Ditaduras e golpes do Cone Sul: diferentes fontes e perspectivas históricas/Ofícios de Clio/2022

Quando falamos em ditaduras e golpes no Cone Sul estamos nos referindo a um conjunto de experiências vivenciadas, e em grande medida compartilhadas, por argentinos, brasileiros, chilenos, paraguaios e uruguaios na segunda metade do século XX. Experiências que transcendem a temporalidade do passado e estão vivas em diferentes formas no presente dessas sociedades. Portanto, falar delas é lidar constantemente com um passado aberto, um passado que influi diariamente no presente, um passado com demandas e disputas no presente. E aos historiadores e historiadoras dedicados a essas experiências cabe o desafio do equilíbrio das temporalidades. Leia Mais

Izquierdas, feminismos y movimiento de mujeres del Cono Sur | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2021

Resulta imposible comenzar a presentar este dossier sin hacer referencia al contexto de producción en el cual se enmarca y sus efectos sobre las relaciones de género. A escala mundial y como nunca antes en la historia del capitalismo, la pandemia de covid-19 ha puesto de relieve el rol sistémico del trabajo de cuidado sostenido mayoritariamente por mujeres. Y no nos referimos solamente al intensificado trabajo dentro de las casas y el agotamiento que conlleva la feroz reconversión productiva al teletrabajo, presentado en forma edulcorada como “trabajo en pantuflas”, sino también al trabajo en los comedores sociales y en los barrios donde el hambre y la desocupación golpea con fuerza y donde son las mujeres las que continúan poniendo el cuerpo (redobladamente), como las cientos de Ramonas Medina.1 Justamente cuando la marea verde parece extenderse por América Latina, cuando el feminismo se ha transformado en un movimiento social de masas internacional, el tándem capitalismo/pandemia configura el escenario para un nuevo agigantamiento de las brechas de género y las desigualdades de clase históricamente constituidas.

Interpeladas y a la vez atravesadas por el contexto de características distópicas y la incertidumbre por el futuro, buscamos recuperar en la historia del pasado reciente conosureño experiencias que contribuyan a pensar el presente. Este dossier, entonces, es resultado de la convicción de que el encuentro entre marxismo y feminismo constituye un marco inescindible para la transformación social en clave emancipatoria. Leia Mais

Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul / História – Debates e Tendências / 2019

A desmemoria

“O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não se necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória”.

Eduardo Galeano.

Nas décadas de 1960 e 1970, uma série de golpes de Estado nos países do Cone Sul deu início ao ciclo de ditaduras militares – ou civil-militares – na região, atingindo países como Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. Estas ditaduras se estruturaram a partir das diretrizes gerais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), das orientações de estratégia da teoria da contrainsurgência norte-americana e da doutrina de guerra revolucionária francesa, instituindo, assim, a noção de “guerra interna”. Dessa forma, as Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul criaram o “inimigo interno” – chamado genericamente de “subversivo” – e adotaram amplamente uma política repressiva baseada no Terrorismo de Estado, que ultrapassou os limites da “repressão legal”, permitida pelo arcabouço jurídicoconstitucional, utilizando “métodos não convencionais” – tais como o sequestro, a detenção ilegal, a tortura, o assassinato e o desaparecimento de opositores e seus cadáveres – para aniquilar a oposição política e o protesto social, fossem estes armados ou não. Como pano de fundo, tais regimes constituíram pressuposto essencial para a readequação das respectivas economias nacionais aos novos ditames do capitalismo mundial. Leia Mais

As ditaduras militares no Brasil e no Cone Sul: história, historiografia e memória  | SÆCULUM – Revista de História | 2018

“Um povo sem História não é gente, não pode ser gente, não tem como ser gente.” A frase, pronunciada por uma lavradora analfabeta e transcrita em nota da ANPUH-DF ao tratar da destruição recente do Museu Nacional3 , sintetiza a função social e o compromisso ético da História com as gerações atuais e futuras. A História, fruto da construção epistemológica do conhecimento na modernidade, encontra-se hoje envolvida numa trincheira em favor da democracia, da ciência, dos direitos humanos, do qual é caudatária. Dos diversos temas e objetos que são de interesse dos historiadores, aqueles dedicados à História recente, sobretudo, aos regimes ditatoriais do século XX vêm sendo alvo de negação considerados frutos do anti-intelectualismo emergente e de uma política do ódio que desconsidera o “Outro”, suas diferenças, direitos e pluralidades. Neste sentido, este número temático assumiu o compromisso de trazer a público, a partir dos cânones epistemológicos da pesquisa histórica, artigos dedicados às ditaduras no Cone Sul, considerando seus aspectos transnacionais e as especificidades das experiências nacionais. A pluralidade de temas, recortes, fundamentação teórica, fontes e metodologias reforçam os princípios da multicausalidade na construção da narrativa histórica, cujo rigor não está na exclusão de abordagens, mas na valorização de diferentes referenciais teórico-metodológicos, no domínio da historiografia e no uso de fontes. Leia Mais

Estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul nos anos 1950 e 1960 / Revista História da Educação / 2018

A atual escolarização média apresenta impasses que envolvem a sua democratização quantitativa e a sua atualização pedagógica. Os questionamentos sociais sobre este nível de ensino têm forçado governos a dar respostas consequentes e instigado educadores e cientistas sociais a produzirem respostas convincentes. Historiadores da educação têm envidado esforços no sentido de compreender a questão a partir de leituras temporais de longa e de média duração. Devido à colonização ibérica, nos países da América Latina o ensino secundário foi plasmado pela Igreja Católica por meio de uma rede articulada de colégios confessionais, contribuindo para a permanência do tradicionalismo pedagógico. A presença católica mais marcante no ensino secundário em países latino-americanos deu-se a partir do final do século XIX por meio da atuação de congregações religiosas europeias, em boa medida expulsas de países que laicizavam o Estado e o seu sistema público de ensino, como a França e a Alemanha. No ensino secundário foram sobremaneira as congregações formadas por padres que criaram e gestionaram colégios dirigidos às elites masculinas.

No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, a ação da Unesco e a intensificação da globalização estimularam a realização de experiências renovadoras no ensino secundário em países latino-americanos (XAVIER, 1999). As ideias e modelos pedagógicos que passaram a circular e a ser usados foram, especialmente, aqueles produzidos nos EUA, como o plano Morrison, e na França, tendo como referências as classes nouvelles, vinculadas ao Centre International d`Études Pedagogiques (Ciep), localizado em Sévres, e a Pedagogia Personalizada e Comunitária, elaborada pelo padre jesuita francês Pierre Faure. Enquanto as classes nouveles tiveram recepção nos sistemas públicos de ensino, a pedagogía escolanovista católica do padre Faure disseminou-se mais, mas não exclusivamente, nos colégios católicos, particularmente no México, na Colômbia e no Brasil. Não se trata da renovação do ensino secundário em larga escala, mas da realização de experiências vanguardistas pontuais, que apontaram um caminho alternativo para o ensino secundário homogeneizado pelo timbre autoritário dos anos 1930 e 1940.

No clima da guerra fria, impulsionado pelo pan-americanismo produzido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e chancelado pelos EUA, foram realizados eventos para debater a educação escolar no continente americano. Assim, em janeiro de 1955, ocorreu, em Santiago, o Seminário Interamericano de Educação Secundária, promovido pela OEA e pelo governo do Chile. Tratou-se de um evento singular em que os representantes dos países americanos apresentaram uma radiografia do formato do ensino secundário em seus respectivos sistemas nacionais de ensino e promoveram uma importante troca de experiências escolares (ABREU, 1955). Outro exemplo foi a realização do Congresso Pan-Americano de Educação Física, também ocorrido na capital do Chile, no ano seguinte, que contou com a participação de Germano Bayer, professor do Colégio Estadual do Paraná, e Gildásio Amado, titular da Diretoria do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura do Brasil. Segundo Chaves Júnior (2016), esses dois educadores visitaram o Liceo Experimental Manuel Salas, localizado em Santiago, que realizava um ensaio educacional renovador no ensino secundário. Há, portanto, indícios de certa circulação e apropriação de experiências educativas no ensino secundário entre os países do continente americano, certamente mais frequentes entre os de língua espanhola.

A pequena onda de renovação do ensino secundário nos países da América Latina, proporcionado pelo clima democrático e de abertura internacional no campo educacional, foi coibida pelas ditaduras militares dos anos 1960 e 1970 no subcontinente latinoamericano. Refletindo sobre o autoritarismo militar e escolarização no Uruguai, Southwell (2010, p. 14) assevera que “el régimen [militar] entendió que la escuela era responsable de desborde de la cultura política y desde esa convicción operó para generar mayores formas de control político sobre la cultura escolar y el trabajo pedagógico”. Mutatis mutandis, essa constatação pode ser estendida às ditaduras latino-americanas que procuraram intervir nos seus sistemas de ensino, inicialmente no nível superior porque as universidades eram um dos principais focos de resistência democrática, mas também nos ensinos primário e secundário. As ditaduras abortaram experiências educativas e ideias pedagógicas ricas e criativas, em boa medida inspiradas em modelos pedagógicos estrangeiros, mas também em propostas pedagógicas elaboradas e usadas na América Latina como a de Paulo Freire.

