Visões do tempo no medievo e a escrita da História/CLIO- Revista de Pesquisa Histórica/2022

No final do século XIX, ao criticar a linha de pensamento do positivismo, o filósofo Friedrich Nietzsche, em seu livro Aurora (1881), diz em seu aforismo de número 307: “Facta! Sim, facta ficta! [Fatos! Sim, fatos fictícios]. – Um historiador não se ocupa do que efetivamente ocorreu, mas dos supostos acontecimentos: pois apenas estes tiveram efeito. E, do mesmo modo, apenas dos supostos heróis. Seu tema, a assim chamada história universal (Weltgeschichte), são opiniões sobre supostas ações e os supostos motivos para elas, que novamente dão ensejo a opiniões e ações cuja realidade (Wirklichkeit) imediatamente se vaporiza e apenas como vapor tem efeito – uma contínua geração e fecundação de fantasmas, sobre as névoas profundas da realidade insondável. Os historiadores falam de coisas que jamais existiram, exceto na representação mental (Vorstellung)”1. Leia Mais

Humanidades digitais pós-coloniais/decoloniais e o ensino de história | CLIO – Revista de Pesquisa Histórica | 2022

Humanidades digitales Imagem Projects Grinugr
Humanidades digitales  | Imagem: Projects Grinugr

O presente dossiê teve como propósito disseminar diferentes experiências, práticas e abordagens sobre o Ensino de História em suas relações com as Humanidades Digitais. Uma busca nas principais plataformas permite concluir que esta última expressão tem ganhado espaço nos debates do campo nos últimos anos, conquanto outras opções terminológicas (TIC’s, TDIC’s, NTE, ODA’s, História Digital etc.) por vezes ocultem produtivos diálogos ou até mesmo propostas que se dirigem para direções opostas.

Dito isso, vale alertar que, ao optar por este ou aquele em suas reflexões, os(as) autores(as) nem sempre conferem a historicidade do termo, o que formataria uma crítica de seus propósitos de criação e uso. Consequentemente, iniciativas ingênuas e bem intencionadas podem ser usadas (e não raro são) em projetos educacionais e/ou políticos que se afastam das intenções originais de seus criadores i. Leia Mais

Didática da História e o ensino de História: questões contemporâneas – Parte 1 | CLIO- Revista de Pesquisa Histórica | 2021

No Brasil, nos últimos vinte anos, temos assistido a uma ampliação das produções acadêmicas que abordam o ensino de História em suas múltiplas dimensões. Por caminhos diferentes, inúmeros investigadores têm realizado trabalhos, projetos e pesquisas que visam analisar as relações que estudantes e professores estabelecem com a disciplina de História, como se dá o processo de produção do conhecimento histórico escolar, bem como os desafios e as vicissitudes presentes no ensinar e aprender História em contextos escolares e não escolares.

No entanto, se hoje entendemos que existe uma pluralidade de abordagens relativas ao ensino de História e que diferentes espaços continuam sendo construídos visando o desenvolvimento de investigações nessa área, isso só possível devido aos constantes embates, resistências e diálogos que foram travados, a partir dos anos de 1970, que objetivaram reconstituir a História, enquanto disciplina escolar autônoma, que naquele momento havia perdido o seu espaço epistemológico para os Estudos Sociais. Leia Mais

Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 28
Rancho na região da serra do Caraça, MG, Spix e Von Martius, 1817-1820 | Imagem: JLLO |

É com satisfação que publicamos a segunda parte do dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia. Os artigos selecionados tratam das interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. Atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, assim com os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, em suas demissões social, econômica e de poder são também contempladas.

O primeiro artigo que abre o Dossiê, de Francivaldo Alves Nunes, intitulado na gigantesca floresta de metais: O Engenho Central São Pedro do Pindaré e os debates sobre a lavoura maranhense no século XIX, nos remete a implantação dos engenhos centrais como solução para o processo de modernização da atividade açucareira em fins do século XIX, tendo como palco a província do Maranhão. Em diálogo com a historiografia, o autor demonstra o quanto o otimismo presente na imprensa e nos relatórios dos presidentes de província em relação a essa inovação produtiva contrastava com as dificuldades e os obstáculos encontrados para sua realização, tais como a falta do concurso do capital externo para atender aos seus vultosos custos, o conflito de interesses entre produtores de cana e o Engenho central e a ausência de inovação na atividade agrícola.

Já o artigo Ofícios mecânicos e a câmara: regulamentação e controle na Vila Real de Sabará (1735-1829), de Ludmila Machado Pereira de Oliveira Torres, analisa a ação de reguladora exercida pela Câmara municipal de Sabará no território sub sua jurisdição e na ausência de corporações com essas funções em Minas Gerais, em fins do período colonial e início do Imperial. Nessa direção, a autora procede à verificação da eficiência deste poder público em regulamentar o trabalho mecânico por meio da realização de exames dos candidatos aos ofícios, proceder às eleições de juízes de ofício, tabelar preços e conceder licenças à categoria. Por outro lado, o texto ainda se detém no universo dos ofícios mecânicos na região, na maior ou menor presença de escravizados no seu meio e na relação desses trabalhadores com a instituição que os fiscalizava e regulava.

No texto de Jeffrey Aislan de Souza Silva, “Nunca pode, um sequer, ser preso pela ativa guarda”: a Guarda Cívica do Recife e as críticas ao policiamento urbano no século XIX (1876-1889), temos a abordagem de um aparato policial criado na capital de Pernambuco com a dupla função de combater a criminalidade e disciplinar a população. Nele é investigada a lei que criou essa força pública em seus diversos aspectos, como também a sua estrutura hierárquica, funções e os requisitos para o ingresso na corporação Além disso, o autor discute a eficácia e comportamento desse aparato de segurança, que mereceu uma avaliação nada lisonjeira dos seus contemporâneos na imprensa.

Com o título Gênero, raça e classe no Oitocentos: os casos da Assembleia do Bello Sexo e do Congresso Feminino, Laura Junqueira de Mello Reis pesquisa dois jornais na Corte, A Marmota na Corte e O Periódico dos Pobres, que possuíam seções especificamente dedicas às mulheres, e que tinham como seus principais colaboradores homens. Ao longo do artigo discutem-se os assuntos e as abordagens constantes nesses impressos do interesse de suas leitoras, como matrimônio, adultério, maternidade e emancipação feminina, entre outros. A perspectiva teórico-metodológica da autora busca realçar a questão de gênero sempre levando em conta a condição racial e de classe das mulheres a que os dois periódicos almejavam cativar e orientar, no caso as mulheres brancas, alfabetizadas e da elite.

O trabalho Arranjos eleitorais no processo de eleições em Minas Gerais na década de 1860, de Michel Saldanha, versa sobre importante temática política que cada vez mais vem merecendo a atenção da historiografia: as eleições. Embora as eleições sejam um assunto sempre referido nos trabalhos sobre a histórica política do Império, só recentemente vimos surgir inúmeras pesquisas que têm como seu objetivo particular o processo e a dinâmica eleitoral em diversos momentos e espaços do Brasil oitocentista. A autora se debruça sobre as eleições em Minas Gerais, na década de 1860, com um intuito de discutir as estratégias informais e formais utilizadas pelos candidatos e partidos para obtenção de sucesso nas urnas. Neste sentido, a difícil feitura da chapa de candidatos, a busca de aproximação dos dirigentes políticos com o seu eleitorado e a qualificação dos votantes estão entre as práticas eleitorais analisadas.

Educação e trabalho: a função “regeneradora” das escolas nas cadeias da Parahyba Norte é o título do artigo Suênya do Nascimento Costa. Nas suas páginas, são abordadas as práticas pedagógicas no Brasil do século XIX direcionadas à população carcerária, em sua maioria constituída de pessoas de origem humilde, no intuito não só de discipliná-las, mas também instruí-las sobre os valores dominantes que deveriam reabilitar os indivíduos criminosos para o convívio social, especialmente através do trabalho, em conformidade as ideias em voga no século XIX.

O artigo de Paulo de Oliveira Nascimento, intitulado Até onde mandam os delegados: limites e possibilidades do poder dos presidentes de província no Grão-Pará e Amazonas (1849 – 1856), versa sobre o executivo provincial cujos titulares, na qualidade de representantes do governo central, buscavam impor a orientação dos gabinetes às diversas partes do Império nem sempre com sucesso. No território do Amazonas o autor explora as dificuldades enfrentadas pelos presidentes para administrar um conflito antigo em particular, o que envolvia o religioso e diretor da Missão de Andiras e as autoridades locais pelo controle dos indígenas.

O estudo sobre a instância de poder provincial é também o assunto do artigo Instituições entre disputas de poder e a remoção dos párocos em Minas Gerais, de Júlia Lopes Viana lazzarine, que aborda a interferência dos presidentes de província no Padroado Régio, tida como supostamente prevista no Ato Adicional. Como aconteceu frequentemente por todo o país à época da Regência, a extrapolação das atribuições de poder na esfera províncias, prevista naquela lei descentralizadora, terminou por conflitar diversas instâncias político-administrativas. Em Minas Gerais não foi diferente. No caso discutido, ocorreu o embate, de um lado, entre o governo provincial e a Igreja; e de outro, entre a Assembleia Provincial e a Câmara dos deputados.

O artigo de Rafhaela Ferreira Gonçalves, Contornos políticos em torno dos processos cíveis de liberdade na zona da mata pernambucana: a denúncia de Florinda Maria e o caso dos pardos Antônio Gonçalves e Bellarmino José (1860-1870), discuti como base documental os processos cíveis, que constam na atualidade como fontes valiosas para a compreensão da luta dos escravizados pela liberdade. Por meio da análise de um deles, a autora consegue muito bem desvendar as estratégias encontradas pelos escravizados para se valerem do sistema normativo dominante a seu favor nos tribunais. A ação de liberdade escolhida pela autora para apreciação não poderia ser melhor. Trata-se do caso de uma liberta que engravidou de seu antigo senhor e depois viu seus filhos, nascidos do ventre livre, serem vendidos pelo pai como se fossem cativos.

Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em A Revolta dos Matutos: entre o medo da escravização e a ameaça dos “republiqueiros” (Pernambuco-1838), investiga uma revolta da população livre e pobre do interior, na região da Zona da Mata e Agreste, que teve como estopim um decreto do governo interpretado pelos populares como uma medida visando escravizá-los. Na sua abordagem o autor investiga o levante em dupla perspectiva. Primeiro, no contexto do conflito intra-elite no período regencial , quando a boataria sobre o cativeiro da população foi atribuída pelas autoridades aos inimigos do governo, os chamados Exaltados, os quais procuraram aliciar para o seu lado os habitantes do interior tidos à época como “ignorantes” e de fácil sedução. Segundo, procurando compreender a revolta a partir das motivações próprias da gente livre e pobre do campo, que era a que mais penava com o recrutamento militar e tinha razões de sobra para desconfiar de tudo que vinha das elites e do Estado.

O trabalho O julgamento do patacho Nova Granada: embates diplomáticos entre Brasil e Inglaterra no auge do tráfico atlântico de escravizados nos anos de 1840, de Aline Emanuelle De Biase Albuquerque, nos remete à questão da repressão ao comércio negreiro e dos envolvidos nesse negócio ilícito, arriscado e lucrativo. Por meio de um processo crime que durou anos e que não condenou ninguém, a autora desvenda o conluio entre o governo brasileiro e os traficantes, os desacordos entre as autoridades britânicas e brasileiras no caso, assim como quem eram os integrantes dessa atividade mercantil proibida desde 1831. Na sua apreciação, aspectos interessantes da logística e da organização do tráfico são também revelados, como o tipo de equipamento encontrado nas naus que seguiam para África ou de lá retornavam, e que era considerado prova da atividade negreira, independe da presença de cativos na embarcação.

A imprensa no período de emancipação do Brasil de Portugal, no momento de definição dos rumos da nação que se pretendia construir, consta como temática do artigo O Reverbero Constitucional Fluminense e as interpretações do tempo no contexto da Independência (1821-1822), de João Carlos Escosteguy Filho. Nesse sentido, o autor expõe e problematiza a compreensão do tempo e da trajetória histórica do Brasil e das Américas presentes nas páginas da folha em tela, cujos propósitos eram o de influenciar o debate público e os rumos políticos do país.

Amanda Chiamenti Both, em seu trabalho Imediatos auxiliares da administração: o papel da secretaria de governo na administração da província do Rio Grande do Sul, estuda a secretaria de governo provincial, de grande importância para as presidências, mas ainda pouco explorada pela historiografia. Em meio à substituição frequente de presidentes, o artigo demonstra a relativa permanência dos indivíduos indicados para o posto de secretário da presidência no Rio Grande do Sul, além de explorar quem eram seus titulares, como se dava sua escolha e quais as suas atribuições. Suas conclusões apontam para a posição estratégica desse funcionário para o desejado entrosamento entre os presidentes e a sociedade local.

O texto de Ivan Soares dos Santos encerra o dossiê, intitulado Uma trama de fios discretos: alianças interprovinciais das sociedades públicas de Pernambuco (1831-1832). Ele retoma os estudos de duas importantes associações federais por um viés diferenciado daquele geralmente presente na historiografia sobre o período regencial. Neste sentido, o autor procura explorar e realçar as estratégias políticas construídas pelos liberais federalistas de Pernambuco para além das fronteiras da sua província, no intuito de fortalecê-los como grupo em luta pelo o poder.

Em vista dessas considerações, convidamos todos os interessados na produção histórica recente, inédita e de qualidade à leitura deste dossiê dedicado ao Brasil oitocentista.

Cristiano Luis Cristillino

Suzana Cavani Rosas

Maria Sarita Cristina Mota


CRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica. Recife, v.39, p.1-6, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [IF].

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Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

A Revista Clio abre este número com a primeira parte do Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia, que traz artigos voltados às interfaces entre o poder, as culturas políticas e a sociedade, a partir de perspectivas teórico-metodológicas que focalizem as rupturas, as permanências, os antagonismos e as ambivalências historicamente tecidas nas múltiplas formas de relações sociais entre as elites e as camadas populares no Brasil durante o século XIX, nas mais diversas dimensões de envolvimentos do poder e seus reflexos na sociedade e na economia. A inserção da esfera micro na dimensão macro, as atualizações e ressignificações do local e do regional diante das injunções produzidas pela dinâmica do global, como também apreender os processos e as tramas que singularizam as histórias do local e regional, e o espaço de negociação estabelecido pelos seus atores sociais instituídos nacionalmente. As práticas políticas, a cultura do clientelismo, a organização social e econômica, bem como a inserção e participação das famílias livres e pobres em meio ao universo escravista. As relações e articulações políticas, e econômicas, bem como o perfil dos movimentos sociais, entre os diversos atores, são fundamentais para entender a participação e o protagonismo político de diversos grupos de elite e das camadas populares no “longo século XIX”.

Os cinco primeiros artigos tratam do mundo rural no XIX, a partir do debate sobre o trabalho e as políticas de colonização. Abre esse bloco o artigo de Júlia Leite Gregory, Esquecidos, desclassificados e sem razão de ser? Revisitando a historiografia para localizar o pobre no mundo rural, que traz uma importante análise historiográfica sobre o universo das famílias de trabalhadores livres no meio rural nos séculos XVIII e XIX. Gregory focou sua investigação nos trabalhos que discutem as trajetórias e experiências dos lavradores na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e mostra os avanços da historiografia em torno deste vasto grupo, que numericamente era maior do que o universo de trabalhadores escravos, mas que ainda apresenta várias lacunas em torno de temas importantes para a compreensão de um grupo complexo e heterogêneo, e que ainda constituem um campo “em aberto” às investigações dos historiadores.

Ainda sobre o universo das famílias livres e pobres do mundo rural no oitocentos, temo o segundo artigo de autoria de Leandro Neves Diniz, intitulado A política de mão de obra no Império brasileiro: da conturbada unificação à precarização do trabalho livre, que discute a precarização do trabalho livre na Paraíba após o fim do tráfico internacional de escravos na década de 1850. Diniz parte da análise do impacto das revoltas regenciais sobre o universo do trabalho livre, especialmente nas relações estabelecidas entre os pequenos lavradores e os grandes proprietários. A desarticulação do tráfico internacional tem destaque na análise de Leandro Diniz, que mostra que o fim da alternativa de renovação das senzalas, mesmo que pela obtenção ilegal de escravizados, criou uma série de ameaças aos libertos, além do direcionamento das políticas de estado para a solução da “crise de braços” para a contratação de imigrantes europeus, relegando-se a um segundo plano os lavradores livres e pobres nacionais. Um cenário que contribuiu para a precarização do trabalho livre no Brasil da segunda metade do século XIX.

As dinâmicas do mundo do trabalho e a superexploração de trabalhadores rurais são o tema do terceiro artigo do dossiê, de autoria de Christine Paulette Yves Rufino Dabat, intitulado Ópio e açúcar: o capitalismo e suas drogas na superexploração dos trabalhadores rurais (Índia e Brasil, séculos XVIII-XIX). Dabat realiza uma investigação comparativa entre o Brasil e Índia no “longo século XIX”, permitindo ao leitor uma boa experiência metodológica da história conectada, tão em voga em Portugal na atualidade. Nesse artigo são analisadas as cadeias produtivas do açúcar e do ópio e o impacto desses produtos no universo do trabalho. Esses dois produtos distintos em suas propriedades e efeitos foram utilizados na expansão na expansão industrial e colonial da Grã-Bretanha: o ópio para enfraquecer os trabalhadores chineses frente às imposições coloniais inglesas, o açúcar como fonte de energia para os trabalhadores na indústria.

Ainda em torno do debate sobre a questão da mão de obra e a colonização no Brasil oitocentista, temos em seguida o artigo de Marcos Antônio Witt, intitulado Projetos de desenvolvimento para o Brasil: imigração, colonização e políticas públicas, que analisa os projetos de imigração no Império do Brasil articulados com as mesmas políticas em curso nos países vizinhos, especialmente a Argentina, o Chile e o Uruguai. Witt discute esses projetos de colonização mostrando as suas várias faces: da questão da mão de obra às teses do “branqueamento”. Além disso, Witt inova o debate ao analisar os limites desses projetos no Brasil oitocentista, especialmente no caso da imigração alemã no sul do Brasil. As políticas imperiais em torno da imigração encontraram barreiras de origens diversas, que frearam os projetos do Império em torno da colonização europeia.

No processo de colonização o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas teve, a partir de 1860, um papel central. No quinto artigo dessa coletânea, Pedro Parga em seu trabalho intitulado O funcionamento da Diretoria de Agricultura e as solicitações de adiamento de prazo para medição entre 1873 e 1889, discute as políticas e o papel do órgão na promoção da colonização. Parga discute a atuação desta repartição nas solicitações de adiamento do prazo de medição e demarcação de terras e também na aplicação das leis agrárias oitocentistas. A investigação desses mecanismos permitiu uma análise dos interesses de grupos específicos articulados em tonos do Estado Imperial.

Em seguida temos um bloco de trabalhos voltados à História Política do Brasil Império. No sexto capítulo temos o artigo de Kelly Eleutério Machado Oliveira intitulado O tempo da província”: revisão bibliográfica crítica da política imperial no Brasil oitocentista, no qual analisa a abordagem historiográfica das províncias e das assembleias provinciais no debate sobre a construção do Estado nacional. Oliveira parte da discussão da obra de Francisco Iglésias sobre a Província de Minas Gerais que, para a autora, criou um divisor de águas na historiografia ao privilegiar a esfera da província na investigação. A partir da obra “Política econômica do governo provincial mineiro (1835-1889)” Kelly Oliveira percorre as obras herdeiras do legado de Francisco Iglésias, debatendo as correntes historiográficas formadas a partir das pesquisas em torno das administrações provinciais.

Em seguida temos o sétimo artigo, intitulado Rupturas e Continuidades na Assembleia Constituinte de 1823: a autoridade do monarca e o lugar do poder local, de autoria de Glauber Miranda Florindo, no qual analisa a estruturação do Estado brasileiro a partir da primeira constituinte do Brasil. Florindo parte da discussão da Constituinte de 1823 no que diz respeito ao debate em torno das administrações dos municípios e províncias. O autor mostra os caminhos percorridos em torno das reformulações das esferas municipais e provinciais, e como elas se apresentavam no debate em torno do pretendido equilíbrio dos poderes no arranjo monárquico-constitucional brasileiro. Glauber Miranda Florindo destaca em seu trabalho uma continuidade discursiva e prática, de alguns elementos oriundos do estado português antes da Constituição de 1822, a base da formação do Estado brasileiro. Florindo mostra as continuidades dos elementos basilares da velha ordem colonial na Constituinte do Brasil de 1823.

Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, é o autor do nosso oitavo artigo, intitulado As Câmaras e o Povo: a crise antilusitana de 1831 no interior da província da Bahia, no qual analisa os acontecimentos políticos ocorridos no interior da província da Bahia que tiveram como pano de fundo a crise antilusitana de 1831. Guerra Filho centrou a sua análise na atuação das câmaras municipais, especialmente àquelas do recôncavo baiano, região de grande importância econômica e política para a Bahia. O autor trata das tensões e conflitos políticos ocorridos nestas localidades, demonstrando o impacto dos acontecimentos protagonizados pelos de setores populares nas deliberações das câmaras. Ainda discute a atuação política do povo em geral nesse processo, além dos posicionamentos das autoridades frente aos movimentos rebeldes de 1831 na Bahia.

Seguindo no debate sobre a política no Estado Imperial, o nono artigo cognominado O Visconde da Parnaíba e a construção da ordem imperial na Província do Piauí de autoria de Pedro Vilarinho Castelo Branco, no qual analisa a trajetória de Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba, um dos personagens centrais da História do Piauí Oitocentista. Castelo Branco investigou a trajetória de vida do visconde, da sua construção a partir dos seus horizontes de expectativas no final do século XVIII, no Piauí. O autor mostra que, apesar das adversidades e das barreiras iniciais impostas pelos limites das suas redes de relações sociais, Manuel de Sousa Martins teve a oportunidade de utilizar as ferramentas de ascensão social presentes nas sociedades colonial e imperial, para si e sua parentela: poder, honra, prestígio social e patrimônio. Pedro Vilarinho Castelo Branco discute ainda a longevidade do visconde frente ao Governo Provincial do Piauí (1823-1843), mostrando várias faces da história política do Império na trajetória do Visconde da Parnaíba.

Amanda Barlavento Gomes é a autora do décimo artigo do dossiê, cognominado Negócios de família: políticos, traficantes de escravizados e empresários pernambucanos no século XIX. Gomes analisa a trajetória do comerciante pernambucano de grosso trato Francisco Antonio de Oliveira e seu filho Augusto Frederico de Oliveira, negociantes que aturam em diversos ramos do comércio e também no tráfico atlântico de escravizados. A autora mostra que em função da proximidade da Lei Antitráfico de 1831, eles diversificaram as suas atividades a partir de investimentos modernos de capitais e na fundação de empresas, contando com articulações políticas importantes dentro e fora do Império do Brasil. Amanda Barlavento Gomes analisou a atuação política desses personagens, que ocuparam os cargos de vereador e deputado geral, mostrando os mecanismos através dos quais eles defenderam os seus interesses familiares, especialmente a partir de suas redes de relações sociais com políticos e comerciantes, o elemento central para o sucesso financeiro da família.

Encerra esse bloco de trabalhos voltados à História Política o artigo de André Átila Fertig e Guilherme Gründling, intitulado Dos campos de batalha à Corte imperial: a relação entre os militares Visconde de Pelotas e Marquês do Herval através de suas correspondências (1869-1879). Fertig e Gründling abordam a trajetória política dos militares sul-rio-grandenses José Antônio Correa da Câmara (Visconde de Pelotas) e Manoel Luís Osório (Marquês do Herval) na segunda metade do século XIX, especialmente as suas articulações após a Guerra do Paraguai. Os autores investigaram as correspondências trocadas entre eles, tecendo uma interessante análise do fenômeno histórico do ingresso de militares no sistema político nas últimas décadas do Império do Brasil.

O décimo segundo artigo do dossiê é de autoria de Carlos Alberto Cunha Miranda, intitulado Médicos e engenheiros no Recife oitocentista: higienismo, implantação de projetos arquitetônicos e de serviços urbanos. Carlos Miranda analisa alguns aspectos dos saberes médicos na cidade do Recife, na perspectiva de implantação de um urbanismo higiênico no século XIX. Neste trabalho foi mostrado que o alto índice de epidemias e de insalubridade dos lugares públicos passou a preocupar os médicos, engenheiros e autoridades governamentais que, a partir daí, procuraram intervir no espaço urbano, nos novos prédios públicos, nos serviços de abastecimento de água e no saneamento, com o objetivo de modernizar a cidade e diminuir o perigo das epidemias que assolavam a Província de Pernambuco, especialmente a cidade do Recife no século XIX. Miranda discute a influência dos médicos e engenheiros nas construções de novas edificações e na implementação de serviços urbanos.

Encerra o Dossiê Política e sociedade no Brasil oitocentista: história e historiografia o artigo de Vandelir Camilo, intitulado Homem de cor: as performatividades de um “mulato” frente ao racismo Doutor José Mauricio Nunes Garcia Junior (1808-1884). Camilo analisa a trajetória de vida de José Mauricio Nunes Gracia Junior, um homem de cor que, apesar das adversidades do racismo no XIX e ciente das suas estratégias de sobrevivência naquele meio, logrou a formação na Academia Médico Cirúrgica em 1831, e ainda alcançou a docência Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e na Academia de Belas Artes. Vandelir Camilo traz uma perspicaz análise de temas como a liberdade e cidadania no Brasil Império a partir deste estudo de caso.

Cristiano Luís Christilino – Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor adjunto na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: christillino@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-9683-2885

Suzana Cavani Rosas – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora associada na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suzanacavani@uol.com.br ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-5528-0909

Maria Sarita Cristina Mota – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é Investigadora Integrada do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia. E-mail: Sarita.Mota@iscte-iul.pt ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0002-1705-3999


CHRISTILINO, Cristiano Luís; ROSAS, Suzana Cavani; MOTA, Maria Sarita Cristina. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor (a)- pesquisador (a): reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de ensino de história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2020

Quem são e o que observam as(os) professoras(es)-pesquisadoras(es) de História? 1

Por isso, lhe digo: Professor: trate de prestar atenção ao seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder de despertar ou, pelo contrário, de intimidar a inteligência. O seu olhar tem um poder mágico! (ALVES, 2004, p.2).

Nos primeiros anos do século XXI, o educador Rubem Alves ao chamar atenção para a maneira como o professor vê a escola, os alunos e a prática docente, ele também advertia as instituições formadoras de professores e seus modos de educar o olhar desses sujeitos. Para o autor, os espaços de formação precisariam adotar como estratégia de resistência e sobrevivência aos ataques da mídia e dos grandes grupos econômicos a competência profissional do professor, o que chamou de educação do olhar. Essa pedagogia consiste, no exercício político e estético, em fazer com que o professor enxergue não só as limitações tão bem propagadas, mas, as potencialidades da rede de ensino.

Nesse sentido, o alerta sobre o cuidado que o professor deve ter com o seu olhar, surge num primeiro momento como uma crítica ao movimento de desvalorização e negação da capacidade intelectual e pedagógica do professor na década de 1990. Com a ascensão das políticas neoliberais no campo educacional, o professor passa a ser visto como o elemento mais frágil do processo educativo escolar. Para esses agentes, o motivo dos baixos indicadores na educação básica são os professores mal formados, pois, não sabem ensinar, por isso, as crianças não aprendem. Por isso, o escritor Rubem Alves, faz questão de enfatizar a necessidade de o professor estar atento ao seu modo de ver de modo que não reproduza esse negacionismo. Assim, essa preocupação desdobrou-se numa convocatória as instituições de ensino, na tentativa de fazer com que a formação inicial e continuada dos professores pudessem ter uma leitura mais ampliada do espaço escolar, de modo que, esses futuros profissionais não fossem ensinados a ver a precariedade e a ausência, mas, a presença e a abundância de práticas desenvolvidas por professores para reagir ao descaso e o abandono.

Na crônica intitulada o olhar do professor, embora, o escritor esteja preocupado com a necessidade de implementar uma nova ética e um outra estética nos cursos de formação de professores, de modo a ensinar a esse profissional, a ver a beleza, a alegria e a criatividade produzida por inúmeros profissionais que estão no chão da escola, ela também nos ajuda a pensar em outros deslocamentos que os profissionais da educação precisam realizar. Entre os inúmeros movimentos necessários, entendemos ser urgente, o professor precisa a aprender a realizar o movimento chamado por Paulo Freira de gnosiológico, ou seja, o professor precisa aprender a fazer a passagem de um olhar curioso para um olhar epistemológico. Para Freire, o movimento inicia com uma curiosidade simples, que “tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando de „curiosidade epistemológica‟.” (FREIRE, 1996, p.31).

Logo, o trecho da crônica de Rubem Alves usado na abertura do presente dossiê além de problematizar a importância da formação social, política e cultural do professor para não excluir crianças e adolescente do processo de aprendizagem, ele nos permite fazer um exercício de reflexão sobre o processo de transformação do olhar do professor como professor-pesquisador que atua no campo da História e do Ensino de História. Desse modo, a apresentação estimula a investigação sobre o perfil do professor-pesquisador, o tipo de pesquisa desenvolvida pelo professor-pesquisador, as condições sociais e econômicas do professor-pesquisador para realizar a pesquisa, e, por fim, os laços existentes entre o movimento de formação de um grupo de professores pesquisadores de História e o movimento de professores das conhecidas escolas secundárias inglesas, cuja ação contribuiu para a criação do conceito de professores pesquisadores.

No primeiro momento, podemos pontuar que o campo da História tem utilizado a expressão Historiador (a) para designar as ações daqueles que realizam atividades de pesquisa, comunicação, curadoria e gerenciamento de acervo documental. O historiador de oficio é aquele que trabalha com documentos em arquivos para produzir conhecimento historiográfico. Conforme definiram as pesquisadoras Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), o historiador é um intelectual mediador da cultura, ou seja, aquele profissional voltado para produção e difusão do conhecimento histórico que tem um impacto direto ou indiretamente no contexto sociopolítico. Tal designação, embora reivindicada por todos os profissionais formados em História, quase nunca é empregada para denominar os licenciados em história que atuam na educação básica, pois, para o campo, o historiador é aquele que apresenta um trabalho historiográfico.

Nota-se em editais, circulares, cartazes, folders e demais documentos pedagógicos que o termo empregado para denominar o formado em História que atua na Educação Básica é professor de História. Do mesmo modo, percebemos que a expressão Historiador(a) também não tem sido utilizada para designar aqueles que estudam no Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória) ou os já formados (mestres). E apesar da professora-pesquisadora Verena Alberti, demonstrar que o exercício dos professores de história em sala de aula se assemelha as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores nos arquivos ou centros de memória, pois, “fazermos as escolhas, (…) temos alguns objetivos (aquilo que gostaríamos que nossos alunos aprendessem) e as etapas e métodos para alcançarmos esses objetivos. O resultado final não é um artigo, uma dissertação ou uma tese, mas um monte de vozes, gestos (…)”(ALBERTI, 2014, p.2), constatamos que o movimento de reconhecimento do trabalho do professor da educação básica como um trabalho intelectual ainda é pontual, e, que, a distinção entre os que produzem e os que ensinam história ainda se faz presente e candente no campo.

Nesse sentido, organizar um dossiê que propõe o debate sobre os desafios da pesquisa a partir do olhar do professor-pesquisador é explicar quem são e o que observam. Já que se trata de uma expressão pouco usual no campo da história e ensino de história. O termo professor-pesquisador surgiu em 1960 na Inglaterra a partir de um movimento docente que lutou contra as imposições dos órgãos do governo sobre o currículo do Ensino Secundário (FAGUNDES, 2016, p.284). O conceito professor pesquisador criado pelo professor Stenhouse (1975) e sistematizado pelo Schon (1983), nasceu do reconhecimento da prática de um grupo de professores que preocupados com a melhoria da aprendizagem dos alunos, organizaram-se politicamente e pedagogicamente para pautar o currículo que consideravam mais adequado. A definição currículo foi fruto da observação, reflexão e pesquisa dos professores londrinos.

No Brasil, o debate sobre o perfil e as ações dos professores-pesquisadores, iniciou em 1980 e ganhou força na década de 1990 no campo da Pesquisa em Educação. Tanto que, Paulo Freire será contundente em Pedagogia da Autonmia, ao afirmar que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”(FREIRE, 1996, p.30). Os estudos da pesquisadora Fagundes (2016), apontam que o conceito de professor-reflexivo foi assimilado nas pesquisas educacionais brasileiras através do paradigma do professor reflexivo. Perspectiva preocupada em investigar os saberes construídos na ação(tácita e espontânea), pela característica do conhecimento produzido naquele determinado lugar, espaço e tempo.

