En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latin | Luis Fernando Granados

 

Resenhista

Tony Wood – Princeton University.


Referências desta Resenha

GRANADOS, Luis Fernando. En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latina. México City: Ediciones Eras, 2016. Resenha de: WOOD, Tony. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 197-200, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Soberanías fronterizas. Estados y capital en la colonización de Patagonia (Argentina y Chile, 1830-1922) | Albert Harambour

Filosofia e Historia da Biologia 14 colonización de Patagonia
Soberanías fronterizas | Detalhe de capa |

SCOTT The common wind 18 colonización de PatagoniaUno de los rasgos comunes en la historiografia sobre los procesos poscoloniales de formacion nacional en America Latina ha sido la nocion de la soberania como una fuerza civilizatoria encarnada en el estado,1 el cual se ha asumido a su vez como un aparato que se expande siguiendo una trayectoria centrifuga, absorbiendo gradualmente territorios y poblaciones por fuera de su control o resistentes al mismo. En esta lectura, el fracaso o exito de los estados se ha concebido frecuentemente como un efecto de su capacidad —o incapacidad— de extender su poder a la totalidad del territorio bajo su jurisdiccion, y de construir y sostener en el tiempo una identidad politica homogenea.

En contravia de esta nocion, Soberanías fronterizas. Estados y capital en la colonización de Patagonia (Argentina y Chile, 1830-1922) desplaza la atencion hacia los margenes del estado como epicentro que permite desentranar sus mitos fundacionales, logicas y efectos espaciotemporales. En un trabajo solido, sustentando en una variedad amplia de fuentes primarias, Alberto Harambour examina criticamente las dinamicas de expansion capitalista y construccion estatal en la Patagonia argentina y chilena durante el siglo xix y comienzos del xx. Leia Mais

Guerra do lugares. A colonização da terra e da moradia na era das finanças | Raquel Rolnik

Há livros que chamam a atenção em uma primeira vista. Em 2016, quando ganhei o livro Guerra dos lugares – colonização da terra e da moradia na era das finanças, escrito por Raquel Rolnik e lançado em dezembro de 2015 pela editora Boitempo, me interessei logo por sua capa. A capa vermelha com uma foto do projeto “Mulheres são heroínas” – ação na favela do morro da Providência, Rio de Janeiro – já prenunciava um fato: a guerra dos lugares também é uma disputa de narrativas sobre as cidades, as políticas públicas territoriais e os rumos possíveis para a democratização do espaço urbano (1).

Sinal óbvio dessa disputa está logo na apresentação do livro, quando a autora narra uma das visitas oficiais que fez como relatora especial para o Direito à Moradia Adequada da Organização das Nações Unidas – ONU ao Reino Unido. A vista aconteceu em um momento de questionamento de políticas de austeridade fiscal e da reforma do sistema de bem-estar social do país. A visita de Raquel Rolnik representando a ONU, que tinha como foco análises de condições de moradia e direitos humanos, era vista como um apoio à campanha anti-bedroom tax, ação do governo que tirava subsídios e excluía indivíduos ativos que moravam em apartamento com quartos “sobrando”. Segundo a relatora quem sofria com isso eram “os mais pobres, doentes mentais, loucos, pessoas com deficiência física” (p. 10), que perderiam a estabilidade e segurança garantidos pela política de bem-estar social. Leia Mais

Trofei e prigionieri: una foto ricordo della colonizzazione in Brasile | Piero Brunello

O livro Trofei e prigionieri: una foto ricordo della colonizzazione in Brasile, do historiador italiano Piero Brunello, publicado em 2020 pela Editora Cierre Edizione, tem muito a nos dizer sobre Santa Catarina, a imigração dos italianos no Sul de nosso estado (mais precisamente nas colônias de Urussanga, Grão-Pará, e Nova Veneza), o rapto de crianças indígenas e as expedições que massacraram a população dos Botocudos/Laklãnõ-Xokleng na região, durante o final do século XIX e início do século XX. Mas, essas não são afirmações genéricas do nosso passado, na tentativa de buscar responder ausências no que tange à região e que, muitas vezes, foram compartimentadas em temáticas pela nossa historiografia. A ideia aqui se apresenta muito mais do que fazer uma história da colonização, da imigração italiana ou da história de como os Botocudos/Laklãnõ-Xokleng foram perseguidos durante a colonização de Santa Catarina; já que é o encontro entre todas essas dinâmicas e temáticas que dá o tom do livro.

