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Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity – SEDWICK (V)
SEDGWICK, Sally. Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity. Chicago: Oxford University Press, 2012. 194 p. Resenha de: COSTA, Danilo Vaz- Curado R. M. Veritas, v. 59, n. 1, p. e1-e8, jan.-abr. 2014.
A obra Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity, de Sally Sedgwick, pesquisadora e professora na Universidade de Illinois em Chicago, que ora se resenha, publicada pela Oxford University Press, no ano de 2012, recolhe, em sua maior parte, um conjunto de consagrados artigos publicados anteriormente pela autora em diversas revistas, coletâneas e Festschrift, a exceção dos capítulos 1 e 6 que são textos especialmente preparados para a presente edição.
Todavia, e em que pese grande parte dos capítulos já haverem, em alguma medida, sido trabalhados em momentos anteriores, os mesmos foram ampliados, incorporaram novas questões e perspectivas, o que os torna mais instigantes e interessantes, tanto para a Hegel-Forschung, como para, a Kant-Forschung. A riqueza das considerações expostas no livro é tão impressionante que cada capítulo possui uma auto-nomia que o permite ser lido em separado, mas que apenas revela todo o seu potencial hermenêutico quando compreendido na totalidade da obra.
O livro Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity, divide-se em seis capítulos com o propósito de defender a hipótese1 de que Hegel oferece uma convincente crítica e alternativa à concepção de conhecimento estabelecida por Kant em seu período Crítico, nos seguintes termos:
(i) Introdução à crítica hegeliana: forma discursiva versus forma intuitiva do entendimento na filosofia crítica de Kant; (ii) Unidade orgânica como unidade verdadeira do intelecto intuitivo; (iii) Hegel e a subjetividade do idealismo kantiano; (iv) Hegel e a dedução transcendental da primeira Crítica; (v) subjetividade como parte de uma identidade original e, por fim, (vi) A petição de princípio: natureza da crítica kantiana.
A obra, que se apresenta ao público brasileiro, aglutina-se em torno de dois núcleos chaves: (1) o estabelecimento das condições de possibilidade da compreensão do projeto crítico kantiano na perspectiva que Hegel endereça suas críticas a esta pretensão; pensa-se mais especificamente nos capítulos 1, 2, e (2) o confronto entre a perspectiva hegeliana em face da estrutura da filosofia transcendental de Kant.
A autora indica que a motivação originária para a produção e preparação da presente obra colocava-se, inicialmente, na perspectiva da compreensão da crítica de formalismo vazio endereçada por Hegel ao imperativo categórico kantiano como lei suprema da moralidade, e a acusação hegeliana no escopo desta crítica das deficiências da perspectiva moral kantiana, referentes a (i) sua inefetividade para servir como um guia para a derivação de específicos deveres, e (ii) a suspeita hegeliana da incapacidade da lei prática ser eficaz em motivar nossa ação moral.
Ao tematizar as condições de efetividade da crítica hegeliana à Kant, tornou-se evidente à autora que a crítica hegeliana à Filosofia Prática de Kant desenvolvia-se sob a silenciosa perspectiva de uma crítica à sua filosofia teórica. Neste contexto de paralelismo, a crítica hegeliana centra-se numa acusação à filosofia kantiana de ser portadora de um dualismo, no qual, em ambos os domínios, separa-se a mente humana, num poder de gerar a priori conceitos e leis de modo totalmente separado dos objetos desta própria mente.2 No primeiro capítulo da obra, são examinados os recursos da teoria kantiana do conhecimento, especificamente a ideia defendida por Kant de que nosso modo de conhecimento é discursivo, no sentido de que é impossível para nós produzir objetos ou o conteúdo de nosso conhecimento empírico pelo simples uso de nossos poderes cognitivos; explicita-se a ideia kantiana de que a intuição3 não é capaz de produzir conhecimento, entendimento.
Sedgwick defende que Nas obras de seu período crítico, começando com a Crítica da Razão Pura de 1781, Kant defende a tese de que o conhecimento humano é discurso por natureza em vez de intuitivo. Enquanto discursivo, nosso entendimento é um modo dependente de conhecimento nos seguintes termos: em nossos esforços por conhecer a natureza, temos de confiar numa matéria ou conteúdo que é dado na intuição sensível.4
Avaliando a posição kantiana, Sedgwick reconstitui a linha de reflexão do Hegel de Iena, o qual era fascinado pelo papel da intuição na perspectiva kantiana, ao mesmo tempo em que imputava a Kant o erro de insistir numa absoluta oposição ou mesmo uma heterogeneidade entre nossos conceitos e o dado sensível. Neste contexto, após apresentar o ponto de partida do Hegel de Iena e suas diversas correntes interpretativas, conclui com Hegel5, mas contra Kant, que nós podemos saber o que é o conteúdo sensível do dado e utilizar a intuição na produção de conhecimentos, desde que o relacionemos em concordância com nossos conceitos.
Na esteira da crítica de Hegel em Iena a Kant, Sedgwick crê poder superar a distinção em sentido forte estabelecida por Kant entre conceitos e intuições.
No Capítulo II, Sedgwick, perseguindo a linha de crítica levantada por Hegel em face de Kant, reconstrói a inspiração subjacente a tese hegeliana exposta em Fé e Saber de uma verdadeira unidade orgânica, como sendo capaz de superar os dualismos do período Crítico kantiano. Todavia, ao fazê-lo, conclui de modo um tanto surpreendente que Hegel inspira-se, paradoxalmente, no próprio Kant.
Segundo Sedgwick, Hegel para constituir seu argumento de que a verdadeira unidade do intelecto intuitivo é uma unidade orgânica inspira-se numa ideia que ele descobre em Kant, especificamente na Crítica do Juízo. Kant, na Crítica do Juízo, desenvolve a ideia que a unidade descreve-se por uma relação na qual o todo e as partes são reciprocamente determinados. A parte depende em sua forma do todo, e este é sustentado por suas partes.
Neste contexto, Sedgwick, seguindo Hegel, defende que é possível entender a relação entre conceitos e intuições na perspectiva de uma verdadeira unidade do intelecto, um entendimento intuitivo, tal como a relação na qual o todo entende-se pelas partes e estas sustentam o todo, postulando que cada um – conceito e intuição – faz-se necessário para a natureza e a existência do outro. Conceitos e intuições de um entendimento intuitivo o são na exata medida que ao estarem separado são idênticos – desempenham um papel de mesmo nível na cognição – e determinam-se reciprocamente como modos do conhecimento.
Por fim, Sedgwick conclui que se, em Fé e Saber, Hegel não foi capaz, de fato, de apresentar uma proposta convincente ao problema da estruturação dualista proposta pelo Kant crítico, ao menos, ele não adota uma perspectiva reducionista em sua teoria do conhecimento,6 pois ao postular a perspectiva da verdadeira unidade pela analogia ao organismo, Hegel pôde superar a oposição entre o sujeito e o objeto.7 No Capítulo III, Sedgwick desenvolve a noção de que o que impede Kant de apreciar a identidade de conceitos e intuições é seu compromisso com uma forma de idealismo de tipo subjetivo e as possíveis consequências céticas desta perspectiva subjetiva. Em continuação à tematização, explicitação e crítica à concepção de subjetividade e de idealismo em Kant, Sedgwick defende que Hegel estava certo de que podemos evitar esta consequência cética8 e avançar em vista de um genuíno, ou absoluto idealismo, providenciando uma alternativa à subjetividade da teoria kantiana das formas conceituais.
A perspectiva crítica adotada no capítulo III em face de Kant acusa o idealismo transcendental da Primeira Crítica de postular a vacuidade dos conceitos face ao fato de Kant adotar uma perspectiva externalista das formas conceituais em face da intuição sensível. Tal externalismo reside no caráter adotado por Kant da absoluta aprioridade da faculdade do conhecimento em produzir os conceitos, tornando conceitos ou categorias em faculdades pré-dadas e fixas [pre-given and fixed].
Sally Sedgwick9, seguindo a crítica de Hegel, defende que a saída para as consequências subjetiva e cética do idealismo transcendental kantiano reside em desistir [to give up] do compromisso com a externa-lidade da forma conceitual, ante ao fato de que, sendo os nossos conceitos a priori, eles não podem refletir o conteúdo dado pela natureza.
A autora propõe uma nova perspectiva para a ideia kantiana de uma absoluta oposição da forma conceitual, defendendo que a opositividade da forma conceitual face a intuição reside apenas quanto à origem e à natureza e não quanto ao uso.
No capítulo IV, a autora tematiza as críticas endereçadas por Hegel ao uso da dedução transcendental kantiana, tal como elaborada na Primeira Crítica. O capítulo, em comento, inicia-se pelo tratamento especulativo kantiano à questão de como são possíveis juízos sintéticos a priori. Neste modo especulativo exposto por Kant, Hegel, segundo Sedgwick (p.100), identifica para além do esforço de Kant em determinar os limites de nosso conhecimento e providenciar uma alternativa ao ceticismo humeano, uma alternativa à própria limitação kantiana da externalidade da forma conceitual.
E é mediante a original unidade sintética da apercepção como absoluta identidade que, para Hegel e a autora, colocam-se desde Kant as pistas para a saída dos limites do projeto da Primeira Crítica. Ou seja, na unidade sintética da apercepção, os atos de síntese não são nem puras faculdades da intuição, nem puras faculdades de conceitos, ou seja, colocam-se as condições de possibilidade para superar-se a absoluta opositividade entre conceitos e intuições numa unidade sintética original.
Todavia, Kant permanece no seio das dicotomias e na heterogeneidade entre conceitos e intuições, entre sujeito e objeto, ao concluir na sequência da exposição da unidade originária da síntese que esta trata-se de uma atividade conformada pela nossa faculdade conceitual, do entendimento, em sentido kantiano, retirando sua capacidade de ser de fato uma genuína unidade sintética.10 Deste modo, Sedgwick (p. 126) mesmo reconhecendo com Hegel que a mais alta ideia da dedução transcendental kantina reside no caráter originário da unidade sintética da apercepção, acusa-a de vacuidade da subjetividade e imputa-a de uma recusa em sair do caráter externo do uso de nossos conceitos, tornando-se dependente e devedor do senso comum – por mais paradoxal que seja – pois, o caráter absoluto da razão kantiana reside exatamente no fato de que ele basta-se a si mesmo e por independência de toda atitude ordinária do senso comum.11 No capítulo V, intitulado de subjetividade como parte de uma identidade original, Sedgwick tematiza o conhecimento como um meio e de superar as formas de pensamento vazias e externas, pondo novamente o acento sob a limitação da perspectiva kantiana de uma necessidade metafísica a priori, postulando uma revisão da constituição de nossos poderes cognitivos.
Na alternativa colocada por Sedgwick, a subjetividade é posta como parte desta unidade originária, de modo a poder superar os dualismos kantianos. Todavia, a autora (p. 128 ss.) defende, neste contexto, que nossa mente e suas formas são simples produtos da natureza. Neste modelo interpretativo, ocorre uma naturalização de nossas faculdades cognitivas, entretanto tal naturalização é um reducionismo do pensamento ao próprio pensamento, um tipo de naturalismo conceitual.
Sedgwick12 defende que Hegel concorda com Kant acerca da necessária função dos conceitos e daí deriva uma conclusão internalista de que um conteúdo verdadeiramente extraconceitual não pode ter nenhum significado cognitivo para nós. Nesta leitura, o único objeto possível da cognição humana, para Hegel, seria o próprio pensamento.
Na defesa de sua tese do conhecimento como um meio, Sedgwick (p. 133 ss.) resgata o debate e a crítica de Hegel exposta na Fenomenologia do Espírito se o conhecimento como meio é um instrumento (Werkzeug) ou um meio passivo (passives Medium), e o abandono por Hegel da perspectiva da compreensão do ato cognitivo como um meio. O problema, ao contrário, é a suposição de que nos trazemos formas-de-pensamento de nossos atos, se assim o pensarmos, adverte Sedgwick, através da releitura hegeliana, nossos esforços não podem ser satisfeitos, pois é exatamente este o erro que Hegel associa à consciência natural.13 Em continuação, Sedgwick (p.158 ss.) defende a dupla dependência entre conceitos e intuições contra a artificialidade da tese da absoluta heterogeneidade, mediante a tese de que o pensamento compartilha com as paixões e os sentimentos características que não permitem enqua-drá-la como uma simples expressão da espontaneidade.
Sedgwick parece estar nos sugerindo que, em Hegel, e ela está compartilhando desta tese, não há nenhum pensamento ou a aplicação de nossas formas de pensamento que não é condicionada do modo efetivo pelas forças naturais e históricas reais, e que uma implicação desta atividade e os seus resultados não dependem inteiramente de nós.14 O capítulo VI é uma grande tentativa da autora para testar suas teses acerca dos limites do projeto crítico de Kant em face das crítica hegelianas. Um ponto fundamental, nesta instância exploratória da autora, é a acusação de que Kant não fora suficientemente crítico, e para tanto, Sedgwick (p. 166) retoma o tratamento kantiano das antinomias e conclui após expor os passos do tratamento hegeliano das antinomias, tal como exposto na Ciência da Lógica, pela insuficiência da criticidade do projeto crítico.15 The kantian philosophy as a cushion for the indolence of thought é o ultimo momento do livro de Sedgwick (p. 177 ss.), onde a autora expõe o caráter de almofada da filosofia kantiana sob o argumento de uma suposta fraqueza de seus argumentos em contraste com a aparente rigidez de suas afirmações acerca dos dualismos sujeito/objeto, conceito/intuição, do uso equívoco das faculdades racionais no tratamento das antino-mias etc.
Por fim, Sedgwick16 (p. 179-180) encerra seu sugestivo e impressionante livro sugerindo que se suas análises nos capítulos que compõem o livro estiverem acuradas, elas sugerem que do mesmo modo que os poderes do pensamento que Hegel mantém responsável pela subjetividade do idealismo kantiano, é do mesmo modo responsáveis pelo que ele considera serem as irrealistas estimativas kantianas das conquistas da crítica.
Do mesmo modo, o conjunto dos poderes e formas de pensamento que não nos deixam meios de evitar a ‘contingência’ nas relações entre nossos conceitos e coisas, reside na base da afirmação de Kant de haver ganhado um insight de características imutáveis de nossas faculdades de pensamento e de conhecimento.