No campo da História e Ensino de História, a repercussão do debate apresentou impactos distintos. Enquanto que, no campo da História o termo não é utilizado por conta da existência de um termo próprio e cuja preocupação concentra-se na legitimação desse lugar a partir do processo de regulamentação da profissão de historiador (FAGUNDES, 2017, p. 38), no campo do Ensino de História, começa a aparecer os primeiros sinais do uso do termo professor-pesquisador, embora o significado ainda esteja pouco definido. O termo vai aparecer como título de uma disciplina ofertada pelo Profhistória, programastricto sensu criado em 2014 com o objetivo de oferecer uma formação continuada “que contribua para a melhoria da qualidade do exercício da docência em História na Educação Básica” (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA).

Na ocasião, analisamos a ementa da disciplina “Metodologia no Ensino de História: o pesquisador-professor e o professor-pesquisador”, buscando observar os sentidos atribuídos pelo campo do Ensino de História ao termo professor-pesquisador. Conforme pontuamos, a presença do termo no campo tem pouca representatividade, embora haja uma disciplina. Os sentidos empregados pelo campo do ensino de história ao termo se aproxima da noção desenvolvida pelo pesquisador Stenhouse (1975), ou seja, o mestrando é estimulado a refletir sobre a escola, currículo, práticas e etc, conforme, pode ser observado na proposta da ementa: “O método de pesquisar História e o método de ensinar História. A pesquisa histórica no ensino de História. A importância do professor-pesquisador. A importância dos alunos-pesquisadores. A utilização de oficinas em sala de aula (…)”. (SITE UFRJ / PROFHISTÓRIA). Por fim, reconhecemos que o desdobramento social e político do termo ainda precisa ser ampliado. Haja vista que, fica claro para nós que, o professor-pesquisador retratado pelo campo é o professor da educação básica que está preocupado em problematizar questões que emergem do cotidiano escolar e do chão da sala de aula.

Desse modo, ao assumir um postura crítica as perspectivas tecnocráticas e instrumentais subjacentes que separam a conceitualização, o planejamento e a organização curricular da execução, o campo do Ensino de Historia inicia um movimento de reconhecimento do professor de história como intelectual, pesquisador e sujeito político que está preocupado em, conforme nos aponta Sebastian Plá “comprender mejor los procesos de construcción de significados sobre El pasado dentro de La escuela” (PLÁ, 2014, p. 163)

Dessa forma, o presente dossiê reuniu pesquisadoras (es) de diferentes regiões do Brasil, para pontuar as reflexões que o leitor irá encontrar no dossiê sobre as diversas perspectivas teóricas que influenciam na produção de sentido, os procedimentos e as estratégias de análise utilizados pelos diferentes pesquisadores da área de ensino de história, o impacto dos programas de formação docente (PIBID, Profhistória, Residência Pedagógica e PET) na produção e difusão do conhecimento histórico, os desdobramentos do diálogo entre história, educação, psicologia e antropologia no desenvolvimento de instrumento de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, os fundamentos epistemológicos do campo.

O debate sobre a produção intelectual dos professores está organizado em duas partes. A primeira parte, os pesquisadores discutem a prática docente e a formação continuada desse professor(a)-pesquisador(a) e num segundo bloco sobre metodologias do ensino desenvolvidas em sala de aula para caracterizara perspectiva artífice do professor(a)-pesquisador(a) que estuda, ler, planeja, elabora e expõe ao público, no caso, os seus aprendentes.

Para acompanhar esse trabalho intelectual que é desenvolvido pelos professores(as), Rafael Monteiro de Oliveira Cintra, no texto intitulado Professores de História sob a perspectiva de Estética e Política em Jacques Rancière: reflexões sobre possíveis abordagens teóricas e metodológicas,traz uma reflexão sobreaulas de História a partir das noções de “Estética” e “Política” (re)definidas por Jacques Rancière. Para tal, explora práticas de uma professora de História do ensino básico de uma escola pública da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, buscando apresentar a potencia poética e intelectual do fazer pedagógico.

Em seguida, a professora Margarida Maria Dias de Oliveira e o professor Itamar Freitas de Oliveira, no artigo Desafios do mestrado profissional na reinvenção do campo do Ensino de História, abordam as alterações políticas e epistemológicas no campo do Ensino de História, provocadas pela organização em rede das instituições associadas ao Mestrado Profissional em História (PROFHISTÓRIA) no Brasil. Os autores analisam o currículo prescrito do curso para as disciplinas obrigatórias – Teoria da História e História do Ensino de História –, buscando identificar o comum nas propostas ao que se refere aos objetivos, objetos, assuntos e bibliografia.

Sobre o exercício intelectual na sala de aula, o dossiê traz uma discussão sobre ensino e imaginação. O professor Nilton Mullet Pereira, no trabalho O que pode a imaginação na aprendizagem histórica? Propõe um debate sobre o que se ensina e o modo como se ensina História na sala de aula da escola básica, a partir das contribuições do filósofo Henri Bergson e do teórico do campo da teoria da História, Hayden White. Tomando como base teórica esses autores, apresenta uma defesa de que a imaginação é um elemento importante na criação conceitual e na maneira de se relacionar com o passado e propõe uma discussão sobre os possíveis deslocamentos que parte do tempo cronológico da sala de aulaao tempo da imaginação.

No conjunto de textos que trazem uma reflexão sobre objetos, metodologias e estratégias produzidas e utilizadas pelos professoras(es) em / para sala de aula. Para falar sobre saber histórico escolar e a História da América Latina, o professor André Mendes Salles, no texto Saberes disciplinares da História e Formação de professores no Paraguai: Guerra da Tríplice Aliança em foco, aborda os saberes disciplinares de dois professores de História que atuam na Educação Básica no Paraguai, a partir da formação inicial e continuada desses sujeitos. Na ocasião, o estudo identifica a influência da formação inicial nos saberes da ciência de referência e pedagógicos sobre a Guerra da Tríplice Aliança.

Com relação a historiografia escolar e a prática docente, o texto intitulado Esfinge ou Caleidoscópio? O desafio da pesquisa em livros didáticos de História, produzido pela professora Helenice A. B. Rocha, traz um debate a partir da crítica aos estudos do Alain Choppin à pesquisa sobre o livro didático no Brasil, partindo do pressuposto de que o livro didático é o lugar de discursos didatizados sobre conhecimento da ciência de referência histórica.

O dossiê também apresenta um debate sobre as pesquisas realizadas no interior do programa em rede de pós-graduação strictum sensu – Profhistória. Desse modo, a professora Carmem Vargas Gil, no texto Investigações em educação patrimonial e ensino de História (2015-2017), apresenta o resultado da primeira etapa do projeto de pesquisa Ensino de História, Patrimônio e Cultura Digital (FACED / UFRGS), que visa identificar e analisar a produção de pesquisas em programas de pós-graduação em História e Educação do Brasil sobre a interface do ensino, tecnologia e patrimônio. A pesquisa apontou as abordagens da educação patrimonial no campo do ensino de História e como a escola tem se apropriado do debate sobre o tema.

As professoras Rosangela Celia Faustino e Luciana Helena de Oliveira Viceli, no texto – Ensino de História: possibilidades de diálogos entre escola indígena e escola não indígena para a construção da interculturalidade, trazem um debate sobre o ensino de história indígena para escolas não indígenas. Por fim, o professor-pesquisador Marcus Martins, no artigo Avaliação da aprendizagem no Ensino de História: entre “silêncios de” e “desafios para” um campo de pesquisa, problematiza como a avaliação das aprendizagens históricas tem sido abordada no campo do Ensino de História. Para tal, investigou no Banco da Capes e os anais do Simpósio Nacional de História da ANPUH / Brasil e dos eventos: Encontro Nacional Perspectivas em Ensino de História e Encontro Nacional Pesquisadores do Ensino de História-ENPEH o tema avaliação nos processos escolares e identificou que essa discussão não tem assumido lugar de relevância.

A partir dessas importantes investigações, voltadas para pensar o lugar do professor-pesquisador no ensino de história, consideramos esse o dossiê demonstra ser de grande valor para os estudiosos desse campo de pesquisa. Assim, aproveitem!

Nota

1. Para contribuir no processo de leitura da apresentação, haja vista o grande número de citações da expressão que designa a ação docente, nós, organizadoras do dossiê, recorremos ao seguinte recurso discursivo: onde se lê professor-pesquisador, entende-se professora-pesquisadora e professor-pesquisador

Referências

ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas. In: Seminário de História em Caicó. Rio Grande do Norte. 2014.

ALVES, Rubem. O olhar do professor. (Fragmento). Disponível em:https: / / contadoresdestorias.wordpress.com / 2012 / 02 / 19 / o-olhar-do-professor-rubemalves / Acesso em:10 / 07 / 2020, com adaptações.

FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. PROFHISTÓRIA, experimento sem prognóstico. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 18, n. 38,p. 33 – 62, set. / dez. 2017.

FAGUNDES, Tatiana Bezerra. Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, v. 21 n. 65 abr.-jun. 2016. p. 281-298.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

PLÁ, Sebastián. La enseñanza de lahistoria como objeto de investigación. Revista Secuencia, nº 84, p. 163-184, 2012.

Cristiana Ferreira Lyrio Ximenes – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora assistente da Universidade do Estado da Bahia. E-mail: cximenes@uneb.br

Juliana Alves de Andrade – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: julianadeandradee@hotmail.com


XIMENES, Cristiana Ferreira Lyrio; ANDRADE, Juliana Alves de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.38, n.1, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e comércio de escravos através da história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2019

A escravidão é uma das instituições mais antigas da humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, a escravização começou muito cedo de tal forma que a propriedade de uma pessoa sobre outra é anterior à propriedade privada da terra. Em diferentes locais e épocas, houve povos que comerciaram cativos, escravizaram vizinhos e até gente do seu próprio meio, mas não conheceram a propriedade privada da terra. Inúmeros povos vivendo em sistemas muito próximos ao chamado comunismo primitivo, traziam em suas culturas o costume de apropriar-se dos corpos de prisioneiros para uso e abuso da comunidade ou de algum indivíduo.

São inúmeras as possibilidades de usufruir do corpo escravizado: imolar, devorar, usar, punir, e colocar para trabalhar ou para exercer atividades consideradas indignas ou arriscadas. Existem quase infinitos exemplos em todos os continentes em diferentes épocas. As sociedades costumam sair da escravidão, mas, em algum ponto do passado, todas passam ou passaram por ela. Há quem distinga sociedades com escravos de sociedades escravistas. Umas possuíam escravos apenas. Outras tinham todo o ritmo da economia e da vida social ditados pela escravidão. Há, todavia, quem ache essa distinção irrelevante, pois é uma questão basicamente de escala, de fronteira imprecisa. Mas, uma coisa é certa, a escravidão marcou profundamente a experiência humana desde a Antiguidade mais remota.

Além de antiga, a escravidão é uma das instituições mais resilientes que conhecemos, como bem demonstram os relatórios online da Anti-Slavery Society, sediada em Londres, talvez a ONG humanitária em atividade há mais tempo no mundo. Já se falou que seria superada por motivos religiosos, e no entanto, é comum escravizar-se gente do mesmo credo. Já se falou que a ética secular a superaria, e no entanto, a guerra e as necessidades do vencedor sempre falaram mais alto. Já se falou que o capitalismo era incompatível com a escravidão, e no entanto na periferia das engrenagens dos grandes mercados, ela retorna e enraíza-se sob diferentes disfarces. E convém lembrar, que, mesmo nos centros mais avançados ela pode ser empregada sob diferentes justificativas, algumas muito apropriadas ao mundo moderno. Na contemporaneidade, multidões de trabalhadores vivem em condições análogas à escravidão em países onde os direitos civis mais básicos são conquistas centenárias. Pessoas desprotegidas ainda são traficadas como mercadorias.

Escravidão, stricto sensu, todavia, significa que uma pessoa, ou um grupo, possui o direito de propriedade, de uso e abuso sobre o corpo de uma outra pessoa, e não apenas sobre os produtos do trabalho. E não é uso temporário, mas ininterrupto. Sendo o corpo uma propriedade, havendo comércio, a pessoa pode ser trocada como qualquer outra mercadoria, repassada, herdada. O comércio de gente escravizada vem de tempos imemoriais, mas como tema da História ainda incomoda. Quem vendeu, quem comprou, quantos foram vendidos e comprados, de onde e para onde e quais os resultados disso, são problemas históricos que tocam em questões éticas e políticas profundas. O estudo do comércio de gente africana para as Américas é uma parte dessa temática quase tão ampla quanto a história humana.

A partir de meados do século XX houve um intenso desenvolvimento de pesquisas a respeito desse assunto. Os estudos sobre o impacto do comércio atlântico de gente escravizada nas várias margens do Atlântico, sobre os cativos e seus descendentes, desdobraram-se em um campo de reflexão teórica e metodológica consolidado tanto nas Américas, como na África e na Europa. As demandas sociais em torno das experiências da escravidão e pós-Abolição demonstram a vitalidade do tema na contemporaneidade. Todavia, ainda há muito o que se fazer. Só para exemplificar, no caso de Pernambuco, a historiografia sobre o tema ainda é tímida, apesar do quarto lugar entre os pontos nas Américas que mais receberam cativos da África. A historiografia sobre o Nordeste, portanto, ainda é carente de trabalhos que tratem, não apenas da demografia do tráfico, mas também do fiscalismo, tributação, consumo, comércio, monopólios, contratos e negociantes. Isso, tanto de forma genérica, como específica, no que corresponde à mercancia de gente.

Esse dossiê pretende somar à historiografia que problematiza essas questões, acolhendo pesquisas sobre escravizados e escravizadores imersos na dinâmicas do comércio de cativos. Numa perspectiva abrangente cronológica e geograficamente, tentamos aqui motivar pesquisas primárias e / ou análises comparativas e ampliar abordagens sobre o comércio de pessoas escravizadas em diferentes contextos e circunstâncias, fomentando assim a discussão. Há muito o que se estudar sobre os processos que permitem relacionar os pontos de origem dos cativos e os locais da exploração dos seus corpos e trabalho, submetendo pessoas a condições degradantes de vida e supressão das liberdades, desde épocas remotas até à contemporaneidade. Os trabalhos que compõem o elenco do dossiê abordaram o assunto entre os séculos em que o Brasil foi uma conquista portuguesa até os estertores da escravidão legal no Brasil do segundo reinado.

O texto de Gustavo Acioli e Leonardo Marques intitulado “O outro lado da moeda: estimativas e impactos do ouro do Brasil no tráfico transatlântico de escravos (Costa da Mina, c. 1700-1750)”, retoma um tema já tratado pela historiografia do comércio atlântico, mas que ainda apresenta muitas lacunas, uma vez que quantificar o volume de ouro saído da América portuguesa, em direção à África Ocidental para a troca por cativos sempre apresentou-se como uma empreitada difícil. Ao longo da argumentação os autores chegam a conclusão que 2 / 3 dos cativos comprados na costa africana foi através do ouro retirado das minas no Brasil e que, de forma indireta, a conquista portuguesa contribuiu para o incremento das trocas globais e a hegemonia do sistema capitalista mundial, o que não teria acontecido se não fosse a via africana a conectar os elos que formavam esse conjunto.

Já o trabalho de Maximiliano Menz “Uma comunidade em movimento: os traficantes de escravos de Lisboa e seus agentes no Atlântico , c. 1740-1771”, desenvolve um estudo sobre os principais traficantes atuantes em Lisboa entre 1740 e 1771. Trata-se de um ramo português de investimentos no tráfico de Angola. Com levantamento circunstanciado de fontes primárias, o texto narra a participação de mercadores e o exercício mercantil de homens de negócio portugueses que transitaram entre o Reino e a conquista Angola, aproveitando as conjunturas vantajosas para o comércio de cativos. Apresenta variados negociantes, alguns reconhecidos como os mais ricos no sistema, demonstrando com suas práticas e estratégias que os negócios atlânticos vão além de esquemas “triangulares” e “ bipolares”.

Por sua vez, o artigo de Alexandre Bittencourt trata da complexa rede estabelecida entre as regiões exportadoras e importadoras de pessoas escravizadas, África, América portuguesa e Europa. Em “A travessia de escravos dos sertões de Angola para os sertões de Pernambuco (1750-1810)”, desenvolve o entendimento de que pessoas colocadas em lugares chave e exercendo funções variadas se tornaram essenciais para viabilização do comércio de escravos. Dentre as personagens tratadas sobressaem-se as que residiam em Pernambuco e atuaram através da Companhia de Comércio Pernambuco e Paraíba. Delineia um processo que conecta de sertão a sertão, tendo o Atlântico como intermediário, concluindo-se quando as pessoas escravizadas alcançavam o seu destino fossem nas minas ou nas fazendas de gado dos rincões Setecentistas.

Com o texto de Janaína Bezerra mergulhamos no universo dos homens de cor atuantes principalmente nos centros urbanos. O trabalho “Luís Cardoso: de Escravo a Homem de Negócio da Praça do Recife (XVII e XVIII)”, seguiu a trajetória de vida de um homem pardo, forro, filho de um senhor branco com sua escrava, que chegou a alcançar a distinção como homem de negócio de grosso trato na Praça de Pernambuco. Participou de instituições sociais frequentadas pela elite branca, demonstrando quão fluidos foram os padrões de inserção e as negociações para impedimentos ou não, nas conquistas portuguesas do Antigo Regime.

Arthur Danillo Castelo Branco de Souza lida com o comércio interprovincial e intraprovincial de cativos na segunda metade do oitocentos. Analisa anúncios de compra e venda de cativos nos jornais e a atuação de alguns negociantes e daí busca entender esse complexo processo que permitiu repor a mão de obra escrava em Pernambuco. Tal como no tráfico atlântico, o comércio interprovincial de cativos também se fez em boa parte à margem da legalidade. Os escravizados, por sua vez, aproveitaram-se da demanda pela mão de obra para, sempre que possível, tentarem trocar de senhor à procura de um cativeiro menos brutal.

George F. Cabral de Souza trabalha com documentos recolhidos em diversos acervos, tanto no Brasil como em Portugal, que lhe permitem apresentar dados substanciais sobre 38 negociantes que operavam no Recife, aproximadamente entre 1660 e 1760, os quais estavam envolvidos no comércio de africanos escravizados. O foco central do texto são quinze negociantes listados em um relatório sobre as embarcações negreiras da praça do Recife, em 1758. Atendendo pedido do governo central, o governador da capitania produziu aquele documento sob o pretexto de apurar a possível superlotação das embarcações.

O texto analisa as trajetórias e inserção desses personagens na sociedade pernambucana, os quais diversificavam seus negócios e teciam redes de forma a permanecerem no topo da hierarquia social. O texto de Gian Carlo de Melo Silva tem por base uma densa pesquisa no Rol de Confessos, uma fonte rica em dados populacionais que não costuma ser utilizada em estudos sobre escravidão no Nordeste. Partindo de uma descrição crítica daquele acervo documental, o trabalho analisa os dados obtidos sobre a escravidão em Alagoas, com especial atenção para a freguesia de Santa Luzia do Norte, cujo território engloba tanto uma área mais urbana como uma região ocupada por engenhos de cana. O foco central do trabalho são as complexas relações entre os arranjos familiares no Brasil colonial, a escravidão e as mestiçagens.

É com muita satisfação, portanto, que apresentamos este dossiê, na certeza da relevância do seu tema e na qualidade dos trabalhos aqui publicados que esperamos que sirvam de base para outras pesquisas e debates futuros.

Suely C. Cordeiro de Almeida – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, integra o corpo docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suealmeida.ufrpe@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-8267-4719

Marcus J. M. de Carvalho – Doutor em Historia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Atualmente é professor titular de História nos programas de graduação e pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: marcus.carvalho.ufpe@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0003-1912-2879

Organizadores


ALMEIDA, Suely C. Cordeiro de; CARVALHO, Marcus J. M. de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.37, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Escravidão e comércio de escravos através da história / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2019

A escravidão é uma das instituições mais antigas da humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, a escravização começou muito cedo de tal forma que a propriedade de uma pessoa sobre outra é anterior à propriedade privada da terra. Em diferentes locais e épocas, houve povos que comerciaram cativos, escravizaram vizinhos e até gente do seu próprio meio, mas não conheceram a propriedade privada da terra. Inúmeros povos vivendo em sistemas muito próximos ao chamado comunismo primitivo, traziam em suas culturas o costume de apropriar-se dos corpos de prisioneiros para uso e abuso da comunidade ou de algum indivíduo.

São inúmeras as possibilidades de usufruir do corpo escravizado: imolar, devorar, usar, punir, e colocar para trabalhar ou para exercer atividades consideradas indignas ou arriscadas. Existem quase infinitos exemplos em todos os continentes em diferentes épocas. As sociedades costumam sair da escravidão, mas, em algum ponto do passado, todas passam ou passaram por ela. Há quem distinga sociedades com escravos de sociedades escravistas. Umas possuíam escravos apenas. Outras tinham todo o ritmo da economia e da vida social ditados pela escravidão. Há, todavia, quem ache essa distinção irrelevante, pois é uma questão basicamente de escala, de fronteira imprecisa. Mas, uma coisa é certa, a escravidão marcou profundamente a experiência humana desde a Antiguidade mais remota.

Além de antiga, a escravidão é uma das instituições mais resilientes que conhecemos, como bem demonstram os relatórios online da Anti-Slavery Society, sediada em Londres, talvez a ONG humanitária em atividade há mais tempo no mundo. Já se falou que seria superada por motivos religiosos, e no entanto, é comum escravizar-se gente do mesmo credo. Já se falou que a ética secular a superaria, e no entanto, a guerra e as necessidades do vencedor sempre falaram mais alto. Já se falou que o capitalismo era incompatível com a escravidão, e no entanto na periferia das engrenagens dos grandes mercados, ela retorna e enraíza-se sob diferentes disfarces. E convém lembrar, que, mesmo nos centros mais avançados ela pode ser empregada sob diferentes justificativas, algumas muito apropriadas ao mundo moderno. Na contemporaneidade, multidões de trabalhadores vivem em condições análogas à escravidão em países onde os direitos civis mais básicos são conquistas centenárias. Pessoas desprotegidas ainda são traficadas como mercadorias.

Escravidão, stricto sensu, todavia, significa que uma pessoa, ou um grupo, possui o direito de propriedade, de uso e abuso sobre o corpo de uma outra pessoa, e não apenas sobre os produtos do trabalho. E não é uso temporário, mas ininterrupto. Sendo o corpo uma propriedade, havendo comércio, a pessoa pode ser trocada como qualquer outra mercadoria, repassada, herdada. O comércio de gente escravizada vem de tempos imemoriais, mas como tema da História ainda incomoda. Quem vendeu, quem comprou, quantos foram vendidos e comprados, de onde e para onde e quais os resultados disso, são problemas históricos que tocam em questões éticas e políticas profundas. O estudo do comércio de gente africana para as Américas é uma parte dessa temática quase tão ampla quanto a história humana.

A partir de meados do século XX houve um intenso desenvolvimento de pesquisas a respeito desse assunto. Os estudos sobre o impacto do comércio atlântico de gente escravizada nas várias margens do Atlântico, sobre os cativos e seus descendentes, desdobraram-se em um campo de reflexão teórica e metodológica consolidado tanto nas Américas, como na África e na Europa. As demandas sociais em torno das experiências da escravidão e pós-Abolição demonstram a vitalidade do tema na contemporaneidade. Todavia, ainda há muito o que se fazer. Só para exemplificar, no caso de Pernambuco, a historiografia sobre o tema ainda é tímida, apesar do quarto lugar entre os pontos nas Américas que mais receberam cativos da África. A historiografia sobre o Nordeste, portanto, ainda é carente de trabalhos que tratem, não apenas da demografia do tráfico, mas também do fiscalismo, tributação, consumo, comércio, monopólios, contratos e negociantes. Isso, tanto de forma genérica, como específica, no que corresponde à mercancia de gente.

Esse dossiê pretende somar à historiografia que problematiza essas questões, acolhendo pesquisas sobre escravizados e escravizadores imersos na dinâmicas do comércio de cativos. Numa perspectiva abrangente cronológica e geograficamente, tentamos aqui motivar pesquisas primárias e / ou análises comparativas e ampliar abordagens sobre o comércio de pessoas escravizadas em diferentes contextos e circunstâncias, fomentando assim a discussão. Há muito o que se estudar sobre os processos que permitem relacionar os pontos de origem dos cativos e os locais da exploração dos seus corpos e trabalho, submetendo pessoas a condições degradantes de vida e supressão das liberdades, desde épocas remotas até à contemporaneidade. Os trabalhos que compõem o elenco do dossiê abordaram o assunto entre os séculos em que o Brasil foi uma conquista portuguesa até os estertores da escravidão legal no Brasil do segundo reinado.

O texto de Gustavo Acioli e Leonardo Marques intitulado “O outro lado da moeda: estimativas e impactos do ouro do Brasil no tráfico transatlântico de escravos (Costa da Mina, c. 1700-1750)”, retoma um tema já tratado pela historiografia do comércio atlântico, mas que ainda apresenta muitas lacunas, uma vez que quantificar o volume de ouro saído da América portuguesa, em direção à África Ocidental para a troca por cativos sempre apresentou-se como uma empreitada difícil. Ao longo da argumentação os autores chegam a conclusão que 2 / 3 dos cativos comprados na costa africana foi através do ouro retirado das minas no Brasil e que, de forma indireta, a conquista portuguesa contribuiu para o incremento das trocas globais e a hegemonia do sistema capitalista mundial, o que não teria acontecido se não fosse a via africana a conectar os elos que formavam esse conjunto.

Já o trabalho de Maximiliano Menz “Uma comunidade em movimento: os traficantes de escravos de Lisboa e seus agentes no Atlântico , c. 1740-1771”, desenvolve um estudo sobre os principais traficantes atuantes em Lisboa entre 1740 e 1771. Trata-se de um ramo português de investimentos no tráfico de Angola. Com levantamento circunstanciado de fontes primárias, o texto narra a participação de mercadores e o exercício mercantil de homens de negócio portugueses que transitaram entre o Reino e a conquista Angola, aproveitando as conjunturas vantajosas para o comércio de cativos. Apresenta variados negociantes, alguns reconhecidos como os mais ricos no sistema, demonstrando com suas práticas e estratégias que os negócios atlânticos vão além de esquemas “triangulares” e “ bipolares”.

Por sua vez, o artigo de Alexandre Bittencourt trata da complexa rede estabelecida entre as regiões exportadoras e importadoras de pessoas escravizadas, África, América portuguesa e Europa. Em “A travessia de escravos dos sertões de Angola para os sertões de Pernambuco (1750-1810)”, desenvolve o entendimento de que pessoas colocadas em lugares chave e exercendo funções variadas se tornaram essenciais para viabilização do comércio de escravos. Dentre as personagens tratadas sobressaem-se as que residiam em Pernambuco e atuaram através da Companhia de Comércio Pernambuco e Paraíba. Delineia um processo que conecta de sertão a sertão, tendo o Atlântico como intermediário, concluindo-se quando as pessoas escravizadas alcançavam o seu destino fossem nas minas ou nas fazendas de gado dos rincões Setecentistas.

Com o texto de Janaína Bezerra mergulhamos no universo dos homens de cor atuantes principalmente nos centros urbanos. O trabalho “Luís Cardoso: de Escravo a Homem de Negócio da Praça do Recife (XVII e XVIII)”, seguiu a trajetória de vida de um homem pardo, forro, filho de um senhor branco com sua escrava, que chegou a alcançar a distinção como homem de negócio de grosso trato na Praça de Pernambuco. Participou de instituições sociais frequentadas pela elite branca, demonstrando quão fluidos foram os padrões de inserção e as negociações para impedimentos ou não, nas conquistas portuguesas do Antigo Regime.

Arthur Danillo Castelo Branco de Souza lida com o comércio interprovincial e intraprovincial de cativos na segunda metade do oitocentos. Analisa anúncios de compra e venda de cativos nos jornais e a atuação de alguns negociantes e daí busca entender esse complexo processo que permitiu repor a mão de obra escrava em Pernambuco. Tal como no tráfico atlântico, o comércio interprovincial de cativos também se fez em boa parte à margem da legalidade. Os escravizados, por sua vez, aproveitaram-se da demanda pela mão de obra para, sempre que possível, tentarem trocar de senhor à procura de um cativeiro menos brutal.

George F. Cabral de Souza trabalha com documentos recolhidos em diversos acervos, tanto no Brasil como em Portugal, que lhe permitem apresentar dados substanciais sobre 38 negociantes que operavam no Recife, aproximadamente entre 1660 e 1760, os quais estavam envolvidos no comércio de africanos escravizados. O foco central do texto são quinze negociantes listados em um relatório sobre as embarcações negreiras da praça do Recife, em 1758. Atendendo pedido do governo central, o governador da capitania produziu aquele documento sob o pretexto de apurar a possível superlotação das embarcações.

O texto analisa as trajetórias e inserção desses personagens na sociedade pernambucana, os quais diversificavam seus negócios e teciam redes de forma a permanecerem no topo da hierarquia social. O texto de Gian Carlo de Melo Silva tem por base uma densa pesquisa no Rol de Confessos, uma fonte rica em dados populacionais que não costuma ser utilizada em estudos sobre escravidão no Nordeste. Partindo de uma descrição crítica daquele acervo documental, o trabalho analisa os dados obtidos sobre a escravidão em Alagoas, com especial atenção para a freguesia de Santa Luzia do Norte, cujo território engloba tanto uma área mais urbana como uma região ocupada por engenhos de cana. O foco central do trabalho são as complexas relações entre os arranjos familiares no Brasil colonial, a escravidão e as mestiçagens.

É com muita satisfação, portanto, que apresentamos este dossiê, na certeza da relevância do seu tema e na qualidade dos trabalhos aqui publicados que esperamos que sirvam de base para outras pesquisas e debates futuros.

Suely C. Cordeiro de Almeida

Marcus J. M. de Carvalho

Organizadores

Suely C. Cordeiro de Almeida – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, integra o corpo docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suealmeida.ufrpe@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0001-8267-4719

Marcus J. M. de Carvalho – Doutor em Historia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Atualmente é professor titular de História nos programas de graduação e pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: marcus.carvalho.ufpe@hotmail.com ORCID: https: / / orcid.org / 0000-0003-1912-2879


ALMEIDA, Suely C. Cordeiro de; CARVALHO, Marcus J. M. de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.37, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Discursos políticos na Época Moderna: produção, circulação e recepção / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2018

O homem é, por natureza, um animal político (politikón zôon) [1], conforme afirmou Aristóteles em uma célebre passagem do capítulo II, do livro I da Política. A principal razão da natureza política do homem reside em sua capacidade de se comunicar através das palavras, ainda de acordo com o filósofo grego. Enquanto outros animais, como por exemplo as abelhas, são capazes de expressar dor ou prazer, os homens, graças à sua habilidade de fazer uso das palavras, podem ir muito além desta expressão rudimentar de sensações básicas e compor discursos que servem para “tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o injusto” [2]. Finalmente, é a capacidade unicamente humana de discernir entre justo / injusto e bem / mal que possibilita a existência da família e da cidade, estágios prévios da existência da comunidade política. Assim, na concepção aristotélica, é a associação direta entre política e discurso que compõe um dos traços mais fundamentais da natureza humana. Através do discurso, os homens comunicam ideias, valores, ideologias, interesses, projetos, sonhos e utopias. Através do discurso, os homens geram consensos ou dissensos, ambos vias essenciais de concretização da vida política. A temática geral deste dossiê é precisamente a diversidade de abordagens e análises do discurso político na Época Moderna.

E o que os homens comunicam em seus discursos políticos? Quais são os assuntos tratados nestes discursos? A reflexão filosófica entende como temas clássicos da política as estruturas e as formas de governo, as fontes de poder, a legitimidade do governo, os direitos e os deveres dos membros de uma comunidade, o caráter das leis, a natureza e os limites da liberdade, a obrigação política e a natureza da justiça. Em suma, são temas essencialmente políticos todas as problemáticas suscitadas pela organização dos seres humanos em sociedade, especialmente, aquelas diretamente relacionadas às causas, às razões e à legitimidade do arbítrio de um grupo de homens sobre os outros. Contudo, o próprio campo da reflexão filosófica é célere em afirmar o quão tênues são os limites que separam a política de outras áreas de investigação como as questões éticas, morais, sociais, econômicas e de antropologia filosófica. Essa frágil demarcação acerca de assuntos de ordem política multiplica a existência de temas que podem ser legitimamente considerados de caráter iminentemente político[3].