Piero Brunello é um historiador italiano e professor aposentado de História Social da Università Ca’ Foscari di Venezia. Durante sua trajetória profissional, pesquisou sobre diversos temas: emigração/imigração, escrita, história urbana, cultura popular, música e anarquismo. Entre as diferentes publicações de sua carreira, encontram- -se, principalmente, Pionieri: gli italiani in Brasile e il mito della fronteira (1994), Storie di anarchici e di spie: polizia e politica nell’Italia liberale (2009) e Colpi di scena: La rivoluzione del Quarantotto a Venezia (2018). Apesar de ter estudos sobre o Brasil e a emigração/imigração de italianos no nosso país, nenhuma de suas obras foi traduzida para o português. Por esta via, o interesse de um historiador italiano por Santa Catarina pode suscitar críticas, positivas ou desfavoráveis, uma vez que um olhar estrangeiro pode trazer tanto uma contribuição interessante às questões que não foram pensadas ou ditas pela historiografia catarinense, quanto assustar, por poder representar mais uma perspectiva europeia interessada no “excepcional”. Leia Mais

Colonización y protesta campesina en Colombia (1850-1950) | Catherine Legrand

La segunda edición en español del ya clásico libro de Catherine LeGrand nos hace reflexionar nuevamente acerca de las razones históricas del conflicto agrario en Colombia. ¿Por qué y contra quién pelean los campesinos? ¿Qué es lo que quiere el campesinado? Estas son las preguntas que plantea LeGrand para intentar esclarecer las raíces del conflicto rural. Por ello, no es coincidencia que la reedición de Colonización y protesta campesina en Colombia se hiciera en 2016, en el contexto de la firma de los acuerdos de paz entre el gobierno de Juan Manuel Santos y la guerrilla de las FARC-EP; el primer punto del acuerdo se refiere justamente a la Reforma Rural Integral, ya que, una de las causas fundamentales del conflicto armado en Colombia han sido los problemas derivados de la colonización de las tierras públicas, dinámica que en este libro se analiza minuciosamente. Leia Mais

As Américas na primeira modernidade – CAÑIZARES-ESGUERRA (H-Unesp)

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; MARTINS, Maria Cristina Bohn. (Orgs.), As Américas na primeira modernidade. Curitiba: Prismas, 2017. 1, 359p. Resenha de: SÁ, Charles Nascimento. Novo Mundo e Modernidade: debates e estudos sobre a colonização das Américas na Idade Moderna. História v.38  Assis/Franca  2019.

Uma das qualidades que se busca na produção acadêmica é a capacidade de cativar e prender a atenção de seu leitor. Ao longo de séculos, escritores e suas obras têm tido sucesso ou insucesso nesse sentido: conseguir produzir um texto que seja interessante, que produza reflexões no ledor e que estimule a busca por mais conhecimento, seja para seu interesse pessoal ou para sua área profissional, é prova inequívoca de que o trabalho atingiu seu objetivo.

Em um romance publicado pela Editora Record, intitulado A livraria mágica de Paris, de autoria da francesa Nina George, a autora, por meio de seu personagem Jean Perdu, define a função da livraria similar à de uma farmácia literária. Perdu nega-se a vender um livro quando percebe que não é aquele que a pessoa necessita. Por meio dos livros, o indivíduo, com seus problemas, dores, tristezas e incertezas, pode aí encontrar sua cura, ou, pelo menos, um paliativo (GEORGE, 2016).

Inicio esse texto abordando uma obra literária porque entendo que, no que concerne à escrita e seu reflexo na formação e melhoramento do conhecimento humano, todo tipo de saber deve ser aproveitado. Seja para momentos de deleite – de puro prazer literário, seja para crescimento profissional e acadêmico, todo livro deve trazer em seu bojo as benesses que uma boa escrita traz para a mente e o coração.

Se na obra literária a narrativa deve sempre buscar a atenção do leitor, prendendo-o com recursos estilísticos diversos – suspense, drama, assassinatos, crises, traições, reviravoltas, etc. -, no livro acadêmico nem sempre isso é possível, ou tem o autor a verve necessária para produzir tal feito. Algumas obras historiográficas conseguiram esse feito: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, Caminhos e Fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda, Apologia da História, de Marc Bloch, Segredos Internos, de Stuart Schwartz, Um Contraponto Baiano de Bert Barickman são alguns dos autores que produziram obras acadêmicas relevantes e paradigmáticas que também possuem estilo literário que cativa e prende a atenção de seus leitores.

As obras acima referidas possuem outra característica em comum: são frutos de um único autor. Nesse sentido, possuem uma coerência narrativa e vigor estilístico que surge da força criativa, da concepção teórica e da escrita de seu autor, ou mesmo de um dom que este possua.

Essa capacidade da escrita de ser leve e profunda, de fácil percepção para quem lê, nem sempre é conseguida em livros com vários autores. Obras coletivas, mesmo as literárias, perdem muito pela forma e característica com que cada escritor percebe sua produção e a transmite por meio de sua grafia. Esse desequilíbrio é sempre um fator a desmerecer o quantum de uma obra com vários autores.

Passados por esta breve introdução, adentremos no que de fato concerne este texto, isto é, a análise do livro: As Américas na primeira modernidade (1492-1750). Organizado por Jorge Cañizares-Esguerra, Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Maria Cristina Bohn Martins, publicado pela Editora Prismas, conta com textos de diversos autores em colaboração com os três já citados, ou em outras parcerias. Os autores são docentes e pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Europa. Instituições como Unicamp, UNISINOS, Universidade da Califórnia, Universidade do Texas, Universidade da Integração Latino-Americana e Universidade de Barcelona estão aí representadas. Todos esses centros estudam e pesquisam o passado do continente americano, e seus professores, presentes no livro, demonstram por meio dos capítulos o estágio atual da pesquisa sobre a história da América colonial.