Seguramente o livro de Sally Sedgwick Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, afirmar-se-á como um clássico na reflexão acerca dos destinos da Filosofia Clássica Alemã, pela clareza no tratamento das fontes, o refinamento no desenvolvimento das teses e argumentos dos autores em confronto. Tal caráter clássico, que se acredita o livro atingirá, não o exime de, em muitos pontos, as críticas levantadas pela autora ao idealismo transcendental kantiano, assim como os desenvolvimentos do idealismo hegeliano, sejam sujeitos a críticas e passíveis de revisão na própria literatura especializada.
Notas
1 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 1. “This is a study of Hegel’s critique of Kant’s theoretical philosophy. Its main purpose is to defend the thesis that Hegel offers us a compelling critique of and alternative to the conception of cognition Kants argues for in his “Critical” period (from 1718 to 1790)”.
2 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 7. “In all domains of Kant’s Critical philosophy, the culprit as far as Hegel is concerned is dualism – a dualism that divides the human mind as a Power of generating a priori concepts and laws from the separate contribution of objects wholly outside the mind”.
3 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 7. “Unlike a mode of cognition that is intuitive we have to rely in our cognitions of nature on a sense content that is independently given”.
4 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 14. “In the works of his Critical period, beginning with the Critique of Pure Reason of 1781, Kant defends the thesis that human cognition is discursive rather than intuitive in nature. As discursive, our understanding is a dependent mode of cognition in the following respect: in our efforts to know nature, we must rely on a matter or content that is given in sensible intuition”.
5 Sally Segwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 44. “At this point we have established only Hegel’s frustration with Kant for not awarding us the Power of an intuitive form of intellect”.
6 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 9. “Although Hegel’s remark in Faith and Knowledge do not explain precisely how he thinks concepts and intuitions reciprocally determine or cause one another, they lend support to the conclusion that he is not committed to a reductive account of the relation between these two components of cognition”.
7 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 56-57. “We don’t yet know just what he has in mind by this; we know only that he opposes the heterogeneity of the universal and the particular to the true or organic unity that he says is the unity of the intuitive intellect. We know that the model of organic unity, in his view, substitutes for heterogeneity the identity of the universal and the particular”.
8 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 71. “Hegel is, in other words, convinced that skepticism results from assumptions these systems share about the respective contributions of the two basics components of empirical knowledge: sensible content and subjective form”.
9 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 97. “As we have seen, the skepticism Hegel takes to plague the ‘metaphysic of subjectivity’ relies on a misguided commitment to the thesis of heterogeneity or ‘absolute opposition’. In relying on this thesis, the metaphysic of subjectivity takes for granted the assumption that human cognitions isindeed God-Like – not because, it is possible for us to literally bring the material world into being – but because, in thinking, we can abstract to a realm of pure thought, to a standpoint wholly outside or ‘absolutely opposed’ to ‘common reality’”.
10 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 11 “As Hegel points out, Kant claim that all combination or synthesis in an act of spontaneity performed by our faculty of concepts (the “understanding”). The faculty he identifies as an original synthetic unity, then, turns out not to be a genuine synthetic unity after all”.
11 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 126 “The idealisms of Kant and Fichte are moreover ultimately “subjective”. It is an implication of these systems that subjective forma is “absolutely opposed” or “external” to content in this respect: subjective forma is taken to owe nothing of its nature and origin to the realm of the empirical. For these philosophers, human reason (or “thinking”) is “absolute” in that it is capable of achieving complete “independence from common reality”.
12 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 129 “On this reading, moreover, Hegel endorses this kantian premise about the necessary role of concepts and derives from it the internalist conclusion that a truly extra-conceptual content can have no cognitive significance for us. On this reading, the only possible object of human cognition, for Hegel, is thought itself.”
13 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 137 “The problem, rather, is its assumption that since we bring thought-forms to our acts of knowing, our efforts to know cannot be satisfied. This is the mistake Hegel associates with natural consciousness. It is what he singles out as the crucial defect of its treatment of cognition as a means.”
14 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 161-162 “What Hegel seem to be suggesting, then, is that there is no thinking or application of our forms of thought that is not conditioned by and thus responsive to actual natural and historical forces. One implication of this the activity of critique, as well as its outcome, is not entirely to us”.
15 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 169-177.
16 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 179-180. “If our analysis in these chapters is accurate, it suggests that the same account of the powers of thought that Hegel holds responsible for the subjectivity of Kant’s idealism is also responsible for what he takes to be Kant’s unrealistic estimations of the achievements of critique. The same account of the powers and forms of thought that leaves us no means of avoiding contingency in the relation between our concepts and things, is also basis of Kant’s claim to have gained insight into immutable features of our faculties of thinking and knowing”.
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – Professor da UNICAP/PE e Doutor em Filosofia pela UFRGS. Universidade Católica de Pernambuco. Rua do Principe, 526 – Boa Vista. 50050-900 Recife, PE, Brasil. E-mail: danilo@unicap.br; danilocostaadv@hotmail.com.
Stufen des Wir Gemeinschaft als Basis personalen Handelns – SEDDONE (D)
SEDDONE, G. Stufen des Wir – Gemeinschaft als Basis personalen Handelns. Frankfurt am Main, Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Wien: Ed. Peter Lang, 2011. Resenha de: COSTA, Danilo Vaz- Curado R. M. Níveis de nós- a comunidade como base da ação pessoal. Dissertatio, Pelotas, v.37, 2013.
No livro Níveis do Nós, Guido Seddone estabelece uma intrigante pesquisa para descortinar as diversas etapas de constituição da problemática da ação centrada na prioridade da perspectiva social e não no reducionismo do eu agente, já assumindo de entrada que é o social e não a estrutura transcendental do eu a base e o pressuposto da compreensão da cognição humana e da ação1.
Para Seddone (p. 9) a proposta de um projeto que vise reconstruir os níveis ou etapas do nós fincado na comunidade como base da ação pessoal, deve primeiramente levar em consideração as já diversas tentativas levadas a cabo por autores como Hegel e a perspectiva, por ele desenvolvida, do “eu que é um nós e do nós que é um eu” (Ich, das Wir, und Wir, das Ich ist), Heidegger e seu “nós despedaçado” (das zerbrochene Wir), assim como filósofos contemporâneos tais como Robert Brandom e sua postura do “Dizer Nós” (das Wir sagen), Sellars, Searle, Tomasello e Tuomela e suas distintas perspectivas acerca da função normativa do nós, como a “intencionalidade do nós” (Wir-Intentionalität), a “autoridade do nós” (Autorität des Wir), entre outras.
Em última instância a introdução da obra nos lega a tese de que a proposta de Sedonne é a afirmação de que a natureza social do homem e da irredutibilidade da ação social tem de ser respondida em consonância com a pergunta, de corte kantiano, sobre o que é o homem? No seio da tentativa reconstrutiva proposta por Guido Seddone o leitor deve estar atento para assumir a importante advertência de Sedonne que tanto a ação social como a pergunta pelo homem, não resultam de uma justaposição mecânica ou de tipo numérico-quantitativo, pois, para o autor2, o indivíduo deve tanto ser considerado no contexto das relações interpessoais, como é preciso reconhecer que há uma autoridade do social na qual o eu se determina.
Nesta perspectiva, o Nós não é reduzido a uma mera soma de indivíduos ou ao grupo no qual um agente se insere, mas sim é algo do qual o eu não pode fugir totalmente. Claro que uma tese tal como a defendida no presente livro que se resenha tem de deparar-se com a crítica das teorias mentalistas e a perspectiva cartesiana e se colocar para além delas no nível de uma base prática capaz de relacionar cognição, linguagem e conhecimento3.
Para a consecução do seu desiderato, Sedonne divide sua obra em uma introdução e 04 (quatro) capítulos respectivamente intitulados, numa tradução livre, de: 1. Linguagem, contexto e intersubjetividade; 2. Hegel e a filosofia do nós; 3. A Ação do Nós no agente já formado; e 4. Formação das competências pessoais desde uma estrutura profunda do nós.
Seguiremos a tessitura da obra de modo a buscar apresentar as linhas gerais que guiam os capítulos oportunizando ao leitor o percurso descritivo e reflexivo desenvolvido pelo autor.
1 – Linguagem, contexto e intersubjetividade
No primeiro capítulo4, Seddone busca demonstrar as bases para como uma Filosofia do nós pode tornar-se capaz de conquistar as competências cognitivas e lingüísticas hábeis aos contextos intersubjetivos. Neste intento, o primeiro ponto a ser superado é a tendência moderna de constituição do mental que ancora numa perspectiva individualista.
A proposta é mostrar os índices já presentes na contemporaneidade que apontam para a superação tanto do individualismo cognitivo como o que lhe é pressuposto, o individualismo metodológico.
Para a reconstrução e crítica da perspectiva metodológica e cognitiva centrado no indivíduo o autor remonta do empirismo lógico até o segundo Wittgenstein, apoiando-se na virada lingüística como prenúncio de que as competências lingüísticas esgotam uma ancoragem da compreensão do mental desde uma perspectiva individual.
Na continuidade do primeiro capítulo o autor serve-se das contribuições de Richard Rorty, especialmente as desenvolvidas em Filosofia e o espelho da natureza, e Robert Brandom, em seu monumental, Making it Explicit, para alicerçar sua tese da prioridade do Nós sobre o eu e a inconsistência5 de uma teoria do mental ancorada na perspectiva metodológica do eu.
2 – Hegel e a filosofia do nós
No segundo capítulo intitulado Hegel e a filosofia do nós (Hegel und die Philosophie des Wir)6, toda a problemática de apresentação da filosofia hegeliana7, enquanto percussora da socialidade como base das competências explicitadoras da ação, assenta-se na perspectiva de tomar o sujeito como estando sempre referido em relações reciprocamente universais, logo, intersubjetivas.
Um tal ponto de partida implica assumir que o nós é a atividade da unidade intencional do indivíduo no seio mesmo dos seus contextos de efetivação e em tensão com a tradição, formas de vida e a práxis.
Seddone (p. 45) em defesa de sua tese de uma socialidade do nós afirma que a proposição especulativa de Hegel é a retomada e desenvolvimento do juízo reflexivo kantiano e que esta assunção de Kant por Hegel é a base da compreensão de sua tese acerca do Espírito (Geist).
O eu como Espírito8 é a tese forte de partida de Seddone neste capítulo. Segundo o autor, a constituição do espírito dá-se na irredutibilidade do movimento histórico do Selbst, da relação entre pluralidade e unidade, eu e nós, e que sem a experiência da pluralidade o eu não pode se constituir.
O projeto da Fenomenologia do Espírito de assumir a totalidade das configurações históricas como médium capaz de explicitação do eu sempre em contextos práticos de interação suprassubjetivos é segundo Seddone9 a afirmação de que o eu apenas pode se reconhecer enquanto tal como parte do todo, em outros termos, para Seddone, Hegel afirma a irredutibilidade do eu a processos monológicos de constituição.
Para a explicitação da irredutibilidade do Selbst a processos de constituição monológica, Seddone (p. 55 e segs) desenvolve em toda a sua potencialidade a teoria do reconhecimento presente na Fenomenologia hegeliana e a amplia à Filosofia do Direito, colocando-se como problema central o processo de estranhamento (Entfremdung) e sua relação com a reconciliação (Versöhnung).
Neste percurso emerge a tese central da filosofia hegeliana do eu que é um nós e do nós que é um eu, em outros termos e na perspectiva da reconciliação, tal como desenvolvida por Hegel de que o eu apenas pode reconhecer-se como parte do Todo.
Neste contexto de interpretação, a filosofia hegeliana desenvolve a exposição do desenvolvimento da subjetividade no seio mesmo da pergunta pelo Nós, colocando assim as condições reais de tematização da intersubjetividade10 como pré-condição da subjetividade, da anterioridade do Nós sobre o Eu.
Na perspectiva aqui desenvolvida, Hegel já desenvolve as bases do que se pode designar pela comunidade da ação enquanto base para explicitação do sujeito cognoscente.
E é desde esta perspectiva hegeliana da compreensão especulativa da relação entre o eu e o nós, o indivíduo e a comunidade, capaz de esclarecer os pressupostos que orientam lógicas institucionais nas quais o sujeito é coerentemente compreendido à luz de uma identidade autônoma, mas não dualista ou solipsista, que Hegel se coloca como fonte perene na reflexão de Seddone11.
3 – A ação do Nós no agente já formado
O núcleo duro do capítulo concentra-se na tese de Robert Brandom, tal como exposta no primeiro capítulo de Making it Explicit e que pode se resumir na expressão Saying We, na tradução do autor para o alemão Das Wir-Sagen, que em português optamos por traduzir em o Dizer o Nós, que se caracteriza por demarcar o ato especificamente humano de expressão afirmativa do eu não na perspectiva da afirmação do mental por oposição ao não-mental, mas da primalidade do nexo comunitário como fonte das enunciações que explicitam o eu.
Afirmar e Dizer o nós implica delimitar o especificamente humano daquilo que não é humano, por uma distinção de primeira pessoa que tem por nota específica as várias comunidades nas quais os agentes são reciprocamente não delimitados pela individualidade epistemologicamente deslocada.
Este modo de compreensão assentado na primeira pessoa do plural, o nós, permite a conjugação dos aspectos pragmáticos12 e semânticos, pois as ações devem ser tomadas tanto como práticas sociais, assim como enquanto práticas lingüísticas.
A força da tese de Seddone é que ele prioriza um discurso centrado na primeira pessoa, todavia, a do plural como condição de expressão daquela do singular, por oposição a grande parte da tradição filosófica que partindo da primeira pessoa do singular atingia a primeira pessoa do plural.
O nexo desta relação se condensa na perspectiva de que o pragmatismo se interessa pelas regras que se estruturam no seio mesmo das práticas comunitárias e o aspecto semântico se foca no potencial normativo dos conceitos em explicitar estas mesmas práticas no jogo mesmo de dar e pedir razões.
Esta união entre pragmatismo e semântica autoriza no seio das práticas comunitárias a que cada membro seja obrigado a justificar as suas reivindicações e as suas ações, as quais por sua vez, determinam a natureza do pensamento, cuja validade se faz verificar no espaço da práxis intersubjetiva13.
