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Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil / Luiz A. S. Freitas
A transformação dos territórios federais a categoria de estados da federação, percorreu longa trajetória, uma vez que diferentes interesses econômicos, políticos e estratégicos de ocupação socio-espacial no Brasil explicam as forças horizontais e verticais de mudança para a revisão da organização político-administrativa do país nas regiões Norte e Centro Oeste, com destaque à faixa de fronteira.
Tomando como referência o século XX, como pano de fundo nesta discussão, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, escrito como dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), pelo hoje doutor Luiz Aimberê Soares de Freitas, trata-se de um livro clássico em função do vanguardismo e interdisciplinaridade apresentados.
Não obstante a relevância de apresentar os debates conjunturais de curta duração sobre a formação dos territórios federais no governo do presidente Getúlio Vargas ou da transformação em estados, o livro traz um importante resgate sobre o desenvolvimento das políticas públicas como uma força profunda de longa duração desde o período da colonização portuguesa.
As políticas públicas surgem no Brasil colonial, como uma forma de equacionar problemas econômicos e sociais, segundo um padrão incremental, horizontal e descentralizado, o qual perdura até o primeiro quartil do século XX, quando passam a ser planejadas centralizadas verticalmente pelo governo federal até o período da redemocratização no Brasil, no último quartil do século XX.
De um lado, com a era do planejamento governamental no século XX, surgiram políticas verticalizadas pela União, as quais nortearam o desenvolvimento regional com base em três linhas de raciocínio: a) a ocupação espacial via territórios federais, b) o desenvolvimento, e, c) a integração do país.
De outro lado, com a redemocratização do país, no final do século XX, a dinâmica de planejamento perde seu motor de verticalização exclusiva, e, passa a ser desenvolvido, também, com o estímulo para o plano das horizontalidades, justamente, por meio de políticas públicas descentralizadas e pela conformação dos territórios federais em estados.
Fruto de uma audaciosa discussão, prefaciada pelo atual Vice Presidente da República, Michel Temer, a qual apresenta rigor e profundidade analítica em apenas 114 páginas, por meio de uma estrutura de 4 capítulos, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, trata-se de um referencial clássico no estado de Roraima e em outros ex-territórios, recomendado para acadêmicos, pesquisadores e policymakers.
No primeiro capítulo, “Ocupação espacial, a República e os Territórios Federais, o autor descreve o processo de ocupação espacial do território brasileiro como acidental e precário ao longo do tempo, motivo pelo qual até o início do século XX, havia um padrão descentralizado de desenvolvimento das políticas públicas, mesmo após a experiência da independência com a Monarquia e a República.
Durante o período colonial, os territórios interioranos, mais precisamente, as atuais regiões da Amazônia e do Centro-Oeste foram áreas intencionalmente ocupadas por meio de Entradas e Bandeiras, a fim de se descobrir metais preciosos, haja vista que no litoral não foram descobertas riquezas minerais, o que repercutiu na implementação de uma exploração produtiva de Pau-Brasil e Cana de Açúcar no início.
Em 1534, Portugal aproveitou sua experiência colonizadora nas ilhas de Madeira e Açores pelo sistema cartorial de capitanias hereditárias, de maneira que o litoral se tornou policiado, esporadicamente, apenas para afastar invasores europeus que rondavam a costa brasileira e para distribuir degredados pela Santa Inquisição, transformados, futuramente, nos primeiros germes da vida municipal no Brasil nas chamadas Feitorias.
Destarte, no período colonial havia uma alta descentralização das políticas públicas, a qual era caracterizada pelo histórico coronelista das Feitorias, as quais tiveram, quase sempre, caráter militar, vigilância e combate a possíveis invasores, conservando em suas organizações os mesmos princípios: autocracia dos capitães-vigia, obediência irrestrita dos subordinados, determinação militar defensiva contra invasores além-mar e, cooptação e coerção de indígenas rebeldes que não aceitavam a submissão.
No segundo capítulo, Planejamento Nacional e os Territórios Federais”, o texto aborda o planejamento nacional e os territórios federais, partindo do pressuposto que 1939 é um marco no planejamento brasileiro, em a sua conformação verticalizada, já que até então, as políticas e planos governamentais tratavam apenas de dois assuntos: a) penetrar no interior do país para conhecê-lo e explorá-lo; e, b) integrar o litoral, sempre mais conhecido, ao interior misterioso e, portanto, mais propício ao desenvolvimento.
As regiões ricas do país não manifestavam interesse em conquistar, o interior e desprender-se da tradição de viver a beira-mar. Medidas foram adotadas para estimular a colonização, trazendo, para a região Amazônica e Centro-Oeste, nordestinos fugidos da seca para atuarem como “soldados da borracha” e na construção de Brasília e da Transamazônica.
