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As quatro partes do mundo: história de uma mundialização – GRUZINSKI (BMPEG-CH)
GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do mundo: história de uma mundialização. Belo Horizonte: Editora UFMG, São Paulo: Edusp, 2014. 576p. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Resenha de: SÁ, Charles. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi – Ciências Humanas. vol.12 no.2 Belém May/Aug. 2017.
Historiador francês, especialista no estudo das mentalidades, Serge Gruzinski já é conhecido há algum tempo em relação aos quadros historiográficos brasileiros. Suas obras abordam as múltiplas facetas da colonização espanhola na América, particularmente aquelas ligadas ao estudo da história do México. Ele desenvolve pesquisas que discutem a construção de um mundo novo pelos espanhóis e a intercessão de novos padrões culturais no mundo Ocidental a partir das conexões estabelecidas entre os mais diferentes povos dominados pelo Império Espanhol. Esse fenômeno, fruto do aparecimento de uma nova sociedade por meio da conquista espanhola da América e de outras regiões do globo, emergiu da junção entre pessoas de diferentes paragens do globo, unificadas pela imposição do Império castelhano durante a Idade Moderna.
Com livros publicados no Brasil pela Companhia das Letras, seu último trabalho, lançado em 2004, na França, ganhou tradução brasileira no ano de 2014 pelas editoras da Universidade Federal de Minas Gerais (Editora UFMG) e da Universidade de São Paulo (Edusp).
A obra “As quatro partes do mundo” apresenta discussão assaz interessante sobre a junção do planeta pela égide espanhola. Ao estudar, de modo particular, o mundo dominado por Felipe II até Felipe IV, dialoga com a colonização ibérica nos quatro cantos do globo. Do México, ponto fulcral dos estudos, para a África, do Brasil para a Ásia, de Goa para o Japão e daí para Lisboa e Madri, muitas são as junções que o autor se propõe a analisar. O livro está dividido em quatro partes: mundialização ibérica; cadeia dos mundos; as coisas do mundo; e a esfera de cristal. Possui gama generosa de ilustrações, mapas e fotografias de objetos dos séculos XVI e XVII.
Seu trabalho realça vozes que sempre ficam esquecidas nos estudos mais clássicos e tradicionais. Ao invés de líderes, generais, vice-reis, governadores, conquistadores, entre tantos outros ‘grandes homens’, vê-se, aqui, povos, pessoas subalternas, mestiços. Ao invés de focar em conceitos, como exploração, colonização, dominantes e dominados, ele aborda o período a partir da ideia de ‘mestiçagem’. Este conceito, segundo Gruzinski, é o elemento que ganha força para que se entenda e se explique o desenvolvimento do mundo ibérico no Novo Mundo e em outras partes do globo. Da união entre povos de culturas distintas, resultante da imposição das leis, da religião, dos modos de vestir, do trabalho e do viver inerentes ao mundo ibérico, surgiu uma sociedade não europeia e nem indígena: mestiça.
Esse conceito é assim definido: “As mestiçagens são, em grande parte, constitutivas da monarquia. Estão aí onipresentes. São fenômenos de ordem social, econômica, religiosa e, sobretudo, política, tanto senão mais que processos culturais” (p. 48). Na América colonial, não há mais um mundo ameríndio, tampouco ibérico, o que ecoa é um universo multiétnico e plural. Essa diversidade aponta para caminhos e fronteiras que serão parte constitutiva do mundo contemporâneo. A Modernidade e os questionamentos do século XXI sobre identidade e direitos dos povos podem olhar para o Império ibérico e perceber nele semelhanças com os debates que aconteciam no mundo dos Felipes. Nesse sentido, o diálogo hoje existente sobre o direito à identidade dos povos tem um de seus prelúdios nos primórdios da colonização ibérica em terras americanas. A necessidade de compreender o outro no período filipino foi feita por funcionários, clérigos e intelectuais, isso, porém, nem sempre significou tolerância ou respeito para com outras culturas.
Outro conceito interessante para aqueles que estudam a colonização ibérica é o de ‘mobilização’. Mais do que uma expansão, cuja ideia eurocêntrica tende a ver este povo como os mais destacados no processo de formação do Novo Mundo, a ideia defendida pelo autor para a colonização é a de uma mobilização em profundidade, a qual “provoca movimentos e entusiasmos imponderados que se precipitam, uns e outros, sobre todo o globo” (p. 53), fenômeno este que não pode ser controlado pelos seres humanos, nem mesmo pelos poderosos. Ele escapa das mãos daqueles que governam, bem como dos governados, da mistura desse processo dialético, que exclui e também agrega, tudo é mesclado e se espalha. Mesmo os micróbios são internacionalizados. Para o autor, “esse movimento não conhece limites” (p. 53).
