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Conversas que tive comigo | Nelson Mandela
Não me lembro qual foi a primeira vez que ouvi falar de Mandela. Talvez em algum filme de histórias de grandes líderes políticos que se tornaram “imortais” por seus feitos. Mandela foi muito mais que um grande líder político. O livro Conversas que tive comigo mostra com profundidade o Nelson Mandela (como é conhecido em todo mundo), Madiba, Tata, Rolihlahla alguns de seus nomes conhecido pelo povo da África. Nasceu na cidade de Transkei, África do Sul, em 18 de julho de 1918 e morreu numa quinta-feira no dia 05 de dezembro de 2013, aos 95 anos. Ele lutou contra o regime de segregação racial, o Apartheid, em seu país. O regime, como se sabe, negava aos africanos, o direito de viver livres em seu próprio território tradicional. O livro é constituído de escritos de Mandela, em sua maioria, nos quase 28 anos de sua vida que foi preso político.
A obra traz informações inéditas escritas de próprio punho. Uma delas é o fato de que Mandela, tinha o hábito de escrever o que para ele era importante em: visitas, reuniões e momentos de angústia. Relata que esses escritos eram uma forma de arquivar. Conhecíamos o líder político, o lutador incansável pelos direitos humanos, o homem que deu a volta por cima, mas sabia-se pouco sobre o Mandela escritor.
O fato é que ao perceber que os destinatários das inúmeras cartas que escrevia na prisão não respondiam, começou escrever para si, com a intenção de arquivar o cotidiano (SONTAG, 2004). Suas cartas eram escritas com cópias, que ele guardava. De 05 de agosto 1962, quando foi preso e condenado à prisão perpétua, ficou em reclusão até 1990, e escreveu, nesse período, centenas de cartas. Nela, além de questões políticas, estão demonstrados elementos de sua vida cotidiana como a preocupação com a mãe, os filhos, a esposa e os diversos companheiros de luta.
As cartas publicadas no livro não obedecem a uma cronologia. A obra está organizada em capítulos que retratam sua vida antes, durante e até liberdade; as cartas e anotações foram editadas e formam os textos dos capítulos.
Mandela foi preso pela primeira vez por desobediência às regras segregacionistas impostas pelo Estado. No livro, afirma que foi por usar um banheiro reservado exclusivamente para brancos. Em uma carta datada de 27 de dezembro de 1984 à sua esposa Winnie Mandela , afirma: “você sabe perfeitamente bem que passamos essa última parte de nossa vida na prisão exatamente por que nos opomos à ideia mesma de assentamentos separados, que nos torna estrangeiros em nosso próprio pais…” (MANDELA, p. 66.)
A obra de mais de 400 páginas se aproxima do que hoje chamaríamos de uma visão de colonial. Fala da necessidade de aprender da cultura Ocidental. Mas isso não fez com que abandonasse as línguas e a costumes tradicionais da África do Sul. Mandela era um Thembu, pertencia à casa real e sua vida pública o forçara a se afastar das suas tradições, mas nunca abandonara seus valores
“(…) Claro que não podemos viver sem a cultura ocidental, e então tive duas vias de influência cultural. Mas acho que seria injusto dizer que é uma peculiaridade minha, porque muitos dos nossos tiveram as mesmas influências… Hoje me sinto mais à vontade com o inglês, devido aos muitos anos que passei aqui e passei na prisão, por isso perdi contato com a literatura xhosa. Uma das coisas que estou ansioso para fazer quando me aposentar é poder ler a literatura que eu quiser, literatura africana (…) (MANDELA, 2010, p. 30).
Preocupado com quem governaria a África e com as mudanças que aconteceria, arriscava em seus escritos opinar qual seria o governo “ideal” para seu povo. Relata que enviou seus filhos e filhos de outros líderes para estudar fora do continente, mas defendia que um governante tinha que ser filho da África, e que ele deveria vivenciar seus costumes e cultura.