Seddone neste capítulo esforça-se e com êxito na empreitada de exprimir a novidade do Wir-Sagen que é a articulação da pragmática normativa, da semântica inferencial e dos empenhos discursivos, momentos os quais são centrais para a compreensão do projeto de Brandom em Making it Explicit de um Saying We, onde o Dizer o Nós rompe a barreira do prescritivo, inaugurando uma tensão na qual um estado intencional se identifica com um normativo, ou seja, o propósito se expressa na e mediante a ação.
No conjunto da filosofia de Brandom, Seddone acentua um aspecto importante e que lhe é fundamental na sua tese da delimitação das etapas do nós, que é a conclusão de que não é de uma propriedade natural do pensamento, uma espécie de a priori, que permite as normas explicitarem o sentido da ação, mas é do próprio caráter institucional da práxis14.
Importa ainda o acentuar que esta ideia não é um privilégio de Brandom mas a retomada de uma antiga tematização de Sellars em Empirismo e filosofia da mente no seio de uma perspectiva intersubjetiva do pensamento.
A proposta de Sedonne15 assume que o nós tal como desenvolvido no texto implica que os membros estejam reciprocamente obrigados a realizarem determinadas ações para atingir certos fins e determinados objetivos.
Uma tal obrigação ou dever posto pela perspectiva da primeira pessoa do plural – o nós – não resulta de um acordo ou união, mas do reconhecimento a autoridade dos grupos e da comunidade sobre a perspectiva particular.
O grupo e ou a comunidade é a modo através do qual e mediante a cooperação dos membros, as tarefas, deveres e direitos são institucionalizados, onde a prioridade do nós demarca o campo do eu.
Seddone assume o ponto de vista de que sempre os indivíduos estão em perspectiva relacional, sejam dos indivíduos entre si, sejam de suas intenções ou mesmo de seus usos. Tal ponto de vista já pode ser visualizado em Wittgenstein, mas é através de Raimo Tuomela que tal tese ganha força e é através dele que Seddone se nutre.
Em Raimo Tuomela16 ocorre uma extensão da tese de Sellars acerca da prioridade da comunidade sobre o indivíduo que ancorava na perspectiva da linguagem e agora se amplifica no sentido de que também as intenções são co-participadas antes de serem capazes de explicitação.
A posição do Wir-Sagen não se estrutura na perspectiva de um modo de dizer o nós que tem por substrato um sujeito ontológico, mas um sujeito intencional17. Ao modo de uma simples atitude que pode descrever os sujeitos particulares, mas não pode esclarecer de que modo o Nós é constitutiva para o eu18.
E é tal limitação da perspectiva do We-intentionality que incita a Guido Sedonne à passagem ao próximo capítulo da obra, através de uma reconstrução ontológica do nós19.
4 – Formação das competências pessoais desde uma estrutura profunda do nós.
O presente capítulo inicia com a pergunta pela originariedade do nós e de sua natureza pré-reflexiva. E para tanto, Sedonne aduz que a harmonia não é a condição nem necessária, nem suficiente para uma análise do nós. Se o nós é tratado como a estrutura profunda da ação, por exemplo, como unidade original e intencionalmente constitutiva, é necessário, compreender a complexidade da ação partilhada.
Para se atingir a compreensão de uma estrutura pré-reflexiva do nós Sedonne aglutina à sua pesquisa a postura fenomenológica heideggeriana de Ser e Tempo ancorada no Miteinanderseins, ou, ser-com-o-outro.
O ingresso do Miteinanderseins se dá na medida em que tal conceito é pré-flexivo, pois não se configura nem como uma autorreferência cognitiva e, nem tampouco reflexiva, além de não ser ou estar desde já pré-determinada.
Interessante é que no intento de delimitar a estrutura profunda do nós, Seddone após se utilizar do conceito fenomenológico do Miteinanderseins de Heidegger, retoma a pesquisa de Hegel e se pergunta pelos conteúdos práticos e a problema da formação em Hegel .
O pensador idealista alemão é retomado, pois, para Seddone, é deveras importante a posição assumida por Hegel de que a verdade repousa no todo. Tal asserção é interpretada por ele no contexto de que toda a filosofia hegeliana é um projeto de explicação da multiplicidade dos fenômenos assumindo que a compreensão do todo (Das Ganze) é o único modo da compreensão da parte.
Tal postura repropõe a questão da normatividade fazendo a mesma sair da perspectiva kantiana de uma espontaneidade da razão, deslocando-se para o reconhecimento do jogo de dar e pedir razões, lingüístico, intencional e por isto social.
De Hegel à Wittgenstein, eis o percurso que Seddone constitui. Tal mudança de rumo se põe na medida mesmo em que Wittgenstein permite reconstruir a comunidade a partir dos jogos de linguagem e numa perspectiva prática e intersubjetivista.
Com Wittgenstein, Seddone transita de uma perspectiva meramente semântica, na qual o sujeito e sua interação com a linguagem se davam desde a perspectiva de um sujeito observado que era capaz de descrever o mundo, para uma outra, na qual o sujeito é parte dos jogos lingüísticos, que o mesmo já os encontrou operante por trabalho da tradição, e na qual o indivíduo enquanto membro é obrigado a interagir como sujeito que dá e pede razões, responsabilizando-se, gerando compromissos e assumindo responsabilidades.
Para Seddone, após as contribuições de Heidegger20, Hegel21 e Wittgenstein22 é fácil concluir que é a ontologia social o último nível de uma filosofia do Nós. Poder dizer e saber como membro de uma comunidade, ou “a pertença a um Nós é, por conseguinte o resultado de fenômenos complexos que não podem ser explicados pela mera aplicação do princípio da concordância e pelas teorias da promessa ou das obrigações”23.
A ontologia social como último nível do nós se pauta, para Seddone, ante o fato de que esta capacidade que nós temos de designar a Wir- Intentionalität realiza-se como pertença ontológica a determinadas formas da práxis que constituem a matriz de nossas razões subjacentes, por exemplo, de nossa exposição enquanto ser-com-os-outros24.
À guisa de conclusão
O livro de Guido Seddone coloca-se numa perspectiva inovadora e extremamente ousada, pois tem como alvo de sua pesquisa a busca das capacidades humanas para a compreensão da ação desde a perspectiva da anterioridade de uma pertença centrada no nós.
O nós enquanto estrutura profunda da práxis demonstra, na obra de Seddone, que a experiência, a eticidade e a relação cognitiva são coisas que não se reduzem a perspectivas ou padrões conceituais ancorados em noções individualísticas, pois o indivíduo apenas o é por lhe ser antes dado desde formas de ações comunitárias, intencionais e práticas.
A obra que se resenha com certeza se colocará ao lado dos textos obrigatórios para a compreensão da ação humana em contextos complexos.
Notas
1 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 15. No original “Diese Arbeit versucht, das Soziale als Voraussetzung der menschlichen Kognition und daher allen Handelns zu erläutern”.
2 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 10. “Dieser Arbeit verteidigt nicht nur de Idee, dass das Individuum im Kontext seiner zwischenmenschlichen Umgebung zu betrachten ist, sondern auch jene, dass es einer primitive Autorität des Sozialen gibt, durch dia das Ich bestimmt wird. In dieser Weise ist das Wir keine blosse Summe von Individuen und auch nicht die Gruppe der Mitmenschen zusammen mit mir, sondern es ist eher etwas, dem sich das Ich nicht völlig entziehen kann”.
3 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 15. “Eine solche Rekonstruktion erfordert, über die typischen individualistischen Aspekte der Theorien des Mentalen Hinauszugehen. Der cartesianische Ansatz versucht, die Erfahrung auf angeborene und individuelle Fähigkeiten zurück zu beziehen. Aber damit vernachlässigt er, dass sich Kognition, Sprache und Erkenntnis auf eine praktische Basis stützen.”
4 SPRACHE, Kontext und Intersubjektivität, p. 21-42.
5 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 15. No original: “Eine Philosophie des Wir erkennt hingegen, dass der Erwerb kognitiver und sprachlicher Fähigkeiten nur durch die Teilnahme an praktischen und intersubjektiven Kontexten möglich ist. Deswegen ist die Idee, dass der mensch angeborene kognitive Fähigkeiten besitz, durch eine Revision der individualistischen Auffassungen der Kognition zu überwinden”.
6 O capítulo estende-se da página 43 até a página 82.
7 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 46. No original: “In unserem Projekt einer Philosophie des Wir spielt die Philosophie Hegels eine wichtige Rolle, da er die Vernunft und das Normative als Tatsachen erklärt, die auf Interaktion basieren”.
8 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 46. No original: “Er beschreibt daher die Auseinendersetzung unter Subjekten, deren Verhältnisse eine Wir-Struktur der Erfahrung und des Handelns darstellen”.
9 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 46, defende esta tese através de todo o subcapítulo “Fenomenologia do Espírito e a formação prática do Conceito através da interação” (Phänomenologie des Geistes und die praktische Bildung des Begriffs durch die Interaktion).
10 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 80: “Hegels Philosophie im Rahmen der Frage nach dem Wir stellt eine interessante Analyse der Entwicklung der Subjektivität in Richtung der Intersubjektivität durch den Erwerb sowohl der Sitten als auch der Pflichten dar”.
11 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 81: “Dennoch bleibt Hegel für unser Thema zentral, da sein spekulativer Ansatz zum Verhältnis zwischen Ich und Wir bzw. Individuum und Gemeinschaft vieles über die Logik der Gruppen erklärt und weil er als Erster dem allgemeinen Willen eine kohärente und selbständige Identität gibt”.
12 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 87: “Für eine Philosophie des Wir ist daher die Idee der Pragmatisten wichtig, nach der die Wahrheit eine gerechfertige Überzeugung und due Rechtfertigung nur in einer öffentlichen und normativen Dimension möglich sei”.
13 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 87: “Jedes mitglied ist verpflichtet, seine Behauptungen und seine Handlungen zu rechtfertigen, und dies wiederum bestimmt die Natur des Denkes, dessen Gültigkeit im Bereich der intersubjetiven Praxen überprüft wird”.
14 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 87: “Die Normen bekommen ihren Status nicht von einer natürlichen Eigenschaft des Überlegens, sondern vom institutionellen Charakter der Praxen, welche seitens der Teilnehmer bestimmte Pflichten forden”.
15 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 101: “Im Wir-Modus sind die Mitglieder gegenseitig verpflichtet, bestimmte Handlungen auszuführen und bestimmte Ziele zu erreichen. Diese Verpflichtung ist nicht das Ergebnis einer Vereinbarung, sondern der Anerkennung der Autorität, die Gruppe gegenüber den Einzeln ausübt”.
16 Sedonne cita abundantemente Raimo Tuomela, The philosophy of sociality, 2002.
17 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 103: “Es ist eher ein intentionales und nicht ontologisches Subjekt, das durch den Wir-Modus entsteht”.
18 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 103: “Aber der Wir-Modus, der eine Blosses Haltung ist, die den einzelnen Subjekten zugeschrieben werden kann, kann nicht erklären, auf welche Weise das Wir konstitutiv gegenüber dem Ich ist”.
19 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 106: “Deswegen erfordert das Wir eine ontologische Rekonstruktion, die das Thema des nächsten und letzten Kapitels ist”.
20 Com estrutura pré-reflexiva do Miteinanderseins e sua teoria das formas de vida contra a perspectiva solipsista.
21 E sua tese da verdade como o todo e a prioridade da reciprocidade do social sobre o individual.
22 E os avanços postos pelas perspectivas do pragmatismo lógico do seguir um regra, da reconstrução da comunidade e do significado de regra.
23 SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 148: “Die Zugehörigkeit zu einem Wir ist folglich das Ergebnis von komplexen Phänomenen, welche nicht durch die blosse Anwendung des Prinzips des Einklangs und in den Theorien des Versprechens oder der Verpflichtung erläutert werden können”.
24 Cf. SEDONNE, G., Stufen des Wir, p. 149.
Referências
SEDDONE, G. Stufen des Wir – Gemeinschaft als Basis personalen Handelns. Frankfurt am Main: Ed. Peter Lang, 2011. (Philosophie und Geschichte der Wissenschaften – Studien und Quellen)
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – Universidade Católica de Pernambuco
L’etica della democrazia – Attualità della filosofia del diritto di Hegel – CORTELLA (V)
CORTELLA, Lucio. L’etica della democrazia – Attualità della filosofia del diritto di Hegel. Genova/Milão: Casa Editrice Marietti, 2011. 270 p. Resenha de: COSTA, Danilo Vaz- Curado R. M. Veritas, Porto Alegre v. 57 n. 1, p. 180-190, jan./abr. 2012.
A democracia tem necessidade de uma ética? É com uma pergunta que percorre todo o prefácio que se inicia o livro do professor Lucio Cortella, o qual se desenvolve em torno de uma introdução – Moralidade e eticidade: dois conceitos chaves para aceder à concepção hegeliana da política – e quatro capítulos: 1. A liberdade e o absoluto; 2. A época da liberdade universal; 3. A eticidade realizada: a esfera do Estado e, por fim, 4. Linhas de uma eticidade pós-idealística: uma democratização da filosofia política de Hegel.
Ocorre que bem ao estilo hegeliano, o prefácio do livro possui independência e quiçá assume a tarefa de fazer o leitor dar-se conta de que é possível a pergunta de uma democracia em Hegel, algo um tanto e num primeiro olhar paradoxal, e que é também pertinente uma demanda acerca de um ethos próprio aos processos de organização política de viés democrático oriundo desde a vazante hegeliana. Estas duas indagações percorrerão, ora em maior e ora em menor medida, todo o desenvolvimento do livro.
Metodologicamente nossa resenha se dividirá em dois grandes blocos. O primeiro bloco reconstruirá a estrutura argumentativa apresentada pelo professor Lucio Cortella, expondo sua tematização, tendo sempre em vista seu objeto acerca de uma ética da democracia e como este ethos democrático pode ser exposto desde a Filosofia do Direito de Hegel. O segundo bloco de análise do livro se prenderá apresentar criticamente se o livro, que ora se resenha, realiza seu objetivo (uma ética da democracia) através de seu objeto (a filosofia do direito hegeliana).