Na introdução da obra, os organizadores fazem uma análise historiográfica da produção sobre a América na Idade Moderna. O processo de colonização, os entendimentos sobre a conquista, as ideias e conceitos que foram utilizados ao longo do tempo para compreensão desse fenômeno são aí abordados. Ao mesmo tempo, indicam os novos olhares e caminhos que têm sido discutidos pelos estudiosos para o entendimento da colonização do continente entre os séculos XV até o XVIII.

Alexandre C. Varella abre o primeiro capítulo, intitulado: Os índios: povos ancestrais, sujeitos modernos. Estes são tratados não apenas dentro de sua ancestralidade, mas também naquilo que carregavam e carregam de moderno. Os povos indígenas que habitavam o continente não são encarados como vítimas circunstanciais da dominação europeia na América, mas se apresentam como indivíduos ou coletivos que produzem com suas ações e ideias sua própria história. Em seu texto, a dicotomia usual entre opressores e oprimidos cede lugar a “caleidoscópio de posições e situações instáveis, contextuais, plurais”. No seu texto fica claro que “existem mais paradoxos que soluções para a análise dos indígenas no início da modernidade” (p. 48).

O segundo capítulo traz em seu bojo o processo de conquista da América, intitulando-se A conquista da América como uma história emaranhada: o intercâmbio de significados de uma palavra controversa. O primeiro item a destacar aqui diz respeito ao fato que esta ação deve ser compreendida não apenas como um processo unilateral, que parte de ibéricos sobre americanos. Segundo o texto de Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Eliane Cristina Deckman Fleck, um dos elementos a obnubilar o entendimento do conflito que terminou por colocar o continente americano sobre a égide espanhola foi o de entendê-lo a partir de uma visão unilateral.

Para os autores do segundo capítulo, a gênese e o desenvolvimento de todo esse épico conflito devem ser compreendidos a partir das junções de acordos e da geopolítica que envolvia os povos e nações existentes no mundo mexicano e peruano, para ficar aqui nas regiões mais famosas. Para os ameríndios que participaram do processo que resultou na queda de Tenochititlán e Cuzco, os espanhóis não foram os senhores que comandaram o processo, mas parceiros em toda a guerra que resultou na queda dos adversários históricos dos grupos oprimidos por astecas e incas. Além disso, o texto possui uma fluidez e uma escrita muito cativante. Nesse texto, o leitor torna-se partícipe de todo o conflito, a narrativa possui aquela característica tão carente em obras de história feita por historiadores: lucidez e simplicidade, atrelados a excelente pesquisa de fontes e bom diálogo com outros autores.

O terceiro capítulo, de autoria de Maria Cristina Bohn Martins e Leandro Karnal apresenta a questão da fé, atrelado a dois outros efes: fama e fortuna, seu título, por isso mesmo chama-se Fama, fé e fortuna: o tripé da conquista. Nesse texto, os autores desenvolvem uma interessante discussão sobre o impacto que a chegada dos europeus e a conquista dos impérios asteca e inca tiveram no desenvolvimento do imaginário europeu no início da modernidade e a importância disso para que outros indivíduos sonhassem em conquistar os mesmos louros que Cortez e Pizarro. Questões envolvendo fé, fama e fortuna foram paralelas e congênitas no empreendimento que resultou na conquista do Novo Mundo. Para os autores, porém, é importante não esquecer que o elemento que dominou toda a ação dos ibéricos foi sempre a fé católica e sua propagação para outros povos, afinal, “a compreensão das ações espanholas não pode prescindir da sua dimensão religiosa e espiritual” (p. 176). Nesse sentido, assemelha-se ao que Charles Boxer, em sua clássica obra O império marítimo português – 1415-1825, já assinalava quando de sua publicação em 1969. Para o historiador britânico, das quatros questões que nortearam a expansão lusitana – a saber, a guerra contra infiéis, a busca de ouro, a busca do reino de Preste João e a expansão da fé católica, foi sempre esta última a que de fato serviu como elemento justificador e impulsionador das navegações portuguesas em mares nunca dantes navegados (BOXER, 2002).

No quarto capítulo, que tem como título O lapso do rei Henrique VIII: inveja imperial e a formação da América Britânica, Jorge Cañizares-Esguerra e Bradley J. Dixon analisam o impacto da conquista e a formação do império ibérico no mundo anglo-saxão. Com suas minas e riquezas advindas do Novo Mundo, a Espanha se consolidou como a maior potência na Europa do início da modernidade. Isso, mais a rivalidade com a consolidação da Reforma na Inglaterra, levou os ingleses a buscarem imitar seus rivais castelhanos na construção de colônias na América. Ao longo dos séculos XVI e XVII encontrava-se na península ibérica a inspiração que os ingleses buscavam para a construção de seu próprio império. Foi somente no século XVIII, com a disseminação da “Legenda Negra” e a percepção de que o modelo ibérico não seria viável para os objetivos anglicanos, que a Grã-Bretanha encetou novo processo de povoamento e conquista na América desvinculado do modelo ibérico. Isso, porém não simbolizou o abandono do modelo espanhol. Durante todo o período de construção de suas colônias a Inglaterra teria no seu adversário o exemplo a seguir ou criticar.