Nesta direção, o presente dossiê tem como intuito realizar uma leitura histórica e comparada da renovação do ensino secundário, nas décadas de 1950 e 1960, em países do Cone Sul, de sorte que os autores dos textos analisam a escolarização de seus países. No artigo “Formato, pedagogias y planeamiento para la secundaria en Argentina. Notas sobresalientes del siglo XX, Myriam Southwell apresenta uma trajetória panorâmica do ensino secundário na Argentina durante o novecentos. Tal panorama parte da criação do modelo de colégio de ensino secundário direcionado às elites burguesas no final do século XIX, mas sobretudo lança luz sobre as renovações que se colocaram no ensino secundário argentino a partir da expansão, modernização e ressignificação escolanovista dessa etapa da escolarização. Em “Las asambleas de profesores en la consolidación del consejo de enseñanza secundaria en Uruguay (1949-1961)”, Lucas D’Avenia analisa as chamadas assembleias de professores secundaristas no Uruguay, procurando compreender a emergência dessas assembleias no momento do início da massificação da matrícula do ensino secundário e, especialmente, a circulação de ideias pedagógicas e espaço de empoderamento docente.

Os artigos de autores brasileiros colocam o foco sobre as chamadas classes secundárias experimentais, que se constituíram na principal experiência pedagógica no ensino secundário brasileiro nas décadas de 1950 e 1960. No artigo “Luis Contier como catalisador de redes: classes experimentais e renovação do ensino secundário em São Paulo nas décadas de 1950 e 1960”, Daniel Ferraz Chiozzini e Letícia Vieira refletem sobre a contribuição do educador-intelectual Luís Contier na implantação da primeira experiência renovadoras no ensino secundário a partir das classes nouvelles, bem como na instituição das classes secundárias experimentais a partir do final dos anos 1950. Em “A inspiração nos trabalhos dos grandes centros de estudos pedagógicos: considerações sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná (1960-1967)”, Sérgio Roberto Chaves Júnior analisa o ensaio educacional das classes secundárias experimentais, na década de 1960, na principal escola pública do Paraná, que tinha conexões com o Colégio Nova Friburgo, referência no uso do método de ensino por unidades didáticas inspirado no plano Morrison. No artigo “Circuito e usos de modelos pedagógicos renovadores no ensino secundário brasileiro na década de 1950”, Norberto Dallabrida busca compreender os processos de circulação e de apropriação das classes nouvelles e da Pedagogia Personalizada e Comunitária no Brasil.

Os cincos artigos que compõem o presente dossiê, portanto, proporcionam estudos sobre o ensino secundário no Cone Sul em perspectiva histórica e comparada, apostando na intensificação da troca de reflexões educacionais e pedagógicas na América Latina. Esse trabalho pretérito tem o fito de contribuir para subsidiar as reformas o ensino secundário / médio em curso, de modo que este nível de escolarização seja pedagogicamente consistente e socialmente justo.

Referências

ABREU, Jayme. A Educação Secundária no Brasil. Rio de Janeiro: MEC / Inep, 1955. (Publicações da Cileme, 9).

CHAVES JÚNIOR, Sérgio Roberto. As inovações pedagógicas do ensino secundário brasileiro nos anos 1950 / 1960: apontamentos sobre as classes integrais do Colégio Estadual do Paraná. Cadernos de História da Educação, Uberlândia, v. 15, n. 2, p. 520- 539, maio / ago. 2016.

SOUTHWELL, Myriam. Prólogo. In: ROMANO, Antonio. De la reforma al proceso: una historia de la Enseñanza Secundaria (1955-1977). Montevideo: Ediciones Trilce, 2010. p. 11-14.

XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como Laboratório: Educação e Ciências Sociais no Projeto dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE / Inep / MEC (1950-1960). Bragança Paulista: Edusf, 1999.

Norberto Dallabrida – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Pesquisador do CNPq. Com Rosa Fátima de Souza, organizador da coletânea “Entre o ginásio de elite e o colégio popular: estudos sobre o ensino secundário no Brasil (1931-1961)”. E-mail: norbertodallabrida@gmail.com

 Myriam Southwell – Investigadora independiente Conicet / Universidad Nacional de La Plata, directora del Doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata. Fue presidente de la Sociedad Argentina de Historia de la Educación entre 2008 y 2012 y desde 2016 es integrante del Comité Ejecutivo de International Standard Conference on History of Education (Ische). Autora de numerosos trabajos en temas de historia y política de la educación entre los cuales se destacan Ideas en la Educación Latinoamericana. Un balance historiográfico (junto con Nicolás Arata), Unipe, 2014; Reflexiones sobre el Congreso Pedagógico Internacional de 1882 (junto con Jorge Bralich), Trilce, 2014; Schooling and Governance: Pedagogical Knowledge and Bureaucratic Expertise in the Genesis of the Argentine Educational System, Paedagogica Historica, v. XLIX, 2013; La educación y lo justo. Ensayos acerca de las medidas de lo posible, Unipe, 2013; Entre Generaciones. Exploraciones sobre educación, cultura e instituciones, Homo Sapiens, 2012. E-mail: islaesmeralda@gmail.com


DALLABRIDA, Norberto; SOUTHWELL, Myriam. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 22, n. 55, maio / ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