A reabilitação da história política pela historiografia[4], operada na década de 1980, deu-se exatamente a partir da flexibilização do entendimento do que configuraria o terreno dos fenômenos políticos por excelência. O âmbito da história política dilatou-se em diversas direções, indo muito além dos recortes tradicionais como, por exemplo, a história dos grandes personagens e a história da diplomacia, temas clássicos da velha história política que vinha sendo rechaçada desde os momentos inicias do surgimento da Escola dos Annales na França[5]. Vários movimentos confluíram para alcançar este resultado nos anos 1980 e, sem dúvida, merece destaque o papel exercido pela reflexão foucaultiana acerca da natureza fluída e polimórfica do poder[6] que contribuiu inquestionavelmente para a expansão das fronteiras da História, bem como para a compreensão da diversidade das experiências humanas ao longo dos tempos. Convém, contudo, recordar aqui a crítica precisa, feita por Emília Viotti da Costa, de que algumas análises, oriundas de uma interpretação simplificada e parcial da obra de Foucault, falharam em esclarecer os mecanismos através dos quais o poder se institui, se perpetua e se transforma, apesar de identificarem a multiplicidade de lócus a partir dos quais o poder é exercido, pois, afinal, “Quando o poder está em toda parte, acaba por não estar em lugar nenhum” [7].

Os signos da vida política passaram a ser localizados onde antes não eram percebidos e, assim, os historiadores passaram a estar cientes da presença do elemento político a despeito do assunto investigado. Esse movimento só pôde ser efetuado porque a realidade social foi compreendida a partir de seu polimorfismo político. Entretanto, não somente a uma ampliação de temas se deve a renovação da história política, mas também ao diálogo estabelecido com outras disciplinas, sobretudo a antropologia[8], e outras vertentes historiográficas, como a microhistória, a history from bellow e a história social. Destes colóquios interdisciplinares resultaram novas técnicas e metodologias aplicadas agora a velhos e novos temas. No campo da História Moderna – seara de pesquisa a qual se dedicam os artigos que compõe esse dossiê – essas mutações da história política originaram toda uma nova concepção da vida política na época Moderna, da gênese do Estado Moderno e das revoltas e revoluções que permearam o período[9] . Estas novas concepções dos fenômenos políticos modernos ensejaram igualmente a necessidade de outras abordagens teórico-metodológicas das quais algumas possibilidades em voga são: o emprego do método prosopográfico para o estudo das elites e das redes de compadrio – em alta nos estudos coloniais –, as análises sobre a cultura política de um grupo ou de uma determinada região e, finalmente, as investigações acerca dos discursos políticos.

A proposta teórico-metodológica mais corriqueira acerca da análise dos discursos políticos é aquela identificada com os pressupostos formulados pela chamada Escola de Cambridge, rebatizada por Quentin Skinner de enfoque collingwoodiano[10]. O enfoque collingwoodiano, do qual são autores emblemáticos Quentin Skinner e John Pocock, beneficiouse de um profícuo intercâmbio com a filosofia da linguagem de Wittgenstein e com a teoria dos atos de fala de Austin. A partir de então, os autores definiram o contexto em sua especificidade linguística, na qual importa interpretar as proposições da teoria social e política produzidas ao longo da história. Todavia, é claro que as propostas de análise do discurso político não foram e não são fomentadas apenas em língua inglesa, tampouco esgotam suas possibilidades de concretização em torno do enfoque collingwoodiano, como bem o comprovam os artigos presentes nesse dossiê, que adotam variados modelos de percepção, análise e interpretação dos discursos políticos.

Os trabalhos aqui reunidos podem ser agrupados em cinco eixos temáticos distintos: 1) as controvérsias teológico-jurídicas, 2) a publicística e a disputa pela opinião pública, 3) a circulação de textos e a cultura impressa, 4) o vocabulário político e suas transformações semânticas e, finalmente, 5) a dimensão política da escrita da história. Em relação ao recorte espaço-temporal, os textos se organizam em três grupos: o conturbado contexto britânico e de sua colônia americana no século XVII, assunto ainda pouco desbravado pela historiografia brasileira; a América portuguesa nos séculos XVII, XVIII e XIX; e o agitado Portugal do século XVII. Salta aos olhos o fato de que, em um total de oito artigos, seis sejam circunscritos ao século XVII, o século que suscitou, e ainda suscita, um acalorado debate sobre a crise na Europa[11], o século da convulsionada cultura do Barroco tão magistralmente descrita por José António Maravall [12], igualmente alvo de polêmicas. Querelas historiográficas à parte, o século XVII de fato vivenciou uma série de alterações que modificaram os arranjos político-institucionais, os estilos de comunicação política, o vocabulário e a semântica política e as formas de participação na vida política. Todas estas facetas foram diligentemente contempladas nos artigos aqui reunidos.

Assim, Carlos Ziller Camenietzki, em um belo exercício de história intelectual, aborda as transformações nos arranjos político-institucionais ao longo dos seiscentos, ao examinar as tensões inerentes à formação do Estado Moderno em Portugal, através da análise de uma controvérsia teológico-jurídica. Os diversos estilos de comunicação política – que apontam para relevantes matérias como a publicística moderna e a fulcral questão da existência de uma esfera pública para além dos moldes habermasianos – são contemplados nos artigos de Eduardo Henrique Sabioni Ribeiro e Daniel Saraiva. Este último também efetiva uma importante reflexão sobre a participação das camadas populares na vida política de Portugal. Já Verônica Calsoni Lima, ainda dentro do universo dos estilos de comunicação política, explora o universo da cultura escrita seiscentista ao analisar o trânsito de correspondências, a publicação e a circulação de livros dos dois lados do Atlântico, entre a Velha e a Nova Inglaterra. Coube a Jaime Fernando dos Santos Junior esquadrinhar, no âmbito britânico seiscentista, as mudanças no vocabulário e na semântica política, ao investigar a historicidade e as disputas em torno do conceito de Commonwealth que mais do que uma mera disputa semântica, representavam a defesa de distintos projetos políticos, como esclarece Santos Júnior. Concluindo as reflexões sobre os aspectos políticos do século XVII, temos o artigo de Bruno Boto Martins Leite, o qual examina a reflexão teórica sobre a escrita da história do fidalgo português Francisco Manuel de Melo. Sublinhando o panorama ilustrado por Melo acerca das diversas possibilidades cabíveis à escrita da história de seu tempo, Leite afirma que para o erudito português o discurso histórico apenas ganharia pleno sentido em sua acepção como instrumento de uso político.

As diversas facetas políticas da escrita da história na América Portuguesa reúnem os dois derradeiros artigos deste dossiê. Kleber Clementino examina as múltiplas temporalidades presentes na obra historiográfica de Varnhagen, com ênfase no contraste de diferentes modelos historiográficos em vigência nos séculos XVI e XVII, especificamente: a história perfeita renascentista e a história política associada às teorias da razão de Estado. O exame da obra de Varnhagen é utilizado como pretexto, por Clementino, para compor sua tese sobre a história da histografia na Época Moderna, sustentando que Varnhagen não representaria o início da moderna historiografia crítica no Brasil e, tampouco, a origem da história da historiografia no Ocidente poderia ser situada no oitocentos. Marcone Zimmerle Lins Aroucha, ao investigar duas licenças presentes na História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pitta, indica a fisionomia composta da escrita da história no mundo português do século XVIII, sugerindo que esta fisionomia deve-se ao embate entre paradigmas narrativos e teóricos distintos. Aroucha, incorporando a dimensão política da escrita da História na época moderna, avalia conteúdo e forma da obra de Rocha Pitta a fim de averiguar a instrumentalização política da mesma. Ambos os artigos – bem como o trabalho de Verônica Calsoni Lima – transitam com fluidez entre os universos intelectuais que se constituem dos dois lados do Atlântico. Este livre trânsito sinaliza um aspecto caro à historiografia contemporânea que, no ímpeto de libertar-se das amarras de uma narrativa nacionalista, coloca ênfase na circulação não apenas de bens e pessoas, mas também de ideias, comportamentos e valores. Circulação esta que se daria em constante processo de retroalimentação, estando apta a alterar tanto os contextos europeus quanto os contextos americanos, como afirma Carlos Zeron [13].

Desejamos que a leitura deste dossiê forneça informações sobre os contextos e conteúdos analisados, da mesma maneira que suscite questionamentos sobre as temáticas apresentadas, conduzindo assim ao fomento de novas investigações. Na cena política contemporânea, em que assistimos à progressiva banalização e ao esvaziamento intelectual dos discursos políticos, esperamos que as análises aqui reunidas sirvam de contraste e recordem a afirmação basilar de Aristóteles sobre um dos aspectos cruciais da natureza humana ser precisamente a capacidade de comunicação política. Aproveitamos também para agradecer a todos e todas envolvidos na elaboração deste dossiê, especialmente aos autores e aos pareceristas. Boa leitura!

Notas

  1. A tradução bilíngue que utilizamos emprega a palavra “político”, ao invés de “social”. A justificativa é que a palavra político representa melhor a inserção de todo ser humano na polis, a mais abrangente e superior forma de vida comunitária. Conforme, nota do tradutor: “O termo político (politikon) deve ser tomado na estrita acepção de “cívico”, isto é “participante da vida da cidade”, e não no sentido demasiado lato e fluído de “social”. In: ARISTÓTELES. Política; edição bilíngue. Tradução: António Campelo Amaral e Carlos Gomes. Lisboa: Vega, 1998. p. 595.
  2. Ibidem, p. 55.
  3. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tomo III. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
  4. É certo que não devemos ser ingênuos e acreditar que apesar de um boom da história social e econômica, especialmente na França e na Inglaterra, a história política tenha sido completamente alijada da atenção historiográfica.
  5. A coletânea organizada por René Rémond é um forte indício desse movimento. Ver: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
  6. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e revisão Roberto Machado, 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
  7. COSTA, Emília Viotti da. A dialética invertida: 1960-1990. In: COSTA, Emília Viotti da. A dialética invertida e outros ensaios. São Paulo: Editora da Unesp, 2014. p. 15.
  8. O diálogo com a antropologia propiciou um entendimento diferenciado acerca do que pode ser compreendido como cultura. Esta compreensão foi fundamental para o campo de investigação da cultura política.
  9. Cf. GIL PUJOL, Xavier. Tiempo de Política; Perspectivas historiográficas sobre la Europa Moderna. Barcelona: Publicacions i Edicions, Universitat de Barcelona, 2006.
  10. JASMIN, Marcelo Gantus; FERES JÚNIOR, João. História dos conceitos: dois momentos de um encontro intelectual. In: JASMIN, Marcelo Gantus; FERES JÚNIOR, João (orgs). História dos Conceitos: Debates e perspectivas. Rio de janeiro: Editora PUC- Rio, Edições Loyola, IUPERJ, 2006, pp. 09-38, p. 11.
  11. ASTON, Trevor (ed.). Crisis in Europe; 1560 – 1660. New York: Routledge, 2011.
  12. MARAVALL, José Antonio. La Cultura del Barroco. Barcelona: Ariel, 1990.
  13. Cf. ZERON, Carlos. Prefácio. In: GALERA, B.; SOALHEIRO, B.; SALGUEIRO, F.; VELLOSO, G.; SAENS, L.; LARA, L.; TORIGOE, L.; BERNABÉ, R. Exercícios de metodologia da pesquisa histórica. São Paulo: Casa & Palavras, 2015.

Camila Corrêa e Silva de Freitas – Organizadora do dossiê. Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente, Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: camilacorreaesilva@gmail.com

Rachel Saint Williams – Organizadora do dossiê. Doutora em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou Pós-doutoramento pelo programa de Pós-graduação em História da Universidade de São Paulo. E-mail: lwllsrachel@yahoo.com.br


FREITAS, Camila Corrêa e Silva de; WILLIAMS, Rachel Saint. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.36, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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O longo século XIX e as estratégias em economia, política e sociabilidades / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2018

A CLIO: Revista de Pesquisa Histórica tem uma longa tradição na publicação de estudos sobre os oitocentos, e recebemos sempre artigos livres sobre o período. Neste volume, apresentamos aos leitores alguns artigos recebidos que tem em comum o estudo do século XIX, abordando estudos sobre economia e crédito, sobre política liberal e sobre sociabilidades. De uma forma não tão sutil, o leitor verá que os estudos se imbricam em várias questões, como a escravidão e a discussão sobre o trabalho, as estratégias do mercado para conseguir capitais que financiassem atividades econômicas para além da economia de exportação, tudo isso permeado pela discussão política na qual o liberalismo aparece como matriz ideológica, apesar da diversidade de posições que poderia encetar.

Nesse sentido, apresentamos aos leitores o artigo de Andréa Lisly Gonçalves, As “várias Independências”: a contrarrevolução em Portugal e em Pernambuco e os conflitos antilusitanos no período do constitucionalismo (1821-1824), no qual objetiva refletir sobre a complexidade das opções políticas, na província de Pernambuco, tomando como recorte temporal a conjuntura da Independência do Brasil. Andrea argumenta que as ações e debates ocorridos em Pernambuco “não se esgotam com o debate historiográfico sobre o alinhamento com Lisboa (“a outra independência”) ou com o Rio de Janeiro (“a mesma independência”)”, estimulando, assim, os estudos e pesquisas para compreender como os atores políticos definem suas estratégias a partir de conjuntura e interesses específicos e locais.

O artigo de Leonardo Milanez de Lima e Leandro Renato Leite Marcondes, “Capital nativo e estruturação produtiva na praça do Recife: crédito hipotecário entre 1865 e 1914”, tem como ponto de partida a questão sobre como se financiavam as atividadeseconômicas no Recife frente à diminuição do ritmo de crescimento da economia pernambucana, com a perda do mercado consumidor de açúcar e algodão. Ao compulsarem uma vasta documentação sobre contratos de hipoteca registrados em cartórios do Recife, buscam compreender a dinâmica e as características do crédito hipotecário recifense.

O artigo demonstra que o crédito foi disponibilizado majoritariamente a partir de poupanças nativas, que deram suporte à expansão da rede de serviços públicos da cidade, mantiveram o funcionamento do comércio e financiaram indústrias. A mesma questão foi proposta por Vitória Schettini de Andrade, em seu artigo, “A alocação da riqueza na zona da mata mineira. São Paulo do Muriahé, 1846-1888.”. A fim de entender essa região de forma mais complexa, o artigo objetiva analisar a alocação da riqueza produzida em São Paulo do Muriahé, durante meados a finais do século XIX, momento em que a autora constata na documentação consultada, principalmente inventários, um crescimento econômico, baseado, sobretudo na produção de gêneros agrícolas, como milho, cana de açúcar e mais tarde o café. Estes produtos foram fundamentais para o acúmulo de capital e o ingresso de Muriahé numa economia mais dinâmica. O estudo demonstra as estratégias de outras aplicações monetárias que são percebidas ao final da escravidão, o que nos projeta para uma sociedade em franca mudança e crescimento.

As estratégias também são perceptíveis no estudo de Gabriel Navarro de Barros, “Muito além do abandono: infâncias perigosas e a “justiça tutelar em Pernambuco (1888-1892).”. O estudo tem por objetivos analisar a atuação da justiça tutelar diante do universo de meninas e meninos compreendidos pelo Estado como “potencialmente perigosos”, em Pernambuco. Ao analisar as fontes jurídicas e jornais, o autor sugere uma reflexão sobre o conceito de abandono, muitas vezes aplicado de forma estratégica. Nesse sentido, o artigo permite compreender a diversidade de categorias de infantes na época, reconhecidas pela justiça e por instituições assistenciais a fim de identificar uma variedade de meninos e meninas como “riscos sociais”. Uma forma de manter controle sobre a mão de obra? Estratégias também parece ser o conceito que explica o estudo de Ipojucan Dias Campos, no artigo “Divórcio, conjugações acusatórias e laços de solidariedade (Belém, 1895-1900).”. O autor demonstra como laços de solidariedade e de conjugações acusatórias, ao analisar processos de divórcio em Belém, foram estratégias centrais nessas ações. As reflexões concentraram-se em descortinar como pessoas próximas aos divorciandos se posicionavam no seio dos desarranjos conjugais, formando laços de solidariedade e, ao mesmo tempo, corroborando à formação de conjugações acusatórias. Assim sendo, amigos, parentes, vizinhos foram convidados, recorrentemente, a darem suas versões a respeito da vida a dois de seus conhecidos.

Uma pequena amostra da complexidade que perpassa os oitocentos, e que não deixam de instigar novas pesquisas.

Isabel Guillen – Editora da Revista. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com

Augusto Neves – Vice-editor da Revista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: augustonev@gmail.com


GUILLEN, Isabel; NEVES, Augusto. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.36, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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O longo século XIX e as estratégias em economia, política e sociabilidades / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2018

A CLIO: Revista de Pesquisa Histórica tem uma longa tradição na publicação de estudos sobre os oitocentos, e recebemos sempre artigos livres sobre o período. Neste volume, apresentamos aos leitores alguns artigos recebidos que tem em comum o estudo do século XIX, abordando estudos sobre economia e crédito, sobre política liberal e sobre sociabilidades. De uma forma não tão sutil, o leitor verá que os estudos se imbricam em várias questões, como a escravidão e a discussão sobre o trabalho, as estratégias do mercado para conseguir capitais que financiassem atividades econômicas para além da economia de exportação, tudo isso permeado pela discussão política na qual o liberalismo aparece como matriz ideológica, apesar da diversidade de posições que poderia encetar.

Nesse sentido, apresentamos aos leitores o artigo de Andréa Lisly Gonçalves, As “várias Independências”: a contrarrevolução em Portugal e em Pernambuco e os conflitos antilusitanos no período do constitucionalismo (1821-1824), no qual objetiva refletir sobre a complexidade das opções políticas, na província de Pernambuco, tomando como recorte temporal a conjuntura da Independência do Brasil. Andrea argumenta que as ações e debates ocorridos em Pernambuco “não se esgotam com o debate historiográfico sobre o alinhamento com Lisboa (“a outra independência”) ou com o Rio de Janeiro (“a mesma independência”)”, estimulando, assim, os estudos e pesquisas para compreender como os atores políticos definem suas estratégias a partir de conjuntura e interesses específicos e locais.

O artigo de Leonardo Milanez de Lima e Leandro Renato Leite Marcondes, “Capital nativo e estruturação produtiva na praça do Recife: crédito hipotecário entre 1865 e 1914”, tem como ponto de partida a questão sobre como se financiavam as atividadeseconômicas no Recife frente à diminuição do ritmo de crescimento da economia pernambucana, com a perda do mercado consumidor de açúcar e algodão. Ao compulsarem uma vasta documentação sobre contratos de hipoteca registrados em cartórios do Recife, buscam compreender a dinâmica e as características do crédito hipotecário recifense.

O artigo demonstra que o crédito foi disponibilizado majoritariamente a partir de poupanças nativas, que deram suporte à expansão da rede de serviços públicos da cidade, mantiveram o funcionamento do comércio e financiaram indústrias. A mesma questão foi proposta por Vitória Schettini de Andrade, em seu artigo, “A alocação da riqueza na zona da mata mineira. São Paulo do Muriahé, 1846-1888.”. A fim de entender essa região de forma mais complexa, o artigo objetiva analisar a alocação da riqueza produzida em São Paulo do Muriahé, durante meados a finais do século XIX, momento em que a autora constata na documentação consultada, principalmente inventários, um crescimento econômico, baseado, sobretudo na produção de gêneros agrícolas, como milho, cana de açúcar e mais tarde o café. Estes produtos foram fundamentais para o acúmulo de capital e o ingresso de Muriahé numa economia mais dinâmica. O estudo demonstra as estratégias de outras aplicações monetárias que são percebidas ao final da escravidão, o que nos projeta para uma sociedade em franca mudança e crescimento.

As estratégias também são perceptíveis no estudo de Gabriel Navarro de Barros, “Muito além do abandono: infâncias perigosas e a “justiça tutelar em Pernambuco (1888-1892).”. O estudo tem por objetivos analisar a atuação da justiça tutelar diante do universo de meninas e meninos compreendidos pelo Estado como “potencialmente perigosos”, em Pernambuco. Ao analisar as fontes jurídicas e jornais, o autor sugere uma reflexão sobre o conceito de abandono, muitas vezes aplicado de forma estratégica. Nesse sentido, o artigo permite compreender a diversidade de categorias de infantes na época, reconhecidas pela justiça e por instituições assistenciais a fim de identificar uma variedade de meninos e meninas como “riscos sociais”. Uma forma de manter controle sobre a mão de obra? Estratégias também parece ser o conceito que explica o estudo de Ipojucan Dias Campos, no artigo “Divórcio, conjugações acusatórias e laços de solidariedade (Belém, 1895-1900).”. O autor demonstra como laços de solidariedade e de conjugações acusatórias, ao analisar processos de divórcio em Belém, foram estratégias centrais nessas ações. As reflexões concentraram-se em descortinar como pessoas próximas aos divorciandos se posicionavam no seio dos desarranjos conjugais, formando laços de solidariedade e, ao mesmo tempo, corroborando à formação de conjugações acusatórias. Assim sendo, amigos, parentes, vizinhos foram convidados, recorrentemente, a darem suas versões a respeito da vida a dois de seus conhecidos.

Uma pequena amostra da complexidade que perpassa os oitocentos, e que não deixam de instigar novas pesquisas.

Isabel Guillen

Augusto Neves

Isabel Guillen – Editora da Revista. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com

Augusto Neves – Vice-editor da Revista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: augustonev@gmail.com


GUILLEN, Isabel; NEVES, Augusto. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.36, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Discursos políticos na Época Moderna: produção, circulação e recepção / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2018

O homem é, por natureza, um animal político (politikón zôon) [1], conforme afirmou Aristóteles em uma célebre passagem do capítulo II, do livro I da Política. A principal razão da natureza política do homem reside em sua capacidade de se comunicar através das palavras, ainda de acordo com o filósofo grego. Enquanto outros animais, como por exemplo as abelhas, são capazes de expressar dor ou prazer, os homens, graças à sua habilidade de fazer uso das palavras, podem ir muito além desta expressão rudimentar de sensações básicas e compor discursos que servem para “tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o injusto” [2]. Finalmente, é a capacidade unicamente humana de discernir entre justo / injusto e bem / mal que possibilita a existência da família e da cidade, estágios prévios da existência da comunidade política. Assim, na concepção aristotélica, é a associação direta entre política e discurso que compõe um dos traços mais fundamentais da natureza humana. Através do discurso, os homens comunicam ideias, valores, ideologias, interesses, projetos, sonhos e utopias. Através do discurso, os homens geram consensos ou dissensos, ambos vias essenciais de concretização da vida política. A temática geral deste dossiê é precisamente a diversidade de abordagens e análises do discurso político na Época Moderna.

E o que os homens comunicam em seus discursos políticos? Quais são os assuntos tratados nestes discursos? A reflexão filosófica entende como temas clássicos da política as estruturas e as formas de governo, as fontes de poder, a legitimidade do governo, os direitos e os deveres dos membros de uma comunidade, o caráter das leis, a natureza e os limites da liberdade, a obrigação política e a natureza da justiça. Em suma, são temas essencialmente políticos todas as problemáticas suscitadas pela organização dos seres humanos em sociedade, especialmente, aquelas diretamente relacionadas às causas, às razões e à legitimidade do arbítrio de um grupo de homens sobre os outros. Contudo, o próprio campo da reflexão filosófica é célere em afirmar o quão tênues são os limites que separam a política de outras áreas de investigação como as questões éticas, morais, sociais, econômicas e de antropologia filosófica. Essa frágil demarcação acerca de assuntos de ordem política multiplica a existência de temas que podem ser legitimamente considerados de caráter iminentemente político [3].

A reabilitação da história política pela historiografia[4], operada na década de 1980, deu-se exatamente a partir da flexibilização do entendimento do que configuraria o terreno dos fenômenos políticos por excelência. O âmbito da história política dilatou-se em diversas direções, indo muito além dos recortes tradicionais como, por exemplo, a história dos grandes personagens e a história da diplomacia, temas clássicos da velha história política que vinha sendo rechaçada desde os momentos inicias do surgimento da Escola dos Annales na França [5]. Vários movimentos confluíram para alcançar este resultado nos anos 1980 e, sem dúvida, merece destaque o papel exercido pela reflexão foucaultiana acerca da natureza fluída e polimórfica do poder [6] que contribuiu inquestionavelmente para a expansão das fronteiras da História, bem como para a compreensão da diversidade das experiências humanas ao longo dos tempos. Convém, contudo, recordar aqui a crítica precisa, feita por Emília Viotti da Costa, de que algumas análises, oriundas de uma interpretação simplificada e parcial da obra de Foucault, falharam em esclarecer os mecanismos através dos quais o poder se institui, se perpetua e se transforma, apesar de identificarem a multiplicidade de lócus a partir dos quais o poder é exercido, pois, afinal, “Quando o poder está em toda parte, acaba por não estar em lugar nenhum” [7].

Os signos da vida política passaram a ser localizados onde antes não eram percebidos e, assim, os historiadores passaram a estar cientes da presença do elemento político a despeito do assunto investigado. Esse movimento só pôde ser efetuado porque a realidade social foi compreendida a partir de seu polimorfismo político. Entretanto, não somente a uma ampliação de temas se deve a renovação da história política, mas também ao diálogo estabelecido com outras disciplinas, sobretudo a antropologia [8], e outras vertentes historiográficas, como a microhistória, a history from bellow e a história social. Destes colóquios interdisciplinares resultaram novas técnicas e metodologias aplicadas agora a velhos e novos temas. No campo da História Moderna – seara de pesquisa a qual se dedicam os artigos que compõe esse dossiê – essas mutações da história política originaram toda uma nova concepção da vida política na época Moderna, da gênese do Estado Moderno e das revoltas e revoluções que permearam o período [9] . Estas novas concepções dos fenômenos políticos modernos ensejaram igualmente a necessidade de outras abordagens teórico-metodológicas das quais algumas possibilidades em voga são: o emprego do método prosopográfico para o estudo das elites e das redes de compadrio – em alta nos estudos coloniais –, as análises sobre a cultura política de um grupo ou de uma determinada região e, finalmente, as investigações acerca dos discursos políticos.

A proposta teórico-metodológica mais corriqueira acerca da análise dos discursos políticos é aquela identificada com os pressupostos formulados pela chamada Escola de Cambridge, rebatizada por Quentin Skinner de enfoque collingwoodiano [10]. O enfoque collingwoodiano, do qual são autores emblemáticos Quentin Skinner e John Pocock, beneficiouse de um profícuo intercâmbio com a filosofia da linguagem de Wittgenstein e com a teoria dos atos de fala de Austin. A partir de então, os autores definiram o contexto em sua especificidade linguística, na qual importa interpretar as proposições da teoria social e política produzidas ao longo da história. Todavia, é claro que as propostas de análise do discurso político não foram e não são fomentadas apenas em língua inglesa, tampouco esgotam suas possibilidades de concretização em torno do enfoque collingwoodiano, como bem o comprovam os artigos presentes nesse dossiê, que adotam variados modelos de percepção, análise e interpretação dos discursos políticos.

Os trabalhos aqui reunidos podem ser agrupados em cinco eixos temáticos distintos: 1) as controvérsias teológico-jurídicas, 2) a publicística e a disputa pela opinião pública, 3) a circulação de textos e a cultura impressa, 4) o vocabulário político e suas transformações semânticas e, finalmente, 5) a dimensão política da escrita da história. Em relação ao recorte espaço-temporal, os textos se organizam em três grupos: o conturbado contexto britânico e de sua colônia americana no século XVII, assunto ainda pouco desbravado pela historiografia brasileira; a América portuguesa nos séculos XVII, XVIII e XIX; e o agitado Portugal do século XVII. Salta aos olhos o fato de que, em um total de oito artigos, seis sejam circunscritos ao século XVII, o século que suscitou, e ainda suscita, um acalorado debate sobre a crise na Europa [11], o século da convulsionada cultura do Barroco tão magistralmente descrita por José António Maravall [12], igualmente alvo de polêmicas. Querelas historiográficas à parte, o século XVII de fato vivenciou uma série de alterações que modificaram os arranjos político-institucionais, os estilos de comunicação política, o vocabulário e a semântica política e as formas de participação na vida política. Todas estas facetas foram diligentemente contempladas nos artigos aqui reunidos.

Assim, Carlos Ziller Camenietzki, em um belo exercício de história intelectual, aborda as transformações nos arranjos político-institucionais ao longo dos seiscentos, ao examinar as tensões inerentes à formação do Estado Moderno em Portugal, através da análise de uma controvérsia teológico-jurídica. Os diversos estilos de comunicação política – que apontam para relevantes matérias como a publicística moderna e a fulcral questão da existência de uma esfera pública para além dos moldes habermasianos – são contemplados nos artigos de Eduardo Henrique Sabioni Ribeiro e Daniel Saraiva. Este último também efetiva uma importante reflexão sobre a participação das camadas populares na vida política de Portugal. Já Verônica Calsoni Lima, ainda dentro do universo dos estilos de comunicação política, explora o universo da cultura escrita seiscentista ao analisar o trânsito de correspondências, a publicação e a circulação de livros dos dois lados do Atlântico, entre a Velha e a Nova Inglaterra. Coube a Jaime Fernando dos Santos Junior esquadrinhar, no âmbito britânico seiscentista, as mudanças no vocabulário e na semântica política, ao investigar a historicidade e as disputas em torno do conceito de Commonwealth que mais do que uma mera disputa semântica, representavam a defesa de distintos projetos políticos, como esclarece Santos Júnior. Concluindo as reflexões sobre os aspectos políticos do século XVII, temos o artigo de Bruno Boto Martins Leite, o qual examina a reflexão teórica sobre a escrita da história do fidalgo português Francisco Manuel de Melo. Sublinhando o panorama ilustrado por Melo acerca das diversas possibilidades cabíveis à escrita da história de seu tempo, Leite afirma que para o erudito português o discurso histórico apenas ganharia pleno sentido em sua acepção como instrumento de uso político.

As diversas facetas políticas da escrita da história na América Portuguesa reúnem os dois derradeiros artigos deste dossiê. Kleber Clementino examina as múltiplas temporalidades presentes na obra historiográfica de Varnhagen, com ênfase no contraste de diferentes modelos historiográficos em vigência nos séculos XVI e XVII, especificamente: a história perfeita renascentista e a história política associada às teorias da razão de Estado. O exame da obra de Varnhagen é utilizado como pretexto, por Clementino, para compor sua tese sobre a história da histografia na Época Moderna, sustentando que Varnhagen não representaria o início da moderna historiografia crítica no Brasil e, tampouco, a origem da história da historiografia no Ocidente poderia ser situada no oitocentos. Marcone Zimmerle Lins Aroucha, ao investigar duas licenças presentes na História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pitta, indica a fisionomia composta da escrita da história no mundo português do século XVIII, sugerindo que esta fisionomia deve-se ao embate entre paradigmas narrativos e teóricos distintos. Aroucha, incorporando a dimensão política da escrita da História na época moderna, avalia conteúdo e forma da obra de Rocha Pitta a fim de averiguar a instrumentalização política da mesma. Ambos os artigos – bem como o trabalho de Verônica Calsoni Lima – transitam com fluidez entre os universos intelectuais que se constituem dos dois lados do Atlântico. Este livre trânsito sinaliza um aspecto caro à historiografia contemporânea que, no ímpeto de libertar-se das amarras de uma narrativa nacionalista, coloca ênfase na circulação não apenas de bens e pessoas, mas também de ideias, comportamentos e valores. Circulação esta que se daria em constante processo de retroalimentação, estando apta a alterar tanto os contextos europeus quanto os contextos americanos, como afirma Carlos Zeron [13].

Desejamos que a leitura deste dossiê forneça informações sobre os contextos e conteúdos analisados, da mesma maneira que suscite questionamentos sobre as temáticas apresentadas, conduzindo assim ao fomento de novas investigações. Na cena política contemporânea, em que assistimos à progressiva banalização e ao esvaziamento intelectual dos discursos políticos, esperamos que as análises aqui reunidas sirvam de contraste e recordem a afirmação basilar de Aristóteles sobre um dos aspectos cruciais da natureza humana ser precisamente a capacidade de comunicação política. Aproveitamos também para agradecer a todos e todas envolvidos na elaboração deste dossiê, especialmente aos autores e aos pareceristas. Boa leitura!

Notas

1. A tradução bilíngue que utilizamos emprega a palavra “político”, ao invés de “social”. A justificativa é que a palavra político representa melhor a inserção de todo ser humano na polis, a mais abrangente e superior forma de vida comunitária. Conforme, nota do tradutor: “O termo político (politikon) deve ser tomado na estrita acepção de “cívico”, isto é “participante da vida da cidade”, e não no sentido demasiado lato e fluído de “social”. In: ARISTÓTELES. Política; edição bilíngue. Tradução: António Campelo Amaral e Carlos Gomes. Lisboa: Vega, 1998. p. 595.

2. Ibidem, p. 55.

3. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tomo III. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

4. É certo que não devemos ser ingênuos e acreditar que apesar de um boom da história social e econômica, especialmente na França e na Inglaterra, a história política tenha sido completamente alijada da atenção historiográfica.

5. A coletânea organizada por René Rémond é um forte indício desse movimento. Ver: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

6. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e revisão Roberto Machado, 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

7. COSTA, Emília Viotti da. A dialética invertida: 1960-1990. In: COSTA, Emília Viotti da. A dialética invertida e outros ensaios. São Paulo: Editora da Unesp, 2014. p. 15.

8. O diálogo com a antropologia propiciou um entendimento diferenciado acerca do que pode ser compreendido como cultura. Esta compreensão foi fundamental para o campo de investigação da cultura política.

