete espécies descritas, merecendo destaque o Santanrator placidus, pelo seu estado de preservação pouco comum no mundo, possuindo partes de tecidos moles, como peles, vasos sanguíneos e fibras musculares. Vale destacar que o fóssil recebe este nome em homenagem ao Reitor Plácido Cidade Nuvens, criador do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, atualmente importante equipamento de pesquisa no campo da paleontologia. O penúltimo capítulo (capítulo 19) é dedicado ao Museu e seu fundador.
O capítulo 18, escrito por Edilson Bezerra dos Santos Filho e Thatiany Alencar Batista, traz a descrição de onze Icnofósseis, resultantes das atividades deixadas por organismos através da biotubação, biorosão, fezes, ovos ou nidificação. Este e todos os capítulos destinados à descrição dos fósseis são acompanhados de referências bibliográficas.
O capítulo 19, como já dito, é dedicado ao Museu de Paleontologia que atualmente recebe o nome de seu fundador, Plácido Cidade Nuvens (MPPCN). O Museu foi inaugurado em julho de 1988, com o objetivo de guardar e preservar os fósseis, crescentemente tornados alvo de contrabando na região, principalmente do município de Santana do Cariri, cujo prefeito, à época, era o mesmo professor Cidade Nuvens. Em 1991, o então reitor da Universidade Regional do Cariri (URCA), José Teodoro Soares, firmou o termo de comodato para que o Museu pertencesse à URCA. Classificado como Museu de Ciências Naturais e História Natural, ele expõe vários fósseis descritos no Guia. O Museu também conta com reserva técnica com mais de 7.000 fósseis, resultantes de doações, coletas e escavações realizadas pelo Laboratório de Paleontologia da URCA. Anualmente, o MPPCN recebe visita de mais de 25.000 pessoas, entre os quais figuram estudiosos provenientes de vários países.
O último capítulo do Guia é dedicado ao Laboratório de Paleontologia da URCA (LPU). Criado em 2003 para atender às necessidades de estudos dos cursos de graduação e pós-graduação da URCA, o LPU, hoje, se destaca no âmbito nacional e internacional pelas pesquisas que realiza na Bacia do Araripe. O Laboratório é responsável pela maior quantidade de pesquisas paleontológicas do Ceará. Sempre que possível, o LPU faz exposições itinerantes junto às comunidades das cidades localizadas na Bacia do Araripe com vistas à conscientização sobre a importância de preservar o patrimônio fossilífero da região. O LPU mantém parcerias com diversos laboratórios nacionais e internacionais e seus membros já publicaram em revistas renomadas no cenário científico mundial. Não por acaso, o Museu de Paleontologia e o Laboratório de Paleontologia da URCA são roteiros fundamentais das visitas guiadas do Geopark Araripe.
A descrição panorâmica que fiz até aqui expressa a quantidade e a qualidade do trabalho dos pesquisadores de várias universidades nordestinas no campo da Paleontologia, mas não esgota o valor do Guia no que diz respeito aos seus usos. Na condição de profissional formador, com experiência de mais de duas décadas no Ensino Médio, gostaria de destacar algumas possibilidades dessa publicação. Evidentemente, não se trata de um livro didático por destinação. Mas, pode muito bem ser transformado em livro didático quando for manuseado na bancada de cada laboratório, biblioteca ou repositório digital das escolas estaduais do Ceará, Piauí, Pernambuco e Paraíba e demais estados brasileiros.
Um professor de Geografia, por exemplo, pode usar o Guia para trabalhar com localização geográfica e a formação de relevos, principalmente a partir do Capítulo 1 (p. 14-15) que trata da “Geologia da Bacia da Chapada”. O professor pode usar as excelentes imagens desse capítulo para demonstrar as diversas camadas de rochas e estratificação do relevo.
O professor de Biologia terá a oportunidade de usar os estudos apresentados pelo guia como ferramenta de compreensão da evolução dos seres vivos, fazendo trabalho interdisciplinar com a Geografia, ao desenvolver fundamentos básicos de Economia com atividades que envolvam o uso de combustíveis fósseis, a preservação do meio ambiente e poluição das camadas atmosféricas.