Não foi só de pessoas que se constituiu a formação do mundo colonial americano. Benjamin Breen, no quinto capítulo do livro, analisa o Meio ambiente e trocas atlânticas. A migração de povos do Velho para o Novo Mundo se deu por volta de 60.000 anos atrás, segundo as pesquisas desenvolvidas por vários arqueólogos na América. Houve contatos com vikings durante o ano 1.000, mas as colônias por eles fundadas desapareceram sem deixar traços mais profundos. Assim, ao longo de vários séculos, povos, animais e plantas, além dos micro-organismos, estiveram longe do contato com outras espécies. A vinda dos europeus trouxe consigo não apenas as transformações no estilo de vida desses povos, mas representou também o intercâmbio entre diferentes indivíduos e seres vivos. Dessa forma,

[…] a história ambiental do mundo atlântico também ajuda a compreender duas das mais colossais catástrofes da história humana recente. A primeira é a impenetrável tragédia ocasionada pelas mortes de dezenas de milhões de nativos americanos devido a doenças infecciosas como a gripe, o sarampo e a varíola, contra as quais os indígenas não possuíam resistência. A segunda é a contínua diminuição da biodiversidade global, a qual muitos ecologistas identificam agora como a maior extinção em massa desde o desaparecimento dos dinossauros há 65 milhões de anos (p. 247).

As trocas envolvendo os dois lados do Atlântico e a inclusão do Índico e suas variedades de fauna e flora estão diretamente vinculadas à constituição do mundo contemporâneo e suas variedades de flores, frutos e fauna tal qual conhecemos hoje; seu custo para povos e seres que habitavam a América foi altíssimo.

O sexto capítulo da obra, Saberes e livros no mundo atlântico: o intercâmbio cultural na carreira das Índias, aborda as trocas de livros e saberes no mundo atlântico moderno. De autoria de Carlos Alberto González Sánches e Pedro Rueda Ramírez, faz uso de documentos e produções do período para discutir como o saber e sua disseminação por meio de obras muitas vezes não permitidas se fizeram presentes no universo colonial ibérico. A perseguição da Coroa e da Igreja a obras consideradas impróprias e a manutenção por parte do Estado espanhol do sigilo em torno de mapas e descrições do Novo Mundo, com o objetivo de proteger suas minas e riquezas de seus adversários, foram elementos a direcionar a atuação do governo e sua censura sobre livros e saberes.

No último capítulo da obra, Entre textos, contextos e epistemologias: apontamentos sobre a “Polêmica do Novo Mundo”, Beatriz Helena Domingues e Breno Machado dos Santos discutem os textos e obras que, no século XVIII, polemizaram a respeito do Novo Mundo e seus habitantes. De modo particular são aqui estudadas as obras de Buffon e De Paw, na discussão que o italiano Antonello Gerbi denominou como disputa ou controvérsia do Novo Mundo em seu clássico livro O Novo Mundo: história de uma polêmica.

Nesse texto que encerra o livro, as discussões sobre as características inferiores que a América apresentaria quando comparada com o Velho Mundo, tese defendida por Buffon e ampliada por De Paw, são contextualizadas e inseridas dentro de todo o debate que os estudos desses dois intelectuais produziram no período das Luzes. De modo particular, tem-se aqui a ação dos padres jesuítas da América espanhola e portuguesa, bem como dos representantes dos recém-emancipados Estados Unidos, em sua defesa pela semelhança entre os continentes da América e Europa.

A atuação de personagens da América espanhola e dos norte-americanos foi mais destacada que a dos residentes na América portuguesa. Tal fato é explicado por terem sido os padres jesuítas lusitanos encarcerados em Portugal na ocasião da expulsão dos membros da Ordem pelo Marquês de Pombal. Já os espanhóis puderam ir para o exílio em Bolonha, nos Estados Pontifícios. Como apontam os autores: “ainda que a situação do exílio seja sempre terrível, há uma enorme diferença entre Bolonha e as masmorras portuguesas” (p. 336).

Retomam-se aqui, para concluir a presente resenha, os tópicos indicados no início desse texto. Quando escreveu seu emblemático livro Apologia da História, ou o ofício do historiador, o historiador francês Marc Bloch disse: “decerto, mesmo que a história fosse julgada incapaz de outros serviços, restaria dizer, a seu favor, que ela entretém” (BLOCH, 2001, p. 43). Em outras palavras, quis esse estudioso indicar que compete ao texto histórico fazer com que seu leitor se entusiasme pelo que lê. Partindo desse ponto, os artigos encontrados no livro As Américas na primeira modernidade, 1492-1750 cumprem a contento tal expectativa. Torna-se prazerosa e instrutiva sua leitura, pois o leitor fica preso ao texto. Ao mesmo tempo, a precisão acadêmica, o confronto entre diferentes fontes, o diálogo envolvendo a bibliografia mais atual e a já consagrada encontram-se aí presentes. Sendo uma obra coletiva, o vigor acadêmico em nenhum momento se perde no conjunto da obra.