9. Cf. GIL PUJOL, Xavier. Tiempo de Política; Perspectivas historiográficas sobre la Europa Moderna. Barcelona: Publicacions i Edicions, Universitat de Barcelona, 2006.

10. JASMIN, Marcelo Gantus; FERES JÚNIOR, João. História dos conceitos: dois momentos de um encontro intelectual. In: JASMIN, Marcelo Gantus; FERES JÚNIOR, João (orgs). História dos Conceitos: Debates e perspectivas. Rio de janeiro: Editora PUC- Rio, Edições Loyola, IUPERJ, 2006, pp. 09-38, p. 11.

11. ASTON, Trevor (ed.). Crisis in Europe; 1560 – 1660. New York: Routledge, 2011.

12. MARAVALL, José Antonio. La Cultura del Barroco. Barcelona: Ariel, 1990.

13. Cf. ZERON, Carlos. Prefácio. In: GALERA, B.; SOALHEIRO, B.; SALGUEIRO, F.; VELLOSO, G.; SAENS, L.; LARA, L.; TORIGOE, L.; BERNABÉ, R. Exercícios de metodologia da pesquisa histórica. São Paulo: Casa & Palavras, 2015.

Camila Corrêa e Silva de Freitas

Rachel Saint Williams

Camila Corrêa e Silva de Freitas – Organizadora do dossiê. Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente, Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: camilacorreaesilva@gmail.com

Rachel Saint Williams – Organizadora do dossiê. Doutora em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou Pós-doutoramento pelo programa de Pós-graduação em História da Universidade de São Paulo. E-mail: lwllsrachel@yahoo.com.br


FREITAS, Camila Corrêa e Silva de; WILLIAMS, Rachel Saint. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.36, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Lugares e Memória do Século XX / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2017

O presente número da Revista Clio se inicia com os textos reunidos no Dossiê “Lugares e Memória da Cultura” organizado pelos Professores Antônio Paulo Rezende (UFPE) e Augusto Neves (UNINABUCO). Seu objetivo é reunir artigos que analisem historicamente as relações culturais, destacando a sua temporalidade e como elas influenciam na construção do poder na sociedade ao longo do século XX.

No primeiro texto, Janaína Cardoso de Mello toma como objeto de estudo as representações do poder régio ilustrado a partir das relações entre arquitetura, mobiliário e história no âmbito da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Na sequência, Luciana Penna-Franca aborda a cena cultural do teatro amador carioca no final do século XIX e início do XX a partir das publicações de “assuntos teatrais” nos periódicos do Rio de Janeiro, observando sua influência na vivências artísticas e no cotidiano da cidade.

O terceiro texto do dossiê foi elaborado por Aldo José Morais Silva a partir dos debates sobre a escolha de um hino para a cidade de Feira de Santana (BA) entre o final do século XIX e o início do XX. O artigo enfoca as razões das escolhas e como elas representavam as expectativas da sociedade local em relação à sua autoimagem. A partir dos escritos de Manuel Quirino e à luz das concepções propostas por Nora, Morse e Spivak, Bruno Pinheiro analisa os lugares de memória na fase do pósabolição em Salvador (BA).

O quinto texto da coletânea especial enfoca a organização sindical dos trabalhadores em São Paulo. Alzira Lobo de Arruda Campos, Marília Gomes Ghizzi Godoy e Rafael Lopes Souza discutem as conexões e antagonismos entre as influências teóricas europeias e as características históricas do Brasil no processo de construção das organizações de luta em defesa dos trabalhadores.

O sexto texto é foi escrito por Márcio Rogério Olivato Pozzer e analisa o papel histórico das políticas públicas de patrimônio cultural para os museus no México ao longo do século XX, mas precisamente a partir da Revolução Mexicana de 1910. O dossiê, neste número, se encerra com o texto de Carolina C. de Souza Martins e Elio de Jesus Pantoja Alves sobre a experiência de pais e mães de santo no Terreiro do Egito, no Maranhão, na busca pela ancestralidade numa região do município de São Luís que desde os anos 1980 vem sendo ameaçada pela expansão do complexo portuário da capital maranhense.

Para além dos artigos que compõem o dossiê, o presente número da Revista Clio veicula também mais cinco artigos livres e duas resenhas. O primeiro artigo livre foi escrito por Anne Karolline Campos Mendonça e se intitula “As mulheres sem nome: o desenvolvimento de argumentos jurídicos baseados no estatuto feminino. Comarca das Alagoas – Capitania de Pernambuco (1716-1765)”. Nele a autora analisa como as elites coloniais faziam valer seus interesses se apropriando do discurso jurídico sobre aqueles que eram considerados inferiores, no caso específico, sobre as mulheres. Avançamos então para o século XIX, com um estudo sobre a imigração italiana no Rio Grande do Sul intitulado “As Companhias Colonizadoras no processo da imigração italiana em territorialidades do Vale do Taquari / Rio Grande do Sul”, apresentado por Janaine Trombini, Luís Fernando da Silva Laroque e Ana Paula Castoldi, com especial atenção para a atuação das firmas Bastos & Companhia, Cia Colonizadora Rio-Grandense e Tchener & Cia, que existiram do final do século XIX até meados da década de 1920.

Gabriela Fernandes de Siqueira é a autora do terceiro artigo livre veiculado neste número e intitulado “A questão da salubridade em Natal nas primeiras décadas do século XX na ótica dos periódicos A República e Diário do Natal”. Para elaborar seu texto, a autora utilizou, além dos periódicos citados, outras fontes tais como mensagens de governadores, leis e decretos municipais e estaduais. O artigo enfoca as contradições do processo de modernização e aplicação de medidas de higiene na capital do Rio Grande do Norte nas primeiras décadas do século XX. No quarto artigo da série, nos deparamos com a história de um trabalhador tentando fazer valer seus direitos mediante uma ação na Justiça do Trabalho em 1965. Trata-se dos resultados da pesquisa realizada por Márcio Ananias Ferreira Vilela e Marcelo Goés Tavares no acervo de processos trabalhistas conservados na Universidade Federal de Pernambuco. O artigo se intitula “A peleja de João Amaro: um trabalhador rural na luta por direitos (Pernambuco, anos 1960)”. O quinto artigo livre foi escrito por Lourival dos Santos, se intitula “Por uma história do negro no sul do Mato Grosso: história oral de quilombolas de Mato Grosso do Sul e a (re)invenção da tradição africana no cerrado brasileiro”. O texto aborda uma das mais candentes questões da atualidade no Brasil. O autor analisa a oposição surgida entre o Instituto Histórico do Mato Grosso do Sul e a Fundação Palmares sobre a identificação de comunidade quilombolas naquele estado, na primeira década do atual século.

Fechando o presente número, Clio veicula uma resenha, escrita por Wallas Jefferson de Lima e enfoca o livro As origens do sexo: uma história da primeira revolução sexual, escrito por Faramerz Dabhoiwala e publicado no Brasil pela Editora Globo, em 2013, com a tradução de Rafael Mantovani.

A Equipe Editorial da Revista Clio agradece a todos os autores, pareceristas, revisores e colaboradores que contribuíram para a preparação deste número e deseja uma boa leitura.

George Cabral – Editor da Revista. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: georgecabral@yahoo.com

Antônio Paulo Rezende – Organizador do Dossiê. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: cielo77@uol.com.br

Augusto Neves – Organizador do Dossiê. Professor da Faculdade Uninabuco. E-mail: augustonev@gmail.com

Rômulo Nascimento – Vice- editor da Revista. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: romuloxavier7@hotmail.com


CABRAL, George; REZENDE, Antônio Paulo; NEVES, Augusto; NASCIMENTO, Rômulo. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.35, n.2, jul / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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As questões socialmente vivas e a produção historiográfica / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2017

Nesta edição, a Revista Clio se voltará às questões socialmente vivas e sua relação com a produção historiográfica. Ao propor este Dossiê, pensamos em mobilizar historiadores do Brasil a partir do interesse em contribuir, enquanto área do conhecimento, para análise e problematização dos retrocessos políticos e sociais do nosso tempo.

Vivemos em um tempo marcado pela retomada de ideias fascizantes, propagadas por setores conservadores da grande imprensa nacional, e materializadas nas propostas políticas que defendem, por exemplo, a “lei da mordaça” (Escola sem Partido), a redução da maioridade penal e o Estatuto da Família. Muitas dessas ideias remetem a tempos pretéritos, como os do colonialismo patriarcal, da escravidão e dos governos autoritários, e se apresentam como questões socialmente vivas. Mas, o que são tais questões?

Esta pergunta nos inquietou deste o início e se tornou um desafio. Os trabalhos recebidos nos levaram a problematizar a nossa proposta, uma vez que, mesmo apresentando um tema sensível muitos dos artigos não traziam abordagens preocupadas em responder os problemas sociais do nosso tempo. A partir das discussões construídas, chegamos a considerar que nem sempre um tema sensível é abordado a partir de uma questão socialmente viva.

Acreditamos que ao abordar os temas sensíveis à luz das questões socialmente vivas, os historiadores e historiadoras devem estar atentos à complexidade dos problemas sociais construídos historicamente que ainda nos afetam enquanto sujeitos individuais e coletivos, que nos afligem enquanto sociedade e que nos indignam enquanto sujeitos. A partir desse prisma é possível produzir outros deslocamentos de análise, buscando colocar no centro do debate os problemas sociais produzidos no passado que ainda se encontram presentes na nossa sociedade.

Ao trabalhar com a temática da escravidão negra no Brasil, por exemplo, a depender da abordagem, podemos invisibilizar os problemas sociais gerados pela prática escravista ou até reproduzir a ideia construída pelo projeto político colonial. Como trabalhar com a questão da escravidão a partir de uma abordagem sensível?

Debruçar-se sobre as questões socialmente vivas é estar preocupado com os problemas sociais historicamente construídos que ainda provocam desigualdades, intolerâncias e as mais diferentes formas de violência que desafiam a dignidade humana. Não podemos estudar a história da escravidão sem pensar no racismo que ainda permanece vivo, no genocídio da juventude negra, nas desigualdades econômicas que afetam a população afrodescendente.

A produção historiográfica ainda se encontra fortemente marcada pela tradição disciplinar, que por sua vez tende a tornar os temas sensíveis em temas cartesianamente positivados, negando os sujeitos e a complexidade de suas vivencias, no sentido individual e coletivo. O desafio de tornar um tema sensível em uma questão socialmente viva é o de “descolonizar” o olhar sobre o tema, fissurar os discursos cristalizados, questionando a própria forma que o conhecimento vem sendo construído sobre a temática.

Ao prefaciarem a coletânea Epistemologias do Sul, Maria Paula Meneses e Boaventura de Souza Santos afirmam que “toda experiência social produz e reproduz conhecimento”, ou seja, as nossas experiências podem nos levar a reproduzir trabalhos historiográficos que reproduzem o projeto colonizador ainda vigente.

Para Meneses e Santos, “não há conhecimento sem prática e sem atores sociais”, logo, é importante o esforço intelectual de questionar a lógica disciplinar ainda muito presente nas nossas produções. A lógica disciplinar, que consigo traz o ideário colonizador, nega o sujeito da história, pois é linear e constituidora de um cientificismo que não abarca a complexidade humana, muitas vezes o reduzindo a meras definições e conceitos vazios.

Desse modo, é fundamental desafiar a forma convencional de produzir a escrita da História, o que nos exige uma abordagem para além da perspectiva disciplinar. Os artigos que compõem este Dossiê abordam diferentes espaços e tempo históricos. São temas trabalhados a partir de historiadores e historiadoras de diferentes regiões do país, que trouxeram textos inéditos voltados para os temas sensíveis.

Apresentamos o artigo, Mulheres pedindo Justiça: processos criminais no Vice-Reinado do Rio da Prata (Século XVIII), do historiador Rafael Ruiz, que objetiva debater a questão da violência doméstica no período oitocentista, tendo processos civis e criminais como fontes de pesquisa. O texto permite construir uma reflexão sobre a relação entre a administração da justiça e as relações de gênero no América Espanhola.

O artigo História, legislação e ato infracional: privação de liberdade e medidas socioeducativas voltadas aos infantojuvenis no século XX, da autora Camila Serafim Daminelli, contemplará a história das legislações voltadas para adolescentes em situação de conflito com a Lei. Uma questão socialmente viva, fortemente marcada pelas contradições do “sistema de justiça” que não apresenta perspectivas de ressocialização para meninos e meninas que se envolvem em diferentes atos infracionais.

O historiador Helder Remigio de Amorim, em seu artigo Em tempos de guerra: Josué de Castro e as políticas públicas de alimentação no Estado Novo, de traz uma importante debate sobre a história do combate a fome no Brasil. A partir da trajetória intelectual de Josué de Castro, o historiador aborda, de modo sensível, a fome como um problema social e histórico. O autor destaca a atuação institucional de Josué de Castro em defesa das políticas de alimentação e da nutrição no Brasil.

A historiadora Kety Carla De March, no artigo intitulado“Hoje eu resolvi deixar o mundo”: Narrativas de suicídio m Guarapuava-Pr nos anos 1950, abordará neste Dossiêa questão do suicídio. A partir dos inquéritos policiais e de relatos de memórias, a autora procura analisar como foram construídos os discursos sobre as pessoas que cometiam o suicídio, na cidade interiorana do Paraná. Através deste artigo podemos (re)pensar a história da saúde mental no Brasil e os dispositivos de controle social construídos a partir da disciplinazação dos corpos.

Finalizando este Dossiê, trazemos o artigo Democracia, justiça e estado de exceção: Passado presente, do historiador Tásso Brito. Um texto que nos faz (re) pensar a “democracia” brasileira e como o cotidiano das pessoas comuns é marcado por diferentes formas de repressão. O autor questiona o discurso oficial da “República Cidadã” e reflete sobre as diferentes formas de injustiças e desigualdades sociais que marca a política e a sociedade brasileira.

Estado de exceção, suicídio, fome, adolescentes em privação deliberdade, mulheres em busca de “justiça”. Temas sensíveis que devem ser problematizados como questões socialmente vivas.

Parafraseando Marc Bloch, “eis portanto o historiador (e a historiadora) chamado a prestar contas” do passado (BLOCH, 2001, p.41). Para que os profissionais da história prestem contas do passado é fundamental a mudança de olhar sobre as temáticas que pesquisamos. Trabalhar com as questões socialmente vivas nos exige uma virada epistemológica, que nos leva a pensar o conhecimento histórico a partir de outra ética acadêmica que desafia o conhecimento disciplinar.

Pensar as questões socialmente vivas nos faz descolonizar o conhecimento tradicionalmente construído e enveredarmos esforço em uma ética transdisciplinar, que procura o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, que respeita as diferenças e coloca a produção historiográfica também como um instrumento para a transformação social.

Humberto Miranda – Organizador do Dossiê. Professor do Programa de Pós-Graduação em História Regional da Cultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: humbertoufrpe@gmail.com

Isabel Guillen – Organizadora do Dossiê. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com


MIRANDA, Humberto; GUILLEN, Isabel. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.35, n.1, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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As questões socialmente vivas e a produção historiográfica / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2017

Nesta edição, a Revista Clio se voltará às questões socialmente vivas e sua relação com a produção historiográfica. Ao propor este Dossiê, pensamos em mobilizar historiadores do Brasil a partir do interesse em contribuir, enquanto área do conhecimento, para análise e problematização dos retrocessos políticos e sociais do nosso tempo.

Vivemos em um tempo marcado pela retomada de ideias fascizantes, propagadas por setores conservadores da grande imprensa nacional, e materializadas nas propostas políticas que defendem, por exemplo, a “lei da mordaça” (Escola sem Partido), a redução da maioridade penal e o Estatuto da Família. Muitas dessas ideias remetem a tempos pretéritos, como os do colonialismo patriarcal, da escravidão e dos governos autoritários, e se apresentam como questões socialmente vivas. Mas, o que são tais questões?

Esta pergunta nos inquietou deste o início e se tornou um desafio. Os trabalhos recebidos nos levaram a problematizar a nossa proposta, uma vez que, mesmo apresentando um tema sensível muitos dos artigos não traziam abordagens preocupadas em responder os problemas sociais do nosso tempo. A partir das discussões construídas, chegamos a considerar que nem sempre um tema sensível é abordado a partir de uma questão socialmente viva.

Acreditamos que ao abordar os temas sensíveis à luz das questões socialmente vivas, os historiadores e historiadoras devem estar atentos à complexidade dos problemas sociais construídos historicamente que ainda nos afetam enquanto sujeitos individuais e coletivos, que nos afligem enquanto sociedade e que nos indignam enquanto sujeitos. A partir desse prisma é possível produzir outros deslocamentos de análise, buscando colocar no centro do debate os problemas sociais produzidos no passado que ainda se encontram presentes na nossa sociedade.

Ao trabalhar com a temática da escravidão negra no Brasil, por exemplo, a depender da abordagem, podemos invisibilizar os problemas sociais gerados pela prática escravista ou até reproduzir a ideia construída pelo projeto político colonial. Como trabalhar com a questão da escravidão a partir de uma abordagem sensível?

Debruçar-se sobre as questões socialmente vivas é estar preocupado com os problemas sociais historicamente construídos que ainda provocam desigualdades, intolerâncias e as mais diferentes formas de violência que desafiam a dignidade humana. Não podemos estudar a história da escravidão sem pensar no racismo que ainda permanece vivo, no genocídio da juventude negra, nas desigualdades econômicas que afetam a população afrodescendente.

A produção historiográfica ainda se encontra fortemente marcada pela tradição disciplinar, que por sua vez tende a tornar os temas sensíveis em temas cartesianamente positivados, negando os sujeitos e a complexidade de suas vivencias, no sentido individual e coletivo. O desafio de tornar um tema sensível em uma questão socialmente viva é o de “descolonizar” o olhar sobre o tema, fissurar os discursos cristalizados, questionando a própria forma que o conhecimento vem sendo construído sobre a temática.

Ao prefaciarem a coletânea Epistemologias do Sul, Maria Paula Meneses e Boaventura de Souza Santos afirmam que “toda experiência social produz e reproduz conhecimento”, ou seja, as nossas experiências podem nos levar a reproduzir trabalhos historiográficos que reproduzem o projeto colonizador ainda vigente.

Para Meneses e Santos, “não há conhecimento sem prática e sem atores sociais”, logo, é importante o esforço intelectual de questionar a lógica disciplinar ainda muito presente nas nossas produções. A lógica disciplinar, que consigo traz o ideário colonizador, nega o sujeito da história, pois é linear e constituidora de um cientificismo que não abarca a complexidade humana, muitas vezes o reduzindo a meras definições e conceitos vazios.

Desse modo, é fundamental desafiar a forma convencional de produzir a escrita da História, o que nos exige uma abordagem para além da perspectiva disciplinar. Os artigos que compõem este Dossiê abordam diferentes espaços e tempo históricos. São temas trabalhados a partir de historiadores e historiadoras de diferentes regiões do país, que trouxeram textos inéditos voltados para os temas sensíveis.

Apresentamos o artigo, Mulheres pedindo Justiça: processos criminais no Vice-Reinado do Rio da Prata (Século XVIII), do historiador Rafael Ruiz, que objetiva debater a questão da violência doméstica no período oitocentista, tendo processos civis e criminais como fontes de pesquisa. O texto permite construir uma reflexão sobre a relação entre a administração da justiça e as relações de gênero no América Espanhola.

O artigo História, legislação e ato infracional: privação de liberdade e medidas socioeducativas voltadas aos infantojuvenis no século XX, da autora Camila Serafim Daminelli, contemplará a história das legislações voltadas para adolescentes em situação de conflito com a Lei. Uma questão socialmente viva, fortemente marcada pelas contradições do “sistema de justiça” que não apresenta perspectivas de ressocialização para meninos e meninas que se envolvem em diferentes atos infracionais.

O historiador Helder Remigio de Amorim, em seu artigo Em tempos de guerra: Josué de Castro e as políticas públicas de alimentação no Estado Novo, de traz uma importante debate sobre a história do combate a fome no Brasil. A partir da trajetória intelectual de Josué de Castro, o historiador aborda, de modo sensível, a fome como um problema social e histórico. O autor destaca a atuação institucional de Josué de Castro em defesa das políticas de alimentação e da nutrição no Brasil.

A historiadora Kety Carla De March, no artigo intitulado“Hoje eu resolvi deixar o mundo”: Narrativas de suicídio m Guarapuava-Pr nos anos 1950, abordará neste Dossiêa questão do suicídio. A partir dos inquéritos policiais e de relatos de memórias, a autora procura analisar como foram construídos os discursos sobre as pessoas que cometiam o suicídio, na cidade interiorana do Paraná. Através deste artigo podemos (re)pensar a história da saúde mental no Brasil e os dispositivos de controle social construídos a partir da disciplinazação dos corpos.

Finalizando este Dossiê, trazemos o artigo Democracia, justiça e estado de exceção: Passado presente, do historiador Tásso Brito. Um texto que nos faz (re) pensar a “democracia” brasileira e como o cotidiano das pessoas comuns é marcado por diferentes formas de repressão. O autor questiona o discurso oficial da “República Cidadã” e reflete sobre as diferentes formas de injustiças e desigualdades sociais que marca a política e a sociedade brasileira.

Estado de exceção, suicídio, fome, adolescentes em privação deliberdade, mulheres em busca de “justiça”. Temas sensíveis que devem ser problematizados como questões socialmente vivas.

Parafraseando Marc Bloch, “eis portanto o historiador (e a historiadora) chamado a prestar contas” do passado (BLOCH, 2001, p.41). Para que os profissionais da história prestem contas do passado é fundamental a mudança de olhar sobre as temáticas que pesquisamos. Trabalhar com as questões socialmente vivas nos exige uma virada epistemológica, que nos leva a pensar o conhecimento histórico a partir de outra ética acadêmica que desafia o conhecimento disciplinar.

Pensar as questões socialmente vivas nos faz descolonizar o conhecimento tradicionalmente construído e enveredarmos esforço em uma ética transdisciplinar, que procura o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, que respeita as diferenças e coloca a produção historiográfica também como um instrumento para a transformação social.

Humberto Miranda – Organizador do Dossiê. Professor do Programa de Pós-Graduação em História Regional da Cultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: humbertoufrpe@gmail.com

Isabel Guillen – Organizadora do Dossiê. Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: icmg59@gmail.com


MIRANDA, Humberto; GUILLEN, Isabel. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.35, n.1, jan / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Lugares e Memória do Século XX / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2017

O presente número da Revista Clio se inicia com os textos reunidos no Dossiê “Lugares e Memória da Cultura” organizado pelos Professores Antônio Paulo Rezende (UFPE) e Augusto Neves (UNINABUCO). Seu objetivo é reunir artigos que analisem historicamente as relações culturais, destacando a sua temporalidade e como elas influenciam na construção do poder na sociedade ao longo do século XX.

No primeiro texto, Janaína Cardoso de Mello toma como objeto de estudo as representações do poder régio ilustrado a partir das relações entre arquitetura, mobiliário e história no âmbito da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Na sequência, Luciana Penna-Franca aborda a cena cultural do teatro amador carioca no final do século XIX e início do XX a partir das publicações de “assuntos teatrais” nos periódicos do Rio de Janeiro, observando sua influência na vivências artísticas e no cotidiano da cidade.

O terceiro texto do dossiê foi elaborado por Aldo José Morais Silva a partir dos debates sobre a escolha de um hino para a cidade de Feira de Santana (BA) entre o final do século XIX e o início do XX. O artigo enfoca as razões das escolhas e como elas representavam as expectativas da sociedade local em relação à sua autoimagem. A partir dos escritos de Manuel Quirino e à luz das concepções propostas por Nora, Morse e Spivak, Bruno Pinheiro analisa os lugares de memória na fase do pósabolição em Salvador (BA).

O quinto texto da coletânea especial enfoca a organização sindical dos trabalhadores em São Paulo. Alzira Lobo de Arruda Campos, Marília Gomes Ghizzi Godoy e Rafael Lopes Souza discutem as conexões e antagonismos entre as influências teóricas europeias e as características históricas do Brasil no processo de construção das organizações de luta em defesa dos trabalhadores.

O sexto texto é foi escrito por Márcio Rogério Olivato Pozzer e analisa o papel histórico das políticas públicas de patrimônio cultural para os museus no México ao longo do século XX, mas precisamente a partir da Revolução Mexicana de 1910. O dossiê, neste número, se encerra com o texto de Carolina C. de Souza Martins e Elio de Jesus Pantoja Alves sobre a experiência de pais e mães de santo no Terreiro do Egito, no Maranhão, na busca pela ancestralidade numa região do município de São Luís que desde os anos 1980 vem sendo ameaçada pela expansão do complexo portuário da capital maranhense.

Para além dos artigos que compõem o dossiê, o presente número da Revista Clio veicula também mais cinco artigos livres e duas resenhas. O primeiro artigo livre foi escrito por Anne Karolline Campos Mendonça e se intitula “As mulheres sem nome: o desenvolvimento de argumentos jurídicos baseados no estatuto feminino. Comarca das Alagoas – Capitania de Pernambuco (1716-1765)”. Nele a autora analisa como as elites coloniais faziam valer seus interesses se apropriando do discurso jurídico sobre aqueles que eram considerados inferiores, no caso específico, sobre as mulheres. Avançamos então para o século XIX, com um estudo sobre a imigração italiana no Rio Grande do Sul intitulado “As Companhias Colonizadoras no processo da imigração italiana em territorialidades do Vale do Taquari / Rio Grande do Sul”, apresentado por Janaine Trombini, Luís Fernando da Silva Laroque e Ana Paula Castoldi, com especial atenção para a atuação das firmas Bastos & Companhia, Cia Colonizadora Rio-Grandense e Tchener & Cia, que existiram do final do século XIX até meados da década de 1920.

Gabriela Fernandes de Siqueira é a autora do terceiro artigo livre veiculado neste número e intitulado “A questão da salubridade em Natal nas primeiras décadas do século XX na ótica dos periódicos A República e Diário do Natal”. Para elaborar seu texto, a autora utilizou, além dos periódicos citados, outras fontes tais como mensagens de governadores, leis e decretos municipais e estaduais. O artigo enfoca as contradições do processo de modernização e aplicação de medidas de higiene na capital do Rio Grande do Norte nas primeiras décadas do século XX. No quarto artigo da série, nos deparamos com a história de um trabalhador tentando fazer valer seus direitos mediante uma ação na Justiça do Trabalho em 1965. Trata-se dos resultados da pesquisa realizada por Márcio Ananias Ferreira Vilela e Marcelo Goés Tavares no acervo de processos trabalhistas conservados na Universidade Federal de Pernambuco. O artigo se intitula “A peleja de João Amaro: um trabalhador rural na luta por direitos (Pernambuco, anos 1960)”. O quinto artigo livre foi escrito por Lourival dos Santos, se intitula “Por uma história do negro no sul do Mato Grosso: história oral de quilombolas de Mato Grosso do Sul e a (re)invenção da tradição africana no cerrado brasileiro”. O texto aborda uma das mais candentes questões da atualidade no Brasil. O autor analisa a oposição surgida entre o Instituto Histórico do Mato Grosso do Sul e a Fundação Palmares sobre a identificação de comunidade quilombolas naquele estado, na primeira década do atual século.

Fechando o presente número, Clio veicula uma resenha, escrita por Wallas Jefferson de Lima e enfoca o livro As origens do sexo: uma história da primeira revolução sexual, escrito por Faramerz Dabhoiwala e publicado no Brasil pela Editora Globo, em 2013, com a tradução de Rafael Mantovani.

A Equipe Editorial da Revista Clio agradece a todos os autores, pareceristas, revisores e colaboradores que contribuíram para a preparação deste número e deseja uma boa leitura.

George F. Cabral de Souza

Antônio Paulo Rezende

Augusto Neves

Rômulo Nascimento

George Cabral – Editor da Revista. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: georgecabral@yahoo.com

Antônio Paulo Rezende – Organizador do Dossiê. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: cielo77@uol.com.br

Augusto Neves – Organizador do Dossiê. Professor da Faculdade Uninabuco. E-mail: augustonev@gmail.com

Rômulo Nascimento – Vice- editor da Revista. Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: romuloxavier7@hotmail.com


CABRAL, George; REZENDE, Antônio Paulo; NEVES, Augusto; NASCIMENTO, Rômulo. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.35, n.2, jul / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

A Revista Clio abre este volume com a segunda parte do dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889), que versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” lideres. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do estado. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites políticas, eleições, movimentos sociais são os principais temas que este dossiê se propõe a discutir.

Os dois primeiros artigos tratam do recrutamento e da Guarda Nacional no Ceará. O trabalho de Maria Regina Santos de Souza, A implacável surdez das autoridades do império: as súplicas dos veteranos da Guerra do Paraguai (1870-1889)analisa, no período posterior a Guerra do Paraguai, a (des)atenção do governo brasileiro com os direitos concedidos aos excombatentes, tais como pensões, empregos públicos, terras e compensação financeira. Souza mostra os problemas gerados para os veteranos. Parte significativa deles enfrentou a desorganização e a falta de conhecimento jurídico da burocracia do Estado. Este artigo aborda a luta dos veteranos do Ceará pelos direitos de guerra.

O artigo de Ana Sara Cortez Irffi, “O cidadão não encontra garantia senão na própria força” – Recrutamento, milícias privadas, quadrilhas de „cabras‟ e a propriedade privada (Cariri Cearense, século XIX), analisa o processo de construção do Estado brasileiro em meados do Oitocentos, o recrutamento para a Guarda Nacional e a formação de milícias privadas no sertão das chamadas províncias do Norte. A análise se volta às milícias surgidas a partir das relações estabelecidas dos senhores com agregados e moradores, mas também, no bojo desse processo, à formação de grupos alheios aos senhores que ficaram conhecidos como „quadrilhas de cabras‟.

Rafael Sancho Carvalho da Silva analisa os aspectos políticos do banditismo no sertão baiano em seu artigo Antonio José Guimarães: banditismo e disputas políticas no sertão baiano Oitocentista. Rafael discute a relação do banditismo com as disputas políticas no sertão baiano, usando o caso de Antonio José Guimarães que atuou entre 1849 e 1854 pelos sertões da Bahia e de Goiás. Mostra também que podemos analisar o banditismo como um fenômeno da história política.

Em seguida temos o artigo Práticas docentes no Recife e Olinda na segunda metade do século XIX de Dayana Raquel Pereira de Lima e Yan Soares Santos. Partindo da metodologia da microanálise, analisam as trajetórias e demandas dos membros da Sociedade Propagadora da Instrução Pública de 1872, e as petições feitas pelos professores aos poderes públicos dos principais expedientes práticos do trabalho docente. Mostram que a docência foi marcada por práticas individuais de cidadania, quando os professores desenvolviam estratégias pessoais, de acordo com privilégios conquistados ao longo da carreira, os quais, na prática, afastavam a possibilidade de constituírem uma identidade docente.

Os próximos três artigos se dedicam a história agrária do Brasil oitocentista. O artigo A política de acesso à terra no Brasil Imperial e a compra de terras devolutas no planalto da Província de Santa Catarina, de Paulo Pinheiro Machado e Flávia Paula Darossi, analisa a aplicação da Lei de Terras na Província de Santa Catarina, com ênfase no município de Lages. O estudo foi realizado com base em requerimentos de compra de terras devolutas, lavrados entre 1850 e 1889, previstos na legislação como a única forma legal de acesso à terra. Machado e Darossi mostram que, por tratar-se de uma fronteira agrícola e de povoamento em expansão, o planalto catarinense foi ocupado de diferentes maneiras – que ultrapassavam as disposições da própria Lei -, o que repercutiu em complexas estratégias de regulamentação da propriedade.

Em seguida Francivaldo Alves Nunes contribui ao Dossiê com o estudo da questão agrária na Amazônia em seu artigo Entre outras estratégias de controle e dominação: Estado, agricultura e colonização na Amazônia Oitocentista. Nunes analisa a relação entre os discursos construídos em torno da agricultura e colonização, caracterizados pela moralização da sociedade e a atuação do Estado imperial. Baseado em relatórios governamentais, mostra como esses valores, associados à atividade agrícola, exigiram do Estado um desempenho não apenas de manutenção da ordem, mas como instituição promotora de políticas que elevassem os hábitos das populações na Amazônia. A afirmação do Estado também se deu, no interior das províncias do Pará e Amazonas, através de ações revestidas de um discurso de promoção da ordem, da modernidade e da civilização.

O artigo Formação do ambiente rural sul-mato-grossense (1829-1892), de Maria do Carmo Brazil e Elaine Cancian, discute a organização da sociedade agropastoril nos campos sulinos de Mato Grosso. Partindo principalmente de relatos memorialísticos e inventários post-mortem, as autoras analisam o peso da pecuária nos municípios de Santana de Paranaíba, Rio Brilhante, Coxim, Corumbá, Campo Grande e Miranda,entre os anos de 1829 e 1892, na expansão da fronteira fundiária do centro-oeste brasileiro. Brazil e Cancian mostram a concentração fundiária, e a exclusão social nela inscrita e dela decorrente, e a montagem de um aparato político repressivo e autoritárioinscritos no processo de ocupação das terras sulmato-grossenses.