O professor de Matemática, igualmente, pode ser inserido nestes debates para trabalhar com operações básicas (como regra de três) e escalas gráficas, a transformação de grandezas em centímetros, milímetros e quilômetros, fornecendo uma dimensão mais significativa das distâncias de tempo que nos separam dos fósseis e uma melhor compreensão melhor do que vem a ser proporção. Este diálogo entre a Matemática e a Biologia poderá favorecer a compreensão da dimensão de tempo que separa os grandes ecossistemas da atualidade dos ecossistemas mais remotos. Pondo a Geografia nesse trabalho, o professor demonstrará como os fósseis são importantes ferramentas na compreensão da datação e ordenação das sequências sedimentares, notadamente da Bacia do Araripe.
Na mesma direção, o Guia pode estimular a reflexão sobre a origem dos humanos e sua relação com a natureza nos tempos atuais já que a Paleontologia, como ciência, não escapa à Filosofia, como testemunham Xenófanes (570-475 a.C), ao estudar fósseis marinhos submersos, e Curvier, com seus estudos de anatomia comparada de fósseis – uma das principais referências na obra filosófica do Michel Foucault, de As palavras e as coisas (2016).
O diálogo se estende às Ciências Sociais, podendo ajudar a questionar paradigmas como o mito de origem humana e como as sociedades de forma geral utilizavam, utilizam e significam esses fósseis, por exemplo, como adornos para os próprios corpos ou em suas habitações na atualidade. Certamente, seria uma ótima oportunidade para debater os conceitos de identidade e pertencimento e questionar sobre o lugar dos fósseis: eles estariam melhor situados no museu ou enfeitando estantes mundo a fora?
Por fim, o professor de História pode fazer parte deste projeto, refletindo com estudantes da Educação Básica sobre os viajantes do século XIX, suas necessidades científicas na perspectiva da colonialidade e como esse fenômeno está presente na região com as práticas de contrabando dos fósseis da região do Cariri.
Em síntese, considerando as metas estabelecidas e cumpridas pelo LP/URCA e os usos potenciais na formação dos alunos do Ensino Médio, considero que o Guia de Fósseis da Bacia do Araripe é leitura obrigatória para os que se propõem à prática de pesquisa em Paleontologia e Geologia na Bacia do Cariri, como também para os professores da educação básica, especialmente, na região do Cariri-CE. Com toda certeza, será uma ferramenta a mais na luta pelo conhecimento e preservação do rico patrimônio paleontológico, arqueológico, histórico e cultural da região. Parafraseando o prefaciador do Guia, Alexander Kellner, quem conhece e preserva não aceita o contrabando e o tráfico ilícito de suas riquezas naturais e culturais.