Assim, esperamos apresentar a resenha ao mesmo tempo de forma informativa e crítica, expondo o desenvolvimento dos conceitos e meditando sobre sua pertinência ou não. Outro ponto que nos motivou a elaboração da presente resenha é suprir uma lacuna no português acerca da obra de Lucio Cortella.
Lucio Cortella é professor do Departamento de Filosofia e Bens Culturais da Università Ca’ Foscari, de Veneza, Itália, e mesmo sendo um reconhecido estudioso, na Europa, da tradição dialética, especial daquela oriunda da Escola de Frankfurt e desta à Hegel, o autor é um ilustre desconhecido entre nós.
1 Desvelando a estrutura do texto A ética da democracia: atualidade da Filosofia do Direito de Hegel
a) Há na democracia necessidade de uma ética? O autor inicia seu prefácio (p. 9) com uma constatação: Hegel não pertence à tradição do pensamento democrático. Contudo, sua reflexão conduz às mesmas aporias do pensamento democrático, que se resume a uma dicotomia a responder se: (i) as normas jurídicas são capazes de por si só regularem os processos políticos nas sociedades ou (ii) é preciso apelar a um sistema de valores compartilhado por todos no sentido de uma ética comum? As tendências democrático-liberais, segundo a análise de Cortella (p. 9-10), claramente afirmarão que é desnecessária uma ética como base da convivência social e reprocharão que tal perspectiva repousa numa indistinção entre o público e o privado, assinalando que o caráter privado dos bens não pode ser confundido com o caráter público da justiça e que a clareza nesta separação é o fundamento estável de um Estado democrático, ao mesmo tempo justo individual e socialmente sem a ocorrência da subsunção de uma esfera pela outra.
Uma outra não menos importante corrente do pensamento político democrático contemporâneo, os comunitaristas, argumentarão que as normas jurídicas são frágeis para serem tomadas em si mesmo e sem o suporte de uma ideia comum de bem e um conjunto de valores, que confiram identidade ao social, poderem constituir a estrutura político-social de uma comunidade jurídica, concluindo pela insuficiência do sistema normativo como modelo para a regulação dos processos sociais. Nesta perspectiva, qualquer compreensão da sociabilização para ser coerente deve apelar simultaneamente a normas e valores.
Lucio Cortella aponta os déficits de ambas às perspectivas, seja a dos liberais e do consequente esgarçamento social provocado pela perspectiva jurídico-abstrata, seja a comunitarista e o sempre iminente
risco de apropriação da liberdade individual pelo Estado, e aponta uma alternativa ancorada na perspectiva institucionalista, afirmando que para tanto “[…] basta individuar e tornar explícita qual ética está já incorporada e operante nas instituições do Estado democrático e por este motivo está já na base do vínculo social entre os cidadãos” (Cortella,p. 11). E é na eleição da perspectiva institucionalista de análise do fenô-meno político democrático contemporâneo por oposição tanto a liberais como a comunitaristas que Cortella (p. 12) consegue conectar o status pós-tradicional do pensamento democrático hodierno com Hegel, articulando o pano de fundo para o desenvolvimento da paradoxal tese de uma ética democrática desde Hegel.
Mas, como afirmar um institucionalismo em Hegel? Para tal tarefa, Cortella (p. 12) defende que
A eticidade hegeliana não é constituída por um sistema particular de valores, nem pretende impor ao Estado uma específica identidade histórica, nem significa a re-proposição dos vínculos comunitários. […] A ideia de Hegel é, porém, que a liberdade, uma vez dissolvida as velhas tradições e o ethos dos pais, se seja feita por sua vez ethos, isto é, tenha plantado raízes, objetivando-se num sistema jurídico, numa práxis social, em instituições políticas e civis.
Cortella postula (p. 13) que foi Hegel quem compreendeu que na Modernidade os processos de emancipação conduzem a uma tradição da liberdade, onde ser livre e reconhecer o outro como livre a partir de vínculos que são ao mesmo tempo individuais e supraindividuais, ou seja, institucionais nos permitem assumirmo-nos como humanos, e por isto, portadores de uma segunda natureza.
Para o autor, “a solução está num ethos comum e compartilhado, que seja ao mesmo tempo universal, participado por todos em linha de princípio, e concreto, isto é, já operante historicamente na prática das instituições políticas.
b) Moralidade e eticidade: dois conceitos chaves para aceder à concepção hegeliana da política Lucio Cortella (p. 19-20) inicia a introdução demarcando a impor-tância da compreensão do conceito de Sittlichkeit por oposição ao de Moralität, enfatizando que já entre os próprios gregos havia a existência no próprio ethos da distinção entre êthos (costume) e éthos (hábito). Cortella acentua, contudo, que o próprio Hegel em nota ao parágrafo 33 assinala que entre os gregos há preponderância no ethos do aspecto da morada, afastando-se os gregos de nossa compreensão da mora-lidade.
Ocorre que o próprio Cortella recoloca o papel da distinção hegeliana entre Sittlichkeit e Moralität, por ser esta aparente distinção etimológica a base de toda a reflexão hegeliana acerca da vida ética, em suas dimensões individual e política.
Esta ligação entre eticidade e a morada, bem presente em Aristóteles e após retomada por Hegel, indica uma conexão da vida ética bem diversa daquela que nós comumentemente atribuímos à esfera moral e é a verdadeira chave para compreendermos o sentido da distinção hegeliana (Cortella, p. 20).
O jogo entre a eticidade e a moralidade desempenha, na filosofia hegeliana, primeiro uma distinção semântica que demarcará as esferas de estruturação no espírito do subjetivo e do objetivo, e em seguida, na própria diferenciação das esferas o ligame que exige que a compreensão tanto do espírito subjetivo, como a do espírito objetivo, seja realizada em estreita conexão entre ambos, pois o moral e o ético são como que faces do mesmo processo de autodesenvolvimento da sociabilidade, o primeiro em sua dimensão individual e o segundo em sua perspectiva pública e social.
Cortella (p. 23) assinala, ademais, que na perspectiva desta distinção, Hegel se coloca na posição de suprassumir a perspectiva kantiana esboçada na Metafísica dos Costumes, que dividia a sociabilidade em apenas dois níveis, aqueles das relações exteriores entre os indivíduos, o direito, e aquele outro das relações interiores dos indivíduos, a virtude. Ao estabelecer que moralidade e eticidade não se opõem, mas se autopõem, Hegel eleva-se para uma perspectiva na qual as relações exteriores, o direito abstrato, pudessem junto com as relações interiores, a moralidade, se desenvolver sob a base de relações nas quais a distinção entre exterior e interior estivessem guardadas e elevadas, pois suportadas pelo movimento da cultura, coroando a sua Filosofia do Direito com a esfera da eticidade.
Neste sentido, o direito para Hegel assume a função não apenas de cuidar de questões jurídicas, mas de ser a explicitação da liberdade num mundo exterior. Cortella (p. 23) enfatiza que A noção hegeliana de direito pode-se legitimamente compreender como aquele mundo complexivo da normatividade que se eleva a partir da específica pretensão de validade indagáveis sob a base dos critérios de justiça.
E dentro desta específica distinção entre eticidade e moralidade, uma diferenciação na qual o diverso se preserva no distinto de si, que
será possível, na leitura que Cortella elabora desde Hegel, a diferença da liberdade dos antigos face à dos modernos. Modernos os quais, nós, devemos nos incluir na perspectiva posta por Cortella ao término do presente capítulo as páginas 30-31.
2 A liberdade e o absoluto
A abertura do capítulo já nos coloca face a tese forte do autor de que, em Hegel, há uma concepção coerentista da liberdade. Tal concepção rompe com as leituras que compreendiam a herança hegeliana nos quadros da Modernidade e de seu ancoramento da liberdade no primado do sujeito por oposição à natureza.
Cortella ressalta que tal oposição, própria dos modernos, entre um mundo pautado por leis mecânicas de causa e efeito, em verdade não se opõe a este outro mundo da liberdade, e que foi Hegel que, ao desenvolver “[…] a liberdade não mais pensada apenas como uma propriedade da interioridade humana e signo da sua superioridade sob a natureza, mas como lógica última do real” (p. 33), colocou as bases de uma compreensão de liberdade ampla, não restrita a compreensão de oposição entre a natureza e sua privação da liberdade e o espírito como reino da liberdade.
Em Hegel, a liberdade perpassa todas as esferas do real, pois ela é seu elemento intrínseco e constitutivo, para tanto e de modo a dar razões desta sua perspectiva, Cortella (p. 34) desenvolve como em Hegel se relacionam liberdade e ontologia.
A seção liberdade e ontologia é a reconstrução da refutação hegeliana do espinosismo, como alternativa para a compreensão desta postulada liberdade coerentista, que Cortella aponta presente em Hegel. Mas, em que consiste refutar o espinosismo e qual o papel de tal refutação? Espinosa compreende a essência como substância e necessidade. Dentro deste horizonte, a liberdade cede lugar à cega necessidade e em havendo Espinosa razão, Hegel estaria equivocado ao colocar o espírito como a verdade da natureza, pois seria a substância a sua verdade. Hegel, ao compreender, segundo Cortella (p. 35), a liberdade como o autoconhecimento do espírito, tem que refutar o espinosismo, demonstrando que a verdade da substância é o sujeito mediante a elevação da natureza ao espírito.
Cortella (p. 35) afirma, inclusive, que, em Hegel, a fundação da liberdade equivale a uma verdadeira fundação do idealismo. Uma tal identidade entre a liberdade e o idealismo em Hegel se manifesta na própria superação do espinosismo, tal qual apresentada, segundo Cortella, por Hegel na seção relação absoluta da Ciência da Lógica
através da noção de ação recíproca, a qual demonstra como a substância se autocondiciona num movimento reciprocamente ativo-passivo.
A superação da cisão entre natura naturans e natura naturata, enquanto divisão do movimento substancialmente entre o ponente e o posto, e o reconhecimento de que a verdade da substancialidade ontológica é o pensar, ou o pensamento em seu movimento reflexivo sobre si é consoante, segundo Cortella (p. 37), com a novidade do idealismo hegeliano da liberdade.
Cortella (p. 38), portanto, defende a tese de que a lógica se manifesta como o sistema categorial da liberdade, e assim é o absoluto liberdade porque suprassumiu a totalidade das determinações finitas do pensamento. O absoluto hegeliano é o próprio movimento da totalidade das determinações compreendidas em sua unidade como manifestando-se a si mesmo.
Neste horizonte epistêmico, Cortella (p. 39) afirma que “em definitivo: a liberdade (como o pensar) não é uma unidade indistinta, mas é um processo, uma multiplicidade, um percurso, no qual o êxito final mantém em si a totalidade das categorias que percorre”.
Cortella (p. 42 e s.) afirma que a primeira característica desta novaconcepção coerentista de liberdade, apresentada por Hegel, é a autorre-flexividade, a qual consiste “naquela especial relação que o pensamento tem consigo mesmo, graças a qual, referindo-se a si, determina a si mesmo e se faz independente de tudo o que não coincide consigo” (p. 42).
Este primeiro nível da liberdade se coloca na condição de ser fiel tanto à concepção aristotélica de homem livre como aquele que detém sua finalidade em si, como à noção moderna e kantiana de autonomia, segundo a qual livre é o homem que se determina de modo independente de qualquer móvil externo à razão prática.
O segundo momento da liberdade hegeliana, na interpretação de Cortella (p. 44), é a negatividade da liberdade, a qual o autor divide em negatividade absoluta e determinada. O uso de absoluto agora, neste contexto, corresponde à universalização ilimitada da negatividade, revelando sua destrutividade inerente. Contudo, a liberdade em sua absolutidade revela-se autodestrutiva; este movimento é a indução à sua determinação. O movimento da liberdade não se limita a ser a destruição de toda a exterioridade, mas sim o movimento de afirmação de si como possuído da propriedade de dar-se leis.
Neste percurso, a liberdade hegeliana se apresenta como liberdade relacional, na qual o dar-se a lei e não se determinar por nada que lhe seja exterior não implica a afirmação da autorreflexividade, mas exatamente sua suspensão, posto que o outro não é mais o que retira ou limita a liberdade, mas a liberdade mesma, em sua plenitude.
Acerca destas conclusões a que chega, Cortella (p. 56) afirma que “se Hegel corrigi os modernos e Kant negando que a liberdade seja uma propriedade do sujeito ou uma faculdade, colocando-a como uma realidade relacional e objetiva, por outro lado, também radicaliza o aspecto subjetivo dela”.
3 A época da liberdade universal
No cotejo da obra hegeliana, Cortella (p 59) identifica as raízes teológicas da concepção hegeliana de liberdade, explicitando que, em Hegel, a encarnação de Cristo implica a assunção e o ingresso no mundo histórico da liberdade de Deus, uma liberdade não apenas como ideia, pois esta não é exterior aos homens, pois estes são ideia.
Segundo Cortella (p. 60), a liberdade universal, oriunda deste evento teológico e realizada na Modernidade é um “mundo complexo de relações e práticas objetivas da qual a liberdade individual é o sustento e a alimentação”. Este complexo de relações que compõe a liberdade universal se realiza mediante três incursões no espírito objetivo: como liberdade jurídica, como liberdade interior e como liberdade social, ou liberdade externa à pessoa, consciência interna da autonomia do sujeito e liberdade do homem econômico e do indivíduo abstrato da sociedade civil.
Dentro deste contexto, toda a exposição do capítulo acerca da liberdade universal recompõe os passos dos três níveis de exercício e efetivação da liberdade num verdadeiro debate com os principais expoentes alemães da Hegel-Forschung, como Theunissen, Bubner, Horstmann, Ritter, Angehrn, Fulda, entre outros, no sentido de demonstrar o equilíbrio em Hegel e nas suas conclusões da unidade entre o descritivo e o normativo, da exposição e da crítica, do ser e da validade.
A busca desta unidade, segundo Cortella, é o que torna possível a compreensão da liberdade universal em Hegel, sem cair nos lugares comuns do quietismo ou do progressismo, entre outros chavões a que se impõe ao texto da Filosofia do Direito de Hegel.