Outra perspectiva que a obra possui tem correlação com aquilo que o historiador Luiz Felipe de Alencastro defende em sua obra O Trato dos Viventes (2000) Nela, Alencastro aponta que, para entender o Brasil dos séculos XVI ao XVII, é preciso ir para fora dele, isto é, só se pode compreender a gênese da formação da América portuguesa olhando para o Atlântico. Nesse oceano e em suas conexões, no caso de Alencastro, de modo particular, a África, pode-se esclarecer e entender todo o processo formativo da sociedade e economia brasileira nesses dois séculos. O livro organizado por Jorge Cañizares-Esguerra, Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Maria Cristina Bohn Martins cumpre bem esse papel ao dar o destaque necessário às correlações envolvendo povos e territórios do além-mar e suas conexões não apenas com a Europa e África, mas também com a Ásia.

Tanto o indicativo de Bloch quanto o de Alencastro são seguidos no livro. Outro item que vem tendo destaque nas pesquisas envolvendo o mundo colonial da era moderna é abordado no volume que analisamos. Trabalhos oriundos dos Estados Unidos e Europa, bem como outros feitos na África, Ásia e América Latina, têm chamado a atenção para a necessidade de se pesquisar o passado colonial focando em questões e conceitos muitas vezes relegados pela historiografia. As noções de rede, nobreza, império ultramarino, monarquia pluricontinental, monarquia compósita, Antigo Regime, absolutismo, conquista, colonização, hibridismo cultural, miscigenação, direito, dentre outras temáticas foram incorporadas ou rediscutidas para compreensão do passado colonial da América e suas conexões com outros povos.

Nesse sentido, As Américas na Primeira Modernidade tem o mérito de abordar em seus capítulos essa discussão já tão presente no mundo europeu, na América do Norte, em partes da África e do continente asiático. A literatura por eles utilizada assenta-se em nomes como Serge Gruzinski, Sanjay Subrahmanyam, Stuart Schwartz, Jack Greene, Anthony Pagden, Vitorino Godinho, Charles Boxer, Antonello Gerbi, além dos próprios organizadores da coleção e seus autores. Nesse sentido, o diálogo aí presente é fecundo e levanta diversas indagações.

Nós, latino-americanos, fomos marcados pela intolerância, perseguição, guerras, mortes, doenças e pela conquista, mas também nos caracterizamos por dotar o planeta de sua concepção de modernidade. Foi somente pela chegada dos europeus ao Novo Mundo que o planeta iniciou o processo de constituição da economia mundo, afinal “o impacto das explorações oceânicas europeias estava sendo sentido fora da Europa, em uma terra que não possuía atividades transatlânticas […]” (WOOLF, 2014, p. 257).

Ao mesmo tempo, ao saber que outros povos e outras concepções de mundo existiam além do universo do Velho Mundo, religiosos e estudiosos depararam-se com temas que os levaram a redefinir suas concepções sobre o planeta, bem como sobre suas crenças. Como indica Serge Gruzinski, as certezas do conhecimento clássico foram postas em cheque e um novo saber pôde ser realizado.

A obra, porém, possui um revés. Mesmo se tratando das “Américas”, o livro ainda permanece com a divisão que exclui do universo colonial do Novo Mundo a América portuguesa. A região dominada pelos lusitanos somente é abordada no último texto e em vagos momentos está presente em outros poucos capítulos. Argentina, Paraguai e Uruguai são também pouco abordados. Nesse sentido, é necessário que se possa de fato interconectar os diversos povos e histórias da América em seu contexto colonial. Cada vez é maior o número de pesquisas no Brasil, e fora dele, que apontam para as redes abarcando os mercados e povos do mundo luso tropical com áreas da América sob domínio de Madri ou Londres. Envolver esses povos e territórios em uma única rede, ou em várias conexões, tende a tornar a história do continente em algo verdadeiramente americano.

O ponto acima não desmerece o livro analisado aqui. Pelo contrário, serve de indicação para outras obras futuras. Estas, por sua vez, tendem a ser beneficiadas pelo roteiro bibliográfico que todos os capítulos, bem com a Introdução do livro, trazem. Neles é possível entrar em contato com a historiografia sobre o continente e suas diversas concepções. O livro As Américas na primeira modernidade torna-se, assim, valioso contributo para todos aqueles que pesquisam, estudam ou querem entender o passado colonial de Novo Mundo, sejam alunos ou professores.

Primeiro volume de uma coleção que deverá ter mais dois livros, essa obra inaugural nos leva à expectativa quanto ao teor e profundidade dos demais, ao mesmo tempo em que embala novos debates e saberes sobre o mundo colonial da América. Boa leitura.