Sumário do Guia de fósseis da bacia do Araripe
- Prefácio
- Autores
- Apresentação
- A geologia da bacia do Araripe | Renan Alfredo Machado Bantim, Flaviana Jorge de Lima e Antônio Álamo Feitosa Saraiva
- Breve histórico das pesquisas paleontológicas na bacia do Araripe | Renan Alfredo Machado Bantim, Flaviana Jorge de Lima e Antônio Álamo Feitosa Saraiva
-
- Plantas | Flaviana Jorge de Lima, Ana Maria de Souza Alves e Alita Maria Neves Ribeiro
- Fungos | Antônio Álamo Feitosa Saraiva
- Moluscos | Damares Ribeiro Alencar e Silvio Felipe Barbosa de Lima
- Crustáceos | Damares Ribeiro Alencar e Olga Alcântara Barros
- Miriápodes | Elis Maria Gomes Santana e Renan Alfredo Machado Bantim
- Aracnídeos | Elis Maria Gomes Santana e Edilson Bezerra dos Santos Filho
- Insetos | Edilson Bezerra dos Santos Filho e Gustavo Gomes Pinho
- Equinodermas | Damares Ribeiro Alencar e Antônio Álamo Feitosa Saraiva
- Peixes | Thatiany Alencar Batista e José Lucio e Silva
- Anfíbios | Thatiany Alencar Batista e José Lucio e Silva
- Tartarugas | Gustavo Ribeiro Oliveira e Thatiany Alencar Batista
- Crocodilos | Renan Alfredo Machado Bantim
- Lagartos | Renan Alfredo Machado Bantim
- Pterossauros | Renan Alfredo Machado Bantim
- Dinossauros e aves | Renan Alfredo Machado Bantim
- Iconofósseis | Edilson Bezerra dos Santos Filho e Thatiany Alencar Batista
- O Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens | Antony Thierry de Oliveira Salú e José Lucio e Silva
- O Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri – LPU | Antônio Álamo Feitosa Saraiva
Vídeo de apresentação do Guia de fósseis da bacia do Araripe por um dos seus organizadores Link
Resenhista
Francisco Egberto de Melo – Doutor em Educação (PPGE/UFC), professor do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri (DH/URCA) é líder do Núcleo de Pesquisa Ensino, História e Cidadania (NUPHISC/URCA). Publicou, entre outros trabalhos, “Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino – considerações sobre o passado ensinado no Youtube”, em coautoria com Sônia Meneses (2021), “Vamos saudar o Brasil: civismo, autoritarismo e ensino de História” (2021) e “Base Nacional Comum Curricular e Documento Curricular Referencial do Ceará para o ensino de História: prescrição e resistência no tratamento das relações de gênero, étnicas e raciais” (2021) e “Biopoder e saber médico: normatização, vigilância e controle de corpos tuberculosos (Brasil, 1920 – 1970)”, em coautoria com Raiza Amanda Gonçalves de Souza e Deyvillanne Santos Oliveira dos Anjos. ID: https://orcid.org/0000-0003-0749-136X; E-mail: francisco.melo@urca.br; Instagram: https://www.instagram.com/melo.egberto/; Facebook: facebook.com/egbertomelo13
Para citar esta resenha
SARAIVA, Antônio Álamo Feitosa de; LIMA, Flaviana Jorge de; BARROS, Olga A.; BANTIM, Renan (org.). Guia de fósseis da Bacia do Araripe. Crato: Olga Alcântara Barros; Governo do Estado do Ceará, 2021. 378p. Resenha de: MELO, Francisco Egberto de. Formação básica para a Paleontologia e Ensino Médio. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.4, p.11-16, mar./abr. 2022. Consultar publicação original.
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© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).
Écrire ses memóires: astuces et conseils pour transformer ses souvenirs en un livre | Marie -Gaëlle Le Perff || Aspectos teóricos de la autobiografia | Edgar Velásquez Rivera
Marie-Gaëlle Le Perff e Edgar Velásquez Rivera | Imagens: Narrovita e Proclama
Dois manuais recentes sobre a elaboração de autobiografias foram lançados em línguas francesa e espanhola com abordagens e destinatários diferenciados. Não apresentam inovações na área, mas vale a pena submetê-los à crítica como indicador da bibliografia circulante para o interessado na temática. Eles são: Écrire ses memóires: astuces et conseils pour transformer ses souvenirs en un livre, de Marie-Gaëlle Le Perff, e Aspectos teóricos de la autobiografia, de Edgar Velásquez Rivera.