Cortella (p. 120), no cotejo da interpretação de Theunissen, exposta em Sein und Schein, de uma proto-teoria da liberdade comunicativa em Hegel, propõe um modelo de liberdade relacional, na qual os níveis da família, sociedade civil e Estado representariam os graus da relação intersubjetiva da imediatidade, do estranhamento e alienação e da relação propriamente dita, onde assimetria e simetria se colocariam numa permanente tensão constitutiva.
Dentro deste escopo de apreensão da liberdade universal desde Hegel, Cortella (p. 128) se coloca a demanda de apresentar como a passagem da liberdade universal ao Estado, tal como por ele reconstituída
à luz da Filosofia do Direito em Hegel, é capaz de fazer jus à tensão entre liberdade individual, relacional e à própria noção de universalidade, sem cair numa eticidade perdida em seus extremos, tal como descrita, como alerta, pelo próprio Hegel, no § 1841 de sua Filosofia do Direito.
4 A eticidade efetiva: a esfera do Estado
Em Hegel, desenvolve-se uma compreensão de eticidade em termos estritamente próprios e inauditos, pois Hegel não concebe o conceito de eticidade, segundo Cortella (p. 129), “[…] fazendo o retorno ou fazendo retornar a constelação ontológica antiga, na qual ética e política fundavam-se sob a natureza e a tradição”, nem tampouco colocando em xeque os ganhos da Modernidade, os quais Cortella enuncia como sendo: a separação da ideia do bem da natureza e sua compreensão em termos da liberdade, a conexão entre bem, liberdade, e a subjetividade individual.
Todo o terceiro capítulo do livro de Cortella, que ora se prefacia é este intento de demonstrar a gênese da eticidade moderna, que Hegel apresenta na sua filosofia e que se coroa com sua apreensão conceitual da realidade, tal como exposta na Filosofia do Direito. Segundo Cortella, a eticidade seria uma espécie de metatema que perpassa toda a for-mação teológica e filosófica de Hegel, e a prova de seu argumento ele pretende demonstrar reconstruindo, em cada momento, seu percurso formativo.
Para Cortella (p. 130), na juventude, Hegel assume uma eticidade como sustentáculo à crítica do paradigma subjetivístico e à concepção kantiana baseada na universalidade da liberdade, sendo a eticidade o conceito hábil, neste período, a superar as cisões entre o indivíduo e o Estado, a liberdade e a natureza, etc. Em Iena, Cortella pondera que Hegel, ao assumir a perspectiva política aristotélica exposta na obra Política, torna-se capaz de desenvolver a eticidade como habilitada à compreensão de princípios como a natureza da polis, a prioridade do Estado com relação ao indivíduo, desenvolvendo uma perspectiva nitidamente comunitária.
Ainda em Iena, Cortella (p. 131) identifica uma mudança no paradigma da Sittlichkeit hegeliana, o qual na sua leitura consiste no abandono da perspectiva ontológica, herança da influência de Schelling e Espinosa, e que se pode identificar no próprio prefácio da Fenomenologia do Espírito e sua predileção pelo sujeito em detrimento da substância. Esta passagem
de uma perspectiva ontológica para uma perspectiva lógico-subjetiva se põe em Hegel pelo papel que desempenhará o conceito [Begriff] na economia da posterior reflexão hegeliana.
Cortella (p. 131) afirma que “a noção de conceito, a partir deste momento em diante se tornará uma das noções chaves de toda a filosofia hegeliana, possui um significado preciso mesmo nas relações da esfera político-jurídica”. Na estruturação desta nova concepção de eticidade, tal como desenvolvida por Hegel, Cortella é bastante tributário das pesquisas de Manfred Riedel, especialmente de Studien zu Hegels Rechtsphilosophie, e do famoso artigo de Riedel, Natur und Freiheit in Hegels Rechtsphilosophie.
A eticidade é apresentada se expressando como (i) a unidade entre liberdade e natureza (p. 131), (ii) unidade entre liberdade e história (p. 137), (iii) a conciliação entre universalidade e ethos (p. 144), (iv) a eticidade como uma segunda natureza (p. 146), (v) a condição de recomposição das rupturas da modernidade (p. 153), (vi) unidade prática entre sujeito e objeto (p. 160).
Não obstante este aparente caráter omnicompreensivo da eticidade, Cortella (p. 189) apresenta aquilo que ele designa como a acidentalidade do ético, o qual consiste no caráter de unidade da eticidade apenas nos limites internos ao Estado, ou seja, a eticidade se desenvolveria como um conceito intraestatal, sem condições hermenêuticas de apreender e compreender os processos externos à constituição interna doEstado.
Cortella demarca que a eticidade, tal como a compreende na Filosofia do Direito, fora dos limites do Estado, atua por recíproca exclusão, num verdadeiro fechamento nacionalístico do ethos (p. 194).
Em vista destas colocações e conclusões a que chegara, Cortella (p. 205) se coloca a tarefa de desenvolver uma alternativa de bases ainda hegeliana, mas com nítidas influências da teoria crítica de Frankfurt, à eticidade, e para tanto apresentará, no último capítulo do seu livro, as bases de uma eticidade pós-idealista.
5 As linhas de uma eticidade pós-idealística: uma democratização da filosofia política de Hegel
Para Cortella (p. 207), todo o percurso de constituição da eticidade e do complexo conceitual que ela comporta traduz-se numa verdadeira fratura da liberdade. Tal ruptura reside exatamente nos limites da compreensão hegeliana de liberdade, a qual possui como escopo os limites do Estado nacional por oposição e recíproca exclusão dos demais Estados nacionais.
Na leitura desenvolvida no citado livro, a eticidade hegeliana se mostra por demais singularística, ao reduzir-se ao estabelecimento de nexos hermenêuticos intraestatais, impossibilitando uma compreensão mais universalista da liberdade em contextos, por exemplo: supranacionais, de direitos internacionais e mesmo de demandas acerca dos direito humanos, etc.
A tese surpreendente de Cortella (p. 235) para este dilema é a compreensão da democracia como ethos, e para tanto o autor propõe que se deve Ao invés de considerar a democracia como a mais refinada técnica de distribuição do poder e da obtenção do consenso, tratar-se em verdade de repensá-la como aquela nova comunidade que é a saída do cenário das velhas comunidades tradicionais, àquelas ligadas a ponto específicos, como às memórias de grupos, aos usos e costumes […] (p. 235).
Para Cortella, é falso que inexistam no homem contemporâneo laços comunitários, pois da dissolução do ethos se seguiu a constituição de uma nova eticidade baseada em regras universais e impessoais, com as quais os cidadãos se identificam. Ainda segundo Cortella, O homem contemporâneo faz das regras impessoais do Estado de Direito o seu novo habitat, a sua nova casa. E se habituou à legalidade, à responsabilidade jurídica, à participação ativa numa esfera pública que vai para muito além dos velhos confins que caracterizam a sua casa, sua família e sua cidade (p. 235).
Para Cortella, deve-se assumir que, neste novo momento, vive-se uma espécie de eticidade democrática no seio da qual, habituada a comportamentos liberais e democráticos, se internalizam práticas e regras como virtudes republicanas. Dentro deste contexto de reapropriação das teorizações ético-políticas de Albrecht Welmmer, Cortella (p. 242) afirma que é possível democratizar Hegel e responder a estas novas demandas da contemporaneidade.
Para Cortella, a configuração político democrática não pode admitir a imunização das instituições da tomada de distância crítica dos cidadãos e da sua possível transformação, ou seja, é preciso pensar a compatibilidade entre os comportamentos democráticos com a inexistência de uma substância ética, subtraída das condições da crítica, e é este ponto do modelo hegeliano que deve ser reconsiderado. Pois, segundo Cortella, “o ponto de ruptura fundamental entre a ideia de um ethos democrático e a concepção hegeliana do Estado reside naquela caracterização substancialística da esfera ética que em Hegel desempenha uma função central” (p. 243).
Para Cortella, este novo ethos, constituído após a queda daquele baseado numa concepção naturalística e substancial da tradição, se configura pela primazia do ser construído e pela sua artificialidade, resultante dos processos culturais de formação, logo esta segunda natureza, não é mais natureza, mas convenção. Nisto resulta o caráter pós-tradicional deste novo ethos.
Para tanto, Cortella constrói sua perspectiva pós-tradicional do ethos pela assunção das seguintes notas como lhe sendo constitutivas:a) formalidade, b) pluralismo, c) universalidade e d) deflacionamento da dimensão político estatal. Em tal perspectiva, o ethos pós-tradicional seria capaz de efetivar tanto a autenticidade individual como a justiça universal.
Todavia, nos diz Cortella com Christoph Menke2 que os conflitos entre autonomia e autenticidade à luz das escolhas individuais deve ser resolvido de modo plural e diferenciado, em certa medida assumindo individualmente a Ideia moral de bem como critério de orientação das escolhas.
Cortella assume, para tanto, uma concepção de comunidade de valores (Wertgemeinschaft) pós-tradicional, fundada sobre a liberdade dos singulares, na qual estes acedem livremente, bem como na qual a escolha dos valores e dos planos de vida aos quais querem aderir também o são livres.
Neste contexto, a democracia é menos um modo de organização política e mais uma cultura de valores consensualmente estatuídos e livremente aceitos e reconhecidos.
À guisa de conclusão
A presente obra, que se apresentou em formato de resenha, estabelece a instigante tese de apropriação de Hegel, sem contudo querer atualizá-lo, mas partindo de algumas de suas intuições e desenvolvimentos, assim como de várias de suas conclusões, a fim estabelecer um marco de compreensão razoável para complexos fenômenos da contemporaneidade, mais especificamente a possibilidade de se estabelecer uma ética da democracia em bases não substancialistas.
Apenas por este motivo, a obra possui méritos que lhe irão garantir, por longo período, a sua permanência nos debates políticos e filosóficos acerca das tão conflituosas relações entre o indivíduo, o Estado e a comunidade.
Notas
1. HEGEL. Filosofia do Direito, § 184: “Es ist das System der in ihre Extreme verlorenen Sittlichkeit”.
2. MENKE, Christoph. Tragödie in Sittlichkeit (1996) e, também, Liberalismus in Konflikt (1993).
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – Professor da UNICAP. Doutorando em Filosofia na UFRGS. E-mail: danilo@unicap.br ou danilocostaadv@hotmail.com
Hegelianismo/ Republicanismo e Modernidade / Douglas Moggach
A obra Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade é a versão revisada de uma série de conferências realizadas na Universidade Federal da Bahia UFBA, no ano de 2004, pelo professor Douglas Moggach e que, posteriormente, foram lançadas em inglês com o título Hegelianism, Republicanism, and Modernity, e vertidas ao português pelo trabalho sempre competente do professor Roberto Hofmeister Pich (PUCRS), que, na tradução, que ora se resenha, permite ao leitor apreciá-la sem dar-se conta de que se trata de um texto traduzido.
O professor Douglas Moggach, atualmente, leciona na Universidade de Ottawa na School of Political Studies, sendo um reconhecido especialista no pensamento hegeliano desde a vazante interpretativa conhecida pela alcunha de esquerda hegeliana. As pesquisas do estudioso notabilizam-se no plano propriamente historiográfico pelo resgate do papel e da contribuição de Bruno Bauer para a compreensão, tanto de Hegel em específico, como de todo o idealismo alemão em geral, e, pela apresentação de um novo conceito de republicanismo, que está ligado, segundo suas pesquisas, a Hegel e à exegese que é feita de seu pensamento pela esquerda hegeliana.
O livro estrutura-se em três capítulos, respectivamente, intitulados de: (a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade, (b) republicanismo hegeliano e por fim (c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana.
Dividiremos a presente resenha em dois momentos, primeiramente, se fará (i) revelar a estrutura temático-argumentativa do autor, apresentando, segundo a ordem do discurso, os principais temas e problemas desenvolvidos nos três capítulos de seu livro e, após esta fase, (ii) analisaremos as conclusões do autor, de modo a avaliar o potencial de produtividade estabelecido pelo livro e por suas conclusões.
- Desvelando a estrutura argumentativa de Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade
O projeto de reconstrução e resgate de conceitos como republicanismo, modernidade e liberdade desde o pensamento de Hegel, mas, com foco na exegese da esquerda hegeliana [Hegelsche Linke], vem sendo desenvolvido com muita percuciência pelo prof. Douglas Moggach [1] ao longo da sua trajetória acadêmica e que, agora, conforme se demonstrará, se expõe em toda a sua maturidade. [2]
(a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade: Por um novo conceito de liberdade
A tese de Moggach, neste primeiro capítulo, é conectar o significado do idealismo alemão com a sua concepção de liberdade, de modo a articular liberdade, história e modernidade.
A constatação do renovado interesse na atualidade pelo instrumento hegeliano resume-se, basicamente, a três eixos de abordagens e retomadas, respectivamente postas em: a leitura de Hegel, desde o sinal transcendental do projeto kantiano, a mudança de sentido do projeto político hegeliano, exposto na Filosofia do Direito a partir da publicação das Vorlesungen por Karl Heinz-Ilting e a reavaliação da concepção política da escola hegeliana.
O primeiro modo de retomada do hegelianismo constitui-se a partir de uma leitura aproximativa entre Hegel e Kant, em que o primeiro passa a ser lido desde os limites do projeto transcendental do segundo, iluminando assim uma legítima compreensão hegeliana da constituição objetiva da intersubjetividade, [3] enquanto unidade imanente entre determinação conceitual e objetividade.
A segunda frente situa-se em reavaliar o status acerca do qual repousa o intento exposto na Filosofia do Direito, pondo em cheque a tradicional concepção política hegeliana de uma monarquia constitucional em favor de uma compreensão de justificação estatal desde o primado da soberania popular, tal como exposto nas Vorlesungen.
E o terceiro desenvolvimento, que se dirige em torno da escola hegeliana, sinaliza o sentido da inclusão do republicanismo como a chave de compreensão do legado de Hegel e da esquerda hegeliana, focada principalmente na sua crítica ao estado da restauração ao invés da sempre mencionada crítica à religião.