Referências

ALENCASTRO, Luiz Filipe de. O Trato dos Viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. [ Links ]

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001. [ Links ]

BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras , 2002. [ Links ]

CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; MARTINS, Maria Cristina Bohn. (Orgs.) As Américas na primeira modernidade. Curitiba: Prismas, 2017. v. 1. 359 p. [ Links ]

FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das redes: política e negócios no império português. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. [ Links ]

GEORGE, Nina. A livraria mágica de Paris. Rio de Janeiro: Record, 2016. [ Links ]

WOOLF, Daniel. Uma história global da história. Petrópolis: Vozes, 2014. [ Links ]

Charles Nascimento de Sá – Historiador, Mestre em Cultura e Turismo, Doutorando em História e Sociedade na UNESP/Assis. Professor da Universidade do Estado da Bahia -UNEB, campus XVIII, Av. David Jonas Fadini, 300, Eunápolis 45823-035, Bahia, Brasil. E-mail:  charles.sa75@gmail.com.

Dourados e a democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) | Maria Aparecida Ferreira Carli

Convidado especial do 13º Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica que foi realizado em 2010 na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, o historiador Luis Felipe de Alencastro proferiu uma brilhante palestra sobre as implicações históricas das desigualdades sociais brasileiras. Além da ênfase, como não poderia deixar ser, à questão da escravidão, Alencastro tocou em um dos temas mais polêmicos da história do Brasil: a alarmente injustiça social na distribuição de terras em nosso país.

O historiador iniciou suas reflexões chamando atenção do público ouvinte para o fato de a Lei de Terras ter sido aprovada pelo parlamento do Brasil apenas três semanas após a proibição do tráfico negreiro. Para Alencastro, não há nenhuma coincidência nesse fato, mas sim a comprovação de que a lei número 601 de 18 de setembro de 1850 era a base de uma política que tinha como objetivo preparar o país para receber imigrantes que iriam substituir a mão-de-obra escrava. O papel dessa regulamentação das terras públicas era, mediante um novo contexto vivido pela nação, impedir que os imigrantes recém-chegados pudessem vislumbrar a possibilidade de possuir propriedades rurais, garantindo, desse modo, a força de trabalho necessária para a produção nos grandes latifúndios do país. Leia Mais

Açúcar e Colonização – FERLINI (S-RH)

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e Colonização. São Paulo: Alameda, 2010, 267p.  Resenha de:  LOPES, Gustavo Acioli. Identidades, mentalidades e sistema colonial. SÆCULUM REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [26] jan./jun. 2012.

Os estudos e pesquisas sobre a história do Brasil colonial têm crescido sobremaneira, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo, nas últimas duas décadas. Se, em parte, este crescimento pode ser atribuído à multiplicação das pós-graduações, com linhas específicas de pesquisa, também se deve ao renovado interesse que o período vem despertando entre as novas gerações de historiadores. E este, por sua vez, ganhou considerável impulso com os debates que se seguiram às críticas que parte desta nova geração enumerou contra a linha de análise que privilegia o Antigo Sistema Colonial como elemento explicativo principal. Juntamente com a história econômica, esta linha esteve na defensiva nos anos 1990, quando as abordagens totalizantes, em particular as de viés marxista, foram seriamente questionadas (fenômeno que atingiu as Ciências Sociais em todo o Ocidente). No entanto, a partir das críticas e debates que resultaram destas, a abordagem do Antigo Sistema Colonial também se viu renovada, particularmente pela ampliação dos temas abordados e pelo aprofundamento da pesquisa documental, seja em história econômica, seja em história social e cultural.  América portuguesa ou Brasil colônia? Antigo Sistema Colonial ou Antigo Regime nos Trópicos? Colonos/colonizadores ou cidadãos/súditos do império? Leia Mais

A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII – XAVIER (H-Unesp)

XAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2008. Resenha de: MOURA, Denise A. Soares de. História [Unesp] v.28 no.1 Franca  2009.

Em A invenção de Goa, Ângela Barreto Xavier discute a experiência monárquica portuguesa no sul da Índia como um processo de tensões, confrontos e acomodações entre colonizadores e colonizados entre os séculos XVI e XVII.

As quase 500 páginas de sua consistente pesquisa em arquivos de Portugal, Itália e Índia, resultado de sua tese de doutorado defendida no Instituto Universitário Europeu, estão divididas em sete capítulos.

A narrativa, construída através da interpretação de documentação administrativa, jesuítica e do Santo Ofício articula o projeto e as ações imperativas do colonizador com as de criação e resistência dos colonizados. Dos capítulos 1 ao 4, são apresentados e discutidos os êxitos da presença portuguesa nas aldeias de Goa, através da aliança que existiu entre a Coroa e as ordens missionárias jesuíticas e franciscanas. A ação criativa e a resistência sutil e violenta das populações indianas às imposições da ordem metropolitana são tratadas entre os capítulos 5 e 7.

O primeiro capítulo, intitulado “Reforma do reino, reforma no império” critica a tese da historiografia portuguesa que defende a crise e decadência do império asiático português no período 1530-40 e discute uma das diretrizes metodológicas do livro de que o fortalecimento do aparelho político-administrativo do reinado de D. João III serviu para implantar um modelo de relacionamento político mais imperativo no Estado da Índia.