A mundialização promovida pelo império ibérico disseminou valores, ideias, pensamentos, costumes, trabalho. Artesãos indígenas começaram a fazer uso de técnicas europeias; materiais feitos na América passaram a ser utilizados na África e na Ásia. Em pouco tempo, a habilidade dessas pessoas superava a dos europeus: roupas, alimentos, casas, pinturas, metais, temperos, tudo era assimilado e reproduzido. Mesclavam-se aos saberes ibéricos aqueles provenientes do mundo indígena, assim como valores vindos da África e da Ásia. Novos conhecimentos e produtos eram feitos. No entanto, quando pressentiam que estavam perdendo o saber para os mestiços, os europeus impunham, então, sua força: se não podiam dominar por meio do conhecimento, passavam a ter o controle da fabricação. Artesãos e trabalhadores eram cooptados pelos espanhóis para suas oficinas. O trabalho braçal e o fruto do saber mestiço foram dominados pelos castelhanos.
O mundo ibérico fez circular livros e saberes. O local e o global passaram a dialogar. Um indígena no Novo México falava das lutas e das disputas referentes ao trono espanhol. Um monge português apresentava sua visão sobre a Índia. Povos africanos eram explicados nas cortes europeias por viajantes vindos da América portuguesa, enquanto nas igrejas e em conventos da América meninos oriundos de aldeias ou assentamentos indígenas desenvolviam os saberes e os valores da religião transmitida da Europa.
Nesse cenário de povos e de culturas, as revoltas foram componentes intrínsecos ao sistema imperial. Membros da Igreja e governadores travavam embates pelo domínio dos novos espaços de conquista. Na Europa, a crise econômica da coroa espanhola no século XVII, consequência da guerra contra a França e a Holanda, fez com que as reformas propostas pelo ministro e cardeal Duque de Olivares encontrassem forte oposição na população mestiça no Novo Mundo. O aumento de impostos e a retirada de privilégios desse grupo, que não era composto nem por indígenas nem por espanhóis, fez com que a cidade do México entrasse em convulsão. Conexões envolvendo a mundialização de povos e economias tornaram-se parte do cotidiano da sociedade, a qual, por sua vez, não era harmônica ou subserviente. Desse modo, a contestação às leis e às ordens foi uma constante no mundo colonial ibérico.
Outro elemento que a mundialização erigida pelo Império ibérico estabeleceu foi a relativização do saber antigo. O mundo não mais se concebia como sendo plano ou com seres demoníacos em suas águas. Povos, bem como a fauna e a flora dos quatro continentes, são entendidos como pertencentes a uma mesma natureza. A difusão dos saberes e dos conhecimentos da Antiguidade foi o contraponto à sua relativização. Nas quatro partes do mundo, ouvia-se falar da Grécia e de Roma e, dessa maneira, a história europeia difundia-se entre povos não europeus, com as implicações que esse tipo de visão eurocêntrica trouxe para a compreensão da própria historicidade dos povos dominados pelos ibéricos. Da cidade do México a Goa, bebia-se dos valores da Antiguidade e dos padres da Igreja Católica. Uma sociedade paternalista, patriarcal e culturalmente judaico-cristã foi aí forjada, valores fundamentais para a cultura local foram realocados ou então dizimados, juntamente com os povos que o professavam.
Em um mundo que se globaliza cada vez mais, o pertencimento a um lugar continua sendo um item considerável. Ao se tornarem cidadãos do mundo, os ibéricos nem por isso deixavam de ser habitantes dessa península, pois o conhecimento por eles produzidos tinha em sua formação católica e europeia a base segundo a qual as relações e as novas concepções de mundo eram efetuadas. Os experts eram compostos por indivíduos europeus ou mestiços que pensavam esse novo mundo. Estes, por sua vez, eram oriundos da Igreja ou dos quadros administrativos do Império e dialogavam, por meio de seus livros e de viagens com esse novo universo que se abria para eles. Nesse contexto, emergiam novas elites: soldados, mulatos, comerciantes, fazendeiros, pessoas da pequena nobreza. Por meio do trabalho realizado em diversas partes do Império, efetivavam com suas ações e ideias o amálgama que concede unidade em meio à diversidade e ajudavam a compor as costuras que forjavam o império filipino.