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As ditaduras militares no Cone Sul / Outros Tempos / 2013

Organizada em conjunto com o Prof.Dr. Enrique Serra Padrós, a Revista de História Outros Tempos, neste número 10 volume 16, firma novas parcerias com pesquisadores de diferentes IES do Brasil e da América do Sul. De Aquidauana (MS), Vera Lúcia Vargas e Iára de Castro trazem uma nova história indígena do Brasil, protagonizada por John Monteiro, na qual mostram o índio como sujeito histórico. De Aracajú (SE), Dilton Maynard, investiga as efemérides do centenário de Delmiro Gouveia, considerado o modernizador dos sertões alagoanos e denominado o “Coronel dos Coronéis”. De Leopoldina (MG), Izabella de Sales e Arnaldo Zangelmi, analisam a formação de uma elite no sertão do São Francisco, no termo de Pitangui (MG), na primeira metade do século XVIII. De São Luís (MA), Monica Piccolo discute o processo de privatização brasileiro iniciado no Governo de Fernando Collor de Mello. Ainda de São Luís (MA), Henrique Borralho faz uma reflexão sobre o papel do conhecimento histórico para se fixar na compreensão das relações humanas, sua crise, transformação e importância da História. Além dos temas livres acima referidos e, às vésperas de completar meio século do Golpe Militar de 1964, a Outros Tempos trazem Dossiê dedicado às ditaduras militares instaladas no Cone Sul da América. De Santiago de Chile, Karen Donoso demostra uma faceta da ditadura liderada por Pinochet, instituindo políticas culturais cujo objetivo era manter o controle sobre a produção cultural, afastar qualquer influência marxista e promover a minimização do Estado, dentro de seu projeto neoliberal. De Córdoba (AR), Marta Philp analisa o “Proceso de Reorganización Nacional” e expõe o esforço feito pelos militares argentinos ao buscarem uma legitimação para suas ações sob a denominação de “democracia substancial a democracia dos melhores em oposição à demagogia”. De Buenos Aires, três pesquisadores nos brindam com reflexões sobre a ditadura argentina. Inés Nercesian aborda o “mapa politico regional” resultante do cerco das ditaduras no Cone Sul da América. Débora D’Antonio fundamentada em memórias e cartas de expresos políticos investigou as negociações feitas por esses indivíduos na prisão de Villa Devoto. Nicholas Rauschenberg apresenta a “teoria dos dois demônios” e as posições assumidas por duas intelectuais sobre o atual debate argentino em torno da justiça penal para os agentes do regime. A brasileira e estudiosa da ditadura chilena de Pinochet, Elisa Borges, de Diamantina (MG), se detém nos Cordones Industriales, para refletir sobre sua intrínseca ligação com a origem dos partidos comunista e socialista chilenos, desnudando a suposta existência de um “braço armado” do governo nas fábricas. De Porto Alegre, Enrique Padrós e Sílvia Simões examinam os procedimentos da ditadura brasileira nos eventos que antecedem o 11 de setembro de 1972, no Chile. Das barrancas do rio Araguaia, de Araguaína (TO), Euclides Antunes traz as memórias da Guerrilha do Araguaia. Por fim do Crato (CE), Sônia Meneses pesquisouas páginas da Folha de São Paulo para analisar as comemorações de 30 e 40 anos do Golpe de 1964.

O entrevistado deste número é o maranhense Manoel da Conceição Santos, um dos mais importantes líder camponês de toda a história do Brasil, radicado no município de João Lisboa(MA), para entrevista-lo contamos com a inestimável colaboração do escritor, historiador, advogado e editor Adalberto Franklin, a quem agradecemos publicamente. Caio Lima, de Natal, resenha o livro História, memória e violência patrocinada pelo Estado: tempo e justiça, escrito por Berber Bevernage, em 2012. De Dourados (MS), Eduardo Salgueiro resenha o livro Teoria e Metodologia em Debate: Maneiras de “Ver” e “Fazer” História, escrito por José D’Assunção Barros, 2013.

A capa desta edição da Outros Tempos é ilustrada com uma charge de Latuff (2010). Não podemos aceitar sob qualquer hipótese a ideia de apagar da memória das sociedades que habitam o Cone Sul da América, as atrocidades cometidas pelas ditaduras aqui instaladas.

A todos boa leitura!

Alan Kardec Gomes Pachêco Filho.

Enrique Serra Padrós.