As inúmeras tentativas por parte do governo federal em direcionar a migração para o interior, dessa vez para a Amazônia, foram bastante discutidas, motivo pelo qual a criação dos territórios federais, como fator de integração, teve como objetivo principal levar vida à solidão dessas regiões, atendendo, ao mesmo tempo, às exigências de ocupação da terra, de povoamento, de valorização e de segurança de pontos estratégicos.
No terceiro capítulo, “Território Federais no Contexto Amazônico”, há uma relevante observação sobre a ausência de políticas públicas específicas voltadas para os territórios federais recém-criados no período do governo Getúlio Vargas, demonstrando que eles, embora, fossem administrados diretamente pala união, com base em um governo forte, não foram beneficiados com diretrizes suficientemente capazes de lhes assegurar prioridade, como era de se esperar.
Movidos pelo paradigma técnico-burocrático-militar, os planejadores, embora desejassem, não avançaram em termos de políticas de desenvolvimento para a Amazônia, pois a região era vista apenas como área de segurança nacional e refúgio insustentável para migrantes de outras regiões. A modernização, fruto das rodovias, aeroportos e comunicação foram insuficientes para atender as necessidades sociais e o desenvolvimento regional.
Planos imediatistas foram instaurados nos territórios federais, novamente, sem sucesso, pois seus objetivos, curto-prazistas, de fomentar a auto-sustentação e a formação de um mercado nacional integrado, foram insuficientes na promoção do desenvolvimento regional, haja vista as especificidades trazidas pelos diferentes biomas e formações socio-históricas amazônica e do Centro-Oeste.
No quarto capítulo, o livro discorre sobre as condições para a transformação dos territórios federais em estados, com o advento da Constituição de 1988, por meio da análise comparativa do contexto apriorístico, com uma rarefeita agenda de políticas públicas voltadas para os territórios federais vis-à-vis ao contexto a posteriori, quando surge uma série de políticas verticalizadas, e, a própria abertura orçamentária para novas políticas descentralizadas, as quais viriam contribuir para a autonomia política dos novos estados.
No plano das verticalidades, observa-se que a agenda de políticas públicas, a qual não estava aberta na época dos territórios federais, se torna uma constante, com positivo desenvolvimento, a partir da consolidação dos novos estados, novos municípios e da respectiva consolidação de transferências orçamentárias da União, gerando uma economia regional dependente do contra-cheque.
No plano das horizontalidades, o aproveitamento de incentivos fiscais, alianças tecnoburocráticas com órgãos regionais de desenvolvimento e a troca de favores se tornaram responsáveis pelo processo desenvolvimentista centralizador de renda e depredador de recursos naturais, com aumento de conflitos fundiários e de falta de integração econômica.
Com a transformação dos territórios federais em estados, o livro corrobora para a compreensão de que se faz necessário o desenvolvimento de políticas públicas, cada vez mais horizontalizadas e voltadas para a peculiaridade de cada local, com a participação ativa de seus residentes, novas lideranças políticas, e com matrizes tecnológicas de sustentação ecológica e econômica, uma vez que vários reflexos negativos já se manifestam, sem necessariamente ter diminuído a dependência federal.
Conclui-se, diante da exposição sintética do livro, que os territórios federais foram implantados no Norte e Centro Oeste, do Brasil, como projetos de ocupação espacial, primeiramente, com o intuito de ocupar militarmente as regiões de fronteira, e, somente, tardiamente, no século XX, por meio de um sentimento integracionista e desenvolvimentista, o que cristaliza na recente história dos novos estados uma herança estrutural de dilemas diacrônicos que são ampliados com as novas questões sociais, políticas, econômicas e ambientais de curta duração.
Luciana Mara Araújo – Contadora, professora da Faculdade Estácio/Atual, pós-graduada lato sensu, com especialização em Fiscal e Tributária, e, pós-graduanda stricto sensu, no Mestrado em Sociedade e Fronteira da Universidade Federal de Roraima. Email para contato: profes.luciana@hotmail.com.
Elói Martins Senhoras – Professor da Universidade Federal de Roraima em cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu.Economista e cientista político, especialista, mestre,doutore pos-doutorando em ciências jurídicas. E-mail para contato: eloisenhoras@gmail.com.
FREITAS, Luiz Aimberê Soares de. Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil. 2ed. Brasil: Corprint Gráfica e Editora Ltda, 1997, 114 p. Resenha de: ARAÚJO, Luciana Mara; SENHORAS, Elói Martins. Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.5, n.2, 2012. Acessar publicação original. [IF]