As ideias e concepções vindas da Europa encontravam solo fértil no Novo Mundo, na África e na Ásia. Aristóteles e o tomismo da escolástica eram ensinados, debatidos e reproduzidos nos colégios e espaços acadêmicos do Império. Franciscanos, Jesuítas, Dominicanos, entre outras ordens religiosas, divulgavam e faziam com que se conhecessem as ideias advindas da Antiguidade grecoromana. Quadros, pinturas, poemas, tratados, esculturas e muitos outros objetos de arte reproduziam a concepção cristã e Ocidental de mundo.
Da mesma maneira que as artes e a fé se globalizavam, a língua também seguia o mesmo ritmo. Latim, português e castelhano tornaram-se o meio oficial de comunicação entre povos diversos. No entanto, estas línguas sofriam por um processo de hibridização: ao serem faladas por povos de outras regiões do globo, incorporavam elementos desses novos grupos. No Brasil, a Língua Geral, mescla da língua portuguesa com a língua tupi, foi o veículo pelo qual seus habitantes se comunicavam até a segunda metade do século XVIII.
Fé e linguagem uniram-se nas tentativas que jesuítas e demais ordens religiosas empreenderam para a propagação da Igreja Católica. Ao tentarem ver, nas crenças e nos valores dos povos que buscavam converter, elementos que possibilitassem exemplificar os ensinamentos de Cristo, houve, em muitos momentos, resultados inesperados. A partir do diálogo com crenças e cultos estrangeiros, alguns religiosos terminaram por adentrar em áreas que beiravam à heresia.
Em sua obra, Serge Gruzinski desenvolve a todo o momento uma escrita que direciona o leitor ao diálogo com outra época. Na tentativa de dominar as quatro partes do mundo, a monarquia católica da Espanha quase conseguiu seu intento. O tempo, esse monstro voraz, e as condições políticas e econômicas da Europa, bem como as resistências enfrentadas na África e na Ásia, contribuíram para que esse projeto não se concretizasse. Ainda assim, o contexto e as ideias da mundialização ibérica vicejam ainda hoje em nossa sociedade contemporânea, quer seja em seus filmes, obra de artes, romances, na linguagem e em atitudes que estão presentes em uma parte significativa do planeta.
A abordagem que se pretende na obra peca em um ponto: apesar de escrever sobre as diversas partes que compunham o Império espanhol, nota-se, ao longo de toda a obra, maior desenvolvimento de conceitos e de fatos circunscritos ao universo mexicano. Outras partes da América espanhola são menos abordadas do que a área do antigo império asteca. Nesse sentido, nota-se o olhar do especialista, já que Gruzinski tem como principal área de pesquisa o estudo da sociedade mexicana colonial.
Entender a globalização ibérica nos séculos XVI e XVII pode nos levar a refletir sobre a globalização capitalista em nossos dias. Ao adentrar em um mundo que se foi, percebe-se sua permanência. Discussões que foram aventadas na Espanha dos Felipes seguem ainda presentes nas sociedades da pós-modernidade. Dessa forma, a leitura da obra pode revelar formas de diálogos que devem ser buscadas na sociedade atual, bem como mecanismos de exploração que, ao persistirem, devem ser combatidos e extirpados. Boa leitura!
Charles Sá – Universidade do Estado da Bahia (charles.sa75@gmail.com)
A Grande Tentação. Os Planos de Franco para Invadir Portugal – AGUDO (LH)
AGUDO, Manuel Ros. A Grande Tentação. Os Planos de Franco para Invadir Portugal. Alfragide: Casa das Letras, 2009. Resenha de: MARCOS, Daniel. Ler História, n.58, p. 228-231, 2010.
1 Um dos livros que mais fez vibrar os escaparates das livrarias portuguesas durante o ano de 2009 foi, sem dúvida, o mais recente livro do historiador espanhol Manuel Ros Agudo, intitulado A Grande Tentação. Os Planos de Franco para invadir Portugal. Talvez por uma escolha da linha editorial, esta obra foi dada à estampa com um subtítulo que pode induzir o leitor a pensar tratar-se de um livro unicamente sobre um conjunto de planos imperialistas levados a cabo por Francisco Franco, líder do regime autoritário espanhol a partir de 1936, para tomar Portugal. Tal não é verdade. Como mostra a sub-capa da edição portuguesa, A Grande Tentação aborda o tema mais geral de Franco, o Império Colonial e o projecto de intervenção espanhola na Segunda Guerra Mundial, em que a invasão do território continental português era, somente, um pequeno passo estratégico para alcançar objectivos mais importantes para o regime espanhol: Gibraltar e a expansão territorial de Espanha no Norte de África (p. 224-225). Este é o primeiro e, praticamente único, reparo que se pode fazer à edição desta obra, já que a tradução da mesma parece de grande qualidade.