Uma aliança político-religiosa, comum em várias unidades políticas européias da época, teria conservado o poder imperial e promovido a cristianização das sociedades coloniais, substituindo antigas ligações sociais comunitárias e horizontais por laços verticais próprios da relação súditos e autoridades.

Para Ângela Xavier, o traçado político centralizado do Estado da Índia envolveu a conversão e evangelização sistemática das populações locais. No Reino, estaria ganhando evidência o modelo imperial romano, desenhado em suas paredes e cantado por poetas e cronistas.

Este primeiro capítulo é concluído com a idéia de que os territórios do que seria Goa foram os primeiros a experimentar esta atitude centralizadora e imperial, através da constituição de tombos, forais e da implantação de redes de fortificação.

Em “Traças para a conversão”, capítulo seguinte, a ação conjunta entre Monarquia e Igreja aparece através dos projetos de evangelização sustentados pela Coroa e implantados por missionários jesuítas e franciscanos.

Para evitar a islamização do território e combater as práticas religiosas tradicionais, houve a catequização pelo medo, com a introdução da Inquisição, a perseguição à religiosidade tradicional e a promoção da separação física entre cristãos e não convertidos. A ordem religiosa local foi destruída fisicamente e em seu lugar foram edificadas instituições cristãs, como a Confraria da Santa Fé, o seminário e colégio homônimos, a Casa dos catecúmenos.

Vários mecanismos de persuasão também foram implantados, como a construção de edifícios de culto cristão, o aperfeiçoamento da formação dos convertidos locais e do clero, a concessão de privilégios para convencer os indianos à conversão – como restrição do exercício de alguns ofícios apenas aos cristãos – concessão de terras em mercê aos convertidos, atribuição de capacidades jurídicas e autonomia econômica às mulheres convertidas – algo impensável na ordem social em que nasceram.

Mas, como escreveu a autora, entre portugueses estabelecidos localmente – os casados – e entre os brâmanes – .o grupo da elite local -, existiram vozes contrárias ao processo de conversão dos indianos.

O dilema histórico português de dividir poderes e fazer alianças para erguer um Império é discutido no capítulo 3, “Novos templos e novos sacerdotes”. A Companhia de Jesus e os franciscanos receberam da Coroa portuguesa e conquistaram junto às elites locais tamanho poder político, econômico, administrativo e judicial que, segundo a autora, quando o Estado da Índia vivia uma situação de fragilidade financeira, os conventos estavam acumulados de bens materiais, o que interferia nos índices demográficos e de fecundidade local por atraírem os habitantes das aldeias.

Mesmo os êxitos do trabalho missionário de intervenção nos costumes, na estrutura das famílias, na rotina de trabalho, na festas, na concepção de tempo e organização do espaço físico das comunidades locais e na implantação de uma estrutura de vigilância, punição e premiação, não impediram que a Monarquia portuguesa, a partir do século XVII, entrasse em atrito com os párocos locais e regulares e procurasse diminuir os amplos poderes alcançados pelas ordens missionárias.

Tarefa difícil, sabendo-se que, como mostra o capítulo 4, foram a Igreja e as ordens missionárias que forneceram os dispositivos essenciais da cristianização, base de sustentação do Império. Através da articulação confraria-misericórdia-colégio-hospital, franciscanos e jesuítas, nas suas diferentes concepções, interferiram na sensibilidade e na formação goesa. A caridade, educação, pregação, comunhão e confissão eram vistas como formas de ampliação do rebanho cristão.

O capítulo 5 inventaria os comportamentos dos agentes cristãos e das populações das aldeias da ilha de Chorão em relação à conversão e cristianização. Do lado dos convertidos, destacam-se o pragmatismo, visando tirar proveito da nova ordem em termos hierárquicos, ascensão, preservação do status e obtenção de privilégios.

Parcelas da população local convertiam-se, mas continuavam praticando clandestinamente sacrifícios e rituais próprios da sua tradição. A população local também protagonizou fugas e rebeliões, recebendo como resposta dos religiosos a aplicação da violência aos que recusavam a conversão, e a gratificação aos que aderiam ao cristianismo.

Em outros povoamentos locais, especialmente os da periferia de Goa, a resistência ocorria através da violência explícita, com assassinatos rituais de jesuítas e motins, como demonstra o capítulo 6. A autora pondera, contudo, que o prestígio e o poder alcançado por muitos destes missionários deu-lhes autoridade para promover estas manifestações de franca oposição à Coroa portuguesa.

O capítulo 7 incursiona pelo campo da memória histórica das elites nativas, mostrando como, na disputa pela condição de intermediador entre ordem imperial e local, elas se apropriaram e aplicaram à sua história o discurso de honra e nobreza do colonizador.

Um dos aspectos mais positivos da obra é a recuperação que faz da centralidade política da Coroa portuguesa, evidenciando-a, ao mesmo tempo em que esta abordagem não implica em desconsiderar o desenvolvimento político das populações e territórios que fizeram parte desta monarquia.