Atribui à colonização, aos erros das lideranças políticas africanas:
“Um corpo letrado de líderes tradicionais com boa formação terá toda probabilidade de aceitar o processo democrático. O complexo de inferioridade que os leva a se aferrar desesperadamente a as formas feudais de administração irá, no seu devido tempo, desaparecer”. (MANDELA, 2010, p. 35).
A democracia poderia ser construída com formação sólida das lideranças tradicionais que, assim, superariam o complexo de colonizado. (Memmi, 2007). Com isso afirma que…
“A civilização ocidental não apagou totalmente minha origem africana, e não esqueci meus dias de infância, quando nos reuníamos em torno dos mais velhos para ouvir a riqueza de sua sabedoria e experiência. Era o costume dos nossos antepassados, e na escola tradicional em que crescemos. Ainda hoje respeito os mais velhos da nossa comunidade e gosto de conversa com eles sobre os velhos tempos, quando tínhamos nosso próprio governo e vivíamos em liberdade.” (MANDELA, 2010, p. 43).
Das cartas aos cadernos de anotações buscou registrar sua indignação por não ter liberdade. Essa que não era pelo fato de estar preso, mas sim de ver seu povo restrito dentro de sua própria terra.
Ver os africanos, negros e indianos, serem obrigado a viver na pobreza, na miséria buscando trabalho nas fazendas de colonizadores dentro de seu próprio pais era o que levava a lutar, não só por sua liberdade, mas pela liberdade de todos. E culpa o colonialismo a isso. Como podemos perceber no trecho que a obra traz que e parte inédita de sua autobiografia.
“A pilhagem de terras de nativos, exploração de suas riquezas minerais e outras matérias-primas brutas, o confinamento de seu povo a áreas específicas, e a restrição de seus movimentos foram, com notáveis exceções, as pedras fundamentais do colonialismo por todo o país”. (MANDELA, 2010, p. 369).
Em suma, fala que houve aprendizados e não só momentos de dores durante sua vida na prisão. O respeito pelos outros povos e culturas diferentes, o tratar bem a quem lhe ofendia. Tristeza de não poder participar da vida de seus filhos. Ele fala da morte de primogênito Thembekile (13 de junho de 1969 na Cidade do Cabo), que quando foi preso o filho ainda era uma criança e que ele Mandela não esteve presente na cerimônia de seu casamento e nem poderia se fazer presente na da sua morte, pois o governo negara seu pedido como negou de ir a da sua mãe. Despedir dos seus entes em cerimônias que levava dias era algo de muito valor para ele, pois fazia parte de sua cultura, e essa é umas das dores mais agudas pelas quais passara. Mandela afirma que o ano de 1962 foi o pior de sua vida, pois além da perda de seu filho, de quem não pode acompanhar o crescimento, perdeu sua mãe e sua mulher havia sido presa.
A obra além de trazer esses escritos, mostra o cotidiano de um preso político que se opunha o multirracialismo e exigia uma sociedade não racializada. Em conversas com Richard Stengel, afirma: “estamos lutando por uma sociedade em que as pessoas parem de pensar em termos de cor… Não é uma questão de raça, é uma questão de ideias,” mostrando que ele advogava por uma sociedade desracializada.
As cartas e anotações mostram ao leitor o quanto Mandela foi engajado na luta contra o regime segregacionista sul africano, mesmo enfrentando momentos de muita dor. Durante todos os anos da prisão, ele sonhava com uma sociedade livre e democráti ca. Democracia que o elegeu presidente, sendo o primeiro homem negro a governar o seu país pela vontade da minoria em 1994.
Referências
MANDELA, Nelson. Conversas que tive comigo. São Paulo: Editora Rocco, 2010
MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
SONTAG, S. Sobre fotografia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2004.
Josiel Santos – Universidade Federal do Tocantins.
MANDELA, Nelson. Conversas que tive comigo. São Paulo: Editora Rocco, 2010. Resenha de: SANTOS, Josiel. O que Tata escreveu. Revista Brasileira do Caribe. São Luís, v. 20, n. 38, p. 130- 133, jan./jun., 2019. Acessar publicação original [DR]