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Corporativismo Histórico no Brasil e na Europa / Estudos Ibero-Americanos / 2016
O tema do corporativismo, seja em termos teóricos ou de sua práxis, é fortemente associado pela historiografia aos regimes fascista e parafascistas do período entre guerras, não apenas no clássico caso italiano ou mesmo no modelo português de Oliveira Salazar, mas também, por exemplo, no caso dos regimes menos conhecidos de Dolffus, na Áustria, e do rei Carol II, na Romênia. No Brasil, de igual forma, seus estudiosos associam o corporativismo ao autoritarismo do Estado Novo de Vargas, especialmente destacando suas influências fascistas e o caráter incompleto do corporativismo estatal brasileiro, mero instrumento de dominação de classes.
A esse respeito, observa-se que muitos desses estudos foram realizados entre as décadas de 1970 e 1990, período que coincide, de um lado, com o fim das ditaduras na Europa (Portugal e Espanha) e América Latina (Brasil, Argentina e Uruguai) e a crise do comunismo e, de outro, com a implantação de reformas políticas e econômicas de tipo liberal ou neoliberal nesses mesmos países. Em outras palavras, por hipótese, talvez se possa dizer que esses estudos sobre o corporativismo estavam diretamente ligados às preocupações dos historiadores e demais cientistas sociais, em tempos de transição democrática, de compreender as raízes e o modo de funcionamento do autoritarismo em seus países. Em sentido oposto, portanto, talvez se possa afirmar também que o tema do corporativismo teria deixado de ser relevante para esses mesmos estudiosos em tempos democráticos.
Já a partir de princípios do século XXI, entretanto, observa-se uma retomada do corporativismo como objeto de estudo de historiadores, cientistas políticos, sociólogos e economistas, mas, dessa vez, não apenas no sentido de revisitar o chamado corporativismo histórico e suas relações autoritárias, mas também de compreender suas novas formas de manifestação nas democracias contemporâneas, seja em termos teóricos ou na ação de grupos de interesse e as novas formas de articulação entre o Estado e a sociedade civil.
O presente dossiê, portanto, está em perfeita sintonia com o seu tempo presente, como bem ilustram os textos a seguir publicados de importantes pesquisadores brasileiros, portugueses, italianos e espanhóis sobre a teoria e a práxis do corporativismo, desde os anos 1930 até hoje. Nesse mesmo sentido, de modo a enfatizar também sua atualidade e proximidade com os mais recentes debates internacionais sobre a temática do corporativismo, deve-se ainda destacar que este dossiê está diretamente vinculado às ações da Rede Internacional de Estudos do Corporativismo – International Network for Studies on Corporatism and the Organized Interests (NETCOR), criada em Lisboa em princípios de 2015. Além disso, este dossiê da revista Estudos Ibero-Americanos também dialoga com outro já publicado pela revista Espacio, Tiempo y Forma1, da Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED), de Madri, e com o dossiê a ser publicado ainda nesse ano pela Universidade de Coimbra.
O primeiro texto, de Álvaro Garrido, toma como referência o caso português para propor uma discussão teórica sobre a questão do corporativismo. Segundo ele, há uma recente revitalização teórica do corporativismo pelas Ciências Sociais, mas com abordagens que tendem a dispensar a categoria da historicidade. Em geral, como bem demonstra o autor ao longo do seu estudo, os estudiosos da temática têm se ocupado especialmente da teoria e ação dos grupos de interesse, da questão dos corpos sociais intermediários e das formas de articulação entre o Estado e a “sociedade civil”, vendo o corporativismo como um “fenômeno total” e o desvalorizando enquanto fenômeno histórico.
A seguir, Alessio Gagliardi e Marco Zaganella analisam a teoria e a práxis do corporativismo italiano, respectivamente nas décadas de 1920 e 1930 e após o período do fascismo, durante a Primeira República italiana (1948-93). Gagliardi se propõe não apenas a analisar a estrutura institucional do corporativismo fascista, seu sistema de leis, regulações e procedimentos, mas também suas reais ações e atividades, destacando as “reais” consequências desse modelo italiano, diferentes do seu viés ideológico. Zaganella, por sua vez, propõe o que diz ser uma análise do corporativismo depois do corporativismo, ou seja, indo além das por ele chamadas colunas de Hércules do Fascismo e atendo-se no seu estudo durante a Primeira República italiana.