No conjunto da historiografia portuguesa que vem problematizando questões relativas ao estado e ao poder, este livro representa a revisão da imagem de Império descerebrado, surgida a partir do tipo de leitura que foi feita das pesquisas e interpretações realizadas por Antonio Manoel Hespanha para o século XVII1.

Dentre as várias contribuições do livro nesse aspecto, merece ser destacado que a própria existência de instâncias institucionais de comunicação e arbitragem nas partes de Goa, como o Conselho Ultramarino e os tribunais da inquisição, e o uso que a elite colonial fazia deles para petições, requerimentos e julgamentos denota a condição de árbitro legítimo que os colonos – casados ou elite local – da Índia atribuíam à Coroa portuguesa.

Das várias partes territoriais que compuseram a monarquia portuguesa, no atlântico ou no índico, nada funcionou desvinculado de um eixo central, como demonstra a própria malha institucional, administrativa ou fiscal, que unia e fazia funcionar estas partes.

A resistência e os processos autônomos existiram, como bem interpreta a autora, e ainda assim tiveram consistências muito diferentes num mesmo território, como no caso de Goa ou das aldeias em seus arredores, ambiente de conflitos mais intensos contra o projeto de cristianização da Coroa e dos missionários.

Dentre os que investigaram a história da Índia, o livro de Ângela Xavier avança porque não se restringiu a compreender a centralidade de Goa, como fez Catarina Madeira Santos ou Luis Filipe Thomaz, mas voltou-se para o que chama de “Goa rural” (p. 20), para as aldeias ao seu redor, que ao consentirem viver sobre o poder da Coroa portuguesa, refizeram sua própria identidade, participaram e asseguraram a existência da monarquia.

Recusando a abordagem orientalista presente em muitos trabalhos de origem indiana, a autora focaliza a população local da Índia, especialmente as elites, mostrando seu papel ativo na construção da ordem monárquica.

Diante desta abordagem, ao invés de um cortejo de ações violentas do colonialismo português ou de resistência goesa, o leitor se vê diante de uma realidade mais criativa, ativa, que faz uso de uma sociedade e cria relações novas, sem abolir a tradição e a partir das oportunidades abertas pela condição de colônia de uma metrópole portuguesa.

Esse quadro às vezes parece em desacordo com o vocabulário da autora, que poderia ter buscado expressões mais ponderadas. Hegemonia passa uma idéia de supremacia e totalidade que não corresponde ao tipo de interpretação que a obra faz da ação colonizadora. Neste caso, a idéia de presença, usada por Russell-Wood, ajusta-se mais à experiência monárquica e colonial portuguesa2. Ainda não é clara a expressão “economia de poderes” (p. 274). Embora a autora já a tenha usado em outro texto, escrito com Antonio Manoel Hespanha3, tal expressão merecia no livro uma nota explicativa.

Mais do que uma sólida investigação e reflexão sobre identidades, poderes e culturas, A invenção de Goa é uma ferramenta teórico-metodológica para os pesquisadores da Monarquia portuguesa. Sua leitura promete munir os interessados nas problemáticas monárquicas modernas de diretrizes para conceituações mais equilibradas da relação entre as várias porções territoriais da monarquia portuguesa e em outros campos, como o da história econômica e administrativa.

Notas

1 Hespanha, A. M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal, século XVII. Coimbra, Liv. Almendina, 1994. Na historiografia crítica destaco apenas Monteiro, Nuno Gonçalo. As reformas na monarquia pluricontinental portuguesa: de Pombal a D. Rodrigo. Texto a ser publicado no Brasil e gentilmente cedido pelo autor para uma leitura prévia. °

2 Russell-Wood, A. J. R. The Portuguese empire: 1415-1808. A world on the movie. Baltimoreand London, The Johns Hopkins University Press, 1992, pp. 21-22.

3 Xavier, Ângela Barreto e Hespanha, António Manoel. In: As redes clientelares. In: Hespanha, António Manuel. História de Portugal: o Antigo Regime (1620-1807). Lisboa, Editorial Estampa, 1992, pp.381-394.

Denise A. Soares de Moura – Professora Doutora – Departamento de História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP – 14409-160 – Franca – SP – Brasil. E-mail: dmsoa1@yahoo.com.br.

 

 

 

 

 

O rei no espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América: 1640-1720 | Rodrigo Bentes Monteiro

Publicado em 2002, O rei no espelho, de Rodrigo Bentes Monteiro, parte da análise de movimentos de caráter contestatório, ocorridos em Seiscentos e Setecentos, nas possessões americanas de Portugal, a fim de perscrutar as relações entre os vassalos sediados em diferentes regiões da América portuguesa e o Estado metropolitano, em momentos de crise política no âmbito europeu.

O autor parte da assunção de que, no tocante ao Brasil, há de fato possessões coloniais, não possessão, pois, adotando a formulação de Ilmar Rohloff de Mattos referente à noção de região, concebe social, política e economicamente a colônia americana como conjunto de enclaves de colonização lusa na América e busca, a partir de tal assunção, compreender como as diferentes realidades regionais implicaram formas diferenciadas de relacionamento entre vassalos e Coroa. Leia Mais