Como forma de dar conta e posicionar-se acerca destas três novas formas de abordagem do pensamento hegeliano, Douglas Moggach (p.12) retoma os motivos e os fundamentos da corrente denominada idealismo alemão, de modo a recuperar o fio histórico que conduz a Hegel e que lhe orienta, para assim poder conectar estes novos vieses interpretativos à compreensão da contemporaneidade. Para tanto, Moggach (p.12), interpreta o idealismo alemão como “[…] uma reflexão extensa sobre a idéia de liberdade e as perspectivas para a sua realização no mundo moderno”, ao mesmo tempo em que diferencia o idealismo que se estruturou como alemão dos demais idealismos, em síntese, pôr não estabelecer uma ordem transcendente perfeita em detrimento da imperfeição do real (Platão), nem reduzir o ser ao pensamento, negando a existência do mundo exterior (Berkeley).
Moggach (p.14) afirma que o problema filosófico central do idealismo alemão é a pergunta pela racionalidade da objetividade e como podemos nos determinar de modo igualmente racional face ao mundo e a nós mesmos. O autor declara que o idealismo alemão pode nos conceder um grande legado com a introdução do conceito de espontaneidade kantiano, que consiste em
Agemir Bavaresco, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa 322 uma necessidade definível, segundo Moggach (p.18), em “a habilidade da vontade de se determinar somente pelas causas que ela mesma admite ou permite que operem”, proporcionando um meio conceitual de adequação, sem subsunção, entre a autonomia e a heteronomia, entre se dar normas (subjetividade) e viver comunitariamente sob normas (intersubjetividade).
Porém, para que a espontaneidade unisse, sem dissolução, autonomia e heteronomia, era preciso superar a concepção racionalista de Leibniz de uma harmonia pré-estabelecida, posto que esta se constitua unicamente por determinações internas pré-existentes, impedindo qualquer modo de reflexão exterior e a heterodeterminação; novamente Moggach (p. 20) nos acena que Kant, com a categoria da relação, estabelecera as condições para pensar e compreender a internalização da causalidade e, logo, do papel central da espontaneidade como operador entre o eu teórico em face do eu prático.
O conceito espontaneidade, legado do idealismo, é que permite a passagem, na modernidade, para uma concepção de polis fundada moralmente e não como em Locke e Hobbes, alicerçada no cálculo e no interesse.
Deste novo componente legado por Kant, a espontaneidade, e apropriado por Hegel, nos apresenta Moggach (p.21) uma tríplice estruturação do conceito de vontade, ancorada em sua Ciência da Lógica hegeliana e que se baseia em uma tentativa de deduzir do eu teórico as condições de explicitação lógica do eu prático, coordenando a autoreferência interna da apercepção com a determinação externa da vontade que deseja e quer.
Neste percurso de tríplice constituição da vontade, Moggach (p.23) considera que Hegel estrutura os níveis de universalização e realização da vontade em: vontade formalmente universal, particular e individual. [4] A primeira esfera da vontade é a vontade universal, a qual se duplica em dois momentos, vontade como forma e um segundo, que pode ser designado de vontade universal, como conteúdo.
O primeiro estágio da vontade universal é aquele em que esta se figura como sendo imediatamente negativa, [5] não determinada por nada que não por si mesma, ponto de partida de Hegel da ideia de liberdade, tal como exposta na sua Filosofia do Direito e claramente insuficiente para os padrões contemporâneos. [6] O segundo momento do primeiro estágio de determinação da vontade universal hegeliana, consoante a leitura de Moggach (p.25), “[…] se refere à sua habilidade de assumir um conteúdo e fazer dele seu próprio” e é tematizada por Hegel na seção moralidade de sua Filosofia do Direito.
Neste estágio de determinação do eu prático pelo eu teórico, a vontade não é apenas abstração, negação formal, mas a capacidade negativa de discriminação e padronização da vontade como querer, historicamente situado e interacionalmente partilhado, e não como em Kant, atemporal, pois meramente formal A segunda esfera de autodeterminação da vontade é a particularidade, momento de determinação da vontade universal que possui forma e conteúdo, mas se depara em face de objetos (desejos, impulsos, outras vontades etc.) que lhe são exteriores e que, em face destes objetos, deve particularmente determinar-se.
Neste momento, de acordo com Moggach (p. 26), Hegel encontra-se com Fichte novamente, mas não com o Fichte que identifica o eu = eu, e, sim, com o Fichte que determina a autoconsciência como incisivamente sob o pálio do eu prático, logo, da intersubjetividade intrasubjetiva. Agora é o conteúdo empírico da autoconsciência que a obriga a se determinar, não exclusivamente de modo interno, mas prioritariamente sob o signo da alteridade e da diferença.
A universalidade da vontade percebe-se em relação com objetos e se objetualiza como um particular frente a outros particulares, passa-se da capacidade normativa da vontade à sua capacidade de determinação descritiva. Nesta figuração, Moggach (p. 27) demonstra como em Hegel encontra-se posta uma dura crítica tanto ao liberalismo como a Hobbes, consistente na incapacidade de sermos espontaneamente determinados apenas pela esfera da particularidade. Na esteira ainda desta crítica, Moggach (p. 27) afirma que “esse é o defeito de Hobbes e, muito também, do liberalismo subseqüente: ver a liberdade como a ausência de obstáculos entre os sujeitos e os objetos do seu desejo, mas em perguntar à luz de que padrões esses desejos são justificados”.
A terceira configuração ou esfera da vontade é a sua determinação como liberdade que decide ou da decisão, movimento de passagem na vontade do interior para o exterior, da liberação da forma no conteúdo, o decide [7], expressa a vontade focada em um objeto por exclusão dos demais, momento através do qual a vontade individualiza-se pelo movimento de universalização particular de seu conteúdo, em face do universo de objetos e possibilidade frente às quais teve de se decidir.
Este terceiro estágio da vontade é descrito por Moggach como “o universal adquire substância e concretude pela seleção e representação de si mesmo num conteúdo particular, o qual, por isso mesmo, cessa de ser meramente dado, e é ‘posto’ ou conscientemente aceito” (p. 28).
Neste projeto de tríplice determinação da vontade, sua expressão concreta é a liberdade que escolhe se autolimitar e que, por isso, reconcilia subjetividade e objetividade.
Moggach define o idealismo alemão como expressão da razão prática e acentua que Hegel, com a Fenomenologia do Espírito, estabelece a forma de compreensão de uma história da razão prática, ancorada nas diversas formas de relacionamento entre o eu e o mundo pelas figurações históricas experienciadas, que, por seu turno, permitem a constituição da personalidade como um ato de liberdade, onde a vontade é exercida como modo de determinação para-si de seus fins e atributos (cf. p. 29).
Contudo, nos adverte Moggach que “a teoria de Hegel não é simplesmente um endosso da ordem liberal, mas um modernismo crítico ou alternativo” (p.32), centrado na irredutível diferença entre sociedade civil e estado, estabelecendo as condições de efetivação de uma concepção de cidadania focada em um modelo de comunidade racionalmente ordenado.
Certamente é esta unidade entre (i) idealismo alemão, compreendido como a totalidade histórica das configurações do pensar, (ii) modernidade, expressão temporal de realização desta totalidade que é o idealismo alemão (iii) e hegelianismo, apreensão conceitual da temporalidade à luz do discurso filosófico, tendo como centro explicativo a ideia de liberdade, que conduz, na análise de Moggach, a uma diferenciada concepção de republicanismo que será desenvolvida no capítulo seguinte.
(b) republicanismo hegeliano
No primeiro capítulo do livro, Douglas Moggach (p.11) nos afirma que, em linhas gerais, o republicanismo no idealismo alemão pode ser compreendido como uma teoria da liberdade positiva ou da autotranscendência, que alterna, motivos éticos e estéticos derivados de Kant e Hegel, na constituição do status de cidadão.
No segundo capítulo, Moggach (p. 37) afirma ser o estudo do republicanismo uma importante nuance do pensamento político contemporâneo, mas que, paradoxalmente, o republicanismo de origem alemã não tem sido amplamente recepcionado, em razão de que ele tem suas raízes em Hegel e sob este paira uma ‘suspeita’ acerca de uma suposta submissão da liberdade à metafísica.
Assim, insere-se o intento do presente capítulo em esclarecer este flanco aberto, constituído pela tentativa de superação desta negação de aproximação da teoria contemporânea à concepção republicana hegeliana, através da demonstração do seu potencial de diagnose e da atualidade deste específico tipo de republicanismo.
Para situar-nos preliminarmente em face do republicanismo, informanos Mogach que: “A idéia republicana central é que as práticas e instituições de cidadania são integrais à experiência da liberdade; elas não são meramente instrumentais aos propósitos econômicos, como no liberalismo, nem são elas indispensáveis em favor da administração econômica” (p. 37).
O autor (p.38-39) nos apresenta duas concepções que balizam o debate dentro desta renaissance do republicanismo, em um corte que os divide em uma versão moderada de republicanismo, pautada no postulado da nãodominação e compatível com uma concepção republicana de raiz nitidamente jurídica, centrada na defesa dos direitos e na divisão da concepção de liberdade em liberdade positiva e liberdade negativa.
Uma segunda forma de republicanismo tachada de rigorosa, apresentase com os mesmos postulados anteriores, mas os agudiza no sentido de formulação e justificação de uma distinção entre moralidade e direito, no intento de estabelecer correspondências entre as motivações internas (morais) como determinantes das pautas políticas (direito) e, inversamente, estabelecendo exigências estritas sobre os sujeitos como cidadãos mediante o primordial interesse na questão social.
Mogach (cf. p.39) associa esta concepção rigorosa de republicanismo à esquerda hegeliana, mais especificamente a Bruno Bauer e os debates sobre o republicanismo no período do Vormärz e seu projeto de um modelo republicano que assuma a liberdade positiva de feição hegeliana como forma de reordenar as instituições sociais tradicionais, dilaceradas pela divisão do trabalho e pelo predomínio dos interesses privados.
Nesta concepção de republicanismo de feição alemã, o interesse privado é preservado, porém submetido a uma autotransformação pelo recurso à luta por instituições políticas racionais como modo eficiente de uma dúplice reordenação social que incida nos indivíduos e nas próprias instituições.
Nesta leitura do republicanismo de base hegeliana, as instituições são racionais na medida em que resultam da atividade autotélica [8] dos indivíduos e menos por realizarem um princípio metafísico ou fins substanciais prévios.
Moggach (p. 42), ao resgatar na esteira de Hegel, a concepção de Bruno Bauer, [9] a interpreta no sentido e marco das atuais correntes neohegelianas que se auto-intitulam de pós-metafísicas, [10] exatamente na medida em que assume as constatações da diagnose hegeliana, mas rompe a discursividade especulativa imanente que as desvelam como modo de evitar o compromisso discursivo com a integridade sistemática do pensamento hegeliano.
O republicanismo que Moggach (p.46-47) extrai da esquerda hegeliana, especificamente de Bruno Bauer, constitui-se pela dúplice raiz conceitual de Kant e Hegel. Em Kant, afirma Moggach (p.46), Bauer apropria-se da crítica transcendental às formas da heteronomia empírica e racional, mas se aproxima da heteronomia racional ancorada na ideia de perfecionismo, pois, mesmo sustentando que a subjetividade autodetermina-se quando repudia interesses privados e universais transcendentais, acredita Bauer que o papel da espontaneidade e da autonomia, quando assumidos conscientemente, devem conduzir ao progresso histórico.
Em Hegel, declara-nos Moggach (p.47), que Bauer encontra o diagnóstico da modernidade e o papel central atribuído a personalidade livre infinita, como os pilares restantes para a construção madura de seu republicanismo.
Dentro deste cenário, Bauer constrói sua concepção republicana adjudicando à modernidade a tarefa de incorporação na atuação dos sujeitos da autonomia e da razão como um esforço à construção racional da objetividade desde um regresso ao eu racional, ao contrário do propugnado por Hegel.
O republicanismo de Bauer propõe um modelo de estado laicizado, com intenso papel do indivíduo na vida pública, e dirige-se ferozmente em face da nascente sociedade de massas que obnubila o político, enclausurando os indivíduos na exclusividade de seus fins privados, impedindo a dupla reflexividade nascente com a modernidade e a percepção da racionalidade do curso histórico, tornando os indivíduos meros solipsistas práticos.
(c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana
Após as revoluções de 1848, a esquerda hegeliana conhece, através dos debates entre Bauer e Marx, em torno da questão judaica, uma cisão entre republicanismo e socialismo. Na esteira deste diálogo, Bauer enfatiza a crítica às concepções de liberdade constituídas desde a vaga pós-revolucionária, inclusive as de Marx e Hegel, e afirma a centralidade do projeto republicano na emancipação social e não somente na emancipação política, propugna a libertação do proletariado, o qual era por ele designado de helotas [11] da sociedade civil [bürgerlichen Heloten].
Nesta tarefa de posicionar seu republicanismo como antípoda do socialismo, Bauer, consoante Moggach (p. 58), defende um modelo de sociedade civil que repudie o primado da liberdade de escolha exercida sob o.jugo do mercado, apelando a uma participação política em prol de um certo perfeccionismo social, por imputar ao modelo liberal a pecha de, em sua base formativa, transformar os indivíduos em massa, ao identificar autonomia individual e asserção individualista resultante da posse protegida pelo direito privado, instituindo um anacrônico individualismo possessivo.
Contudo, se o republicanismo de Bauer é contra o liberalismo e a favor de uma reordenação recíproca de liberdade negativa e positiva como forma do ser livre da modernidade, o mesmo Bauer filia-se à crítica liberal quando de sua repulsa ao socialismo, taxando-o unicamente de buscar a satisfação imediata do proletariado. Para Bauer, o projeto socialista de emancipação e generalização da classe proletária seria apenas a universalização da necessidade e da pobreza.
Nesta tensão entre republicanismo e socialismo ou entre as divergências da esquerda hegeliana, mais especificamente entre Bauer e Marx, Moggach (p. 65 e s) quer estruturar a concepção republicana oriunda do hegelianismo. No seio deste debate entre Bauer e Marx, ou entre republicanismo e socialismo, Marx constitui sua concepção de socialismo na crítica e ao mesmo tempo retomada da concepção de trabalho hegeliana e de sua correspondência com as determinações lógicas da Ciência da Lógica, na seção teleologia. Aduz ainda Moggach (p. 66) que a concepção de trabalho de Marx permite-nos visualizar uma nova concepção de democracia, mesmo que não explicitado diretamente por Marx, que englobe os processo de trabalho e as relações sociais que lhe são condicionantes, como modos de efetivação das pautas modernas por liberdade, igualdade e fraternidade. Nesta nova concepção de democracia, que estaria contida em Marx derivada da sua concepção de trabalho, dois são os fundamentos operantes: a autoadministração e o planejamento.