2 Mas mais importante do que a questão do título do livro trata-se do tema da obra em si. Como o próprio autor afirma logo no prólogo, o seu objectivo central é contribuir para o desenvolvimento de uma nova historiografia espanhola, pondo-se à margem das tradicionais visões polémicas sobre o regime franquista que, na opinião do historiador, procuram usar a História como «arma política para esmagar o opositor» (p. 11). Ros Agudo nem sempre consegue este objectivo, já que ao longo do texto usa recorrentemente expressões qualificativas que acabam por reflectir uma qualquer tomada de posição sobre o assunto. Por exemplo, ao qualificar de «errónea» a crença do Caudilho de que a guerra seria curta e vitoriosa para o Eixo (p. 110), o autor não está a ter em conta que, na realidade, poucos eram os líderes políticos daquela época que não pensavam o mesmo. Mais adiante, ao classificar a propaganda colonialista da Junta de Defesa Nacional espanhola como «disparates linguísticos»
(p. 117), Ros Agudo não está a contribuir para a explicação do que foi a retórica imperialista europeia do período de entre as guerras e que só mudaria com a entrada em cena dos Estados Unidos na política mundial.
3 Quem estiver a seguir esta recensão pode estar inclinado a duvidar da qualidade deste livro. Desta forma, há que fazer um alerta importante. A Grande Tentação é, sem dúvida um importantíssimo trabalho para quem se interessa pela história colonial em geral e pela história espanhola em particular. Por duas grandes razões: em primeiro lugar, porque se debruça sobre um dos menos trabalhados impérios coloniais europeus do século XIX e XX, isto é, o império espanhol em África. Na verdade, a historiografia internacional pouca relevância dá ao esforço colonial desenvolvido pelos regimes espanhóis desde os finais do século XIX. Em especial, se nos centrarmos nas questões da descolonização, um tema tão em voga na historiografia actual, são praticamente inexistentes as análises feitas ao colonialismo espanhol. Este, apesar de breve e tardio, não deixou de marcar a história do século XX e com consequências que ainda hoje se fazem repercutir na cena internacional, como por exemplo na questão do Sara Ocidental. Em segundo lugar, esta obra de Manuel Ros Agudo aborda de forma relevante a história do franquismo e todas as tentativas expansionistas que este regime procurou delinear no início da II Guerra Mundial. Desta forma, torna-se num livro fundamental para compreendermos o regime autoritário espanhol à luz da história dos regimes totalitários e autoritários de direita que surgiram na Europa após a I Guerra Mundial.
4 Ao longo do texto, o autor leva-nos a compreender de que forma as aspirações territoriais espanholas modelaram a política externa de Espanha durante o conflito de 1939 a 1945. Torna-se claro que o ditador espanhol procurou, por via diplomática – sem descurar o recurso ao uso da força – aumentar o espólio imperial da Espanha no Norte de África, incorporando o Marrocos francês no protectorado espanhol, expandindo a sua jurisdição sobre a região em torno da cidade de Orão, na Argélia e aumentando a dimensão da Guiné espanhola. Estas exigências territoriais procuravam rectificar, de acordo com o general Franco e com a cúpula africanista do seu regime, o erro histórico que tinha sido a constante usurpação feita pela França (com o apoio da potência marítima, isto é, da Inglaterra) das aspirações territoriais de Espanha no Norte de África. Como demonstra o autor na primeira parte de A Grande Tentação, desde a Conferência de Algeciras em 1906 até ao estabelecimento do Marrocos espanhol no Tratado de Fez em 1912, os africanistas espanhóis sentiram estes acordos diplomáticos como um vexame para os interesses de Espanha. A acrescentar a este sentimento, em 1923 deu-se a criação do enclave internacional em Tânger, dentro do protectorado espanhol de Marrocos, numa acção que beneficiava mais os interesses do Reino Unido e da França e que demonstrava que as principais potências coloniais não queriam Tânger sob controlo da Espanha. De resto, desde 1921, a monarquia espanhola demonstrava dificuldades em controlar as rebeliões nacionalistas – que custaram a vida a cerca de 8 mil espanhóis – lideradas por Abd-el-Krim. O prestígio de Espanha como potência protectora decaía e contribuiu para que Primo da Rivera não tenha conseguido ganhar a sua autoridade sobre aquela área.