O Dossiê é encerrado com o artigo Índios / as, negros / as, mestiços / as, para além da paisagem amazônica: a construção de experiências locais em notas etnográficas da obra de Alfred Russel Wallace (1850-1852) de Victor R. L. Silva e José O. Aguiar. O artigo tece considerações sobre as viagens científicas no Brasil Imperial, com destaque para a trajetória de Alfred Russel Wallace pelos rios e matas equatoriais da Amazônia e para os mais variados encontros culturais que tiveram espaço nessa jornada coletora. Ganha relevo o destaque à descrição de índios / as, negro / as e mestiços / as na ótica do naturalista-viajante e a análise das características e recorrências de seu olhar tanto em sentido de continuidade quanto à base do pensamento oitocentista, quanto em sentido de ruptura, dissensão e criatividade.

A parte dedicada aos artigos livres conta, neste volume, com sete textos referentes à abordagens diversas no tempo e no espaço. O primeiro deles é de autoria de Grasiela Florêncio de Morais e enfoca as relações de subordinação e controle entre as autoridades do Recife e a população pobre da cidade no período 1830-1850. A autora aponta como os projetos de melhoramentos materiais redundavam na vigilância cotidiana das camadas despossuídas da capital pernambucana. Martha Victor Vieira discute em seu texto como a circulação de ideias liberais na imprensa da província de Goiás se insere no processo de consolidação da consciência nacional brasileira no período regencial. Gustavo Magno Barbosa Alencar também trabalha a década de 1830, mas sua abordagem se dirige para a província do Ceará. Utilizando os periódicos e manuscritos de época, o autor procura analisar as concepções do pensamento liberal com atenção para a compreensão dos usos do vocabulário político da época.

Continuando nos estudos sobre o século XIX, Thiago Broni de Mesquita e João Victor da Silva Furtado nos apresentam o processo de estabelecimento de prisões na província do Grão-Pará nos tempos da Cabanagem. Os autores discutem a criação das cadeias no contexto das medidas de coerção postas em prática pelas autoridades daquela província. De volta ao Ceará, nos deparamos no texto de Antônio José de Oliveira com a análise sobre o processo de invisibilização dos índios Kariri na historiografia que se dedicou ao estudo da segunda metade do século XIX naquela província.

Passando para o século XX, encontramos aqui dois textos relativos à história cultural de Pernambuco e Ceará. Lucas Victor Silva nos traz sua abordagem da atuação da Federação Carnavalesca Pernambucana durante os anos 1930. O autor aponta como essa instituição procurou controlar as manifestações carnavalescas no estado como forma de manifestar a coesão nacional em consonância com as aspirações políticas do regime pós-1930. Fechando o volume, contamos com o texto de Anderson de Sousa Silva sobre as políticas de cultura e artes nos anos 1960 no Ceará. O pesquisador reflete sobre as relações entre Estado e cultura e também dedica atenção ao processo de inserção do Ceará no panorama artístico brasileiro.

Os organizadores deste número da Revista Clio desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira.

Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza

Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: suzanacavani@uol.com.b

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: christillino@hotmail.com

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: georgecabral@yahoo.com


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.2, jul / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) (1) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

O dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) abre este número da revista e versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil Império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” líderes. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do Estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do Estado e de crise do regime. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites, movimentos sociais e cultura política são alguns dos principais temas que o dossiê se propõe a discutir. Em vista do grande número de trabalhos inscritos e aprovados para publicação, os seus organizadores e o editor da revista CLIO optaram por dividi-lo em duas partes, contemplando-se a primeira neste número da revista, ficando a segunda para o próximo, a sair no segundo semestre do presente ano.

O seu primeiro artigo, “Notícias d´além-mar: o tema do sufrágio e da cidadania das mulheres na imprensa brasileira oitocentista”, de Priscila Salvaia, se debruça sobre um tema destacado da história cultural, a imprensa e as experiências de leitura, procurando discutir, através do jornal O Globo, as ideias e possíveis reações do público brasileiro sobre o nascente movimento feminista e suas lutas pela cidadania e o voto das mulheres.

Os três trabalhos que se seguem, “De repente ‘povo’: maneiras de pensar a participação política a partir da campanha abolicionista de 1884”, “Monarquia federativa e democrática: o congresso liberal de 1889” e “Os sentidos do reformismo nos momentos finais do império”, estão direcionados para história política no “ocaso” do Império e buscam compreender o caminho trilhado pelo Partido Liberal diante das novas demandas da sociedade por reformas, cada vez mais frequentes no final do Império. O primeiro artigo acima referido, de Felipe Azevedo Souza, analisa a concepção de Joaquim Nabuco sobre o povo e sua defesa da ampliação da cidadania política no país. O autor ainda realça o lugar dos segmentos populares nas eleições de 1884, procurando descortinar sua condição de cidadão ativo na política, embora dela formalmente estivessem excluídos, por não possuírem o direito de votar, especialmente após a promulgação da Lei Saraiva. Já o segundo artigo, de Felipe Niciletti Ribeiro, está centrado nos liberais e seu Congresso de 1889, ocorrido na Corte. O referido congresso buscava adequar o Partido a uma nova pauta de reivindicações da sociedade à época, sobressaindo-se entre elas a reforma do Estado, a expansão do sufrágio e da educação, sem esquecer também das novas demandas por autonomia provincial, como no caso da proposta da elegibilidade dos presidentes de província. No plano social, o destaque ficava para a continuidade da pauta reformista abolicionista que passava pelo combate ao latifúndio. Ressalta-se no artigo a perspectiva de um Partido Liberal nada resignado a ameaça da República, disposto a reinventar-se como força política identificada com a Monarquia e também mais aberto aos novos anseios e inquietações da população por mudanças.

Duas instituições, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio D. Pedro II, são objetos de estudo do artigo “Fronteira e integração territorial na escrita da história “didática” oitocentista”, realizado por Luís César Castrillon Mendes e Renildo Rosa Ribeiro. Na sua leitura nos deparamos com as construções discursiva e pedagógica sobre as fronteiras do país difundidas nos manuais escolares do período, associados ao Colégio Pedro II e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Valendo-se da narrativa histórica dos feitos de brasileiros e portugueses, o artigo revela o quanto os representantes de ambas as instituições, patrocinadas pelo Estado imperial, contribuíram para definição, consolidação e preservação do território brasileiro.

O poder judiciário e seus agentes são o alvo da atenção do artigo de Jonas Moreira Vargas, intitulado “Magistrados imperiais: atuação política e perfil social e de carreira dos juízes de direito no Rio Grande do Sul (1833-1889)”. Direcionado para abordagem dos magistrados que atuaram nessa província, encontramos nas suas páginas, primeiramente, um trabalho de perfil prosopográfico que, como a maioria das pesquisas orientadas por este viés, muito elucida sobre uma fração privilegiada de um segmento desse corpo de funcionários. Todavia, os autores vão mais além em sua pesquisa, ao explorarem a relação entre o exercício do judiciário e o da política , atentando para as redes clientelistas locais nas quais estas autoridades estavam envolvidas e o papel que lhes eram reservadas especialmente no processo eleitoral.

A Literatura é o tema do artigo de Alexsandro da Rosa Menez em seu artigo intitulado “Entre a literatura e a História: a formulação da literatura e identidade brasileira na crítica literária de José de Alencar (1856 – 1865)”. Menez analisa o desenvolvimento da ideia de identidade brasileira elaborada no campo literário. Seu artigo examina a obra do escritor José de Alencar, demonstrando sua importante contribuição para a concretização da nacionalidade brasileira que vinha sendo gestada desde os primeiros escritores românticos, como os literatos em torno da revista Nitheroy, lançada em Paris no ano de 1836.

Em seguida temos o artigo Wellington Barbosa da Silva, que analisa a segurança no Recife oitocentista. Seu trabalho intitulado “‘Vivemos sob o império do punhal do assassino…’: polícia e criminalidade no Recife do século XIX (1860-1889)”, resulta da pesquisa, em diversos documentos, produzidos tanto pela burocracia administrativa e policial, como também pelos cidadãos comuns. Estas fontes davam a impressão de que o Recife vivia às voltas com um renitente e crescente quadro de criminalidade. Os furtos, roubos e homicídios seriam constantes e a polícia não conseguia controlar ou pelo menos limitar a ação dos facinorosos. Em seu artigo, Wellington discute esse contexto histórico de uma “onipresente criminalidade” e a constante requisição, feita por diversos segmentos da sociedade, de um policiamento regular e eficiente – visto como o antídoto certo para a coibição dos delitos e a instauração da segurança pública.

A discussão sobre a cidade e suas representações está presente no artigo de Bruno Miranda Vargas, intitulado “A cidade e suas representações: Manaus no século XIX (1850-1883)”. A partir das práticas cotidianas da cidade, Bruno analisa Manaus na segunda metade do século XIX, que se tornara um local de sociabilidades múltiplas. A visão dos “de fora” sobre Manaus se distancia e muito da elite local, para a qual a cidade ostentava o “orgulho da civilização”. O artigo parte da análise iconográfica do álbum souvenir da Exposição de Chicago de 1883, na qual Manaus foi apresentada como um lugar de riqueza e civilização e o entorno da Província, um lugar de ruralismo e natureza extensa.

O Dossiê é encerrado com o artigo de Rosilene Gomes Farias, “Saúde e poder no Recife Imperial”. Farias mostra que em 1856, durante a epidemia de cólera que atingiu o Recife, foram implantadas medidas de prevenção à doença, que pressupunham o controle social das camadas mais pobres da população. O artigo discute como essas medidas demonstram as relações de poder que envolveram autoridades públicas e médicos, no Recife do século XIX.

Para além do dossiê temático, este número da revista apresenta sete artigos livres. No primeiro deles, Bruno Kawai Souto Maior de Melo, a partir do estudo da trajetória de Domingos Loreto Couto, analisa as estruturas de poder dentro da Igreja na América Portuguesa e as relações entre as dioceses ultramarinas e os poderes centrais da cristandade católica em meados do século XVIII. Thiago de Souza Júnior analisa, à luz das inovações teórico-metodológicas da segunda metade do século XX, a formação da Maçonaria na França do Antigo Regime, a recepção de suas ideias no Brasil e a sua influência na secularização da política brasileira no século XIX. Em seu artigo, Williams Andrade de Souza buscou nos debates parlamentares sobre a administração municipal os elementos de análise para compreender o papel das elites políticas locais no processo de institucionalização do liberalismo no Império do Brasil.

Passando para o período republicano, chegamos ao artigo de Júlio César da Rosa que enfoca a sociabilidade das populações afrodescendentes na cidade de Laguna (SC) na primeira metade do século XX, mormente nos clubes sociais negros União Operária e Clube Literário Cruz e Souza. Luís Cláudio Machado dos Santos nos traz em seu texto uma análise da atuação de Alvaro Lins como embaixador do Brasil em Portugal entre 1956 e 1959 e a influência de suas posições na construção da política externa brasileira no pós-guerra. Márcio Ananias Ferreira Vilela dedica seu artigo à análise da trajetória de Paulo Stuart Wright, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e deputado estadual em Santa Catarina, que foi perseguido e assassinado pelos órgãos de repressão do regime militar após o golpe de 1964. Fechando este número da Revista Clio, temos o artigo de Augusto Neves da Silva, que em seu texto nos remete ao carnaval do Recife de 1985, quando a Mãe-de-Santo Badia foi a homenageada da festa. A partir deste fato, o autor analisa questões referentes à tradição, religiosidade popular e identidade e cultura negras no Recife.

Os organizadores deste número da Revista Clio, bem como o seu editor desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira. Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: suzanacavani@uol.com.b

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: christillino@hotmail.com

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: georgecabral@yahoo.com


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.1, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 1 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

O dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) abre este número da revista e versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil Império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” líderes. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do Estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do Estado e de crise do regime. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites, movimentos sociais e cultura política são alguns dos principais temas que o dossiê se propõe a discutir. Em vista do grande número de trabalhos inscritos e aprovados para publicação, os seus organizadores e o editor da revista CLIO optaram por dividi-lo em duas partes, contemplando-se a primeira neste número da revista, ficando a segunda para o próximo, a sair no segundo semestre do presente ano.

O seu primeiro artigo, “Notícias d´além-mar: o tema do sufrágio e da cidadania das mulheres na imprensa brasileira oitocentista”, de Priscila Salvaia, se debruça sobre um tema destacado da história cultural, a imprensa e as experiências de leitura, procurando discutir, através do jornal O Globo, as ideias e possíveis reações do público brasileiro sobre o nascente movimento feminista e suas lutas pela cidadania e o voto das mulheres.

Os três trabalhos que se seguem, “De repente ‘povo’: maneiras de pensar a participação política a partir da campanha abolicionista de 1884”, “Monarquia federativa e democrática: o congresso liberal de 1889” e “Os sentidos do reformismo nos momentos finais do império”, estão direcionados para história política no “ocaso” do Império e buscam compreender o caminho trilhado pelo Partido Liberal diante das novas demandas da sociedade por reformas, cada vez mais frequentes no final do Império. O primeiro artigo acima referido, de Felipe Azevedo Souza, analisa a concepção de Joaquim Nabuco sobre o povo e sua defesa da ampliação da cidadania política no país. O autor ainda realça o lugar dos segmentos populares nas eleições de 1884, procurando descortinar sua condição de cidadão ativo na política, embora dela formalmente estivessem excluídos, por não possuírem o direito de votar, especialmente após a promulgação da Lei Saraiva. Já o segundo artigo, de Felipe Niciletti Ribeiro, está centrado nos liberais e seu Congresso de 1889, ocorrido na Corte. O referido congresso buscava adequar o Partido a uma nova pauta de reivindicações da sociedade à época, sobressaindo-se entre elas a reforma do Estado, a expansão do sufrágio e da educação, sem esquecer também das novas demandas por autonomia provincial, como no caso da proposta da elegibilidade dos presidentes de província. No plano social, o destaque ficava para a continuidade da pauta reformista abolicionista que passava pelo combate ao latifúndio. Ressalta-se no artigo a perspectiva de um Partido Liberal nada resignado a ameaça da República, disposto a reinventar-se como força política identificada com a Monarquia e também mais aberto aos novos anseios e inquietações da população por mudanças.

Duas instituições, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio D. Pedro II, são objetos de estudo do artigo “Fronteira e integração territorial na escrita da história “didática” oitocentista”, realizado por Luís César Castrillon Mendes e Renildo Rosa Ribeiro. Na sua leitura nos deparamos com as construções discursiva e pedagógica sobre as fronteiras do país difundidas nos manuais escolares do período, associados ao Colégio Pedro II e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Valendo-se da narrativa histórica dos feitos de brasileiros e portugueses, o artigo revela o quanto os representantes de ambas as instituições, patrocinadas pelo Estado imperial, contribuíram para definição, consolidação e preservação do território brasileiro.

O poder judiciário e seus agentes são o alvo da atenção do artigo de Jonas Moreira Vargas, intitulado “Magistrados imperiais: atuação política e perfil social e de carreira dos juízes de direito no Rio Grande do Sul (1833-1889)”. Direcionado para abordagem dos magistrados que atuaram nessa província, encontramos nas suas páginas, primeiramente, um trabalho de perfil prosopográfico que, como a maioria das pesquisas orientadas por este viés, muito elucida sobre uma fração privilegiada de um segmento desse corpo de funcionários. Todavia, os autores vão mais além em sua pesquisa, ao explorarem a relação entre o exercício do judiciário e o da política , atentando para as redes clientelistas locais nas quais estas autoridades estavam envolvidas e o papel que lhes eram reservadas especialmente no processo eleitoral.

A Literatura é o tema do artigo de Alexsandro da Rosa Menez em seu artigo intitulado “Entre a literatura e a História: a formulação da literatura e identidade brasileira na crítica literária de José de Alencar (1856 – 1865)”. Menez analisa o desenvolvimento da ideia de identidade brasileira elaborada no campo literário. Seu artigo examina a obra do escritor José de Alencar, demonstrando sua importante contribuição para a concretização da nacionalidade brasileira que vinha sendo gestada desde os primeiros escritores românticos, como os literatos em torno da revista Nitheroy, lançada em Paris no ano de 1836.

Em seguida temos o artigo Wellington Barbosa da Silva, que analisa a segurança no Recife oitocentista. Seu trabalho intitulado “‘Vivemos sob o império do punhal do assassino…’: polícia e criminalidade no Recife do século XIX (1860-1889)”, resulta da pesquisa, em diversos documentos, produzidos tanto pela burocracia administrativa e policial, como também pelos cidadãos comuns. Estas fontes davam a impressão de que o Recife vivia às voltas com um renitente e crescente quadro de criminalidade. Os furtos, roubos e homicídios seriam constantes e a polícia não conseguia controlar ou pelo menos limitar a ação dos facinorosos. Em seu artigo, Wellington discute esse contexto histórico de uma “onipresente criminalidade” e a constante requisição, feita por diversos segmentos da sociedade, de um policiamento regular e eficiente – visto como o antídoto certo para a coibição dos delitos e a instauração da segurança pública.

A discussão sobre a cidade e suas representações está presente no artigo de Bruno Miranda Vargas, intitulado “A cidade e suas representações: Manaus no século XIX (1850-1883)”. A partir das práticas cotidianas da cidade, Bruno analisa Manaus na segunda metade do século XIX, que se tornara um local de sociabilidades múltiplas. A visão dos “de fora” sobre Manaus se distancia e muito da elite local, para a qual a cidade ostentava o “orgulho da civilização”. O artigo parte da análise iconográfica do álbum souvenir da Exposição de Chicago de 1883, na qual Manaus foi apresentada como um lugar de riqueza e civilização e o entorno da Província, um lugar de ruralismo e natureza extensa.

O Dossiê é encerrado com o artigo de Rosilene Gomes Farias, “Saúde e poder no Recife Imperial”. Farias mostra que em 1856, durante a epidemia de cólera que atingiu o Recife, foram implantadas medidas de prevenção à doença, que pressupunham o controle social das camadas mais pobres da população. O artigo discute como essas medidas demonstram as relações de poder que envolveram autoridades públicas e médicos, no Recife do século XIX.

Para além do dossiê temático, este número da revista apresenta sete artigos livres. No primeiro deles, Bruno Kawai Souto Maior de Melo, a partir do estudo da trajetória de Domingos Loreto Couto, analisa as estruturas de poder dentro da Igreja na América Portuguesa e as relações entre as dioceses ultramarinas e os poderes centrais da cristandade católica em meados do século XVIII. Thiago de Souza Júnior analisa, à luz das inovações teórico-metodológicas da segunda metade do século XX, a formação da Maçonaria na França do Antigo Regime, a recepção de suas ideias no Brasil e a sua influência na secularização da política brasileira no século XIX. Em seu artigo, Williams Andrade de Souza buscou nos debates parlamentares sobre a administração municipal os elementos de análise para compreender o papel das elites políticas locais no processo de institucionalização do liberalismo no Império do Brasil.

Passando para o período republicano, chegamos ao artigo de Júlio César da Rosa que enfoca a sociabilidade das populações afrodescendentes na cidade de Laguna (SC) na primeira metade do século XX, mormente nos clubes sociais negros União Operária e Clube Literário Cruz e Souza. Luís Cláudio Machado dos Santos nos traz em seu texto uma análise da atuação de Alvaro Lins como embaixador do Brasil em Portugal entre 1956 e 1959 e a influência de suas posições na construção da política externa brasileira no pós-guerra. Márcio Ananias Ferreira Vilela dedica seu artigo à análise da trajetória de Paulo Stuart Wright, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e deputado estadual em Santa Catarina, que foi perseguido e assassinado pelos órgãos de repressão do regime militar após o golpe de 1964. Fechando este número da Revista Clio, temos o artigo de Augusto Neves da Silva, que em seu texto nos remete ao carnaval do Recife de 1985, quando a Mãe-de-Santo Badia foi a homenageada da festa. A partir deste fato, o autor analisa questões referentes à tradição, religiosidade popular e identidade e cultura negras no Recife.

Os organizadores deste número da Revista Clio, bem como o seu editor desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira. Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: suzanacavani@uol.com.b

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: christillino@hotmail.com

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: georgecabral@yahoo.com


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.1, jan / jun, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889) -parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2016

A Revista Clio abre este volume com a segunda parte do dossiê Estado, nação e cidadania no oitocentos (1850-1889), que versa sobre instituições, atores e processos políticos no Brasil império, no período de 1850 a 1889. Sua abordagem procura compreender o campo da política, ultrapassando as fronteiras restritas do Estado, em suas dimensões e articulações com a sociedade e a cultura. Também privilegia a atuação, individual e coletiva, de pessoas anônimas, para além da figura dos “grandes” lideres. Seu corte cronológico se estende da consolidação ao fim do estado imperial. Um período de afirmação do poder central sobre os locais, rearticulações políticas nas províncias, de férteis debates em torno da construção do estado. É o tempo compreendido entre o fim do tráfico e o da escravidão, assinalado ainda por movimentos sociais e políticos, como o abolicionista e o republicano. Cidadania, Estado, elites políticas, eleições, movimentos sociais são os principais temas que este dossiê se propõe a discutir.

Os dois primeiros artigos tratam do recrutamento e da Guarda Nacional no Ceará. O trabalho de Maria Regina Santos de Souza, A implacável surdez das autoridades do império: as súplicas dos veteranos da Guerra do Paraguai (1870-1889)analisa, no período posterior a Guerra do Paraguai, a (des)atenção do governo brasileiro com os direitos concedidos aos excombatentes, tais como pensões, empregos públicos, terras e compensação financeira. Souza mostra os problemas gerados para os veteranos. Parte significativa deles enfrentou a desorganização e a falta de conhecimento jurídico da burocracia do Estado. Este artigo aborda a luta dos veteranos do Ceará pelos direitos de guerra.

O artigo de Ana Sara Cortez Irffi, “O cidadão não encontra garantia senão na própria força” – Recrutamento, milícias privadas, quadrilhas de „cabras‟ e a propriedade privada (Cariri Cearense, século XIX), analisa o processo de construção do Estado brasileiro em meados do Oitocentos, o recrutamento para a Guarda Nacional e a formação de milícias privadas no sertão das chamadas províncias do Norte. A análise se volta às milícias surgidas a partir das relações estabelecidas dos senhores com agregados e moradores, mas também, no bojo desse processo, à formação de grupos alheios aos senhores que ficaram conhecidos como „quadrilhas de cabras‟.

Rafael Sancho Carvalho da Silva analisa os aspectos políticos do banditismo no sertão baiano em seu artigo Antonio José Guimarães: banditismo e disputas políticas no sertão baiano Oitocentista. Rafael discute a relação do banditismo com as disputas políticas no sertão baiano, usando o caso de Antonio José Guimarães que atuou entre 1849 e 1854 pelos sertões da Bahia e de Goiás. Mostra também que podemos analisar o banditismo como um fenômeno da história política.

Em seguida temos o artigo Práticas docentes no Recife e Olinda na segunda metade do século XIX de Dayana Raquel Pereira de Lima e Yan Soares Santos. Partindo da metodologia da microanálise, analisam as trajetórias e demandas dos membros da Sociedade Propagadora da Instrução Pública de 1872, e as petições feitas pelos professores aos poderes públicos dos principais expedientes práticos do trabalho docente. Mostram que a docência foi marcada por práticas individuais de cidadania, quando os professores desenvolviam estratégias pessoais, de acordo com privilégios conquistados ao longo da carreira, os quais, na prática, afastavam a possibilidade de constituírem uma identidade docente.

Os próximos três artigos se dedicam a história agrária do Brasil oitocentista. O artigo A política de acesso à terra no Brasil Imperial e a compra de terras devolutas no planalto da Província de Santa Catarina, de Paulo Pinheiro Machado e Flávia Paula Darossi, analisa a aplicação da Lei de Terras na Província de Santa Catarina, com ênfase no município de Lages. O estudo foi realizado com base em requerimentos de compra de terras devolutas, lavrados entre 1850 e 1889, previstos na legislação como a única forma legal de acesso à terra. Machado e Darossi mostram que, por tratar-se de uma fronteira agrícola e de povoamento em expansão, o planalto catarinense foi ocupado de diferentes maneiras – que ultrapassavam as disposições da própria Lei -, o que repercutiu em complexas estratégias de regulamentação da propriedade.

Em seguida Francivaldo Alves Nunes contribui ao Dossiê com o estudo da questão agrária na Amazônia em seu artigo Entre outras estratégias de controle e dominação: Estado, agricultura e colonização na Amazônia Oitocentista. Nunes analisa a relação entre os discursos construídos em torno da agricultura e colonização, caracterizados pela moralização da sociedade e a atuação do Estado imperial. Baseado em relatórios governamentais, mostra como esses valores, associados à atividade agrícola, exigiram do Estado um desempenho não apenas de manutenção da ordem, mas como instituição promotora de políticas que elevassem os hábitos das populações na Amazônia. A afirmação do Estado também se deu, no interior das províncias do Pará e Amazonas, através de ações revestidas de um discurso de promoção da ordem, da modernidade e da civilização.

O artigo Formação do ambiente rural sul-mato-grossense (1829-1892), de Maria do Carmo Brazil e Elaine Cancian, discute a organização da sociedade agropastoril nos campos sulinos de Mato Grosso. Partindo principalmente de relatos memorialísticos e inventários post-mortem, as autoras analisam o peso da pecuária nos municípios de Santana de Paranaíba, Rio Brilhante, Coxim, Corumbá, Campo Grande e Miranda,entre os anos de 1829 e 1892, na expansão da fronteira fundiária do centro-oeste brasileiro. Brazil e Cancian mostram a concentração fundiária, e a exclusão social nela inscrita e dela decorrente, e a montagem de um aparato político repressivo e autoritárioinscritos no processo de ocupação das terras sulmato-grossenses.

O Dossiê é encerrado com o artigo Índios / as, negros / as, mestiços / as, para além da paisagem amazônica: a construção de experiências locais em notas etnográficas da obra de Alfred Russel Wallace (1850-1852) de Victor R. L. Silva e José O. Aguiar. O artigo tece considerações sobre as viagens científicas no Brasil Imperial, com destaque para a trajetória de Alfred Russel Wallace pelos rios e matas equatoriais da Amazônia e para os mais variados encontros culturais que tiveram espaço nessa jornada coletora. Ganha relevo o destaque à descrição de índios / as, negro / as e mestiços / as na ótica do naturalista-viajante e a análise das características e recorrências de seu olhar tanto em sentido de continuidade quanto à base do pensamento oitocentista, quanto em sentido de ruptura, dissensão e criatividade.

A parte dedicada aos artigos livres conta, neste volume, com sete textos referentes à abordagens diversas no tempo e no espaço. O primeiro deles é de autoria de Grasiela Florêncio de Morais e enfoca as relações de subordinação e controle entre as autoridades do Recife e a população pobre da cidade no período 1830-1850. A autora aponta como os projetos de melhoramentos materiais redundavam na vigilância cotidiana das camadas despossuídas da capital pernambucana. Martha Victor Vieira discute em seu texto como a circulação de ideias liberais na imprensa da província de Goiás se insere no processo de consolidação da consciência nacional brasileira no período regencial. Gustavo Magno Barbosa Alencar também trabalha a década de 1830, mas sua abordagem se dirige para a província do Ceará. Utilizando os periódicos e manuscritos de época, o autor procura analisar as concepções do pensamento liberal com atenção para a compreensão dos usos do vocabulário político da época.

Continuando nos estudos sobre o século XIX, Thiago Broni de Mesquita e João Victor da Silva Furtado nos apresentam o processo de estabelecimento de prisões na província do Grão-Pará nos tempos da Cabanagem. Os autores discutem a criação das cadeias no contexto das medidas de coerção postas em prática pelas autoridades daquela província. De volta ao Ceará, nos deparamos no texto de Antônio José de Oliveira com a análise sobre o processo de invisibilização dos índios Kariri na historiografia que se dedicou ao estudo da segunda metade do século XIX naquela província.

Passando para o século XX, encontramos aqui dois textos relativos à história cultural de Pernambuco e Ceará. Lucas Victor Silva nos traz sua abordagem da atuação da Federação Carnavalesca Pernambucana durante os anos 1930. O autor aponta como essa instituição procurou controlar as manifestações carnavalescas no estado como forma de manifestar a coesão nacional em consonância com as aspirações políticas do regime pós-1930. Fechando o volume, contamos com o texto de Anderson de Sousa Silva sobre as políticas de cultura e artes nos anos 1960 no Ceará. O pesquisador reflete sobre as relações entre Estado e cultura e também dedica atenção ao processo de inserção do Ceará no panorama artístico brasileiro.

Os organizadores deste número da Revista Clio desejam que os estudos aqui publicados possam estimular debates e novas contribuições à historiografia brasileira.

Boa leitura!

Suzana Cavani Rosas e Cristiano Luís Christillino

Organizadores do Dossiê

George F. Cabral de Souza

Editor

Suzana Cavani Rosas – Organizadora do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: suzanacavani@uol.com.b

Cristiano Luís Christillino – Organizador do Dossiê. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. E-mail: christillino@hotmail.com

George Felix Cabral – Editor da Revista. Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Pós-graduação em História. Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: georgecabral@yahoo.com


ROSAS, Suzana Cavani; CHRISTILLINO, Cristiano Luís; CABRAL, George Felix. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.34, n.2, jul / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848 (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Esta segunda parte do dossiê Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817- 1848, mais uma vez, aborda a história social e política daquele momento-chave da formação da nacionalidade e da consolidação do império do Brasil, que costumava ser chamado pela historiografia tradicional de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Mesmo tendo esse vínculo comum, os artigos abordam objetos diversos, enriquecendo assim nossa compreensão sobre o período e sobre a temática do dossiê. Nas páginas seguintes, estudaremos: a constituição de uma família que tinha um projeto de ascensão à elite política do Império; o conturbado processo de independência nas “províncias do norte”; a participação de índios aldeados nas lutas da Confederação do Equador; o jogo político das primeiras celebrações do Sete de Setembro, e, finalmente, os confrontos armados envolvendo as populações florestais nas matas de Jacuípe na primeira metade do dezenove.

Abre o dossiê o instigante artigo de Paulo Henrique Fontes Cadena, que desvenda a trajetória política e financeira dos Cavalcanti de Albuquerque desde 1801, quando os irmãos Francisco, Luís e José protagonizaram a trama conhecida como Conspiração dos Suassuna (nome do engenho da família). Em 1817, Francisco (o Coronel Suassuna), e seus filhos participaram da revolução que estourou no Nordeste. O autor analisa os problemas financeiros que rondavam o cotidiano dos Cavalcanti, levando-os a tomar posições opostas ao governo. Todos os seis filhos do Coronel envolveram-se na política brasileira. O mais destacado deles, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, o Hollanda dos anais do parlamento brasileiro, quase foi regente em 1835 ao concorrer com Feijó. Depois dos arroubos de 1808 e 1817, a família trilhou um caminho mais conservador, apoiando Pedro I contra a Confederação do Equador (1824) e dali foram tecendo alianças e ocupando espaços políticos que, explica Paulo Cadena, tiveram correspondência direta com o sucesso econômico dos anos seguintes. Os Cavalcanti e seus aliados ocuparam imensos cargos e posições constituindo-se numa oligarquia sem par na história de Pernambuco.

A história de formação de potentados locais e da elite política no Brasil Império é fascinante, sobretudo quando associada a processos mais amplos, como a Independência do Brasil, que, nas províncias, não foi um processo homogêneo, unidirecional. No Piauí, o anochave foi 1823, quando as tropas leais a Portugal foram definitivamente expulsas por um exército patriota, articulado pelas elites locais, com intensa participação dos grupos populares. Gente que, em sua maioria, era motivada por um discurso de nacionalidade construído ali mesmo em meio aos acontecimentos. É isso que nos mostra em detalhe o artigo de Johny Santana de Araújo, ao fazer um estudo de caso sobre a Independência, no qual evidencia a posição estratégica do Piauí, como uma “região de fronteira” entre o novo Império do Brasil e a nova Colônia portuguesa no norte. Menos de um ano depois dos eventos de 1823, as lideranças políticas que haviam tomado parte no processo de independência no Piauí, estavam divididas entre jurar a nova Constituição, promulgada por Pedro I, ou aderir à “república pernambucana”: a Confederação do Equador.