(Organizadores)


PADRÓS, Enrique Serra; PACHÊCO FILHO, Alan Kardec G. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 10, n. 16, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul / Anos 90 / 2012

O Dossiê Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul, que integra o presente número da Revista Anos 90, confirma o crescimento e a excelência das pesquisas que, sobre essa temática, vêm sendo realizadas nos países do Cone Sul. Nesse sentido, o avanço da produção historiográfica é inegável. Tal fato decorre, por um lado, de uma certa mirada simultânea na valorização da História Recente regional; por outro, pelo contexto de mudanças políticas na região, fato que não é alheio à revalorização do passado imediato. Nesse sentido, há, no presente, o interesse social pelo resgate da experiência histórica de uma geração que viveu singularmente aquele período autoritário, bem como uma agenda de demandas sobre questões inconclusas (abertura de arquivos repressivos; papel da justiça; reparações; formação de comissões da verdade etc.). Tais demandas redimensionam as contribuições que os historiadores e profissionais de outras áreas geram a partir das suas pesquisas e dos seus trabalhos de divulgação, permitindo, ainda, a socialização de um conhecimento que possibilita à sociedade maior aproximação a um passado ainda pouco conhecido e interditado por controversas políticas de esquecimento.

Deve-se salientar, também, que uma perspectiva de conjunto sobre o Cone Sul – independentemente dos traços singulares que, evidentemente, emolduram as experiências locais e nacionais – possibilita desenvolver uma percepção dos elementos comuns, paralelos, semelhantes e, em diversos casos, conectados. O atual panorama político dos países da região tem estimulado o debate sobre leis de anistia, acessibilidade dos arquivos repressivos, comissões de verdade e justiça de transição, papel das testemunhas, herança das experiências traumáticas e formas de reparação, bem como avanços e recuos do Poder Judiciário diante dos crimes do terrorismo de Estado. Portanto, não só a academia tem se mostrado receptiva a esta dinâmica efervescente em relação à história recente, como outros protagonistas têm incidido no debate, caso de partidos políticos, associações de direitos humanos, mídia, forças armadas etc., gerando um vigoroso processo de interação que é retroalimentado pela simultaneidade de iniciativas tão diversas, mas que coincidem em um redimensionamento e valorização do passado recente.

O conjunto de quatorze artigos e uma resenha que compõem o Dossiê (resultado de exigente processo seletivo que envolveu mais de trinta e cinco artigos recebidos) reflete as problemáticas anteriormente citadas, incluindo aspectos vinculados aos antecedentes e às transições posteriores, enfatizando diversos subtemas correlatos: fontes e arquivos; fundamentação doutrinária; conexão repressiva; discussões teóricas; papel da memória; efeitos traumáticos etc.

O Dossiê inicia com a apresentação de um consistente artigo do professor Bruno Groppo, pesquisador do Centre d’Histoire Sociale du XXe Siècle (Université de Paris I). Intititulado Reflexões sobre os conceitos de responsabilidade e culpa na obra de Karl Jaspers e sobre sua aplicabilidade à ditadura de 1976-1983 na Argentina, o texto analisa a tentativa do filósofo alemão de propor, em 1946, portanto, no contexto do julgamento e da divulgação massiva dos crimes cometidos pelo nazismo, uma avaliação à sociedade alemã, sobre a sua atitude, participação ou omissão diante daquela experiência. A análise de Groppo resgata a proposição de Jaspers, de estabelecer um debate centrado nos conceitos de responsabilidade e culpa. Ignorada no seu tempo, a problemática ética levantada pelo filósofo alemão, entretanto, acabou sendo recolocada pelos filhos da geração do silêncio. Diante dos significativos efeitos que, finalmente, produziram tais ideias de Jaspers, Groppo utiliza esse antecedente para aferir se contribui para dar maior inteligibilidade ao tenso embate entre esquecimento e memória existente na história argentina relacionado à ditadura de 1976-1983.

O artigo La dictadura del Proceso de reorganización nacional y la represión al movimiento obrero, de autoria do professor da UBA, Pablo Pozzi, centra-se em um dos objetivos mais estratégicos – e ainda pouco conhecido – da ditadura de segurança nacional argentina, a repressão contra o movimento operário, condição fundamental para seu disciplinamento e para a reprodução do capital. Com o objetivo de abrir a economia e torná-la competitiva, procurou-se acabar com o ativismo sindical. A infiltração, a delação e a colaboração orgânica entre setores empresariais e forças repressivas foram fundamentais para atingir aqueles objetivos. Pozzi expõe os mecanismos de enquadramento específicos implementados pela ditadura, caso dos sequestros e desaparecimentos ocorridos em empresas como a Ford e a Mercedes Benz, entre outras. A partir da explicitação da análise da documentação produzida pela Dirección de Investigaciones Políticas de la Policía de la Provincia de Buenos Aires, o autor destaca, ainda, a utilização de leis que permitiram garantir algum grau de legitimidade, bem como a imposição de uma reestruturação sindical que permitiu cooptar quadros dirigentes, tirando autonomia e capacidade reivindicativa ao movimento e isolando, assim, os setores mais organizados do denominado sindicalismo combativo.