5 Assim, apesar da governação internacional, a França manteve uma hegemonia sobre a cidade portuária de Tânger. Esta situação fazia com que os apoiantes do império, em Espanha, nomeadamente algumas facções do exército, vissem o Protectorado internacional como «um espaço estranho, como uma espinha sob administração internacional encravada no meio do Protectorado espanhol». Era um enclave que «não só comprometia a homogeneidade de conjunto da zona espanhola, como podia colocar em perigo a sua própria segurança e defesa». Era uma verdadeira «humilhação» das potências internacionais sob a Espanha e que contribuiu decisivamente para atear os desejos africanistas da elite política em torno de Franco (p. 37). Dividida entre irredentistas – os que desejavam, apenas, a rectificação das fronteiras espanholas em Marrocos, argumentando o direito espanhol à colonização – e imperialistas – com o início da II Guerra e a derrota da França, defendiam a anexação do Marrocos francês, o departamento de Orão na Argélia e uma ampliação substancial da Guiné espanhola – ambas as opções se traduziram numa acção diplomática seguida pelo governo de Franco: conversações diplomáticas com Londres e Vichy, a propósito das exigências mínimas ou irredentistas, e negociação com Berlim das exigências máximas ou imperialistas. Como demonstra Manuel Ros Agudo, se a primeira exigia somente que Franco permanecesse neutral, a segunda obrigava-o a entrar no conflito, do lado das forças do Eixo (182-183).
6 Do ponto de vista militar, as Forças Armadas espanholas não desdenharam a segunda solução. Com Adolf Hitler a desejar a entrada de Espanha no conflito para, em conjunto com a Alemanha, invadirem Gibraltar e controlarem a passagem do Atlântico para o Mediterrâneo, o alto comando militar espanhol desenhou pormenorizadamente, com a autorização do Caudilho, um conjunto de operações militares de grande envergadura contra o rochedo. Fica, assim, demonstrado que Franco estava verdadeiramente decidido a entrar na guerra como terceiro parceiro do Eixo, sendo que apenas a falta de garantias de Hitler em relação à cedência à Espanha dos territórios franceses do Norte de África mantiveram o governo espanhol fora da II Guerra Mundial.
7 Por último, não podemos deixar de fazer uma referência mais detalhada sobre as referências a Portugal ao longo do livro. Ros Agudo demonstra que Portugal pouco interessava para os planos de Franco. A invasão fazia-se unicamente para evitar que Portugal fosse usado como uma cabeça-de-ponte da Inglaterra para invadir a Península, após o ataque das forças do Eixo a Gibraltar. Os próprios planos militares espanhóis afirmavam isso: «A conquista de Portugal não deve ser considerada uma acção isolada, mas [por estar] intimamente ligada com a Inglaterra, representa um aspecto da luta contra a última nação» (p. 225). Desta forma, pouco importava ao Caudilho o Pacto de Amizade e Não Agressão luso-espanhol de 17 de Março de 1939 e o protocolo adicional de 30 de Julho de 1940. Na nossa opinião, a análise da questão portuguesa necessitava de mais profundidade. Independentemente do pouco interesse que Franco dava a Portugal, a utilização de fontes e bibliografia portuguesa contribuía para o enriquecimento da obra e para uma melhor contextualização da posição de Espanha no sistema internacional. Nomeadamente no período em análise na obra de Ros Agudo, ao longo dos anos 30 e 40 do século XX, Portugal desenvolveu uma intensa actividade diplomática, por vezes pouco visível, com vista a isolar os sectores intervencionistas e germanófilos da Falange e do Exército, que mal conseguiam disfarçar os desígnios anexionistas relativamente a Portugal. Na delicada conjuntura do Verão de 1940, a assinatura do Protocolo Adicional ao Tratado de Amizade e Não Agressão em 29 de Julho de 1949, não pode ser, portanto, completamente desvalorizado. Em parte, a par da recusa de Hitler em garantir o aumento do território colonial no Norte de África, a acção do governo português muito contribuiu para que Franco pusesse de lado os seus desejos de intervenção e optasse pela neutralidade na II Guerra Mundial.
Daniel Marcos – CEHC-ISCTE-IUL