Nesses processos, a violenta cisão entre as elites locais, abria espaço para que outros protagonistas atuassem de forma mais incisiva na cena política maior, esgarçando ou mesmo rompendo relações clientelistas consolidadas pelas contingências locais. Na Confederação do Equador estava em debate (e em conflito) projetos políticos divergentes, conferindo outras dimensões ao jogo político entre os potentados locias e as demais camadas e estratos da sociedade. Assim, em Pernambuco e Alagoas, os acontecimentos de 1824 atingiram e envolveram também a população indígena. É este o tema do artigo de Mariana Albuquerque Dantas, que analisa com precisão a participação dos aldeamentos de Barreiros e Cimbres (em Pernambuco) e Jacuípe (em Alagoas) nos conflitos armados daquele ano. A partir de suas próprias demandas – a defesa da terra das aldeias, a administração desses espaços e a oposição ao recrutamento – a população indígena posicionou-se diante dos debates sobre projetos políticos coevos. Mesmo que enleados nas malhas do clientelismo local, os índios aldeados foram protagonistas de sua própria história naquele momento crucial do processo de formação do Estado nacional brasileiro.

O artigo seguinte é de autoria de Lídia Rafaela Nascimento dos Santos que contempla o leitor com um estudo sobre as festas comemorativas do Sete de Setembro no Recife em 1829. Embora tenha sido uma tradição inventada em 1826 por uma lei que definiu as datas cívicas da nova nação, esta foi a primeira vez que aquela celebração foi registrada e debatida pela imprensa de Pernambuco. O texto apresenta um repertório de interpretações coevas sobre aquele momento, quando a cidade inteira viu-se envolvida nas solenidades que contou com cortejos, carros alegóricos, ruas e praças apinhadas de gente. Mas nada era linear, unívoco. Cada detalhe era significado à sua maneira pelos diferentes agentes enredados nas tramas das festas. As diferentes facções políticas manifestavam-se através da imprensa e participavam, ou não, dos diversos eventos programados, conforme seus poderes relativos, suas opiniões e lealdades. A cidade ainda vivia o rescaldo dos movimentos de 1817 e 1824. Eram muitas as discordâncias, veladas ou não, expressas nos periódicos, que posicionavam-se de forma crítica sobre o que ocorria na cidade. A festa não era apenas uma festa, era muito mais.

Maria Luiza Ferreira de Oliveira inova estudando as guerras nas matas entre Alagoas e Pernambuco na década de 1840, construindo uma nova periodização e uma narrativa singular daqueles eventos. Seu texto mostra que os cabanos não foram totalmente derrotados em 1835, pois a luta ainda iria continuar na década seguinte até a prisão final de Vicente de Paula e de Pedro Ivo, em 1850, e a fundação de duas colônias militares na região, uma em cada província. A gente das matas agia dentro de uma lógica própria. É preciso perscrutá-la para entender suas motivações, seu envolvimento numa guerra sem fim. Mas além dos combates corpo a corpo, das incontáveis mortes, a autora percebe uma outra luta na imprensa e no debate político partidário pela construção de uma memória daqueles acontecimentos e das pessoas envolvidas. Os conservadores tentaram despolitizar o debate público, mostra a autora, celebrando os “melhoramentos materiais” dos anos 1850 em confronto com o que seria um Brasil selvagem, incivilizado. Pedro Ivo desponta como o personagem mais disputado, apontado como herói ou bandido, como símbolo de um liberalismo purista ou um reles desertor das tropas imperiais. Essa luta pela memória foi, principalmente, política, indo além do que permite entender uma cronologia estática dos fatos. É essa a trama tecida nesse instigante texto.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram manter acesa a discussão sobre o tema Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817-1848.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848-parte 2 / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Esta segunda parte do dossiê Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817- 1848, mais uma vez, aborda a história social e política daquele momento-chave da formação da nacionalidade e da consolidação do império do Brasil, que costumava ser chamado pela historiografia tradicional de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Mesmo tendo esse vínculo comum, os artigos abordam objetos diversos, enriquecendo assim nossa compreensão sobre o período e sobre a temática do dossiê. Nas páginas seguintes, estudaremos: a constituição de uma família que tinha um projeto de ascensão à elite política do Império; o conturbado processo de independência nas “províncias do norte”; a participação de índios aldeados nas lutas da Confederação do Equador; o jogo político das primeiras celebrações do Sete de Setembro, e, finalmente, os confrontos armados envolvendo as populações florestais nas matas de Jacuípe na primeira metade do dezenove.

Abre o dossiê o instigante artigo de Paulo Henrique Fontes Cadena, que desvenda a trajetória política e financeira dos Cavalcanti de Albuquerque desde 1801, quando os irmãos Francisco, Luís e José protagonizaram a trama conhecida como Conspiração dos Suassuna (nome do engenho da família). Em 1817, Francisco (o Coronel Suassuna), e seus filhos participaram da revolução que estourou no Nordeste. O autor analisa os problemas financeiros que rondavam o cotidiano dos Cavalcanti, levando-os a tomar posições opostas ao governo. Todos os seis filhos do Coronel envolveram-se na política brasileira. O mais destacado deles, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, o Hollanda dos anais do parlamento brasileiro, quase foi regente em 1835 ao concorrer com Feijó. Depois dos arroubos de 1808 e 1817, a família trilhou um caminho mais conservador, apoiando Pedro I contra a Confederação do Equador (1824) e dali foram tecendo alianças e ocupando espaços políticos que, explica Paulo Cadena, tiveram correspondência direta com o sucesso econômico dos anos seguintes. Os Cavalcanti e seus aliados ocuparam imensos cargos e posições constituindo-se numa oligarquia sem par na história de Pernambuco.

A história de formação de potentados locais e da elite política no Brasil Império é fascinante, sobretudo quando associada a processos mais amplos, como a Independência do Brasil, que, nas províncias, não foi um processo homogêneo, unidirecional. No Piauí, o anochave foi 1823, quando as tropas leais a Portugal foram definitivamente expulsas por um exército patriota, articulado pelas elites locais, com intensa participação dos grupos populares. Gente que, em sua maioria, era motivada por um discurso de nacionalidade construído ali mesmo em meio aos acontecimentos. É isso que nos mostra em detalhe o artigo de Johny Santana de Araújo, ao fazer um estudo de caso sobre a Independência, no qual evidencia a posição estratégica do Piauí, como uma “região de fronteira” entre o novo Império do Brasil e a nova Colônia portuguesa no norte. Menos de um ano depois dos eventos de 1823, as lideranças políticas que haviam tomado parte no processo de independência no Piauí, estavam divididas entre jurar a nova Constituição, promulgada por Pedro I, ou aderir à “república pernambucana”: a Confederação do Equador.

Nesses processos, a violenta cisão entre as elites locais, abria espaço para que outros protagonistas atuassem de forma mais incisiva na cena política maior, esgarçando ou mesmo rompendo relações clientelistas consolidadas pelas contingências locais. Na Confederação do Equador estava em debate (e em conflito) projetos políticos divergentes, conferindo outras dimensões ao jogo político entre os potentados locias e as demais camadas e estratos da sociedade. Assim, em Pernambuco e Alagoas, os acontecimentos de 1824 atingiram e envolveram também a população indígena. É este o tema do artigo de Mariana Albuquerque Dantas, que analisa com precisão a participação dos aldeamentos de Barreiros e Cimbres (em Pernambuco) e Jacuípe (em Alagoas) nos conflitos armados daquele ano. A partir de suas próprias demandas – a defesa da terra das aldeias, a administração desses espaços e a oposição ao recrutamento – a população indígena posicionou-se diante dos debates sobre projetos políticos coevos. Mesmo que enleados nas malhas do clientelismo local, os índios aldeados foram protagonistas de sua própria história naquele momento crucial do processo de formação do Estado nacional brasileiro.

O artigo seguinte é de autoria de Lídia Rafaela Nascimento dos Santos que contempla o leitor com um estudo sobre as festas comemorativas do Sete de Setembro no Recife em 1829. Embora tenha sido uma tradição inventada em 1826 por uma lei que definiu as datas cívicas da nova nação, esta foi a primeira vez que aquela celebração foi registrada e debatida pela imprensa de Pernambuco. O texto apresenta um repertório de interpretações coevas sobre aquele momento, quando a cidade inteira viu-se envolvida nas solenidades que contou com cortejos, carros alegóricos, ruas e praças apinhadas de gente. Mas nada era linear, unívoco. Cada detalhe era significado à sua maneira pelos diferentes agentes enredados nas tramas das festas. As diferentes facções políticas manifestavam-se através da imprensa e participavam, ou não, dos diversos eventos programados, conforme seus poderes relativos, suas opiniões e lealdades. A cidade ainda vivia o rescaldo dos movimentos de 1817 e 1824. Eram muitas as discordâncias, veladas ou não, expressas nos periódicos, que posicionavam-se de forma crítica sobre o que ocorria na cidade. A festa não era apenas uma festa, era muito mais.

Maria Luiza Ferreira de Oliveira inova estudando as guerras nas matas entre Alagoas e Pernambuco na década de 1840, construindo uma nova periodização e uma narrativa singular daqueles eventos. Seu texto mostra que os cabanos não foram totalmente derrotados em 1835, pois a luta ainda iria continuar na década seguinte até a prisão final de Vicente de Paula e de Pedro Ivo, em 1850, e a fundação de duas colônias militares na região, uma em cada província. A gente das matas agia dentro de uma lógica própria. É preciso perscrutá-la para entender suas motivações, seu envolvimento numa guerra sem fim. Mas além dos combates corpo a corpo, das incontáveis mortes, a autora percebe uma outra luta na imprensa e no debate político partidário pela construção de uma memória daqueles acontecimentos e das pessoas envolvidas. Os conservadores tentaram despolitizar o debate público, mostra a autora, celebrando os “melhoramentos materiais” dos anos 1850 em confronto com o que seria um Brasil selvagem, incivilizado. Pedro Ivo desponta como o personagem mais disputado, apontado como herói ou bandido, como símbolo de um liberalismo purista ou um reles desertor das tropas imperiais. Essa luta pela memória foi, principalmente, política, indo além do que permite entender uma cronologia estática dos fatos. É essa a trama tecida nesse instigante texto.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram manter acesa a discussão sobre o tema Nação, cidadania, insurgência e práticas políticas, 1817-1848.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848 (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2015

Foi na primeira metade do dezenove que ocorreu uma série de eventos, que a historiografia tradicional costumava chamar de forma um tanto quanto acrítica de “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste”. Longe de se limitar apenas a esse pedaço do Brasil, aquele foi um momento marcante para a formação política e social da Nação em seus primeiros e decisivos anos de construção. Anos esses de fundação (para não dizer também de descolonização), organização, afirmação e consolidação do Estado Nação. Aqueles acontecimentos em suas múltiplas articulações são ainda reveladores das noções de nacionalidade e cidadania que foram se constituindo entre a chegada da família real e a década de 1850, a melhor década de Pedro II, segundo o monarquista Joaquim Nabuco. Ficaram claros processos políticos e sociais complexos, que sem a explosão de violência, sem a panfletagem, sem a repressão brutal, talvez tivessem ficado abafados pelas paredes dos centros de decisão nas províncias e na corte.

Não surpreende, portanto, que esse período e temática tenham sempre atraído a atenção de tantos historiadores brasileiros e estrangeiros. Entender esse tal “Ciclo das Insurreições Liberais do Nordeste” – que nem sempre foi liberal e raramente tão limitado geograficamente – é uma boa chave para perscrutar processos mais amplos de formação de uma cultura política singular, moldada em meio a contradições e conflitos – tendo a escravidão como um pano de fundo que se espalhava por todo o palco da ação. Para além dos aspectos políticos e da violência desses movimentos insurrecionais que tanto chamaram a atenção dos observadores mais imediatistas, a historiografia vem se dedicando a outras nuances, a outros processos que ocorreram dentro ou de forma paralela aos grandes acontecimentos políticos da primeira metade do século XIX. As balizas cronológicas desse dossiê englobam, portanto, momentos cruciais da construção da nacionalidade, da consolidação da monarquia bragantina, do apogeu do contrabando de cativos da África, ao transitar e buscar entender vários movimentos contestatórios que envolveram distintas camadas sociais em turbilhões explicáveis, desde que admitido o debate, a discordância, a pesquisa sempre inconclusa porque está sempre a recomeçar.

Atualmente, a já anunciada efeméride dos 200 anos da Revolução de 1817 constitui-se um poderoso fator de aglutinação de pesquisas sobre esses acontecimentos, “momentos de perigo” como dizia a historiografia mais antiga, da primeira metade do século XIX. Longe das comemorações oficiais e dos discursos laudatórios que estão por vir, a intenção deste dossiê, intitulado Nação, cidadania, insurgências e práticas políticas, 1817-1848, é justamente abordar o que realmente interessa para a comunidade acadêmica e para a sociedade em geral: fazer público e acessível a todos os novos estudos sobre esse período. O que o leitor apreciará aqui é um panorama do estado da discussão, do avanço das pesquisas a partir da compreensão mais ampla da história das insurreições, da cultura política e da cidadania no Brasil Império. Esses trabalhos, frutos da consolidação dos programas de Pós-Graduação no país, contribuem para uma melhor compreensão da história política e social do Brasil e abrem janelas para outros estudos, sucessivamente, avançando o debate, como deve ocorrer na aventura da busca pelo conhecimento histórico.

Sendo muitos os artigos, foi decidido dividir o dossiê em dois volumes. Neste primeiro volume, abre o dossiê o artigo de um veterano historiador dos movimentos sociais e políticos da primeira metade do século XIX. Flávio Cabral levará o leitor a percorrer os caminhos da minuciosa atuação diplomática nos Estados Unidos do comerciante Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, como emissário do governo revolucionário de 1817. Contrariando a historiografia que diminuía a importância dessa e de outras missões diplomáticas promovidas pelo governo revolucionário, Flávio discute o legado dessa missão, que esteve longe de ser frustrada, insignificante ou sem uma visão política mais ampla. Segundo o autor, Cabugá teve trânsito livre entre políticos e autoridades norteamericanos: celebrou tratados de comércio, acordos diplomáticos, fez articulações com pessoas influentes e com militares franceses exilados naquele país que serviram a Napoleão Bonaparte, comprou armamentos, munições e alimentos. Fez ainda propaganda positiva da revolução e da jovem república instalada no Nordeste do Brasil. Como ressalta Flávio, mil oitocentos e dezessete diverge de outros movimentos brasileiros, pois talvez nenhum outro tenha tido tanta repercussão no exterior.

Se Flávio faz um retrato preciso da experiência diplomática de uma das figuras mais emblemáticas de 1817, este dossiê não ficaria completo sem um estudo da gente comum que se envolveu nas querelas políticas daqueles tempos. O artigo do jovem historiador Wanderson Édipo de França, fruto de sua recém-defendida dissertação de mestrado, busca entender a participação do povo na política nacional, tendo como pano de fundo os acontecimentos de 1817 e da Confederação do Equador, em 1824. A própria expressão “povo”, escrita entre aspas, é um conceito que o autor vai tentar delinear no contexto da época. São objeto de sua pesquisa as práticas políticas das pessoas mais simples, suas condutas, questionamentos e incertezas. Essas pessoas, que se constituíam no “povo de Pernambuco”, não se curvaram às convenções e lutaram à sua maneira para construir suas próprias noções de pátria e cidadania.

O processo de construção da Nação foi marcado por inúmeros embates entre autoridades locais e agentes do governo central. Em 1831, com a abdicação de Pedro I e a implantação da Regência, outros pontos e detalhes dessa relação foram se constituindo. Porém, longe de ser um processo pacífico e cordato, o que se viu foi o aumento das tensões. Entender esse processo é o que propõe Manoel Nunes Cavalcanti Junior, em um artigo em que revisita as Carneiradas, uma sucessão de motins orquestrados pelos irmãos Francisco Carneiro Machado Rios e Antônio Carneiro Machado Rios. Ocorrida nas ruas do Recife no tumultuado ano de 1835, as Carneiradas um reflexo da disputa entre as facções políticas que lutavam pelo poder local. Um processo bipolar que tinha ressonância na Corte do Rio de Janeiro e era influenciado pelo que ocorria lá. As intrínsecas relações entre poder local e política partidária ganhavam novos contornos naqueles embates.

Na década de 1840, liberais e conservadores vivenciaram suas divergências na imprensa que mobilizou inúmeros escritores públicos. Ariel Feldman analisa a imprensa que antecede a Insurreição Praieira (1848 / 49), estudando produção jornalística do Padre Lopes Gama, entre 1845 e 1846. Os jornais e pasquins serviam para mobilizar votantes e não votantes, atingindo até as paróquias do interior. Mas era no Recife que estava o maior colégio eleitoral, o palco de inúmeras disputas e onde a pena afinada de Lopes Gama atuava com mais precisão. Ariel destaca a grande dificuldade do partido que não era situação para chegar ao poder, já que a máquina eleitoral era controlada pela presidência da província e seus representantes nas localidades. Diante das dificuldades, a oposição usava várias estratégias para arregimentar votantes. A imprensa de caráter popular era uma delas. Em seus escritos, Lopes Gama conclama o povo a participar mais da vida política da província, assumindo um jornalismo mais popular visando atingir setores mais amplos da população. Uma de suas estratégias era o uso de versos rimados para discutir política. Versos que mexiam com os sentimentos e imaginário popular.

A primeira parte deste dossiê fecha com um artigo de Renata Saavedra sobre a Guerra dos Maribondos, uma série de revoltas populares contra o registro civil e o censo geral do Império, entre dezembro de 1851 e janeiro de 1852, envolvendo povoações do interior de Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Alagoas e Ceará. O governo imperial não imaginou que a população rural pobre interpretasse aquelas medidas como uma tentativa de (re)escravizar a população não branca. Além da destruição dos papéis com esses editais, houve depredações nos povoados, engenhos foram atacados, autoridades presas e pelo menos um juiz de paz morreu nos conflitos. Para além da violência desses motins, a autora faz uma sucinta descrição do repertório de mobilização e luta dos homens livres pobres, discutindo as noções de justiça coevas, contrárias a uma cidadania imposta “de cima para baixo”, que não respeitava os costumes e os valores tradicionais daquela população. Rediscutindo a historiografia sobre a gente livre pobre no Brasil imperial, a autora busca entender as dimensões políticas dessa revolta popular.

Só resta aos organizadores deste dossiê agradecer aos autores que possibilitaram acender tantas discussões neste número da Clio.

Marcus J. M. de Carvalho – UFPE.

Bruno Augusto Dornelas Câmara – UPE.


CARVALHO, Marcus J. M. de; CÂMARA, Bruno Augusto Dornelas. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.33, n.1, jan / jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Historiografia: práticas de pesquisa / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2014

A proposta temática do dossiê deste número da revista Clio se inscreve no universo crítico das práticas de pesquisa e de escrita da história. O seu objetivo é apresentar as produções do conhecimento, em temporalidades e espacialidades diversas, abertas às análises que articulam a teoria – um diálogo profícuo com diversos textos no campo das humanidades – e a metodologia em seus aspectos peculiares.

Os artigos que compõem este dossiê problematizam uma temática, relacionando-a às questões e propostas metodológicas que se apresentam como resultado de pesquisas. Nesse sentido, as experiências com o “fazer história” possibilitam também explorar modos narrativos diversos. Nessa trilha, dialogam com vários estudos no campo da historiografia, sinalizando o seu lugar social e institucional, trazendo a contribuição fundamental de uma vasta e especializada bibliografia, bem como a pesquisa das fontes documentais. Trata-se de textos que privelegiam a reflexão acerca dos procedimentos metodológicos com os quais operam, delineando aproximações e afastamentos para com as análises historiográficas, atentos àquilo que o historiador mexicano Luís Gerardo Morales Moreno tão bem observa:

La historiografía contemporánea se sitúa en esa trama compleja de relaciones entre las formas del relato histórico y su legitimación mediante instituciones y comunidades que actúan dentro de una sociedad determinada. 1

Nessa perspectiva, os textos aqui relacionados partilham de reflexões que expressam as indagações dos historiadores quanto à produção do discurso ligado à sua prática, situada num campo complexo de relações e legitimações. É assim que convergem ao observarem a construção do tema, a prática da pesquisa e os procedimentos metodológicos que operam ao analisar os documentos e compor a escrita com as citações e as referências bibliográficas.

Há ainda outro aspecto fundamental a assinalar. Os artigos ao focalizarem os assuntos específicos, que cobrem problemas e questões, indagam o presente do historiador e o seu ofício, orientados pelas regras do campo historiográfico. Diante disso, os trabalhos apresentados no dossiê são reveladores de um grande esforço intelectual para a realização de leituras e de procedimentos metodológicos que constituem a matéria da escrita, tecendo pouco a pouco o relato historiográfico na difícil arte de significar o passado no presente.

Compartilhando uma longa experiência de pesquisa e reflexão com o trato de documentação oral, o Prof. Gerardo Necoechea Gracia (Instituto Nacional de Antropología e Historia / México) abre o dossiê com um artigo em que se propõe a apresentar Una propuesta para el análisis y la contextualización de la entrevista de historia oral. Recorrendo a múltiplos exemplos extraídos de suas pesquisas, e tomando como ponto de partida o princípio de que “la historia que recurre a la memoria rinde sus mejores frutos cuando sitúa el recuerdo en el tiempo y el espacio”, o autor esmiúça um bom número de procedimentos e cuidados metodológicos que evitem reduzir o rememorar a um fim em si mesmo. Fundamentalmente, o aporte metodológico que o autor sustenta se lastreia na idéia de que “es necesario primero llegar a una comprensión cabal de la entrevista, antes de despedazarla acorde a temas relevantes para la investigación”. Devendo-se cuidar, para tanto, de “comprender las relaciones lógicas y de sentido que dan integridad al documento, de manera que no violentemos el espíritu con que fue creada la fuente oral”. Tudo isto, diz-no o autor, é precisamente o que possibilita “colocar el recuerdo en su contexto y así realizar la relevancia histórica de la experiencia que narra el entrevistado”, bem como, compreender mais precisa e adequadamente “la intención e interpretación que el entrevistado imprime a su recuerdo”. O texto, assim, oferece-se ao leitor quase que como um pequeno manual no lidar com depoimentos orais.

Em História, memória e sujeito: a narrativa histórica e as reapropriações do sujeito, o Prof. Marcelo de Sousa Neto (Universidade Estadual do Piauí) se propõe a perscrutar as novas abordagens que a historiografia brasileira tem dedicado aos estudos biográficos. A partir da análise do caso de figura de destaque no mundo político e intelectual do Piauí no séc. XIX, Pe. Marcos de Araújo Costa, o autor dirige suas reflexões menos à figura histórica do Pe. Marcos do que às escolhas que possibilitaram a criação de uma determinada memória sobre ele, em detrimento de outras tantas possíveis. Ao chamar a atenção para essa operação, o autor não faz outra coisa que evidenciar algo de suma importância para qualquer empreendimento historiográfico: que toda construção narrativa se faz por meio do recurso ao apagamento e silenciamento de inúmeras outras. Nos termos de Certeau, autor reiteradamente invocado ao longo do texto, trata-se de evidenciar a “topografia de interesses” que organiza as narrativas e fixação de memórias as mais diversas.

O artigo escrito pela Profa. Patricia Pensado Leglise (Instituto de Investigaciones Dr. José Ma. Luis Mora / México), El acontecer histórico en el relato de vida, mais uma vez nos oferece a oportunidade de adentrarmos num universo de reflexões pautado por pesquisas cujo recurso documental privilegiado é o das narrativas orais. Preocupada em situar o campo da história oral como modalidade de história social, a autora desenvolve seu argumento a partir de três problemáticas que, a seu ver, são as mais prementes e recorrentes entre pesquisadores que trabalham com testemunhos orais: o debate em torno das questões de memória e identidade; do tempo; e do papel do sujeito no fazer histórico. Tendo sempre o cuidado de invocar alguns dos autores mais relevantes para esse debate, a Profa. Patricia Pensado, entretanto, enriquece sobremaneira sua exposição mediante o recurso a extratos de relatos orais produzidos em suas pesquisas. Resulta deste esforço um texto marcado pelo propósito de aprofundar uma reflexão de caráter mais geral a partir de experiências efetivas de pesquisa. Em outras palavras, como conclui a autora, “el hecho de recordar, la oportunidad de que se suscite la memoria de su pasado mediante la historia oral le ofrece una nueva ocasión no sólo para la reflexión de lo vivido sino también para su interpretación contando con una visión más amplia y profunda de los tiempos aciagos que a todo los seres humanos experimentamos al vivir”.

Na sequência, o leitor encontrará o artigo da Profa. Virgínia Maria Almoêdo de Assis, Velhos papéis, novas histórias: a justiça para os órfãos na Capitania de Pernambuco, que focaliza as estratégias adotadas pela Câmara de Olinda quanto à utilização do legado pecuniário pertencente aos órfãos da capitania de Pernambuco, que se encontrava sob a sua guarda. A autora, historiadora especialista em paleografia, muito contribui neste texto para analisar as relações entre o conhecimento histórico e as práticas de leitura paleográficas, atendo-se a um conjunto de questões teóricas e métodos, que visa a escrita da história.

A seção dossiê se encerra com o artigo Três possibilidades metodológicas de estudo aplicadas à analise de casos em áreas de fronteira no interior do Brasil, de autoria dos Profs. Leonice Aparecida de Fátima Alves, Vitale Joanoni Neto e João Carlos Barrozo (todos da Universidade Federal de Mato Grosso), no qual são explorados variados recursos teóricometodológicos voltados para pesquisas dirigidas ao mundo rural, aos processos de migrações e ocupação do interior do território brasileiro, às políticas de colonização postas em prática pelo Estado brasileiro. Em consonância com os diferentes aportes teórico-metodológicos, são apresentadas as estratégias de pesquisa e acervos documentais correlatos. Assim, temos desde uma “reflexão sobre o papel dos periódicos nas áreas de colonização no Mato Grosso”, que possibilita compreender o uso destas publicações por moradores de áreas de fronteira, e as maneiras “como registram seu cotidiano, como se representam, como dizem de si, de seus desafetos, como se relacionam com o meio, seus estranhamentos e das estratégias para superar as dificuldades encontradas”; passando pelo uso de determinada estratégia metodológica, a construção de portraits, “que permite a compreensão das trajetórias dos indivíduos a partir dos dados coletados em questionários e entrevistas biográficas”; para, por fim, se debruçar “acerca da utilização de fontes legislativas federais e estaduais para compreensão do processo de colonização”. Como resultado, temos um texto que se abre em leque para diferentes formas de tratamento e enfrentamento de questões recorrentes quando se debruça sobre áreas de fronteira agrícola.

Na seção de artigos livres, temos o artigo assinado pelo Prof. Flávio Weinstein Teixeira (Universidade Federal de Pernambuco), Recife: notas em torno da gênese de um campo cultural, que apresenta um painel dos debates intelectuais e culturais no Recife dos anos 1920-50. Recorrendo à noção de campo em Bourdieu, o autor procura evidenciar as linhas de força, as sociabilidades letradas, bem como os espaços de reconhecimento e consagração do fazer artístico / intelectual que, em diálogo do que ocorria em âmbito nacional, resultaram em uma dinâmica própria e específica ao campo cultural do Recife. Para tanto, dá especial atenção à atuação de um grupo teatral local (TEP – Teatro dos Estudantes de Pernambuco) e à sua contribuição para a renovação das práticas artísticas e intelectuais.

Em seguida, temos o artigo do Prof. João Carlos Barrozo (Universidade Federal de Mato Grosso), A colonização em Mato Grosso como “portão de escape” para a crise agrária no Rio Grande do Sul, que que apresenta um expressivo painel dos inúmeros conflitos e movimentos rurais que desde os anos 1950 até a década de 1970 colocaram a disputa pela terra no centro da agenda nacional, além de, simultaneamente, aprofundar esse debate a partir de uma reflexão que, como o próprio título enuncia, procura compreender a colonização no Mato Grosso à luz da aguda crise que engolfava essa outra região de antiga e intensa ocupação rural – o Rio Grande do Sul. Conforme esclarece, as políticas adotadas pelos governos militares para a grave crise agrária e agrícola no Rio Grande do Sul, baseadas em dois pilares (“remembramento dos minifúndios no Rio Grande do Sul, e colonização por empresas ou cooperativas de colonização”), tiveram sucesso muito relativo. Mais importante, porém, que evidenciar os meandros de tais políticas, parece ser a abordagem dada pelo autor à questão, que relaciona as muitas e diversas experiências rurais do país em análise mais englobante e apropriada para compreender as forças e disputas em jogo.

Fechando este número da Clio, o Prof. Antonio Paulo Rezende (Universidade Federal de Pernambuco), em seu artigo Itinerários de um historiador: as portas entreabertas, nos apresenta sua trajetória de formação e de afirmação de um fazer historiográfico. Os itinerários apresentados pelo autor tanto dizem de sua trajetória pessoal, sua formação profissional, quanto, no que expõem as temáticas trabalhadas, os autores com quem dialogou, os enfoques, os privilegiamentos teórico-metodológicos, possibilitam, igualmente, visualizar algumas das veredas percorridas pela historiografia brasileira nos últimos 30 anos. Uma obra que se desdobra em muitas outras. Um fazer que é um permanente refazer, um constante exercício de repensar a prática historiadora. Uma escrita que tensiona e se aventura, que explora algumas das fronteiras do dizer e do pensar histórico. Um artigo, em suma, que à sua maneira percorre uns quantos pontos nodais que tanto tem mobilizado a atenção dos historiadores nas últimas décadas.

Em face do exposto, tendo em vista a proposta desta edição da revista Clio, os textos apresentados desenham um amplo mosaico de temas e problemas que se desdobram em referências teóricas fundamentais para lidarmos com as práticas de pesquisa. Contudo, tecer as histórias depende de uma ampla mobilização metodológica a fim de montar o quebracabeça que a discussão crítica de cada tema envolve, observando os limites do conhecimento histórico. Pois se entende que as teorias e as citações documentais não trazem implícitas as histórias e, portanto, não eximem o historiador de analisar ponto a ponto os diversos sinais e indícios que oferecem. O relato que se apresenta, em cada artigo, no movimento de ocupar o lugar do passado no presente é resultado de múltiplas operações como os capítulos dessa coletânea demonstraram. Sendo assim, agradecemos aos autores a sua generosidade para debater conosco diferentes experiências historiográficas.

Nota

1. “Introducción”. In: Luís Gerardo Morales Moreno (compilador) Historia de La historiografia contemporânea (de 1968 a nuestros dias). Cidade do México: Instituto Mora, 2005, p.12.

Regina Beatriz Guimarães Neto – Universidade Federal de Pernambuco


GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.32, n.2, jul / dez, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Circulação de saberes no Mundo Atlântico: escrita da história, cultura letrada e cultura científica / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2014

A chegada dos europeus ao Novo Mundo promoveu, desde os primeiros contatos que se estabeleceram com as populações nativas, a produção de uma extensa e diversificada gama de documentos oficiais, relatos de viagens, crônicas, tratados, desenhos, mapas, inventários de história natural e coleções de espécimes. Mais do que meras percepções da Europa acerca do mundo que a expansão marítima, a conquista e a colonização criaram, esta produção escrita, iconográfica e cartográfica evidencia tanto a circulação de ideias, pessoas, objetos, saberes e práticas, quanto as configurações étnicas e identitárias resultantes do intenso contato intercultural. Uma produção que aponta, portanto, para a intensa circulação de ideias e de conhecimentos entre a América, a África e a Europa ocorrida durante a Idade Moderna.

Este dossiê foi organizado, justamente, para divulgar os trabalhos de pesquisadores que, à luz das contribuições da História Social, Cultural e das Ciências, vêm refletindo sobre este intenso processo de circulação de ideias, saberes e práticas que se estendeu do século XVI ao XIX. Como o leitor poderá acompanhar nas páginas seguintes, os artigos que compõem este dossiê se debruçam sobre essa temática a partir de diferentes abordagens e refletem sobre sujeitos, espaços e tempos distintos, não descuidando de discutir sobre as diversas maneiras de se escrever a história destas incontáveis e intensas situações de interculturalidade. Situações que alimentaram um movimento contínuo de cruzamento e reposição de fronteiras territoriais, étnicas e políticas, que articularam diferentes estratégias individuais, coletivas e institucionais, e favoreceram diferentes fluxos de informações e de apropriações materiais ou simbólicas.

No primeiro artigo, intitulado Entre homens de saber, de letras e de ciências, médicos e outros agentes da cura no Brasil Colonial, Ana Carolina de Carvalho Viotti nos oferece uma ampla caracterização do período que antecedeu o estabelecimento da Corte portuguesa, evento que acabaria por introduzir e difundir o ensino e a prática essencialmente médica no Brasil do início do século XIX. De acordo com a autora, o período colonial foi marcado pela pluralidade de agentes e saberes curativos e pelo intenso intercâmbio entre as ideias advindas do Velho Mundo e as necessidades – e possibilidades – que os trópicos criavam aos que neles viviam.

O pão das Índias: o milho nos relatos de Diego Durán e José de Acosta é o título do artigo de Luís Guilherme Assis Kalil e Renato Denadai da Silva. Nele, os autores analisam textos produzidos pelo dominicano Diego Durán e pelo jesuíta José de Acosta, enfocando a compreensão que tiveram do universo indígena, em especial da relação estabelecida entre a alimentação e as crenças indígenas, tema ainda pouco explorado pela historiografia sobre as Américas. Kalil e Denadai da Silva não apenas identificam diversas representações do milho, como destacam seu papel de mediador na incorporação intelectual de um universo natural e moral distinto do dos europeus.