Écrire ses mémoires é um singelo manual introdutório às artes dos escritos de vida (biografias, autobiografias e memórias). Foi publicado em 2020 com a meta de auxiliar pessoas comuns a escreverem suas lembranças, por si mesmas, dando a conhecer questões e conceitos típicos da investigação do gênero e da publicação independente. Sua autora, Marie-Gaëlle Le Perff, é formada em Jornalismo (Paris 7) e Biologia (Poitiers) e se apresenta como redatora da revista Vie Chrétienne, biógrafa familiar e especialista na cobertura de assuntos da saúde. Leia Mais
Museus virtuais e jogos digitais: novas linguagens para o estudo da história | Lynn Rosalina Gama Alves, Alfredo Matta e Helyon Telles
Lynn Rosalina Gama Alves | Foto: Capacitor (2018)
A obra Museus virtuais e Jogos digitais – Novas linguagens para o estudo da História, de Lynn Alves, Helyon Viana Telles e Alfredo Matta, é um livro sobre recursos digitais para o ensino de História na educação básica com foco na temática da gamificação e dos museus virtuais. O livro é divido em duas partes. A primeira tem sete capítulos e maior incidência de tema nos games. A segunda parte possui cinco capítulos, sendo três dedicados aos museus e dois sobre os jogos de RPG (Role Playing Game). Trata-se de um compêndio destinado à divulgação dos trabalhos dos orientandos do professor Alfredo Matta que atua na área do Ensino de História desenvolvendo práticas de ensino, pesquisa e extensão para o ensino de História, na Universidade do Estado da Bahia.
O objetivo principal do livro é incentivar a divulgação dos trabalhos dos intelectuais que pesquisam sobre a temática do ensino de História aplicado à tecnologia. Os autores declaram o desejo de transformar professores portugueses e brasileiros, efetivamente, em protagonistas, que percebam o potencial da aprendizagem história para além da simples memorização.
Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso | Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas | Francisco Vázquez García
Francisco Vázquez García | Foto: Universidad de Cádiz
Após a publicação, em 1987, do livro Estudios de historia de las ideas. Vol. 1, Locke, Hume e Canguilhem, escrito em coautoria com Ángel Manuel Lorenzo e José, L. Tasset, Georges Canguilhem (1904 – 1995) enviou a seguinte mensagem ao historiador espanhol Francisco Vázquez García: “Sua análise dos meus estudos de epistemologia me diz que você me leu com atenção e simpatia (…). Eu constatei com satisfação que você percebeu bem aquilo que meus trabalhos devem aos trabalhos, bem mais prestigiosos, de Bachelard e de Koyré. Não posso abandonar as lições que tirei dessas leituras.” (García, 2015). A seção do livro dedicada ao historiador francês recuperava o texto da monografia de licenciatura de Francisco, defendida três anos antes, na Universidad de Sevilla, sob o título La teoria de la historia de las ciencias de G. Canguilhem. Mais de trinta anos depois, García segue capaz de dizer coisas originais sobre a obra de Canguilhem – Georges Canguilhem: Vitalismo y Ciencias Humanas (2019) – e didatizar os usos da arqueo-genealogia de Foucault – Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso (2018), textos sobre os quais nos debruçamos a partir de agora.
“Fumo de Negro”: a criminalização da maconha no pós-abolição | Luísa Saad
José Luiz Costa e Luísa Saad | Foto: Joe@lluis_adv
Resultado de dissertação de mestrado defendida em 2013 por Luiza Saad, no programa de pós-graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o livro “Fumo de Negro”: a criminalização da maconha no pós-abolição, publicado em 2019, investigou como se estabeleceu o discurso de criminalização da maconha que fundamentou a primeira lei de proibição dessa planta, em 1932, mas, que passou a inundar o imaginário social e constituir um discurso contra a maconha.
Essa problemática se estrutura a partir de uma revisão historiográfica que remonta à aproximação das ciências humanas em relação às drogas, movimento que, no Brasil, se caracterizou partir dos anos 1980. A autora parte de pesquisadores como Luiz Mott para reafirmar a tese de que não existe uma história da cannabis no Brasil. Embora não retrate uma história global dessa planta, ela contribui para a compreensão de um dos principais marcos desse processo: a mudança de tratamento em relação ao tema. Desta forma, é possível afirmar que o livro funciona como obra seminal para outras investigações, na medida em que incita a necessidade de atender outros recortes temporais.