Para Bauer, a teoria socialista fetichiza o trabalho e sobrevaloriza o proletariado; para Marx o republicanismo é um modo ideológico que mascara as contradições da vida real e é impotente em face do capital.
- Conclusões
O livro do Prof. Moggach inscreve-se no marco de leituras da filosofia política da atualidade que buscam extrair de autores, consagrados ou não, seu potencial de compreensão do passado como modo de explicitação das dinâmicas e aflições contemporâneas, só por este ponto, o texto, que ora se resenha, merece ser lido e meditado.
Contudo, há outro motivo que instiga a leitura e a análise das conclusões inferidas e que se refere ao resgate de uma tradição filosófica, outrora muito conhecida e, atualmente, pouco estudada e relegada a um injusto ostracismo. Trata-se da vazante de pensadores que, na esteira do idealismo alemão em geral, e de Hegel em particular, movimentaram intensamente o debate pós-revolucionário de 1848 e de um certo modo polarizaram, por décadas, todo o debate da filosofia política e que poderíamos resumi-los a: Kuno Fischer, Karl Rosenkranz, Eduard Gans, F.W. Carové, H. F. W. Hinrichs, Carl L. Michelet, H. B. Oppenheim, John Eduard Erdmann, Carl Rössler, os assim denominados da direita hegeliana [Hegelsche Rechte] e Heinrich Heine, Arnold Ruge, Moses Hess, Max Stirner, Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e Karl Marx, que, no passado, foram denominados da esquerda hegeliana [Hegelsche linke]. Claro que o resgate, aqui, mencionado resume-se a Bauer e a Marx, porém estudos como este do Prof. Moggach incitam os jovens pesquisadores na busca de alternativas teóricas aos lugares comuns da atual ortodoxia da filosofia política.
Por fim, espera-se que esta não seja a única das publicações do Professor Moggach vertidas à flor do lácio, mas apenas a primeira de tantas a nos brindar com suas análises atuais e lúcidas sobre os problemas contemporâneos do republicanismo, liberalismo e do Estado de direito.
Notas
1. Pensa-se, mais especificamente, nos desenvolvimentos constituídos em The Philosophy and Politics of Bruno Bauer, Cambridge: ed. Cambridge University Press, 2003, em Reason, Universality, and History, Ottawa, Legas Press, 2004, 303 pp.(com Michael Buhr) e no volume organizado pelo autor intitulado de The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
2. O professor Douglas Moggach expôs, sob a forma de intuições no texto introdutório ao livro The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, os conceitos que, posteriormente, se encontram aqui desenvolvidos. Não por mera coincidência, o texto de abertura do referido volume intitula-se: Introduction: Hegelianism, Republicanism, and Modernity, pp.1-24.
3. Moggach, 2010, p. 9.
4. É usualmente utilizado na bibliografia hegeliana, especialmente na brasileira, o terceiro momento da vontade hegeliana com a expressão singularidade, mas, como fora optado pelo autor e pelo tradutor o termo individualidade, dele nos serviremos.
5. Moggach (p.23) nos diz que a vontade universal é idêntica à tese fichteana do eu=eu da Doutrina da Ciência.
6. Moggach (p.24-25) indica que Hegel crítica tal concepção de vontade abstratamente universal, mediante o recurso à três experiências históricas que demonstraram sua fragilidade, (a) a concepção estóica de liberdade, (b) a bela alma romântica e (c) o terror jacobino.
7. Do Latim: decido, -is, -ère, decidi, -cisum. Sent. próprio: 1) Separar cortando, cortar, reduzir (Tac. G.10) in. Farias, Dicionário Latino-Português. p. 280.
8. Para não cair no teleologismo de base hegeliana, Moggach afirma que a ação é autotélica [que se dá fins] e não portadora de um telos, que, lhe sendo imanente, pré-ordena sua atividade, determinando-a.
9. Principalmente o Bruno Bauer das obras: Die Posaune des jüngsten Gerichts über Hegel, den Atheisten und Antichristen, Geschichte Deutschlands und der französischen Revolution unter der Herrschaft Napoleons e Hegels Lehre von der Religion und Kunst von dem Standpunkte des Glaubens aus beurteilt.
10. Pensa-se aqui em Axel Honneth, Jean-François Kervègan, Paul Ricoeur entre outros
11. Também chamados de Hilotas, na Grécia, eram servos e propriedade do estado. Não se deve confundir os Hilotas [servos] com os escravos, pois estes eram de outro estrato social
Agemir Bavaresco – PUCRS.
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – PPGFIL-UFRGS.
MOGGACH, Douglas. Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade.Trad. Roberto Hofmeister Pich. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. Resenha de: BAVARESCO, Agemir; COSTA, Danilo Vaz-Curado R. M. Dissertatio, Pelotas, v.32, 2010. Acessar publicação original.
Hegelianismo/ Republicanismo e Modernidade – MOGGACH (D)
MOGGACH, Douglas. Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade.Trad. Roberto Hofmeister Pich. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. Resenha de: BAVARESCO, Agemir; COSTA, Danilo Vaz-Curado R. M. Dissertatio, Pelotas, v.32, 2010.
A obra Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade é a versão revisada de uma série de conferências realizadas na Universidade Federal da Bahia UFBA, no ano de 2004, pelo professor Douglas Moggach e que, posteriormente, foram lançadas em inglês com o título Hegelianism, Republicanism, and Modernity, e vertidas ao português pelo trabalho sempre competente do professor Roberto Hofmeister Pich (PUCRS), que, na tradução, que ora se resenha, permite ao leitor apreciá-la sem dar-se conta de que se trata de um texto traduzido.
O professor Douglas Moggach, atualmente, leciona na Universidade de Ottawa na School of Political Studies, sendo um reconhecido especialista no pensamento hegeliano desde a vazante interpretativa conhecida pela alcunha de esquerda hegeliana. As pesquisas do estudioso notabilizam-se no plano propriamente historiográfico pelo resgate do papel e da contribuição de Bruno Bauer para a compreensão, tanto de Hegel em específico, como de todo o idealismo alemão em geral, e, pela apresentação de um novo conceito de republicanismo, que está ligado, segundo suas pesquisas, a Hegel e à exegese que é feita de seu pensamento pela esquerda hegeliana.
O livro estrutura-se em três capítulos, respectivamente, intitulados de: (a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade, (b) republicanismo hegeliano e por fim (c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana.
Dividiremos a presente resenha em dois momentos, primeiramente, se fará (i) revelar a estrutura temático-argumentativa do autor, apresentando, segundo a ordem do discurso, os principais temas e problemas desenvolvidos nos três capítulos de seu livro e, após esta fase, (ii) analisaremos as conclusões do autor, de modo a avaliar o potencial de produtividade estabelecido pelo livro e por suas conclusões.
- Desvelando a estrutura argumentativa de Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade
O projeto de reconstrução e resgate de conceitos como republicanismo, modernidade e liberdade desde o pensamento de Hegel, mas, com foco na exegese da esquerda hegeliana [Hegelsche Linke], vem sendo desenvolvido com muita percuciência pelo prof. Douglas Moggach1ao longo da sua trajetória acadêmica e que, agora, conforme se demonstrará, se expõe em toda a sua maturidade.2
(a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade: Por um novo conceito de liberdade
A tese de Moggach, neste primeiro capítulo, é conectar o significado do idealismo alemão com a sua concepção de liberdade, de modo a articular liberdade, história e modernidade.
A constatação do renovado interesse na atualidade pelo instrumento hegeliano resume-se, basicamente, a três eixos de abordagens e retomadas, respectivamente postas em: a leitura de Hegel, desde o sinal transcendental do projeto kantiano, a mudança de sentido do projeto político hegeliano, exposto na Filosofia do Direito a partir da publicação das Vorlesungen por Karl Heinz-Ilting e a reavaliação da concepção política da escola hegeliana.
O primeiro modo de retomada do hegelianismo constitui-se a partir de uma leitura aproximativa entre Hegel e Kant, em que o primeiro passa a ser lido desde os limites do projeto transcendental do segundo, iluminando assim uma legítima compreensão hegeliana da constituição objetiva da intersubjetividade,3enquanto unidade imanente entre determinação conceitual e objetividade.
A segunda frente situa-se em reavaliar o status acerca do qual repousa o intento exposto na Filosofia do Direito, pondo em cheque a tradicional concepção política hegeliana de uma monarquia constitucional em favor de uma compreensão de justificação estatal desde o primado da soberania popular, tal como exposto nas Vorlesungen.
E o terceiro desenvolvimento, que se dirige em torno da escola hegeliana, sinaliza o sentido da inclusão do republicanismo como a chave de compreensão do legado de Hegel e da esquerda hegeliana, focada principalmente na sua crítica ao estado da restauração ao invés da sempre mencionada crítica à religião.
Como forma de dar conta e posicionar-se acerca destas três novas formas de abordagem do pensamento hegeliano, Douglas Moggach (p.12) retoma os motivos e os fundamentos da corrente denominada idealismo alemão, de modo a recuperar o fio histórico que conduz a Hegel e que lhe orienta, para assim poder conectar estes novos vieses interpretativos à compreensão da contemporaneidade. Para tanto, Moggach (p.12), interpreta o idealismo alemão como “[…] uma reflexão extensa sobre a idéia de liberdade e as perspectivas para a sua realização no mundo moderno”, ao mesmo tempo em que diferencia o idealismo que se estruturou como alemão dos demais idealismos, em síntese, pôr não estabelecer uma ordem transcendente perfeita em detrimento da imperfeição do real (Platão), nem reduzir o ser ao pensamento, negando a existência do mundo exterior (Berkeley).
Moggach (p.14) afirma que o problema filosófico central do idealismo alemão é a pergunta pela racionalidade da objetividade e como podemos nos determinar de modo igualmente racional face ao mundo e a nós mesmos. O autor declara que o idealismo alemão pode nos conceder um grande legado com a introdução do conceito de espontaneidade kantiano, que consiste em
Agemir Bavaresco, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa 322 uma necessidade definível, segundo Moggach (p.18), em “a habilidade da vontade de se determinar somente pelas causas que ela mesma admite ou permite que operem”, proporcionando um meio conceitual de adequação, sem subsunção, entre a autonomia e a heteronomia, entre se dar normas (subjetividade) e viver comunitariamente sob normas (intersubjetividade).
Porém, para que a espontaneidade unisse, sem dissolução, autonomia e heteronomia, era preciso superar a concepção racionalista de Leibniz de uma harmonia pré-estabelecida, posto que esta se constitua unicamente por determinações internas pré-existentes, impedindo qualquer modo de reflexão exterior e a heterodeterminação; novamente Moggach (p. 20) nos acena que Kant, com a categoria da relação, estabelecera as condições para pensar e compreender a internalização da causalidade e, logo, do papel central da espontaneidade como operador entre o eu teórico em face do eu prático.
O conceito espontaneidade, legado do idealismo, é que permite a passagem, na modernidade, para uma concepção de polis fundada moralmente e não como em Locke e Hobbes, alicerçada no cálculo e no interesse.
Deste novo componente legado por Kant, a espontaneidade, e apropriado por Hegel, nos apresenta Moggach (p.21) uma tríplice estruturação do conceito de vontade, ancorada em sua Ciência da Lógica hegeliana e que se baseia em uma tentativa de deduzir do eu teórico as condições de explicitação lógica do eu prático, coordenando a autoreferência interna da apercepção com a determinação externa da vontade que deseja e quer.
Neste percurso de tríplice constituição da vontade, Moggach (p.23) considera que Hegel estrutura os níveis de universalização e realização da vontade em: vontade formalmente universal, particular e individual.4 A primeira esfera da vontade é a vontade universal, a qual se duplica em dois momentos, vontade como forma e um segundo, que pode ser designado de vontade universal, como conteúdo.
O primeiro estágio da vontade universal é aquele em que esta se figura como sendo imediatamente negativa,5 não determinada por nada que não por si mesma, ponto de partida de Hegel da ideia de liberdade, tal como exposta na sua Filosofia do Direito e claramente insuficiente para os padrões contemporâneos.6 O segundo momento do primeiro estágio de determinação da vontade universal hegeliana, consoante a leitura de Moggach (p.25), “[…] se refere à sua habilidade de assumir um conteúdo e fazer dele seu próprio” e é tematizada por Hegel na seção moralidade de sua Filosofia do Direito.
Neste estágio de determinação do eu prático pelo eu teórico, a vontade não é apenas abstração, negação formal, mas a capacidade negativa de discriminação e padronização da vontade como querer, historicamente situado e interacionalmente partilhado, e não como em Kant, atemporal, pois meramente formal A segunda esfera de autodeterminação da vontade é a particularidade, momento de determinação da vontade universal que possui forma e conteúdo, mas se depara em face de objetos (desejos, impulsos, outras vontades etc.) que lhe são exteriores e que, em face destes objetos, deve particularmente determinar-se.
Neste momento, de acordo com Moggach (p. 26), Hegel encontra-se com Fichte novamente, mas não com o Fichte que identifica o eu = eu, e, sim, com o Fichte que determina a autoconsciência como incisivamente sob o pálio do eu prático, logo, da intersubjetividade intrasubjetiva. Agora é o conteúdo empírico da autoconsciência que a obriga a se determinar, não exclusivamente de modo interno, mas prioritariamente sob o signo da alteridade e da diferença.
A universalidade da vontade percebe-se em relação com objetos e se objetualiza como um particular frente a outros particulares, passa-se da capacidade normativa da vontade à sua capacidade de determinação descritiva. Nesta figuração, Moggach (p. 27) demonstra como em Hegel encontra-se posta uma dura crítica tanto ao liberalismo como a Hobbes, consistente na incapacidade de sermos espontaneamente determinados apenas pela esfera da particularidade. Na esteira ainda desta crítica, Moggach (p. 27) afirma que “esse é o defeito de Hobbes e, muito também, do liberalismo subseqüente: ver a liberdade como a ausência de obstáculos entre os sujeitos e os objetos do seu desejo, mas em perguntar à luz de que padrões esses desejos são justificados”.