No terceiro artigo, intitulado Mediações culturais no além-mar: O padre Mamiani e os usos da Língua Kariri nas brenhas dos sertões, Ane Luíse Mecenas Santos aborda o papel de mediador cultural desempenhado pelo padre jesuíta Mamiani que, encarregado da conversão de indígenas Kiriri, grupo que não falava a língua geral e vivia nos sertões da Capitania de Sergipe Del Rey, escreveu, ao final do século XVII, uma gramática e um catecismo, através dos quais é possível reconstituir aspectos da cultura Kiriri, em especial, de suas manifestações de religiosidade.

Clio no Ultramar: elementos da historiografia portuguesa nas narrativas seiscentistas da “guerra holandesa” é o título do artigo de Kleber Clementino, para quem a historiografia portuguesa reverbera nas narrativas sobre a presença holandesa no Atlântico Sul (1630-1654), indicando que, embora as obras devam ser lidas em diálogo com seus contextos históricos específicos, as concepções de história e os elementos retóricos que as caracterizam se inspiram em um paradigma historiográfico enraizado na Península Ibérica.

No artigo seguinte, A escrita e o envio de cartas do governador-geral Francisco Barreto (1657-1663), Caroline Garcia Mendes destaca a importância da correspondência para a comunicação e para a administração portuguesa no além-mar no século XVII. A autora analisa, especificamente, as cartas enviadas pelo governador-geral Francisco Barreto a oficiais no interior do Estado do Brasil e para o Reino, entre os anos de 1657 e 1663, discorrendo sobre as redes de informação que se formaram entre a Europa e a América portuguesa no período.

Já Antonio Astorgano, em La difícil circulación de los libros devocionales del jesuíta mexicano José Ignacio Vallejo (1772-1788) analisa a trajetória desse padre da Companhia de Jesus, destacando sua atuação em colégios da Guatemala e da Itália. O autor explora suas relações pouco amistosas com personagens como Ventura Figueroa e, também, com o conde de Floridablanca, com o duque de Grimaldi e com José Nicolás de Azara, embaixadores junto à Santa Sé, vinculando-as às dificuldades de introdução e circulação de seus livros de devoção na América.

Também Marcelo Cheche Galves e Romário Sampaio Basílio, no artigo intitulado Saberes em circulação na América portuguesa: os estudantes maranhenses na Universidade de Coimbra (1778-1823), se dedicam à análise da circulação de impressos em São Luís do Maranhão e em Lisboa, no período de 1778-1823, com base na documentação da Real Mesa Censória, preservada pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Além de apontar para as razões da circulação de homens e livros em um momento de importantes transformações na Capitania, os autores referem a prática das remessas de impressos por estudantes maranhenses formados em Coimbra, destacando algumas das obras enviadas ou trazidas em suas bagagens.

O artigo Viagem ao Brasil: produção e circulação entre o público europeu do século XIX de Igor de Lima e Silva encerra o dossiê. O autor aborda a produção e a circulação da narrativa Viagem ao Brasil, do naturalista prussiano Maximiliano de Wied-Neuwied, que percorreu regiões do Brasil entre os anos de 1815 a 1817. A infinidade de informações sobre a fauna, a flora e os povos indígenas que Wied-Neuwied recolheu foi – após seu retorno à Europa – reunida e divulgada sob a forma de livro. Os dois volumes de Viagem ao Brasil foram lançados em 1821-1822 alcançando grande repercussão, com várias edições e traduções para vários idiomas. Lima e Silva se detém na análise dessas diferentes edições e traduções que a obra teve ao longo do século XIX, identificando e refletindo sobre as significativas alterações e sobre os efeitos da “imagem difusa” – e até deturpada – que elas ajudaram a difundir.

Na seção de artigos livres, o leitor poderá travar contato com duas produções de temáticas distintas, mas que acabam por fornecer um quadro sobre aspectos da economia e da cultura religiosa na América portuguesa do Antigo Regime – conferindo, em termos de conjuntura, um valor complementar aos estudos do dossiê.

Breno Almeida Vaz Lisboa, em seu artigo Engenhos, açúcares e negócios na capitania de Pernambuco (c. 1655 – c. 1750), procura pensar a economia açucareira da capitania pernambucana entre o fim do século XVII e o início do XVIII. A despeito da crise economia seiscentista, o autor constata que novos engenhos foram levantados nessa capitania entre as décadas de 1650 e 1750. Tal dado, segundo ele, aponta para o desenvolvimento de práticas comerciais paralelas que, por sua vez, ajudariam à indústria açucareira a contornar os problemas econômicos pelos quais passava.

Já o artigo de André Cabral Honor intitulado Origem e expansão no mundo luso da observação de Rennes: a mística-militante dos carmelitas turônicos ou reformados no século XVII e XVIII discute as ressonâncias da formulação das Constituições Carmelitas da Estrita Observância no contexto da América portuguesa. Vulgarmente denominadas de “Reforma Turônica”, tais constituições forneceram aos carmelitas calçados uma legislação que buscava conciliar a experiência mística à catequese. Segundo o autor, ainda que os seguidores dessa nova observância não tenham formado uma nova ordem religiosa, ela acarretou na divisão dos frades carmelitas que daria origem à Província Reformada de Pernambuco, no ano de 1725.

Os trabalhos publicados nesta edição oferecem, direta ou indiretamente, uma radiografia da cultura escrita no Mundo Atlântico. Uma cultura que participou na formação de modelos explicativos coevos (historiográficos, científicos, etc.); enriqueceu-se pela circulação de homens de letras e de seus escritos; reafirmou, validou e traduziu – através de práticas discursivas – políticas administrativas, espaços de domínio e padrões de sociabilidade.

Fechando esta edição, contamos com uma resenha crítica que analisa a obra recém publicada de Antônio Jorge Siqueira, Labirintos da Modernidade: memória, narrativa e sociabilidades, de autoria de Márcio Ananias Ferreira Vilela.

Juntamente com o editor da Revista Clio e os autores dos artigos do presente número de 2014 – aos quais agradecemos pelas contribuições –, oferecemos este dossiê com a expectativa de que seus leitores dêem continuidade ao esforço de compreensão e de reflexão sobre as formas que a circulação de ideias e de conhecimentos entre América, África e Europa assumiu e sobre seus efeitos nas configurações sociais, culturais e políticas nas duas margens do Atlântico.

Eliane Cristina Deckmann Fleck – UNISINOS

Marília de Azambuja Ribeiro – UFPE


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.32, n.1, jan / jun, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Circulação de saberes no Mundo Atlântico: escrita da história, cultura letrada e cultura científica / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2014

A chegada dos europeus ao Novo Mundo promoveu, desde os primeiros contatos que se estabeleceram com as populações nativas, a produção de uma extensa e diversificada gama de documentos oficiais, relatos de viagens, crônicas, tratados, desenhos, mapas, inventários de história natural e coleções de espécimes. Mais do que meras percepções da Europa acerca do mundo que a expansão marítima, a conquista e a colonização criaram, esta produção escrita, iconográfica e cartográfica evidencia tanto a circulação de ideias, pessoas, objetos, saberes e práticas, quanto as configurações étnicas e identitárias resultantes do intenso contato intercultural. Uma produção que aponta, portanto, para a intensa circulação de ideias e de conhecimentos entre a América, a África e a Europa ocorrida durante a Idade Moderna.

Este dossiê foi organizado, justamente, para divulgar os trabalhos de pesquisadores que, à luz das contribuições da História Social, Cultural e das Ciências, vêm refletindo sobre este intenso processo de circulação de ideias, saberes e práticas que se estendeu do século XVI ao XIX. Como o leitor poderá acompanhar nas páginas seguintes, os artigos que compõem este dossiê se debruçam sobre essa temática a partir de diferentes abordagens e refletem sobre sujeitos, espaços e tempos distintos, não descuidando de discutir sobre as diversas maneiras de se escrever a história destas incontáveis e intensas situações de interculturalidade. Situações que alimentaram um movimento contínuo de cruzamento e reposição de fronteiras territoriais, étnicas e políticas, que articularam diferentes estratégias individuais, coletivas e institucionais, e favoreceram diferentes fluxos de informações e de apropriações materiais ou simbólicas.

No primeiro artigo, intitulado Entre homens de saber, de letras e de ciências, médicos e outros agentes da cura no Brasil Colonial, Ana Carolina de Carvalho Viotti nos oferece uma ampla caracterização do período que antecedeu o estabelecimento da Corte portuguesa, evento que acabaria por introduzir e difundir o ensino e a prática essencialmente médica no Brasil do início do século XIX. De acordo com a autora, o período colonial foi marcado pela pluralidade de agentes e saberes curativos e pelo intenso intercâmbio entre as ideias advindas do Velho Mundo e as necessidades – e possibilidades – que os trópicos criavam aos que neles viviam.

O pão das Índias: o milho nos relatos de Diego Durán e José de Acosta é o título do artigo de Luís Guilherme Assis Kalil e Renato Denadai da Silva. Nele, os autores analisam textos produzidos pelo dominicano Diego Durán e pelo jesuíta José de Acosta, enfocando a compreensão que tiveram do universo indígena, em especial da relação estabelecida entre a alimentação e as crenças indígenas, tema ainda pouco explorado pela historiografia sobre as Américas. Kalil e Denadai da Silva não apenas identificam diversas representações do milho, como destacam seu papel de mediador na incorporação intelectual de um universo natural e moral distinto do dos europeus.

No terceiro artigo, intitulado Mediações culturais no além-mar: O padre Mamiani e os usos da Língua Kariri nas brenhas dos sertões, Ane Luíse Mecenas Santos aborda o papel de mediador cultural desempenhado pelo padre jesuíta Mamiani que, encarregado da conversão de indígenas Kiriri, grupo que não falava a língua geral e vivia nos sertões da Capitania de Sergipe Del Rey, escreveu, ao final do século XVII, uma gramática e um catecismo, através dos quais é possível reconstituir aspectos da cultura Kiriri, em especial, de suas manifestações de religiosidade.

Clio no Ultramar: elementos da historiografia portuguesa nas narrativas seiscentistas da “guerra holandesa” é o título do artigo de Kleber Clementino, para quem a historiografia portuguesa reverbera nas narrativas sobre a presença holandesa no Atlântico Sul (1630-1654), indicando que, embora as obras devam ser lidas em diálogo com seus contextos históricos específicos, as concepções de história e os elementos retóricos que as caracterizam se inspiram em um paradigma historiográfico enraizado na Península Ibérica.

No artigo seguinte, A escrita e o envio de cartas do governador-geral Francisco Barreto (1657-1663), Caroline Garcia Mendes destaca a importância da correspondência para a comunicação e para a administração portuguesa no além-mar no século XVII. A autora analisa, especificamente, as cartas enviadas pelo governador-geral Francisco Barreto a oficiais no interior do Estado do Brasil e para o Reino, entre os anos de 1657 e 1663, discorrendo sobre as redes de informação que se formaram entre a Europa e a América portuguesa no período.

Já Antonio Astorgano, em La difícil circulación de los libros devocionales del jesuíta mexicano José Ignacio Vallejo (1772-1788) analisa a trajetória desse padre da Companhia de Jesus, destacando sua atuação em colégios da Guatemala e da Itália. O autor explora suas relações pouco amistosas com personagens como Ventura Figueroa e, também, com o conde de Floridablanca, com o duque de Grimaldi e com José Nicolás de Azara, embaixadores junto à Santa Sé, vinculando-as às dificuldades de introdução e circulação de seus livros de devoção na América.

Também Marcelo Cheche Galves e Romário Sampaio Basílio, no artigo intitulado Saberes em circulação na América portuguesa: os estudantes maranhenses na Universidade de Coimbra (1778-1823), se dedicam à análise da circulação de impressos em São Luís do Maranhão e em Lisboa, no período de 1778-1823, com base na documentação da Real Mesa Censória, preservada pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Além de apontar para as razões da circulação de homens e livros em um momento de importantes transformações na Capitania, os autores referem a prática das remessas de impressos por estudantes maranhenses formados em Coimbra, destacando algumas das obras enviadas ou trazidas em suas bagagens.

O artigo Viagem ao Brasil: produção e circulação entre o público europeu do século XIX de Igor de Lima e Silva encerra o dossiê. O autor aborda a produção e a circulação da narrativa Viagem ao Brasil, do naturalista prussiano Maximiliano de Wied-Neuwied, que percorreu regiões do Brasil entre os anos de 1815 a 1817. A infinidade de informações sobre a fauna, a flora e os povos indígenas que Wied-Neuwied recolheu foi – após seu retorno à Europa – reunida e divulgada sob a forma de livro. Os dois volumes de Viagem ao Brasil foram lançados em 1821-1822 alcançando grande repercussão, com várias edições e traduções para vários idiomas. Lima e Silva se detém na análise dessas diferentes edições e traduções que a obra teve ao longo do século XIX, identificando e refletindo sobre as significativas alterações e sobre os efeitos da “imagem difusa” – e até deturpada – que elas ajudaram a difundir.

Na seção de artigos livres, o leitor poderá travar contato com duas produções de temáticas distintas, mas que acabam por fornecer um quadro sobre aspectos da economia e da cultura religiosa na América portuguesa do Antigo Regime – conferindo, em termos de conjuntura, um valor complementar aos estudos do dossiê.

Breno Almeida Vaz Lisboa, em seu artigo Engenhos, açúcares e negócios na capitania de Pernambuco (c. 1655 – c. 1750), procura pensar a economia açucareira da capitania pernambucana entre o fim do século XVII e o início do XVIII. A despeito da crise economia seiscentista, o autor constata que novos engenhos foram levantados nessa capitania entre as décadas de 1650 e 1750. Tal dado, segundo ele, aponta para o desenvolvimento de práticas comerciais paralelas que, por sua vez, ajudariam à indústria açucareira a contornar os problemas econômicos pelos quais passava.

Já o artigo de André Cabral Honor intitulado Origem e expansão no mundo luso da observação de Rennes: a mística-militante dos carmelitas turônicos ou reformados no século XVII e XVIII discute as ressonâncias da formulação das Constituições Carmelitas da Estrita Observância no contexto da América portuguesa. Vulgarmente denominadas de “Reforma Turônica”, tais constituições forneceram aos carmelitas calçados uma legislação que buscava conciliar a experiência mística à catequese. Segundo o autor, ainda que os seguidores dessa nova observância não tenham formado uma nova ordem religiosa, ela acarretou na divisão dos frades carmelitas que daria origem à Província Reformada de Pernambuco, no ano de 1725.

Os trabalhos publicados nesta edição oferecem, direta ou indiretamente, uma radiografia da cultura escrita no Mundo Atlântico. Uma cultura que participou na formação de modelos explicativos coevos (historiográficos, científicos, etc.); enriqueceu-se pela circulação de homens de letras e de seus escritos; reafirmou, validou e traduziu – através de práticas discursivas – políticas administrativas, espaços de domínio e padrões de sociabilidade.

Fechando esta edição, contamos com uma resenha crítica que analisa a obra recém publicada de Antônio Jorge Siqueira, Labirintos da Modernidade: memória, narrativa e sociabilidades, de autoria de Márcio Ananias Ferreira Vilela.

Juntamente com o editor da Revista Clio e os autores dos artigos do presente número de 2014 – aos quais agradecemos pelas contribuições –, oferecemos este dossiê com a expectativa de que seus leitores dêem continuidade ao esforço de compreensão e de reflexão sobre as formas que a circulação de ideias e de conhecimentos entre América, África e Europa assumiu e sobre seus efeitos nas configurações sociais, culturais e políticas nas duas margens do Atlântico.

Eliane Cristina Deckmann Fleck – UNISINOS

Marília de Azambuja Ribeiro – UFPE


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.32, n.1, jan / jun, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Historiografia: práticas de pesquisa / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2014

A proposta temática do dossiê deste número da revista Clio se inscreve no universo crítico das práticas de pesquisa e de escrita da história. O seu objetivo é apresentar as produções do conhecimento, em temporalidades e espacialidades diversas, abertas às análises que articulam a teoria – um diálogo profícuo com diversos textos no campo das humanidades – e a metodologia em seus aspectos peculiares.

Os artigos que compõem este dossiê problematizam uma temática, relacionando-a às questões e propostas metodológicas que se apresentam como resultado de pesquisas. Nesse sentido, as experiências com o “fazer história” possibilitam também explorar modos narrativos diversos. Nessa trilha, dialogam com vários estudos no campo da historiografia, sinalizando o seu lugar social e institucional, trazendo a contribuição fundamental de uma vasta e especializada bibliografia, bem como a pesquisa das fontes documentais. Trata-se de textos que privelegiam a reflexão acerca dos procedimentos metodológicos com os quais operam, delineando aproximações e afastamentos para com as análises historiográficas, atentos àquilo que o historiador mexicano Luís Gerardo Morales Moreno tão bem observa:

La historiografía contemporánea se sitúa en esa trama compleja de relaciones entre las formas del relato histórico y su legitimación mediante instituciones y comunidades que actúan dentro de una sociedad determinada. [1]

Nessa perspectiva, os textos aqui relacionados partilham de reflexões que expressam as indagações dos historiadores quanto à produção do discurso ligado à sua prática, situada num campo complexo de relações e legitimações. É assim que convergem ao observarem a construção do tema, a prática da pesquisa e os procedimentos metodológicos que operam ao analisar os documentos e compor a escrita com as citações e as referências bibliográficas.

Há ainda outro aspecto fundamental a assinalar. Os artigos ao focalizarem os assuntos específicos, que cobrem problemas e questões, indagam o presente do historiador e o seu ofício, orientados pelas regras do campo historiográfico. Diante disso, os trabalhos apresentados no dossiê são reveladores de um grande esforço intelectual para a realização de leituras e de procedimentos metodológicos que constituem a matéria da escrita, tecendo pouco a pouco o relato historiográfico na difícil arte de significar o passado no presente.

Compartilhando uma longa experiência de pesquisa e reflexão com o trato de documentação oral, o Prof. Gerardo Necoechea Gracia (Instituto Nacional de Antropología e Historia / México) abre o dossiê com um artigo em que se propõe a apresentar Una propuesta para el análisis y la contextualización de la entrevista de historia oral. Recorrendo a múltiplos exemplos extraídos de suas pesquisas, e tomando como ponto de partida o princípio de que “la historia que recurre a la memoria rinde sus mejores frutos cuando sitúa el recuerdo en el tiempo y el espacio”, o autor esmiúça um bom número de procedimentos e cuidados metodológicos que evitem reduzir o rememorar a um fim em si mesmo. Fundamentalmente, o aporte metodológico que o autor sustenta se lastreia na idéia de que “es necesario primero llegar a una comprensión cabal de la entrevista, antes de despedazarla acorde a temas relevantes para la investigación”. Devendo-se cuidar, para tanto, de “comprender las relaciones lógicas y de sentido que dan integridad al documento, de manera que no violentemos el espíritu con que fue creada la fuente oral”. Tudo isto, diz-no o autor, é precisamente o que possibilita “colocar el recuerdo en su contexto y así realizar la relevancia histórica de la experiencia que narra el entrevistado”, bem como, compreender mais precisa e adequadamente “la intención e interpretación que el entrevistado imprime a su recuerdo”. O texto, assim, oferece-se ao leitor quase que como um pequeno manual no lidar com depoimentos orais.

Em História, memória e sujeito: a narrativa histórica e as reapropriações do sujeito, o Prof. Marcelo de Sousa Neto (Universidade Estadual do Piauí) se propõe a perscrutar as novas abordagens que a historiografia brasileira tem dedicado aos estudos biográficos. A partir da análise do caso de figura de destaque no mundo político e intelectual do Piauí no séc. XIX, Pe. Marcos de Araújo Costa, o autor dirige suas reflexões menos à figura histórica do Pe. Marcos do que às escolhas que possibilitaram a criação de uma determinada memória sobre ele, em detrimento de outras tantas possíveis. Ao chamar a atenção para essa operação, o autor não faz outra coisa que evidenciar algo de suma importância para qualquer empreendimento historiográfico: que toda construção narrativa se faz por meio do recurso ao apagamento e silenciamento de inúmeras outras. Nos termos de Certeau, autor reiteradamente invocado ao longo do texto, trata-se de evidenciar a “topografia de interesses” que organiza as narrativas e fixação de memórias as mais diversas.

O artigo escrito pela Profa. Patricia Pensado Leglise (Instituto de Investigaciones Dr. José Ma. Luis Mora / México), El acontecer histórico en el relato de vida, mais uma vez nos oferece a oportunidade de adentrarmos num universo de reflexões pautado por pesquisas cujo recurso documental privilegiado é o das narrativas orais. Preocupada em situar o campo da história oral como modalidade de história social, a autora desenvolve seu argumento a partir de três problemáticas que, a seu ver, são as mais prementes e recorrentes entre pesquisadores que trabalham com testemunhos orais: o debate em torno das questões de memória e identidade; do tempo; e do papel do sujeito no fazer histórico. Tendo sempre o cuidado de invocar alguns dos autores mais relevantes para esse debate, a Profa. Patricia Pensado, entretanto, enriquece sobremaneira sua exposição mediante o recurso a extratos de relatos orais produzidos em suas pesquisas. Resulta deste esforço um texto marcado pelo propósito de aprofundar uma reflexão de caráter mais geral a partir de experiências efetivas de pesquisa. Em outras palavras, como conclui a autora, “el hecho de recordar, la oportunidad de que se suscite la memoria de su pasado mediante la historia oral le ofrece una nueva ocasión no sólo para la reflexión de lo vivido sino también para su interpretación contando con una visión más amplia y profunda de los tiempos aciagos que a todo los seres humanos experimentamos al vivir”.

Na sequência, o leitor encontrará o artigo da Profa. Virgínia Maria Almoêdo de Assis, Velhos papéis, novas histórias: a justiça para os órfãos na Capitania de Pernambuco, que focaliza as estratégias adotadas pela Câmara de Olinda quanto à utilização do legado pecuniário pertencente aos órfãos da capitania de Pernambuco, que se encontrava sob a sua guarda. A autora, historiadora especialista em paleografia, muito contribui neste texto para analisar as relações entre o conhecimento histórico e as práticas de leitura paleográficas, atendo-se a um conjunto de questões teóricas e métodos, que visa a escrita da história.

A seção dossiê se encerra com o artigo Três possibilidades metodológicas de estudo aplicadas à analise de casos em áreas de fronteira no interior do Brasil, de autoria dos Profs. Leonice Aparecida de Fátima Alves, Vitale Joanoni Neto e João Carlos Barrozo (todos da Universidade Federal de Mato Grosso), no qual são explorados variados recursos teóricometodológicos voltados para pesquisas dirigidas ao mundo rural, aos processos de migrações e ocupação do interior do território brasileiro, às políticas de colonização postas em prática pelo Estado brasileiro. Em consonância com os diferentes aportes teórico-metodológicos, são apresentadas as estratégias de pesquisa e acervos documentais correlatos. Assim, temos desde uma “reflexão sobre o papel dos periódicos nas áreas de colonização no Mato Grosso”, que possibilita compreender o uso destas publicações por moradores de áreas de fronteira, e as maneiras “como registram seu cotidiano, como se representam, como dizem de si, de seus desafetos, como se relacionam com o meio, seus estranhamentos e das estratégias para superar as dificuldades encontradas”; passando pelo uso de determinada estratégia metodológica, a construção de portraits, “que permite a compreensão das trajetórias dos indivíduos a partir dos dados coletados em questionários e entrevistas biográficas”; para, por fim, se debruçar “acerca da utilização de fontes legislativas federais e estaduais para compreensão do processo de colonização”. Como resultado, temos um texto que se abre em leque para diferentes formas de tratamento e enfrentamento de questões recorrentes quando se debruça sobre áreas de fronteira agrícola.

Na seção de artigos livres, temos o artigo assinado pelo Prof. Flávio Weinstein Teixeira (Universidade Federal de Pernambuco), Recife: notas em torno da gênese de um campo cultural, que apresenta um painel dos debates intelectuais e culturais no Recife dos anos 1920-50. Recorrendo à noção de campo em Bourdieu, o autor procura evidenciar as linhas de força, as sociabilidades letradas, bem como os espaços de reconhecimento e consagração do fazer artístico / intelectual que, em diálogo do que ocorria em âmbito nacional, resultaram em uma dinâmica própria e específica ao campo cultural do Recife. Para tanto, dá especial atenção à atuação de um grupo teatral local (TEP – Teatro dos Estudantes de Pernambuco) e à sua contribuição para a renovação das práticas artísticas e intelectuais.

Em seguida, temos o artigo do Prof. João Carlos Barrozo (Universidade Federal de Mato Grosso), A colonização em Mato Grosso como “portão de escape” para a crise agrária no Rio Grande do Sul, que que apresenta um expressivo painel dos inúmeros conflitos e movimentos rurais que desde os anos 1950 até a década de 1970 colocaram a disputa pela terra no centro da agenda nacional, além de, simultaneamente, aprofundar esse debate a partir de uma reflexão que, como o próprio título enuncia, procura compreender a colonização no Mato Grosso à luz da aguda crise que engolfava essa outra região de antiga e intensa ocupação rural – o Rio Grande do Sul. Conforme esclarece, as políticas adotadas pelos governos militares para a grave crise agrária e agrícola no Rio Grande do Sul, baseadas em dois pilares (“remembramento dos minifúndios no Rio Grande do Sul, e colonização por empresas ou cooperativas de colonização”), tiveram sucesso muito relativo. Mais importante, porém, que evidenciar os meandros de tais políticas, parece ser a abordagem dada pelo autor à questão, que relaciona as muitas e diversas experiências rurais do país em análise mais englobante e apropriada para compreender as forças e disputas em jogo.

Fechando este número da Clio, o Prof. Antonio Paulo Rezende (Universidade Federal de Pernambuco), em seu artigo Itinerários de um historiador: as portas entreabertas, nos apresenta sua trajetória de formação e de afirmação de um fazer historiográfico. Os itinerários apresentados pelo autor tanto dizem de sua trajetória pessoal, sua formação profissional, quanto, no que expõem as temáticas trabalhadas, os autores com quem dialogou, os enfoques, os privilegiamentos teórico-metodológicos, possibilitam, igualmente, visualizar algumas das veredas percorridas pela historiografia brasileira nos últimos 30 anos. Uma obra que se desdobra em muitas outras. Um fazer que é um permanente refazer, um constante exercício de repensar a prática historiadora. Uma escrita que tensiona e se aventura, que explora algumas das fronteiras do dizer e do pensar histórico. Um artigo, em suma, que à sua maneira percorre uns quantos pontos nodais que tanto tem mobilizado a atenção dos historiadores nas últimas décadas.

Em face do exposto, tendo em vista a proposta desta edição da revista Clio, os textos apresentados desenham um amplo mosaico de temas e problemas que se desdobram em referências teóricas fundamentais para lidarmos com as práticas de pesquisa. Contudo, tecer as histórias depende de uma ampla mobilização metodológica a fim de montar o quebracabeça que a discussão crítica de cada tema envolve, observando os limites do conhecimento histórico. Pois se entende que as teorias e as citações documentais não trazem implícitas as histórias e, portanto, não eximem o historiador de analisar ponto a ponto os diversos sinais e indícios que oferecem. O relato que se apresenta, em cada artigo, no movimento de ocupar o lugar do passado no presente é resultado de múltiplas operações como os capítulos dessa coletânea demonstraram. Sendo assim, agradecemos aos autores a sua generosidade para debater conosco diferentes experiências historiográficas.

Nota

1. “Introducción”. In: Luís Gerardo Morales Moreno (compilador) Historia de La historiografia contemporânea (de 1968 a nuestros dias). Cidade do México: Instituto Mora, 2005, p.12.

Regina Beatriz Guimarães Neto – Universidade Federal de Pernambuco


NETO, Regina Beatriz Guimarães. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.32, n.2, jul / dez, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio Intangível: debates e questões / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2013

Este volume da revista Clio, que contêm o dossiê Patrimônio Intangível: debates e questões, apresenta artigos que giram em torno do tema patrimônio cultural (imaterial), e em especial do carnaval, no Brasil. O tema do patrimônio tem sido intensamente debatido na historiografia brasileira nas últimas décadas. Acompanhando as mudanças que podem ser percebidas nas políticas públicas voltadas para o patrimônio, em especial o patrimônio imaterial, que tantos debates têm suscitado, a historiografia tem revisitado a história do patrimônio cultural no Brasil, assim como tem contribuído para adensar as questões que o tema tem suscitado.

Assim, é com enorme satisfação que apresentamos ao leitor este volume que contêm um profícuo debate em torno do carnaval, entendido como patrimônio imaterial do Brasil, já tantas vezes referido como importante aspecto na definição de nossas identidades culturais, seja nacionalmente, seja em seus desdobramentos locais. Com certeza, ninguém poderá negar ser o carnaval uma festa que encetou grandes debates historiográficos em torno da identidade nacional, mas não foi ainda pensado como patrimônio cultural, apesar de ser reconhecido como tal.

Abre o volume o artigo A folia de Momo na cidade de São Paulo na percepção da imprensa e dos artistas do traço: 1960 / 1964, de Zélia Lopes da Silva, que discute o modo como a imprensa paulista apresenta o carnaval, como se em São Paulo não existisse um real interesse pelas atividades momescas, preferindo o paulistano fugir para o interior e as praias nesses dias. Representação esta que, em grande medida, não só marginaliza as manifestações populares existentes no período, tais como cordões e escolas de samba, mas que também parece contribuir para torná-las invisíveis, como se os paulistanos não “gostassem” de carnaval. Enquanto isso, esses mesmos cordões e escolas de samba buscavam incentivos municipais para criarem visibilidade às suas agremiações, ao mesmo tempo em que paulatinamente construíram espaços de sociabilidade e legitimidade para suas atividades carnavalescas.

O segundo artigo do dossiê, Carnavais cariocas sob a ótica da revista O Cruzeiro (1943-1945), de Danilo Alves Bezerra, não só recua no tempo, para buscar compreender como o carnaval carioca foi representado na referida revista durante os últimos anos do Estado Novo, momento em que o Brasil encontrava-se envolvido na Segunda Guerra Mundial e que supostamente não haveria “clima” para se voltar ao carnaval. Mesmo assim houve quem não resistisse aos apelos de Momo, e o artigo discute as estratégias encetadas para manter o espírito carnavalesco vivo e atuante nesses dias de guerra.

O tema do carnaval continua presente no artigo Paradoxos carnavalescos: A presença feminina em carnavais da Primeira República (1889-1910), de Eric Brasil Nepomuceno. Ao centrar foco nas primeiras décadas da República e no carnaval carioca, o autor busca entender as tensões que a presença feminina em diversos espaços durante o carnaval gerou, e as negociações que precisou entabular para não só garantir sua presença nos espaços públicos, mas também para convertê-la em ganhos ainda que a primeira vista simbólicos. O artigo de Guilherme José Motta Faria, História e Memória: a construção do mito Isabel Valença, a Chica da Silva do GRES Acadêmicos do Salgueiro pela imprensa carioca, permite estabelecer um profícuo cruzamento entre a história do carnaval carioca com as questões raciais, ao discutir o modo como se constrói paulatinamente o mito de Chica da Silva entre as agremiações carnavalescas, destacando o modo como a imprensa foi fundamental para transformar essa mulher de “origem humilde, negra e moradora da periferia numa das referências na luta pela igualdade de direitos e do respeito que as mulheres exigiam a partir das lutas feministas dos anos 1960”. Desse modo, os dois últimos artigos nos permitem também fazer uma importante reflexão de como as questões de gênero se cruzam como a história do carnaval, e nos permitem discutir os modos como as mulheres foram conquistando espaços públicos e lutando contra os preconceitos não apenas de gênero mas também os raciais.

O tema da festa religiosa, e suas imbricações como o tema do patrimônio imaterial foram esboçados no artigo O religioso e o profano na festa de São Bernardo em Alcobaça – BA (1990 – 2010), de Jonathan de Oliveira Molar e Ítala Serafim Almeida, que se dedica a pensar as transformações ocorridas numa festa centenária, interrogando-se se a mesma teria perdido seu caráter identitário ao se adaptar ao mercado cultural. Através de entrevistas o autor nos apresenta uma festa que comporta diferentes modos de compreendê-la bem como múltiplas identificações, aspecto que, segundo o autor, pode ser pensado para outras festas religiosas, para além de Alcobaça.

O dossiê se encerra com o artigo de Luiz Gonzaga Baião Filho, Parque Nacional Serra da Capivara e gestação interdisciplinar das narrativas do patrimônio cultural, em que toma como desafio discutir as imbricações interdisciplinares ao se pensar o tema do patrimônio cultural, notadamente na gestão de parques nacionais em que o patrimônio imaterial está interelacionado com o ambiental, histórico e arqueológico. O autor discute o tema a partir de um rico referencial teórico proposto por Reinhart Koselleck e François Hartog, deixando patente os entrecruzamentos temporais que o tema do patrimônio cultural promove.