Os demais textos, de Francisco Palomanes Martinho, Marco Aurélio Vannucchi, Larissa Rosa Correa e Valéria Lobo se dedicam ao estudo de diferentes perspectivas do corporativismo brasileiro. Martinho revisita em seu estudo o período de criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45), não apenas no sentido de analisar seu processo de criação e institucionalização do mundo do trabalho no Brasil, mas também de compreender o papel desempenhado por suas elites políticas e intelectuais na definição desse modelo. Vannucchi, por sua vez, toma como referência a representação profissional dos advogados no Brasil para analisar um aspecto próprio do corporativismo nacional, a duplicidade dos organismos de representação profissional dos grupos que ele define como classe média profissional perante o Estado, dividida entre seus conselhos profissionais e sindicatos. Nesse sentido, em sua opinião, o corporativismo brasileiro de classe média se aproximaria mais da modalidade societal que da estatal. Já Larissa Correa propõe uma nova discussão sobre as instituições que compõe o sistema corporativista no Brasil – Justiça do Trabalho, sindicatos e Ministério do Trabalho, mas a partir das experiências acumuladas dos trabalhadores em seus contatos com esses órgãos, com o objetivo de analisar como estes teriam sido capazes de ressignificar sua linguagem corporativista ao longo dos anos 1950 e 1960, durante os chamados períodos do populismo e da ditadura militar. Valéria Lobo, por fim, embora admitindo que a gênese do corporativismo no Brasil e seu desenvolvimento estão diretamente associados ao autoritarismo do Estado Novo, se propõe a analisar as relações contemporâneas entre corporativismo e democracia. Segundo ela, apesar de ser alvo de críticas à direita e à esquerda, nenhum dos seus críticos teria revelado “uma preferência intensa pela superação do modelo”. Sendo assim, questiona-se a autora, não seria mais pertinente postular-se o aprimoramento dos dispositivos corporativos ainda presentes com vistas ao aperfeiçoamento da democracia no Brasil?
Por fim, ao final do dossiê, deve-se ainda mencionar a realização de uma entrevista com o historiador Fernando Rosas, um dos principais estudiosos do Estado Novo e do corporativismo português, abordando desde questões sobre o regime e seu modelo de organização social e econômica até uma comparação entre os chamados corporativismo histórico e neocorporativismo.
Nesses termos, portanto, espera-se que os textos ora editados possam não apenas contribuir para a revisão e aprofundamento do debate historiográfico sobre o corporativismo histórico e sua ocorrência no Brasil, sua teoria e práxis, mas também para a proposição de novas formas de abordagem (temática e teórica) acerca dessa temática e de um olhar mais contemporâneo sobre suas novas formas de manifestação em tempos democráticos.
Nota
1 Espacio, Tiempo y Forma. Construindo o Estado Corporativo: as experiências históricas de Portugal e Espanha. Madri: UNED, año 2015, n. 27.
Luciano Aronne de Abreu – Professor do Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor em Estudos Históricos Latino Americanos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil República, atuando principalmente nos seguintes temas: História do Rio Grande do Sul, Era Vargas e Autoritarismo. É autor dos livros Getúlio Vargas: a construção do mito (Edipucrs, 1997) e Um Olhar Regional sobre o Estado Novo (Edipucrs, 2007).
Paula Borges Santos – Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC / UNL), onde coordena o Grupo de Investigação Justiça, Regulação e Sociedade e realiza o pós-doutoramento, com apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Doutora em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, publicou: Igreja Católica, Estado e Sociedade (1968-1975): o caso Rádio Renascença (Imprensa de Ciências Sociais, 2005), que recebeu o Prêmio Fundação Mário Soares; A Questão Religiosa no Parlamento (1935-1974) (Assembleia da República, 2011) e A Segunda Separação. A Política Religiosa do Estado Novo (Almedina, 2016).
ABREU, Luciano Aronne de; SANTOS, Paula Borges. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 42, n. 2, maio-ago., 2016. Acessar publicação original [DR]