Os caminhos da pesquisa antropológica: Homenagem a Beatriz Góis Dantas | Eufrázia Menezes e Sílvia Góis Dantas
Beatriz Góis Dantas com o Cacique Lucimário Ba Xocó à sua esquerda | Foto: Carolina Timoteo/ADUFS (2019)
Os caminhos da pesquisa antropológica: homenagem a Beatriz Góis Dantas, foi lançado há dois meses, em clima fraternal, em live no Youtube (Link). Presentes ao ato, além de Beatriz Dantas, estavam as organizadoras da obra Sílvia Dantas e Eufrázia Cristina Menezes, respectivamente, filha e ex-aluna da antropóloga e historiadora Beatriz Góis Dantas. A própria homenageada, na ocasião, traçou uma “cartografia afetiva e intelectual” da inserção de vários antropólogos e historiadores em sua vida de pesquisadora, em quase seis décadas de atividades.
A cartografia se expressa no próprio livro que, em suas três partes (trajetória acadêmica, experiência na Antropologia e testemunhos de colegas), reúne 14 autores com atuação acadêmica local e transnacional. Há cenas familiares, relatos autobiográficos, anedóticos de trabalho, periodização clássica da carreira, reconhecimentos e agradecimentos por auxílios pessoais e até um poema de Maria Lúcia Dal Farra, dedicado à “Missionária da memória”. Há descrição, crítica e reconhecimento da contribuição de Beatriz Dantas nos domínios da Arquivística, Museologia, Antropologia e (apesar do título do livro) História.
Hoje mando um abraço para ti, pequenina | André Cabral Honor
André Cabral Honor | Foto: UnB
O livro intitulado Hoje mando um abraço para ti, pequenina, de autoria de André Cabral Honor, foi publicado pela Editora Escaleras, em 2020, tem 155 páginas, possui dimensões diferenciadas dos livros físicos padrão (12,25 x 19 cm) e foi impresso em papel Pólen Bold 90g/m2. Se incluo essas informações é para dizer que a experiência de manusear este livro é singular. Ele é inteligente e dá prazer em folhear. Ponto para a Editora Escaleras.
O texto foi premiado pelo Edital de fomento à literatura por meio da formação de novos autores da Fundação Biblioteca Nacional, em 2014. Aos que não conhecem ou não estão lembrados, o título remete ao refrão da música “Paraíba”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A história narra momentos da vida do capitão-mor Jerônimo José de Melo e Castro à frente da Capitania da Paraíba. O livro é baseado em fatos históricos e, com muita licença poética, ambienta cada capítulo como pequenos filmes.
Letramento histórico-digital: Ensino de História e Tecnologias Digitais | Danilo Alves da Silva
A obra Letramento Histórico-digital: ensino de História e tecnologias digitais, é fruto da dissertação de mestrado de Danilo Alves da Silva, a partir das reflexões junto ao Programa de Pós-Graduação do Mestrado Profissional em Ensino de História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A publicação pretende conceituar o letramento histórico-digital, no intuito de sistematizar uma coligação entre o Ensino de História e a cultura digital.
O livro está organizado em três capítulos, o que não difere da forma estrutural da própria dissertação do autor. A partir de sua prática docente em uma escola privada, na cidade de João Pessoa, Paraíba, o autor investe em uma proposição para o campo do Ensino de História. Por que não juntar a demanda por entender sobre a cultura digital nos meandros do conhecimento histórico, já com uma proposta para a sala de aula? E será essa jornada que a pessoa leitora poderá encontrar. Ele mostra como é importante que profissionais de História estejam sensíveis às demandas do século XXI, e que se apropriem do conhecimento histórico no intuito de propor interações em plataformas digitais, usando aplicativos e várias ferramentas disponíveis para o ensino de História. Porém, ele não faz um caminho de escrita focando unicamente em justificar o seu artefato didático cultural, como a maioria das produções docentes da pós-graduação do Programa o fazem. Ele pretende conceituar um método – o letramento histórico-digital – para, então, após uma esquematização de suas discussões e leituras, passar para uma mostra dessa definição ou sistematização, que leva o nome do livro.