O Golpe civil-militar de 64: algumas possibilidades sobre seu significado, artigo do cientista político e professor da Universidade Católica de Pelotas, Renato Della Vecchia, apresenta um panorama das condições que geraram a interrupção da democracia brasileira em 1964. Partindo de certas interpretações clássicas sobre o significado histórico do golpe, entre as quais as realizadas por Paul Singer, Maria Victória Benevides, Angelina Cheibub Figueiredo, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, Della Vecchia avalia o desenrolar do processo histórico que configura a queda do Governo Goulart, a partir da premissa do necessário diálogo do político com o econômico, como chave explicativa para compreender as expectativas então existentes em relação ao sentido e significado de tão frágil democracia, e do autoritarismo em gestação.

A atuação parapolicial é o tema desenvolvido por Ana Belén Zapata, da Universidad Nacional del Sur (Bahía Blanca), em Violencia parapolicial en Bahía Blanca, 1974-1976. Delgados límites entre lo institucional y lo ilegal en la lucha contra la “subversión apátrida”. Ancorada nos documentos existentes no Arquivo da Dirección de Inteligencia de la Policía de la Provincia de Buenos Aires (DIPBA), o trabalho analisa aspectos da violência implementada por grupos parapoliciais na cidade de Bahía Blanca (provincia de Buenos Aires), entre os anos de 1974 e 1976. Trata-se do período de amadurecimento e fermentação dos fatores que levaram ao golpe de Estado que impôs a ditadura identificada com o Proceso de Reorganización Nacional. Centrado na violência de extrema direita naquela cidade, o artigo indaga a respeito das motivações e caracterização dos crimes promovidos na fase terminal da tensa democracia argentina, o grau de conhecimento e envolvimento da própria DIPBA (órgão estatal) e a forma como os protagonistas do sistema político encararam e interpretaram essas ações ilegais e parapoliciais na denominada “luta antissubversiva” instalada previamente ao próprio golpe de Estado.

O texto de Débora Carina D’Antonio – Los presos políticos del penal de Rawson: un tratamiento para la desubjetivación Argentina (1970- 1980) – foca, de uma perspectiva de gênero, a realidade de um centro de detenção onde foi aplicada uma tecnologia de disciplinamiento, sob o marco de práticas evidentemente ilegais e inconstitucionais. Segundo a autora, no interior da prisão de Rawson, foi imposta uma lógica desmasculinizadora que extrapolou o objetivo explícito da ditadura de quebrar os presos de uma perspectiva ideológica e política. O artigo, ao introduzir o tema da violência sexual, perfila-se como instrumento de resgate de traumas ainda pouco explicitados que confirmam a existência de faces repressivas ainda pouco conhecidas dentro do inesgotável universo constitutivo do terrorismo de Estado. Mesmo assim, onde a atuação da justiça é perceptível, coletivos de vítimas que sofreram essa violência vêm ocupando espaço público e colocando o problema como temática necessária de pesquisa ou experiência de vida que exige reparações e responsabilizações. É da natureza dessa dimensão tão complexa, portanto, que trata a reflexão de D’Antonio.

A professora Paula Vera Canelo, pesquisadora do Conicet e da Universidad Nacional de San Martín, questiona no seu artigo Los desarrollistas de la ‘dictadura liberal’. La experiencia del Ministerio de Planeamiento durante el Proceso de Reorganización Nacional en la Argentina, a caracterização da ditadura argentina (1976-1983), certa compreensão generalizada que associa a ditadura argentina (1976-1983) como sendo homogeneamente liberal. Após historiziçar a experiência de planejamento no país e apontar uma linha de continuidade desde o governo Frondizi até o golpe do Proceso de Reorganización Nacional, Canelo, discordando daquele senso comum, avalia a pugna interna entre o entorno do Ministro de Economia, Martínez de Hoz (aperturista, privatista e desindustrializador), e um conjunto civil-militar que, através do Ministério do Planejamento e desempenhando funções no complexo militar industrial e em empresas estatais, defendia o planejamento e a intervenção estatal na economia, a partir de uma interpretação da Doutrina de Segurança Nacional, que justificava uma “industrialização defensiva” e que se estabelece no interior do aprofundamento da relação do binômio “desenvolvimento-modernização”. O artigo estuda a origem e formação doutrinária desse grupo, sua inserção no projeto ditatorial, o embate com correntes opostas e seu declive final.

Alejandro Paredes, pesquisador do Conicet e da Universidad Nacional de Cuyo (Mendoza) centra seu artigo, La organización de los refugiados políticos chilenos en Mendoza y la huelga de hambre de Julio de 1976, na conexão repressiva regional chileno-argentina, destacando o caso dos refugiados políticos chilenos, em Mendoza (Argentina), entre 1976 e 1983. Após o golpe no Chile, milhares de perseguidos políticos chilenos e de outras nacionalidades fugiram do Chile, da Unidade Popular, atravessando a duras penas a cordilheira dos Andes, a procura de “terra amiga”. A implantação da ditadura na Argentina, em 1976, aprofundaria o clima de hostilidade contra esses exilados, inclusive dentro do marco da Operação Condor. A partir do dimensionamento de uma greve de fome promovida em 1976, Paredes resgata uma história de resistência e solidariedade, em condições extremadas. A mesma teve como protagonistas diretos, além de milhares de refugiados chilenos, a organização cristã Comitê Ecumênico de Ação Social (CEAS), amparada e financiada pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela ACNUR.