A terceira configuração ou esfera da vontade é a sua determinação como liberdade que decide ou da decisão, movimento de passagem na vontade do interior para o exterior, da liberação da forma no conteúdo, o decide7, expressa a vontade focada em um objeto por exclusão dos demais, momento através do qual a vontade individualiza-se pelo movimento de universalização particular de seu conteúdo, em face do universo de objetos e possibilidade frente às quais teve de se decidir.
Este terceiro estágio da vontade é descrito por Moggach como “o universal adquire substância e concretude pela seleção e representação de si mesmo num conteúdo particular, o qual, por isso mesmo, cessa de ser meramente dado, e é ‘posto’ ou conscientemente aceito” (p. 28).
Neste projeto de tríplice determinação da vontade, sua expressão concreta é a liberdade que escolhe se autolimitar e que, por isso, reconcilia subjetividade e objetividade.
Moggach define o idealismo alemão como expressão da razão prática e acentua que Hegel, com a Fenomenologia do Espírito, estabelece a forma de compreensão de uma história da razão prática, ancorada nas diversas formas de relacionamento entre o eu e o mundo pelas figurações históricas experienciadas, que, por seu turno, permitem a constituição da personalidade como um ato de liberdade, onde a vontade é exercida como modo de determinação para-si de seus fins e atributos (cf. p. 29).
Contudo, nos adverte Moggach que “a teoria de Hegel não é simplesmente um endosso da ordem liberal, mas um modernismo crítico ou alternativo” (p.32), centrado na irredutível diferença entre sociedade civil e estado, estabelecendo as condições de efetivação de uma concepção de cidadania focada em um modelo de comunidade racionalmente ordenado.
Certamente é esta unidade entre (i) idealismo alemão, compreendido como a totalidade histórica das configurações do pensar, (ii) modernidade, expressão temporal de realização desta totalidade que é o idealismo alemão (iii) e hegelianismo, apreensão conceitual da temporalidade à luz do discurso filosófico, tendo como centro explicativo a ideia de liberdade, que conduz, na análise de Moggach, a uma diferenciada concepção de republicanismo que será desenvolvida no capítulo seguinte.
(b) republicanismo hegeliano
No primeiro capítulo do livro, Douglas Moggach (p.11) nos afirma que, em linhas gerais, o republicanismo no idealismo alemão pode ser compreendido como uma teoria da liberdade positiva ou da autotranscendência, que alterna, motivos éticos e estéticos derivados de Kant e Hegel, na constituição do status de cidadão.
No segundo capítulo, Moggach (p. 37) afirma ser o estudo do republicanismo uma importante nuance do pensamento político contemporâneo, mas que, paradoxalmente, o republicanismo de origem alemã não tem sido amplamente recepcionado, em razão de que ele tem suas raízes em Hegel e sob este paira uma ‘suspeita’ acerca de uma suposta submissão da liberdade à metafísica.
Assim, insere-se o intento do presente capítulo em esclarecer este flanco aberto, constituído pela tentativa de superação desta negação de aproximação da teoria contemporânea à concepção republicana hegeliana, através da demonstração do seu potencial de diagnose e da atualidade deste específico tipo de republicanismo.
Para situar-nos preliminarmente em face do republicanismo, informanos Mogach que: “A idéia republicana central é que as práticas e instituições de cidadania são integrais à experiência da liberdade; elas não são meramente instrumentais aos propósitos econômicos, como no liberalismo, nem são elas indispensáveis em favor da administração econômica” (p. 37).
O autor (p.38-39) nos apresenta duas concepções que balizam o debate dentro desta renaissance do republicanismo, em um corte que os divide em uma versão moderada de republicanismo, pautada no postulado da nãodominação e compatível com uma concepção republicana de raiz nitidamente jurídica, centrada na defesa dos direitos e na divisão da concepção de liberdade em liberdade positiva e liberdade negativa.
Uma segunda forma de republicanismo tachada de rigorosa, apresentase com os mesmos postulados anteriores, mas os agudiza no sentido de formulação e justificação de uma distinção entre moralidade e direito, no intento de estabelecer correspondências entre as motivações internas (morais) como determinantes das pautas políticas (direito) e, inversamente, estabelecendo exigências estritas sobre os sujeitos como cidadãos mediante o primordial interesse na questão social.
Mogach (cf. p.39) associa esta concepção rigorosa de republicanismo à esquerda hegeliana, mais especificamente a Bruno Bauer e os debates sobre o republicanismo no período do Vormärz e seu projeto de um modelo republicano que assuma a liberdade positiva de feição hegeliana como forma de reordenar as instituições sociais tradicionais, dilaceradas pela divisão do trabalho e pelo predomínio dos interesses privados.
Nesta concepção de republicanismo de feição alemã, o interesse privado é preservado, porém submetido a uma autotransformação pelo recurso à luta por instituições políticas racionais como modo eficiente de uma dúplice reordenação social que incida nos indivíduos e nas próprias instituições.
Nesta leitura do republicanismo de base hegeliana, as instituições são racionais na medida em que resultam da atividade autotélica8 dos indivíduos e menos por realizarem um princípio metafísico ou fins substanciais prévios.
Moggach (p. 42), ao resgatar na esteira de Hegel, a concepção de Bruno Bauer,9a interpreta no sentido e marco das atuais correntes neohegelianas que se auto-intitulam de pós-metafísicas,10exatamente na medida em que assume as constatações da diagnose hegeliana, mas rompe a discursividade especulativa imanente que as desvelam como modo de evitar o compromisso discursivo com a integridade sistemática do pensamento hegeliano.
O republicanismo que Moggach (p.46-47) extrai da esquerda hegeliana, especificamente de Bruno Bauer, constitui-se pela dúplice raiz conceitual de Kant e Hegel. Em Kant, afirma Moggach (p.46), Bauer apropria-se da crítica transcendental às formas da heteronomia empírica e racional, mas se aproxima da heteronomia racional ancorada na ideia de perfecionismo, pois, mesmo sustentando que a subjetividade autodetermina-se quando repudia interesses privados e universais transcendentais, acredita Bauer que o papel da espontaneidade e da autonomia, quando assumidos conscientemente, devem conduzir ao progresso histórico.
Em Hegel, declara-nos Moggach (p.47), que Bauer encontra o diagnóstico da modernidade e o papel central atribuído a personalidade livre infinita, como os pilares restantes para a construção madura de seu republicanismo.
Dentro deste cenário, Bauer constrói sua concepção republicana adjudicando à modernidade a tarefa de incorporação na atuação dos sujeitos da autonomia e da razão como um esforço à construção racional da objetividade desde um regresso ao eu racional, ao contrário do propugnado por Hegel.
O republicanismo de Bauer propõe um modelo de estado laicizado, com intenso papel do indivíduo na vida pública, e dirige-se ferozmente em face da nascente sociedade de massas que obnubila o político, enclausurando os indivíduos na exclusividade de seus fins privados, impedindo a dupla reflexividade nascente com a modernidade e a percepção da racionalidade do curso histórico, tornando os indivíduos meros solipsistas práticos.
(c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana
Após as revoluções de 1848, a esquerda hegeliana conhece, através dos debates entre Bauer e Marx, em torno da questão judaica, uma cisão entre republicanismo e socialismo. Na esteira deste diálogo, Bauer enfatiza a crítica às concepções de liberdade constituídas desde a vaga pós-revolucionária, inclusive as de Marx e Hegel, e afirma a centralidade do projeto republicano na emancipação social e não somente na emancipação política, propugna a libertação do proletariado, o qual era por ele designado de helotas11 da sociedade civil [bürgerlichen Heloten].
Nesta tarefa de posicionar seu republicanismo como antípoda do socialismo, Bauer, consoante Moggach (p. 58), defende um modelo de sociedade civil que repudie o primado da liberdade de escolha exercida sob o.jugo do mercado, apelando a uma participação política em prol de um certo perfeccionismo social, por imputar ao modelo liberal a pecha de, em sua base formativa, transformar os indivíduos em massa, ao identificar autonomia individual e asserção individualista resultante da posse protegida pelo direito privado, instituindo um anacrônico individualismo possessivo.
Contudo, se o republicanismo de Bauer é contra o liberalismo e a favor de uma reordenação recíproca de liberdade negativa e positiva como forma do ser livre da modernidade, o mesmo Bauer filia-se à crítica liberal quando de sua repulsa ao socialismo, taxando-o unicamente de buscar a satisfação imediata do proletariado. Para Bauer, o projeto socialista de emancipação e generalização da classe proletária seria apenas a universalização da necessidade e da pobreza.
Nesta tensão entre republicanismo e socialismo ou entre as divergências da esquerda hegeliana, mais especificamente entre Bauer e Marx, Moggach (p. 65 e s) quer estruturar a concepção republicana oriunda do hegelianismo. No seio deste debate entre Bauer e Marx, ou entre republicanismo e socialismo, Marx constitui sua concepção de socialismo na crítica e ao mesmo tempo retomada da concepção de trabalho hegeliana e de sua correspondência com as determinações lógicas da Ciência da Lógica, na seção teleologia. Aduz ainda Moggach (p. 66) que a concepção de trabalho de Marx permite-nos visualizar uma nova concepção de democracia, mesmo que não explicitado diretamente por Marx, que englobe os processo de trabalho e as relações sociais que lhe são condicionantes, como modos de efetivação das pautas modernas por liberdade, igualdade e fraternidade. Nesta nova concepção de democracia, que estaria contida em Marx derivada da sua concepção de trabalho, dois são os fundamentos operantes: a autoadministração e o planejamento.
Para Bauer, a teoria socialista fetichiza o trabalho e sobrevaloriza o proletariado; para Marx o republicanismo é um modo ideológico que mascara as contradições da vida real e é impotente em face do capital.
- Conclusões
O livro do Prof. Moggach inscreve-se no marco de leituras da filosofia política da atualidade que buscam extrair de autores, consagrados ou não, seu potencial de compreensão do passado como modo de explicitação das dinâmicas e aflições contemporâneas, só por este ponto, o texto, que ora se resenha, merece ser lido e meditado.
Contudo, há outro motivo que instiga a leitura e a análise das conclusões inferidas e que se refere ao resgate de uma tradição filosófica, outrora muito conhecida e, atualmente, pouco estudada e relegada a um injusto ostracismo. Trata-se da vazante de pensadores que, na esteira do idealismo alemão em geral, e de Hegel em particular, movimentaram intensamente o debate pós-revolucionário de 1848 e de um certo modo polarizaram, por décadas, todo o debate da filosofia política e que poderíamos resumi-los a: Kuno Fischer, Karl Rosenkranz, Eduard Gans, F.W. Carové, H. F. W. Hinrichs, Carl L. Michelet, H. B. Oppenheim, John Eduard Erdmann, Carl Rössler, os assim denominados da direita hegeliana [Hegelsche Rechte] e Heinrich Heine, Arnold Ruge, Moses Hess, Max Stirner, Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e Karl Marx, que, no passado, foram denominados da esquerda hegeliana [Hegelsche linke]. Claro que o resgate, aqui, mencionado resume-se a Bauer e a Marx, porém estudos como este do Prof. Moggach incitam os jovens pesquisadores na busca de alternativas teóricas aos lugares comuns da atual ortodoxia da filosofia política.
Por fim, espera-se que esta não seja a única das publicações do Professor Moggach vertidas à flor do lácio, mas apenas a primeira de tantas a nos brindar com suas análises atuais e lúcidas sobre os problemas contemporâneos do republicanismo, liberalismo e do Estado de direito.
Notas
1 Pensa-se, mais especificamente, nos desenvolvimentos constituídos em The Philosophy and Politics of Bruno Bauer, Cambridge: ed. Cambridge University Press, 2003, em Reason, Universality, and History, Ottawa, Legas Press, 2004, 303 pp.(com Michael Buhr) e no volume organizado pelo autor intitulado de The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
2 O professor Douglas Moggach expôs, sob a forma de intuições no texto introdutório ao livro The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, os conceitos que, posteriormente, se encontram aqui desenvolvidos. Não por mera coincidência, o texto de abertura do referido volume intitula-se: Introduction: Hegelianism, Republicanism, and Modernity, pp.1-24.
3 Moggach, 2010, p. 9.
4 É usualmente utilizado na bibliografia hegeliana, especialmente na brasileira, o terceiro momento da vontade hegeliana com a expressão singularidade, mas, como fora optado pelo autor e pelo tradutor o termo individualidade, dele nos serviremos.
5 Moggach (p.23) nos diz que a vontade universal é idêntica à tese fichteana do eu=eu da Doutrina da Ciência.
6 Moggach (p.24-25) indica que Hegel crítica tal concepção de vontade abstratamente universal, mediante o recurso à três experiências históricas que demonstraram sua fragilidade, (a) a concepção estóica de liberdade, (b) a bela alma romântica e (c) o terror jacobino.
7 Do Latim: decido, -is, -ère, decidi, -cisum. Sent. próprio: 1) Separar cortando, cortar, reduzir (Tac. G.10) in. Farias, Dicionário Latino-Português. p. 280.
8 Para não cair no teleologismo de base hegeliana, Moggach afirma que a ação é autotélica [que se dá fins] e não portadora de um telos, que, lhe sendo imanente, pré-ordena sua atividade, determinando-a.
9 Principalmente o Bruno Bauer das obras: Die Posaune des jüngsten Gerichts über Hegel, den Atheisten und Antichristen, Geschichte Deutschlands und der französischen Revolution unter der Herrschaft Napoleons e Hegels Lehre von der Religion und Kunst von dem Standpunkte des Glaubens aus beurteilt.
10 Pensa-se aqui em Axel Honneth, Jean-François Kervègan, Paul Ricoeur entre outros
11 Também chamados de Hilotas, na Grécia, eram servos e propriedade do estado. Não se deve confundir os Hilotas [servos] com os escravos, pois estes eram de outro estrato social
Agemir Bavaresco – PUCRS.
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – PPGFIL-UFRGS.