Ensino de História: fundamentos e métodos | Circe Maria Fernandes Bittencourt
Circe Bittencourt | Imagem: BM Comunicação
Ensino de História: fundamentos e métodos, escrito por Circe Bittencourt, é um livro que trata da atividade docente no Ensino Fundamental sob os pontos de vista histórico, epistemológico e metodológico (História e Pedagogia). Sua quinta edição foi lançada em 2018 e conserva o mesmo objetivo de 2004: subsidiar a formação inicial e continuada dos professores da escolarização básica e dos docentes do ensino superior, formadores dos futuros licenciados em História.
O livro faz sucesso desde a primeira edição. No site Resenha Crítica, a avaliação da obra é o post mais consultado neste ano de 2021, entre os, aproximadamente, 6.000 disponíveis (resenhas e apresentações de dossiês de artigo). São, em média, 50 acessos semanais (Bueno; Urban, 2019). No Google Acadêmico, a quinta edição já ultrapassou a marca das 2000 citações. É uma pena que depois de tantos ganhos empresariais, políticos e acadêmicos, essa versão, publicada em 2018, venha a público com as mesmas imperfeições detectadas há mais de uma década.
Formação social da miséria no sertão do São Francisco (1820-1920) | Francisco Carlos Teixeira da Silva
Francisco Carlos Teixeira da Silva | Imagem: SOS Brasil Soberano – 2017
A publicação Formação social da miséria no sertão do São Francisco (1820-1920), do professor Francisco Carlos Teixeira da Silva (UFRJ) é uma notícia alvissareira para os estudiosos da historiografia sergipana. Chico Carlos, como é carinhosamente conhecido, produziu o texto como dissertação de mestrado, há mais de quatro décadas, sob orientação de Maria Yedda Linhares. Hoje, Chico Carlos é lembrado pelos estudos sobre História Contemporânea e História do Tempo Presente e é provável que alguém estranhe a relação entre o autor e os estudos sobre a história social da agricultura.
A distância entre a defesa, ocorrida em 1981, e o lançamento desse livro em primeira edição (2018) é reveladora dos avanços da pesquisa histórica em Sergipe com a consolidação dos cursos de pós-graduação na área de história e ciências sociais. Em parte, suas críticas à produção historiográfica da época foram superadas, especialmente no que se refere à abordagem da história social e cultural do Estado. Nesse sentido, o livro é exemplar para o estudante universitário que se debruça sobre a história da historiografia sergipana, pois é tributário da produção brasileira dos anos 1970 e 1980, quando o uso das fontes e a utilização dos métodos da História Agrária contribuíram, significativamente, para a análise da formação do mercado interno e da produção de alimentos no Brasil, com os trabalhos seminais de Maria Yedda Linhares e Ciro Flamarion Cardoso, que retornavam do exílio para o convívio acadêmico nacional. Leia Mais
Educação Histórica & videogames | Helyom Viana Telles
Helyom Viana Telles | Foto: Acervo do Autor
Existe uma certeza aplicável à educação atual: a necessidade da inserção do mundo digital na educação básica. Essa assertiva aplicada ao Ensino de História permite a utilização dos meios digitais enquanto ferramentas destinadas ao processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, enquanto evidências históricas de um tempo presente experienciadas pelo corpo discente e, por que não, por parte do corpo docente. Buscando realizar essa conjunção, Helyom Viana Telles apresenta “Educação Histórica & Videogames” publicado pela Editora Brazil Publishing no ano de 2020. Direcionado a docentes de todos os níveis do Ensino de História – inclusive a quem está em formação –, o livro propõe a utilização de videogames para o estudo da História através do conceito de segunda ordem empatia histórica.