Jorge Fernández, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e pesquisador das relações repressivas argentino-brasileiras no contexto das ditaduras de segurança nacional, no texto O Brasil e a Contra-ofensiva Montonera, 1978-1980, perscruta a forma como a Operação Retorno, conhecida como Contraofensiva Montonera, permitiu a coordenação de esforços entre as ditaduras do Brasil e da Argentina tentando impedir que o território do primeiro fosse utilizado como caminho ou plataforma para a passagem dos militantes que, após avaliação feita pela sua direção no exílio, haviam recebido ordens de retomar a luta armada no seu país. A pesquisa de Fernández, assentada em documentos repressivos, mapeia rotas e locais de passagem dos quadros montoneros. Da mesma forma, identifica a informação que circulava entre as forças de segurança de ambas ditaduras e avalia o grau de infiltração que sofria a organização armada. Finalmente, contribui no problemático resgate dos acontecimentos que produziram o desaparecimento de cidadãos argentinos no Brasil, bem como os coloca dentro da perspectiva da coordenação regional da Operação Condor.

Também relacionado com o tema da conexão repressiva regional, o artigo da doutoranda Melisa Slatman, denominado Actividades extraterritoriales represivas de la Armada Argentina durante la última dictadura de Seguridad Nacional (1976-1981), realça o protagonismo da Marinha argentina. A partir de um conjunto de apreciações refl exivas sobre a essência da já citada Operação Condor, o texto defende a necessidade de aprofundar o debate sobre a mesma, a efeitos de aprimorar sua conceituação. Dessa forma, marca distância, de uma perspectiva problematizadora à luz de pesquisas empíricas mais recentes, dos primeiros trabalhos de investigação e sua ênfase em uma certa linearidade de atuação dos protagonistas envolvidos. Tomando como objeto de estudo as atividades repressivas extraterritoriais da Marinha durante a última ditadura de segurança nacional na Argentina, Slatman investiga a inserção das mesmas no marco institucional do Estado Terrorista. A seguir, analisa a constituição e autonomização, na estrutura orgânica da Marinha, do Grupo de Tareas 3.3, responsável pela administração de um dos maiores centros clandestinos de detenção do país: a Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA). Finalmente, o estudo analisa a evolução das atividades repressivas extraterritoriais desse Grupo de Tareas, dentro do marco multifacêtico da coordenação regional existente.

No artigo A constituição das memórias sobre a repressão da ditadura: o projeto Brasil: Nunca Mais e a abertura da Vala de Perus, a doutora pela Universidade de São Paulo, Janaína Almeida Teles, oferece um panorama reflexivo sobre a interdição do passado recente, estabelecendo uma narrativa sobre a formação da memória social a partir destes momentos “fundacionais”, que diluíram e esvaziaram os limites de transição pactuada que marca o cenário pós-ditadura no Brasil. Partindo da constatação de que a transição brasileira para a democracia ocorreu sem rupturas evidentes, o que tem possibilitado a persistência de legado ditatorial, até hoje, a autora considera que a reconstituição factual e a avaliação crítica acerca do período autoritário têm sido permeadas por zonas de silêncio e interdições. Para tanto, escolhe como objeto de análise eventos que, segundo ela, são fundamentais na formação da memória sobre a repressão da ditadura brasileira: a publicação do projeto Brasil: Nunca Mais e a abertura da Vala de Perus. Em relação ao primeiro, além de resgatar a história da sua produção do seu contexto, realiza-se, a partir dele, a avaliação do seu impacto no conjunto da sociedade e a comparação com o Nunca Mais argentino – bem como com o impacto que este gerou no seu país. Quanto à Vala de Perus, o texto é muito rico quanto à análise das dificuldades, dos entraves e das limitações colocadas pelo poder público. Merece registro, ainda, além de outras fontes pertinentes, o rico conjunto de entrevistas com protagonistas diretamente envolvidos nos eventos citados.

Priscila Brandão, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, e Isabel Leite, doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro, resgatam no artigo Nunca foram heróis! A disputa pela imposição de significados em torno do emprego da violência na ditadura brasileira, por meio de uma leitura do Projeto ORVIL, o processo de criação, execução e divulgação desse controvertido documento. O texto lembra que algumas das afirmações ali contidas têm sido constantemente replicadas no site TERNUMA, com cuja lógica narrativa mantém sintonia. O projeto, esboçado desde o final da ditadura, pretendia contrapor-se à narrativa de uma história recente da ditadura produzida pela esquerda sobrevivente acerca da tortura – principalmente a partir da Anistia – e divulgada através de entrevistas, bibliografia memorialística e, sobretudo, do relatório Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo. As perguntas das autoras miram na percepção que de se tinha um determinado grupo de militares, marcadamente ultraconservadores e perfilados no centro do processo do golpe de Estado, na implementação dos mecanismos repressivos e nas estratégias utilizadas para contar e rememorar esse passado.