Nas últimas décadas, houve uma profusão de pesquisas acadêmicas sobre o Ensino de História no Brasil. Estabelecido como um campo de estudos, as investigações historicizaram-no, identificaram e analisaram as proposições curriculares voltadas à área, apresentaram inúmeras metodologias de trabalho e estruturaram o trabalho com a abundante variedade de evidências históricas disponíveis e utilizáveis em sala de aula. Voltados para o Ensino de História aplicável na educação básica, esses estudos apresentam perspectivas e métodos distintos entre si, mas possuem uma característica em comum: todos foram produzidos a partir da academia. Contudo, raros autores elaboravam academicamente suas próprias inquietações, formulações e métodos aplicáveis ao Ensino de História. Produções que representariam de alguma forma as especificidades de cada realidade escolar (eivadas de precariedade) eram apagadas em currículos e livros didáticos unificadores. Leia Mais
Estágio em História na Quarentena | João L. S. Souza, Juliana A. Andrade, Mário E. O. Ramos e Sofia R. C. Vilela.
Estágio em História na Quarentena – Detalhe de Capa
O livro eletrônico intitulado Estágio em História na quarentena foi organizado por João Lucas dos Santos Souza, Juliana Alves de Andrade, Mário Emmanuel de Oliveira Ramos e Sofia Roberta da Costa Vilela, publicado pela Editora Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, neste ano de 2021. O texto é fruto das atividades e reflexões da disciplina Estágio Supervisionado para formação de licenciandos na mesma instituição. Conta ainda com a participação de [45] autores, entre professores, formandos em História e cursistas da disciplina de Estágio Supervisionado. Esse grupo viveu, refletiu e escreveu sobre a experiência de atuar em uma das disciplinas dedicadas ao contato com as escolas da Educação Básica e em momento tão especial e específico como o da pandemia da COVID-19.
A publicação está dividida em três partes. A primeira agrega textos que condensam entrevistas realizadas com os professores da Educação Básica, atuantes como supervisores dos Estágios. Na segunda parte, são apresentados roteiros para construção de aulas, utilizando tecnologias diversas. Na última parte, os autores discutem temas focados no fenômeno das fake news. Leia Mais
Public History and School: International Perspectives | Marko Demantowsky
Marko Demantowsky – 2019 | Imagem: De Gruyter
Em Public History and Scholl Marko Demantowsky discute a relação entre o campo acadêmico (História Pública) e a instituição socializadora (Escola) a partir de uma premissa conhecida de todos nós: a escola pública foi criada no século XVIII para servir à construção da identidade nacional, e as disciplinas literatura, religião e história são os veículos desse ensinamento, ou seja, são responsáveis pelo cultivo de certa “autocompreensão nacional” (p.vi).
Demantowsky é editor da Revista-Blog Public History Weekly e professor de Didática em Ciências Sociais na Universidade de Basel (Basiléia-Suíça). Foi nesta condição e motivado pela dificuldade de ampliar as possibilidades de pesquisa em história pública em contexto multilíngue que reuniu especialistas para discutirem os quatro temas que constituem a coletânea, começando com a terminologia da área. O que significa “História Pública”? A resposta é mediada por duas outras questões: Os diferentes profissionais que atuam no cultivo da identidade nacional (museólogos, arquivistas, patrimonialistas, memorialistas) se conhecem uns aos outros o bastante e no contexto daquela função da escola? Esses profissionais estão conscientes do caráter duradouro e exemplar da “educação escolar” sobre as “histórias públicas”. (p.vi). Leia Mais
Práticas de pesquisa em história | Tania Regina de Luca
Tania Regina de Luca – 2016 | Foto: Memória do Pão de Santo Antônio
Tania Regina de Luca, professora do Departamento de História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, é conhecida historiadora da imprensa nacional e estrangeira. No livro Práticas de pesquisa em história (2020), parte da sua experiência de pesquisadora é compartilhada, “especialmente”, com “estudantes de graduação”. Trata-se de um clássico livro propedêutico de investigação histórica e de metodologia científica.
O texto é estruturado em seis capítulos que exploram o fazer do historiador, a ideia de fonte histórica e os passos para a concretização de uma pesquisa acadêmica em história: recorte do objeto, seleção de fontes, construção do texto e do projeto de pesquisa. Segundo a autora, o objetivo da obra é “apresentar, de forma didática, procedimentos e métodos que distinguem a produção do conhecimento historiográfico e, desse modo, incentivá-lo a participar ativamente desse instigante desafio que é escrever História, elaborando e executando o seu próprio projeto de pesquisa.” (p.10-11). Leia Mais
Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária | Antonio Risério
Antonio Risério| Foto: Walter Craveiro
Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária não se encaixa nos cânones acadêmicos, mas expressa a existência de uma polêmica direcionada à academia, nos espaços de opiniões homogêneas, onde impera o consenso, no caso, os debates acadêmicos do campo educacional e nas ciências sociais. O autor Antonio Risério (1953-) é um conhecido polemista que, tendo sido militante estudantil, preso pela ditadura, trabalhado na campanha e nos governos petistas, hoje se proclama crítico da esquerda, que ele qualifica de fascista e identitária. Na sua formação acadêmica ele possui mestrado em Sociologia. Hoje ele se identifica profissionalmente como escritor.
A obra é um ensaio sobre teoria e política, mas o teor é mais político. Ela está dividida em nove seções ou capítulos e os “anexos”, que compõem mais de um quarto do livro. Seu estilo narrativo demonstra um sentimento bastante amargo e o uso da palavra ressentimento, em um sentido nietzschiano, empregado para se referir à “politização do ressentimento” por parte da esquerda identitária, também é patente nos argumentos do autor. A sua narrativa não possui uma estética agradável, utilizando-se sem rodeios de palavras de baixo calão, abusando dos parênteses para tentar expor suas ideias, e eu ainda notei a economia no uso de preposições e artigos, o que dificulta o exercício de uma leitura mais suave. Leia Mais
Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985 | José Vieira da Cruz
José Vieira da Cruz – 2019 | Foto: Tribuna do Sertão
Acaba de ser publicada a segunda edição (revista e ampliada) do livro de José Vieira da Cruz, Da Autonomia à Resistência Democrática: Movimento Estudantil, Ensino Superior e a Sociedade em Sergipe (1950-1985). O texto incide sobre o tema da cultura académica, que não está suficientemente estudado e para o qual este livro é um contributo fundamental.
É justamente na década de 1950 que tem início o estudo criterioso e denso que José Vieira da Cruz reedita e ao qual não são alheios nem o elitismo do ensino universitário, nem o alargamento da universidade a novos públicos e novos territórios, nem a relação da universidade com o Estado e com a sociedade; nem a autonomia universitária e o estatuto do estudante. É neste complexo, perfeitamente ajustado ao Brasil em modernização acelerada, que Cruz inscreve e sistematiza o marco teórico; procede a uma revisão crítica da historiografia das universidades; faz a história do movimento estudantil. Leia Mais
Crítica Historiográfica | UFRN/UFS | 2021
Crítica Historiográfica (Natal/Aracaju, 2021-) Publica resenhas de livros e de dossiês de artigos de revistas especializadas, resultantes da reflexão, investigação, comunicação e/ou consumo da escrita da História.
A revista cumpre o objetivo de fomentar a cultura da avaliação da escrita da História, com foco no diálogo entre autores(as) de resenhas e autores(as) e leitores(as) de obras de História. Assim, abre espaço não apenas para a resenha, mas aceita também as réplicas dos autores e eventuais comentários dos leitores da obra resenhada e da resenha.
A revista também se engaja na valorização do gênero textual resenha como instrumento de comunicação científica, reivindicando, inclusive, a sua inclusão como produto intelectual na Plataforma Lattes e no Sistema de Coletas Capes.
Crítica Historiográfica aceita e publica em média sete trabalhos por volume bimestral, produzidos por pesquisadores(as) de todos os níveis de formação, com espaço distribuído na seguinte proporção: doutores (a partir de 50%), doutorando(a)s, mestre(a)s, mestrando(a)s/especialistas/graduado(a)s graduandos (até 50%).
Trata-se de empreendimento criado e mantida por um consórcio de grupos de pesquisa radicados em instituições públicas de ensino superior: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Periodicidade bimensal
ISSN SSN 2764-2666
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