Em Do luto à luta: um estudo sobre a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil, o cientista político, Carlos Gallo, analisa a luta da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos (CFMDP), cuja atuação no tempo tem mantido coerência na defesa e exigência dos seguintes eixos reivindicativos: a responsabilização do Estado pelos crimes praticados contra os direitos humanos; a apuração das circunstâncias das mortes e desaparecimentos; a responsabilização dos culpados; e o resgate dos fatos e a preservação da memória relacionada aos mesmos. Incansável, a Comissão tem sido referência no esforço pelo combate ao esquecimento induzido e à impunidade resultante da ação estatal, bem como da omissão de importantes setores da sociedade. Como grupo de pressão, a organização, que carrega as bandeiras históricas do Nunca mais e as exigências de “Verdade, Memória e Justiça”, tem ocupado espaço crucial no questionamento das posições do Estado quanto à abertura dos arquivos repressivos, à interpretação sobre a Lei da Anistia, à condenação do Brasil na CIDH / OEA e à demora pela nomeação da Comissão da Verdade. Nesse sentido, o artigo de Gallo analisa o surgimento das demandas dos familiares, a sua organização após a ditadura, o conteúdo das demandas, a forma como a questão dos mortos e desaparecidos foi trabalhada ao longo dos anos e, por fim, os limites às demandas dos familiares durante a sua trajetória.

O artigo Te seguiremos buscando… Derecho a la identidad y prácticas judiciales durante el Terrorismo de Estado en Argentina resulta de um trabalho coletivo multidisciplinar que objetiva um dos temas mais candentes, mobilizadores e singulares da experiência argentina de segurança nacional e do terrorismo de Estado: o sequestro de crianças e a apropriação da sua identidade. Trata-se de uma pesquisa desenvolvida no Archivo General de los Tribunales de Córdoba (Argentina), orientada à divulgação, sistematização e análise das adoções tramitadas nos juizados civis e de menores da cidade de Córdoba durante 1975 e 1983. A pesquisa, baseada em fontes judiciais, resgatou a lógica da tramitação dessas adoções, permitindo avaliar a vinculação do poder judiciário com esse crime. Os autores concluem que a falta de exigências legais existentes na época favoreceram tais “adoções” e que o plano sistemático de apropriação ilegal de crianças desenvolvido pela ditadura se apoiou em mecanismos e dispositivos que facilitaram a inscrição de crianças como filhos próprios e que funcionavam como regra no interior dos processos judiciais.

No artigo de Maricel Alejandra López, Moral y don en las reparaciones económicas a las víctimas del terrorismo de estado en Argentina, a autora propõe pensar o tema das reparações a partir da teoria do “don”, elaborada por Marcel Mauss. Tal teoria é vista como instrumento que a autora considera válido para superar um debate tensionado pelos valores, pelas ações e pelos compromissos que as vítimas e os sobreviventes remarcam sempre como algo político e ético. López lembra que a reparação econômica às vítimas da ditadura é uma das políticas estatais que o Estado estabeleceu em relação aos crimes cometidos pela ditadura contra os direitos humanos. Mas na lógica das vítimas, a vida, a morte e os direitos humanos são parte das “coisas que não têm preço”, embora estejam inseridas em um mundo onde o econômico é sempre relevante. Para muitas das vítimas e dos sobreviventes, toda reparação é algo que não pode ser aceito, pois, supostamente, contradiz valores, coerências e ações. Para López, analisar tais reparações à luz da Teoria do “don”, de Marcel Mauss, pode tornar possível a aceitação do fato da reparação. A base do esquema é o tripé “dar, receber, devolver”, em que o “don” é percebido como ato de reconhecimento social, enquanto que o “receber” representa uma carga redimida pelo “devolver”.

Por fim, o Dossiê encerra-se com a resenha sobre a obra de Caroline Silveira Bauer, Brasil e Argentina: ditaduras, desaparecimentos e políticas de memória, resultado da tese de doutorado defendida no PPG-História da UFRGS, em 2011, e vencedora do Prêmio Teses da FLACSO / CLACSO, em 2012.

Diante de tudo o que foi exposto, agradecemos a todos os autores que encaminharam seus artigos para avaliação, bem como aos pareceristas que muito contribuíram para a qualidade deste Dossiê Ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul que ora apresentamos.

Boa leitura.

Enrique Serra Padrós – Professor do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS.


PADRÓS, Enrique Serra. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 19, n. 35, jul., 2012. Acessar publicação original [DR]

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