O volume ainda contém, além dos artigos livres, resenha que analisa criticamente o livro de Maria Lúcia Bressan Pinheiro, Modernismo e Preservação do Patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil, elaborada por Marília de Azambuja Ribeiro e Angélica Cristina de Paula Botelho. Inebriados com esses ares carnavalescos, desejamos que apreciem a leitura!

Isabel Guillen

Augusto Neves


GUILLEN, Isabel; NEVES, Augusto. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.31, n.1, jan / jun, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio Intangível: debates e questões / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2013

Este volume da revista Clio, que contêm o dossiê Patrimônio Intangível: debates e questões, apresenta artigos que giram em torno do tema patrimônio cultural (imaterial), e em especial do carnaval, no Brasil. O tema do patrimônio tem sido intensamente debatido na historiografia brasileira nas últimas décadas. Acompanhando as mudanças que podem ser percebidas nas políticas públicas voltadas para o patrimônio, em especial o patrimônio imaterial, que tantos debates têm suscitado, a historiografia tem revisitado a história do patrimônio cultural no Brasil, assim como tem contribuído para adensar as questões que o tema tem suscitado.

Assim, é com enorme satisfação que apresentamos ao leitor este volume que contêm um profícuo debate em torno do carnaval, entendido como patrimônio imaterial do Brasil, já tantas vezes referido como importante aspecto na definição de nossas identidades culturais, seja nacionalmente, seja em seus desdobramentos locais. Com certeza, ninguém poderá negar ser o carnaval uma festa que encetou grandes debates historiográficos em torno da identidade nacional, mas não foi ainda pensado como patrimônio cultural, apesar de ser reconhecido como tal.

Abre o volume o artigo A folia de Momo na cidade de São Paulo na percepção da imprensa e dos artistas do traço: 1960 / 1964, de Zélia Lopes da Silva, que discute o modo como a imprensa paulista apresenta o carnaval, como se em São Paulo não existisse um real interesse pelas atividades momescas, preferindo o paulistano fugir para o interior e as praias nesses dias. Representação esta que, em grande medida, não só marginaliza as manifestações populares existentes no período, tais como cordões e escolas de samba, mas que também parece contribuir para torná-las invisíveis, como se os paulistanos não “gostassem” de carnaval. Enquanto isso, esses mesmos cordões e escolas de samba buscavam incentivos municipais para criarem visibilidade às suas agremiações, ao mesmo tempo em que paulatinamente construíram espaços de sociabilidade e legitimidade para suas atividades carnavalescas.

O segundo artigo do dossiê, Carnavais cariocas sob a ótica da revista O Cruzeiro (1943-1945), de Danilo Alves Bezerra, não só recua no tempo, para buscar compreender como o carnaval carioca foi representado na referida revista durante os últimos anos do Estado Novo, momento em que o Brasil encontrava-se envolvido na Segunda Guerra Mundial e que supostamente não haveria “clima” para se voltar ao carnaval. Mesmo assim houve quem não resistisse aos apelos de Momo, e o artigo discute as estratégias encetadas para manter o espírito carnavalesco vivo e atuante nesses dias de guerra.

O tema do carnaval continua presente no artigo Paradoxos carnavalescos: A presença feminina em carnavais da Primeira República (1889-1910), de Eric Brasil Nepomuceno. Ao centrar foco nas primeiras décadas da República e no carnaval carioca, o autor busca entender as tensões que a presença feminina em diversos espaços durante o carnaval gerou, e as negociações que precisou entabular para não só garantir sua presença nos espaços públicos, mas também para convertê-la em ganhos ainda que a primeira vista simbólicos. O artigo de Guilherme José Motta Faria, História e Memória: a construção do mito Isabel Valença, a Chica da Silva do GRES Acadêmicos do Salgueiro pela imprensa carioca, permite estabelecer um profícuo cruzamento entre a história do carnaval carioca com as questões raciais, ao discutir o modo como se constrói paulatinamente o mito de Chica da Silva entre as agremiações carnavalescas, destacando o modo como a imprensa foi fundamental para transformar essa mulher de “origem humilde, negra e moradora da periferia numa das referências na luta pela igualdade de direitos e do respeito que as mulheres exigiam a partir das lutas feministas dos anos 1960”. Desse modo, os dois últimos artigos nos permitem também fazer uma importante reflexão de como as questões de gênero se cruzam como a história do carnaval, e nos permitem discutir os modos como as mulheres foram conquistando espaços públicos e lutando contra os preconceitos não apenas de gênero mas também os raciais.

O tema da festa religiosa, e suas imbricações como o tema do patrimônio imaterial foram esboçados no artigo O religioso e o profano na festa de São Bernardo em Alcobaça – BA (1990 – 2010), de Jonathan de Oliveira Molar e Ítala Serafim Almeida, que se dedica a pensar as transformações ocorridas numa festa centenária, interrogando-se se a mesma teria perdido seu caráter identitário ao se adaptar ao mercado cultural. Através de entrevistas o autor nos apresenta uma festa que comporta diferentes modos de compreendê-la bem como múltiplas identificações, aspecto que, segundo o autor, pode ser pensado para outras festas religiosas, para além de Alcobaça.

O dossiê se encerra com o artigo de Luiz Gonzaga Baião Filho, Parque Nacional Serra da Capivara e gestação interdisciplinar das narrativas do patrimônio cultural, em que toma como desafio discutir as imbricações interdisciplinares ao se pensar o tema do patrimônio cultural, notadamente na gestão de parques nacionais em que o patrimônio imaterial está interelacionado com o ambiental, histórico e arqueológico. O autor discute o tema a partir de um rico referencial teórico proposto por Reinhart Koselleck e François Hartog, deixando patente os entrecruzamentos temporais que o tema do patrimônio cultural promove.

O volume ainda contém, além dos artigos livres, resenha que analisa criticamente o livro de Maria Lúcia Bressan Pinheiro, Modernismo e Preservação do Patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil, elaborada por Marília de Azambuja Ribeiro e Angélica Cristina de Paula Botelho. Inebriados com esses ares carnavalescos, desejamos que apreciem a leitura!

Isabel Guillen

Augusto Neves


GUILLEN, Isabel; NEVES, Augusto. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.31, n.1, jan / jun, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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História Colonial (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2011

As duas últimas décadas foram testemunhas de uma grande ampliação – tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos – dos trabalhos de investigação dedicados ao estudo da América portuguesa. Várias são as razões que impulsionam o surgimento de trabalhos com este perfil e que têm permitido que esta importante fase de nossa história se torne cada vez mais conhecida. A abertura de novas frentes de pesquisa e a disponibilização maciça de fontes primárias estão entre estas razões. O acesso à documentação colonial já não está limitado apenas a um pequeno número de investigadores capazes de se deslocar até os arquivos europeus ou aos grandes fundos depositados em território nacional. A tecnologia permitiu que estes velhos papéis saíssem das gavetas e estantes, onde estiveram dormitando por séculos, para ganhar o espaço digital por intermédio da grande rede mundial.

O investigador mais atento pode dispor hoje em seu gabinete de milhões de páginas de documentação. A cada dia as ferramentas de busca se tornam mais eficazes e precisas. Para além dos fundos documentais, livros, periódicos e imagens também circulam com a velocidade vertiginosa do universo virtual. O passado e o presente se encontram e descortinam um futuro promissor para o estudioso dos séculos mais remotos de nossa civilização.

Não obstante, nada disso seria suficiente se, em paralelo ao maior acesso às fontes, não fôssemos capazes de repensar problemas, de lançar novos olhares e de elaborar novos questionamentos à matéria-prima de nossas narrativas. A ampliação da gama de objetos de estudo e de problemas suscitados pelas vivências de nossa sociedade permitiram uma salutar oxigenação e estimularam diálogos e debates em torno aos temas de história colonial. E quando tratamos de estudos históricos, nada mais desejável que a troca e a confrontação de ideias e interpretações, evitando-se leituras monocromáticas e simplificadoras. Temos visto emergir do período colonial um panorama muito mais complexo e nuançado do que imaginávamos antes. Como em todas as vivências humanas ao longo do tempo, nada é simples nesse passado e logo, não se pode confiná-lo em esquemas de pensamento pré-moldados. Para as nossas múltiplas perguntas, encontramos múltiplas respostas. Já não é possível uma mirada unidimensional, uma leitura uníssona.

Os recentes encontros científicos e o aluvião de publicações coletivas e individuais materializam os importantes avanços e contribuições nesta área. A vitalidade crescente dos estudos coloniais nos últimos lustros tem sido cabalmente demonstrada pela ampliação do número de projetos de pesquisa nos programas de pósgraduação em várias instituições brasileiras. Isso ocorre não apenas porque seja necessário que haja temas para um número cada vez maior de pós-graduandos, como alguém afirmou, mas, sobretudo, pelo fato de que o período passou a ser alvo das mais variadas matizes de abordagem. A realização de cada vez mais eventos científicos dedicados aos estudos coloniais tem permitido o intercâmbio de dados e perspectivas de estudo. Ressalta-se, a título de ilustração, o Encontro Internacional de História Colonial que já conta com três exitosas edições (UFPB, 2006; UFRN, 2008 e UFPE / UFRPE / UPE, 2010). A caminho de sua quarta edição (UFPA, 2012) este evento se configura na atualidade como destaque no calendário internacional de reuniões de especialistas em História Moderna.

Com o objetivo de reunir e divulgar alguns dos mais recentes trabalhos sobre o período em tela, a Revista CLIO o elegeu como eixo central para os dossiês de seus dois volumes do ano 2011. O segundo volume do dossiê se inicia com três artigos dedicados a um dos períodos melhor documentados de nossa história colonial, e que, felizmente, tem atraído um número crescente de jovens pesquisadores. Lúcia Furquim Werneck Xavier aborda a importantíssima questão do meio circulante durante a existência da Nova Holanda. A autora analisa as razões para a escassez do dinheiro em espécie e o uso de formas alternativas de intermediação nas trocas comerciais e nos pagamentos.

Atento às dinâmicas atlânticas do século XVII, Bruno Romero Ferreira Miranda enfoca uma questão até hoje pouco conhecida, apesar dos estudos clássicos sobre o período holandês. O autor aborda os contingentes de soldados recrutados na Europa para servirem a West Indische Compagnie na guerra de conquista, expansão e manutenção de parte do litoral norte do Brasil. Ainda a respeito do período holandês, Rômulo Luís Xavier do Nascimento analisa o papel dos cursos fluviais, de sua navegação e de sua conexão com o porto do Recife no processo de consolidação da presença da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais na costa do Brasil.

Do litoral para o sertão, acompanhamos Tanya Maria Pires Brandão em sua abordagem do fenômeno do rapto de mulheres no Piauí colonial. A partir da análise dos autos processuais de queixas-crime referentes a esta prática, a autora analisa o rapto como estratégia para a formação de novos núcleos familiares e de conquista de uma melhor condição social no âmbito daquela sociedade, num contexto marcado pela predominância numérica de homens. Tomando como caso de estudo a fundação da Confraria das Onze Mil Virgens na América portuguesa dos quinhentos, Stela Beatriz Duarte analisa o papel da Companhia de Jesus na difusão da devoção a Santa Úrsula através da fundação e manutenção de lugares de devoção na colônia.

Kalina Vanderlei Silva realiza em seu artigo uma leitura das principais formas de sociabilidade desenvolvidas em Pernambuco durante os séculos XVII e XVIII. Para tanto, a autora abordou as fontes produzidas no âmbito da administração e pelas irmandades a partir de uma perspectiva que privilegia os conceitos de sociabilidade e representação. Seus sujeitos são os atores sociais presentes em instituições urbanas que atuam nas festividades barrocas que se realizavam nas ruas de Olinda e do Recife. Helder Alexandre Medeiros de Macedo aplicou os métodos da demografia histórica para reconstituir as origens dos portugueses presentes em agrupamentos familiares da freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó. As fontes usadas pelo autor foram os registros de batizado, casamento e óbitos desta localidade, cuja ocupação remonta ao final do século XVII. O segundo volume do dossiê de história colonial da Clio n. 29, se encerra com o artigo de William de Souza Martins, cujo objetivo é discutir os padrões sociais e econômicos das mulheres que ingressavam no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, no Rio de Janeiro de meados do século XVIII. O autor se interessou ainda pela ocorrência de práticas que não autorizadas pelas normas institucionais da vida em clausura.

O volume que o leitor tem em mãos conta ainda com mais três artigos livres e duas resenhas. Vamos a eles. Iván Armenteros Martínez analisa o processo de assimilação de comunidades africanas nas penínsulas Ibérica e Itálica a partir das confrarias e dos rituais públicos que elas realizavam. O caso enfocado pelo autor é o da confraria de Sant Jaume de Barcelona nos séculos XV e XVI e suas relações com outras congêneres surgidas na esteira do incremento do comércio de escravos na Europa. A Península Ibérica quinhentista é também o cenário da contribuição de Edison Bisso Cruxen, mais precisamente, a paisagem, o cotidiano e a arquitetura da fronteira entre Portugal e Castela no século XVI. O autor trabalha para isso com o “Livro das Fortalezas”, de autoria de Duarte D’Armas, escudeiro real de Dom Manuel, o Venturoso.

Duas épocas e uma mesma localidade: Regina Helena Martins de Faria analisa as intervenções do exército brasileiro na região limítrofe entre Maranhão e Pará no século XIX e nas décadas de 1960 e 1970. Utilizando a análise de discurso dos sujeitos envolvidos nos dois processos, a autora construiu sua narrativa sobre a Colônia Militar de São Pedro de Alcântara do Gurupi. Encerrando este volume, Denis Antônio de Mendonça Bernardes apresenta resenha do livro “Calabouço urbano: escravos libertos em Porto Alegre (1840-1860)” de autoria de Valéria Zanetti, Laércio Albuquerque Dantas analisa a obra de Marcela da Silva Varejão intitulada “Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935)” e María Emília Monteiro Porto resenha a obra do historiador espanhol Manuel Lucena Giraldo, intitulada “Naciones de rebeldes. Las revoluciones de independência latino-americanas”

Virgínia Maria Almôedo de Assis

George F. Cabral de Souza


ASSIS, Virgínia Maria Almôedo de; SOUZA, George F. Cabral de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.29, n.2, jul / dez, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História Colonial – Parte II / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2011

As duas últimas décadas foram testemunhas de uma grande ampliação – tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos – dos trabalhos de investigação dedicados ao estudo da América portuguesa. Várias são as razões que impulsionam o surgimento de trabalhos com este perfil e que têm permitido que esta importante fase de nossa história se torne cada vez mais conhecida. A abertura de novas frentes de pesquisa e a disponibilização maciça de fontes primárias estão entre estas razões. O acesso à documentação colonial já não está limitado apenas a um pequeno número de investigadores capazes de se deslocar até os arquivos europeus ou aos grandes fundos depositados em território nacional. A tecnologia permitiu que estes velhos papéis saíssem das gavetas e estantes, onde estiveram dormitando por séculos, para ganhar o espaço digital por intermédio da grande rede mundial.

O investigador mais atento pode dispor hoje em seu gabinete de milhões de páginas de documentação. A cada dia as ferramentas de busca se tornam mais eficazes e precisas. Para além dos fundos documentais, livros, periódicos e imagens também circulam com a velocidade vertiginosa do universo virtual. O passado e o presente se encontram e descortinam um futuro promissor para o estudioso dos séculos mais remotos de nossa civilização.

Não obstante, nada disso seria suficiente se, em paralelo ao maior acesso às fontes, não fôssemos capazes de repensar problemas, de lançar novos olhares e de elaborar novos questionamentos à matéria-prima de nossas narrativas. A ampliação da gama de objetos de estudo e de problemas suscitados pelas vivências de nossa sociedade permitiram uma salutar oxigenação e estimularam diálogos e debates em torno aos temas de história colonial. E quando tratamos de estudos históricos, nada mais desejável que a troca e a confrontação de ideias e interpretações, evitando-se leituras monocromáticas e simplificadoras. Temos visto emergir do período colonial um panorama muito mais complexo e nuançado do que imaginávamos antes. Como em todas as vivências humanas ao longo do tempo, nada é simples nesse passado e logo, não se pode confiná-lo em esquemas de pensamento pré-moldados. Para as nossas múltiplas perguntas, encontramos múltiplas respostas. Já não é possível uma mirada unidimensional, uma leitura uníssona.

Os recentes encontros científicos e o aluvião de publicações coletivas e individuais materializam os importantes avanços e contribuições nesta área. A vitalidade crescente dos estudos coloniais nos últimos lustros tem sido cabalmente demonstrada pela ampliação do número de projetos de pesquisa nos programas de pósgraduação em várias instituições brasileiras. Isso ocorre não apenas porque seja necessário que haja temas para um número cada vez maior de pós-graduandos, como alguém afirmou, mas, sobretudo, pelo fato de que o período passou a ser alvo das mais variadas matizes de abordagem. A realização de cada vez mais eventos científicos dedicados aos estudos coloniais tem permitido o intercâmbio de dados e perspectivas de estudo. Ressalta-se, a título de ilustração, o Encontro Internacional de História Colonial que já conta com três exitosas edições (UFPB, 2006; UFRN, 2008 e UFPE / UFRPE / UPE, 2010). A caminho de sua quarta edição (UFPA, 2012) este evento se configura na atualidade como destaque no calendário internacional de reuniões de especialistas em História Moderna.

Com o objetivo de reunir e divulgar alguns dos mais recentes trabalhos sobre o período em tela, a Revista CLIO o elegeu como eixo central para os dossiês de seus dois volumes do ano 2011. O segundo volume do dossiê se inicia com três artigos dedicados a um dos períodos melhor documentados de nossa história colonial, e que, felizmente, tem atraído um número crescente de jovens pesquisadores. Lúcia Furquim Werneck Xavier aborda a importantíssima questão do meio circulante durante a existência da Nova Holanda. A autora analisa as razões para a escassez do dinheiro em espécie e o uso de formas alternativas de intermediação nas trocas comerciais e nos pagamentos.

Atento às dinâmicas atlânticas do século XVII, Bruno Romero Ferreira Miranda enfoca uma questão até hoje pouco conhecida, apesar dos estudos clássicos sobre o período holandês. O autor aborda os contingentes de soldados recrutados na Europa para servirem a West Indische Compagnie na guerra de conquista, expansão e manutenção de parte do litoral norte do Brasil. Ainda a respeito do período holandês, Rômulo Luís Xavier do Nascimento analisa o papel dos cursos fluviais, de sua navegação e de sua conexão com o porto do Recife no processo de consolidação da presença da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais na costa do Brasil.

Do litoral para o sertão, acompanhamos Tanya Maria Pires Brandão em sua abordagem do fenômeno do rapto de mulheres no Piauí colonial. A partir da análise dos autos processuais de queixas-crime referentes a esta prática, a autora analisa o rapto como estratégia para a formação de novos núcleos familiares e de conquista de uma melhor condição social no âmbito daquela sociedade, num contexto marcado pela predominância numérica de homens. Tomando como caso de estudo a fundação da Confraria das Onze Mil Virgens na América portuguesa dos quinhentos, Stela Beatriz Duarte analisa o papel da Companhia de Jesus na difusão da devoção a Santa Úrsula através da fundação e manutenção de lugares de devoção na colônia.

Kalina Vanderlei Silva realiza em seu artigo uma leitura das principais formas de sociabilidade desenvolvidas em Pernambuco durante os séculos XVII e XVIII. Para tanto, a autora abordou as fontes produzidas no âmbito da administração e pelas irmandades a partir de uma perspectiva que privilegia os conceitos de sociabilidade e representação. Seus sujeitos são os atores sociais presentes em instituições urbanas que atuam nas festividades barrocas que se realizavam nas ruas de Olinda e do Recife. Helder Alexandre Medeiros de Macedo aplicou os métodos da demografia histórica para reconstituir as origens dos portugueses presentes em agrupamentos familiares da freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó. As fontes usadas pelo autor foram os registros de batizado, casamento e óbitos desta localidade, cuja ocupação remonta ao final do século XVII. O segundo volume do dossiê de história colonial da Clio n. 29, se encerra com o artigo de William de Souza Martins, cujo objetivo é discutir os padrões sociais e econômicos das mulheres que ingressavam no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, no Rio de Janeiro de meados do século XVIII. O autor se interessou ainda pela ocorrência de práticas que não autorizadas pelas normas institucionais da vida em clausura.

O volume que o leitor tem em mãos conta ainda com mais três artigos livres e duas resenhas. Vamos a eles. Iván Armenteros Martínez analisa o processo de assimilação de comunidades africanas nas penínsulas Ibérica e Itálica a partir das confrarias e dos rituais públicos que elas realizavam. O caso enfocado pelo autor é o da confraria de Sant Jaume de Barcelona nos séculos XV e XVI e suas relações com outras congêneres surgidas na esteira do incremento do comércio de escravos na Europa. A Península Ibérica quinhentista é também o cenário da contribuição de Edison Bisso Cruxen, mais precisamente, a paisagem, o cotidiano e a arquitetura da fronteira entre Portugal e Castela no século XVI. O autor trabalha para isso com o “Livro das Fortalezas”, de autoria de Duarte D’Armas, escudeiro real de Dom Manuel, o Venturoso.

Duas épocas e uma mesma localidade: Regina Helena Martins de Faria analisa as intervenções do exército brasileiro na região limítrofe entre Maranhão e Pará no século XIX e nas décadas de 1960 e 1970. Utilizando a análise de discurso dos sujeitos envolvidos nos dois processos, a autora construiu sua narrativa sobre a Colônia Militar de São Pedro de Alcântara do Gurupi. Encerrando este volume, Denis Antônio de Mendonça Bernardes apresenta resenha do livro “Calabouço urbano: escravos libertos em Porto Alegre (1840-1860)” de autoria de Valéria Zanetti, Laércio Albuquerque Dantas analisa a obra de Marcela da Silva Varejão intitulada “Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935)” e María Emília Monteiro Porto resenha a obra do historiador espanhol Manuel Lucena Giraldo, intitulada “Naciones de rebeldes. Las revoluciones de independência latino-americanas”

Virgínia Maria Almôedo de Assis

George F. Cabral de Souza


ASSIS, Virgínia Maria Almôedo de; SOUZA, George F. Cabral de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.29, n.2, jul / dez, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Memória, Narrativa, Política / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2010

Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. (Ítalo Calvino. Seis propostas para o próximo milênio)

A revista CLIO apresenta o dossiê “Memória, Narrativa, Política. ” que reúne artigos de historiadores e historiadoras do Brasil e demais países da América Latina, numa contribuição à análise da historiografia e suas relações com a memória, problematizando a narrativa e a cultura. Os percursos realizados contemplam diferentes espacialidades e temporalidades, com abordagens teóricas e metodológicas múltiplas, o que torna esse número da revista Clio – Série Histórica – um caleidoscópio de narrativas e análises históricas. Os textos, ao dialogarem com um amplo leque de fontes documentais, projetam significativas contribuições ao debate metodológico acerca das práticas historiográficas. Práticas estas que enfrentam o desafio de transformar palavras, inscrições e os mais diversos registros em relatos escritos.

Com base na leitura dos títulos dos artigos selecionados, é possível ter uma primeira percepção do campo documental e metodológico constitutivo da escrita histórica deste número da revista CLIO: 1. A botija do Rio Formoso e outras histórias. Profa. Maria do Socorro Cipriano. 2. La función de la oralidad a través de los mitos y leyendas. Su papel en la construcción de la pertenencia cultural en pueblos aborígenes Nicaraos y Chorotegas. Profa. Ligia Madrigal Mendieta. 3. Palavras Afiadas: memórias e representações africanistas na escrita de Carolina Maria de Jesus. Prof. Élio Chaves Flores. 4. Imprensa e Imagens: a construção de representações do Piauí e de Teresina através de jornais diários na década de 1970. Prof. Francisco Alcides do Nascimento.5. Quimera amazônica: mecenato e colecionismo em Belém do Pará, 1890-1910. Prof. Aldrin Moura de Figueiredo. 6. Memoria y Cultura obrera. Profa. Mariana Mastrángelo.7. La Idea de “La Determinación” em R. Williams y los Orígenes Del movimiento de derechos humanos de Tucumán. Prof. Rubén Isidoro Kotler. 8. “Era como una droga escucharlo a Perón”. Recordando la militancia treinta años más tarde (1955 a 1976). Prof. Pablo Pozzi. 9. Historiografia & Narrativa: do arquivo ao texto. Profa. Regina B. Guimarães Neto. 10. Travessias e desafios. Prof. Antonio Torres Montenegro. 11. A esposa-espírito Nambiquara. Profa. Anna Ribeiro F. M. Costa. 12. Júlio Bello: um homem velho fala sobre as velhices que viu e viveu. Prof. Alarcon Agra do Ó.

Ao reunir esta série de autores tivemos como critério definir a presença de historiadores e historiadoras que operam criticamente no fazer de suas pesquisas e procedimentos de análise, sem, contudo, instaurarmos princípios ou conceitualizações apriorísticas, que os classificam ou encerram em determinadas posições teóricas. Entendemos que o conjunto de textos, aqui apresentados, longe de projetar dicotomias teóricas e polêmicas que esvaziam o discurso historiográfico e fixam procedimentos desligados das práticas de pesquisa, insere-se em relações mais complexas. Aquelas que se estabelecem entre relato histórico, fontes documentais e proposições metodológicas. Portanto, nossa preocupação e interesse nos direcionam a refletir acerca dos processos de leitura como ato criativo na construção dos relatos e na produção da escrita, em sua historicidade, aos quais se associam os debates sobre o conceito de memória, cultura e narrativa.

Também incluímos neste número quatro artigos que, embora não estejam incluídos no Dossiê, assinalam uma significativa pesquisa documental associada a narrativas em que as problemáticas metodológicas se revelam no próprio percurso escriturístico. São eles: 13. Artífices de cor do Recife: dos privilégios corporativos à tentativa de controle da escolarização dos ofícios – décadas de 1840 E 1850 – Marcelo Mac Cord. 14. Crias do abandono, filhos da ordem. Assistência, poder e resistência no Colégio dos Órfãos de Pernambuco. (1835 a 1875) – Alcileide Cabral Nascimento e Gabriel Navarro Barros. 15. Os conceitos de “modo de produção” e “determinismo” – revisitando as diversas discussões no âmbito do Materialismo Histórico – José D’Assunção Barros. 16. Pajés, demônios e canibais: representações acerca do indígena americano na iconografia européia do século XVI. – Rodrigo Luiz Simas de Aguiar e Aline Maria Müller.

Há muitas inter-relações entre os textos deste número da revista Clio e neles se delineia um amplo espectro de abordagens, com destaque para o foco nas pesquisas realizadas. Sem pautar por uma exposição linear de assuntos ou temas, em espaços e tempos diversos, as contribuições destes autores nos levam a paragens desconhecidas. Desejamos que por meio de aproximações e diferenças o movimento da leitura destes artigos seja um convite para novas e instigantes viagens.

Para finalizar, queremos agradecer aos historiadores e historiadoras que enviaram seus artigos e, dessa forma, nos possibilitaram organizar mais este número da Revista Clio – Série Histórica –.

Professora Doutora Regina Beatriz Guimarães Neto.

Professor Doutor Antonio Torres Montenegro.


GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz; MONTENEGRO, Antonio Torres. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.28, n.1, jan / jun, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Memória, Narrativa, Política / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2010

Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. (Ítalo Calvino. Seis propostas para o próximo milênio)

A revista CLIO apresenta o dossiê “Memória, Narrativa, Política. ” que reúne artigos de historiadores e historiadoras do Brasil e demais países da América Latina, numa contribuição à análise da historiografia e suas relações com a memória, problematizando a narrativa e a cultura. Os percursos realizados contemplam diferentes espacialidades e temporalidades, com abordagens teóricas e metodológicas múltiplas, o que torna esse número da revista Clio – Série Histórica – um caleidoscópio de narrativas e análises históricas. Os textos, ao dialogarem com um amplo leque de fontes documentais, projetam significativas contribuições ao debate metodológico acerca das práticas historiográficas. Práticas estas que enfrentam o desafio de transformar palavras, inscrições e os mais diversos registros em relatos escritos.

Com base na leitura dos títulos dos artigos selecionados, é possível ter uma primeira percepção do campo documental e metodológico constitutivo da escrita histórica deste número da revista CLIO: 1. A botija do Rio Formoso e outras histórias. Profa. Maria do Socorro Cipriano. 2. La función de la oralidad a través de los mitos y leyendas. Su papel en la construcción de la pertenencia cultural en pueblos aborígenes Nicaraos y Chorotegas. Profa. Ligia Madrigal Mendieta. 3. Palavras Afiadas: memórias e representações africanistas na escrita de Carolina Maria de Jesus. Prof. Élio Chaves Flores. 4. Imprensa e Imagens: a construção de representações do Piauí e de Teresina através de jornais diários na década de 1970. Prof. Francisco Alcides do Nascimento.5. Quimera amazônica: mecenato e colecionismo em Belém do Pará, 1890-1910. Prof. Aldrin Moura de Figueiredo. 6. Memoria y Cultura obrera. Profa. Mariana Mastrángelo.7. La Idea de “La Determinación” em R. Williams y los Orígenes Del movimiento de derechos humanos de Tucumán. Prof. Rubén Isidoro Kotler. 8. “Era como una droga escucharlo a Perón”. Recordando la militancia treinta años más tarde (1955 a 1976). Prof. Pablo Pozzi. 9. Historiografia & Narrativa: do arquivo ao texto. Profa. Regina B. Guimarães Neto. 10. Travessias e desafios. Prof. Antonio Torres Montenegro. 11. A esposa-espírito Nambiquara. Profa. Anna Ribeiro F. M. Costa. 12. Júlio Bello: um homem velho fala sobre as velhices que viu e viveu. Prof. Alarcon Agra do Ó.

Ao reunir esta série de autores tivemos como critério definir a presença de historiadores e historiadoras que operam criticamente no fazer de suas pesquisas e procedimentos de análise, sem, contudo, instaurarmos princípios ou conceitualizações apriorísticas, que os classificam ou encerram em determinadas posições teóricas. Entendemos que o conjunto de textos, aqui apresentados, longe de projetar dicotomias teóricas e polêmicas que esvaziam o discurso historiográfico e fixam procedimentos desligados das práticas de pesquisa, insere-se em relações mais complexas. Aquelas que se estabelecem entre relato histórico, fontes documentais e proposições metodológicas. Portanto, nossa preocupação e interesse nos direcionam a refletir acerca dos processos de leitura como ato criativo na construção dos relatos e na produção da escrita, em sua historicidade, aos quais se associam os debates sobre o conceito de memória, cultura e narrativa.

Também incluímos neste número quatro artigos que, embora não estejam incluídos no Dossiê, assinalam uma significativa pesquisa documental associada a narrativas em que as problemáticas metodológicas se revelam no próprio percurso escriturístico. São eles: 13. Artífices de cor do Recife: dos privilégios corporativos à tentativa de controle da escolarização dos ofícios – décadas de 1840 E 1850 – Marcelo Mac Cord. 14. Crias do abandono, filhos da ordem. Assistência, poder e resistência no Colégio dos Órfãos de Pernambuco. (1835 a 1875) – Alcileide Cabral Nascimento e Gabriel Navarro Barros. 15. Os conceitos de “modo de produção” e “determinismo” – revisitando as diversas discussões no âmbito do Materialismo Histórico – José D’Assunção Barros. 16. Pajés, demônios e canibais: representações acerca do indígena americano na iconografia européia do século XVI. – Rodrigo Luiz Simas de Aguiar e Aline Maria Müller.

Há muitas inter-relações entre os textos deste número da revista Clio e neles se delineia um amplo espectro de abordagens, com destaque para o foco nas pesquisas realizadas. Sem pautar por uma exposição linear de assuntos ou temas, em espaços e tempos diversos, as contribuições destes autores nos levam a paragens desconhecidas. Desejamos que por meio de aproximações e diferenças o movimento da leitura destes artigos seja um convite para novas e instigantes viagens.

Para finalizar, queremos agradecer aos historiadores e historiadoras que enviaram seus artigos e, dessa forma, nos possibilitaram organizar mais este número da Revista Clio – Série Histórica –.

Professora Doutora Regina Beatriz Guimarães Neto.

Professor Doutor Antonio Torres Montenegro.


NETO, Regina Beatriz Guimarães; MONTENEGRO, Antonio Torres. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.28, n.1, jan / jun, 2010. Acessar publicação original [DR]

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Estudos Jesuíticos (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2009

É com grande satisfação que oferecemos ao nosso leitor o segundo volume do Dossiê “Estudos Jesuíticos”, por nós organizado para a Revista Clio – Série Histórica.

Neste segundo volume, estão reunidos nove novos artigos, frutos do trabalho de importantes pesquisadores que atualmente, sob diversos enfoques, tem se dedicado ao estudo da atuação e da presença jesuítica em Portugal e seu império.

No primeiro texto, a Professora Eliana Cristina Deckmann Fleck da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), propõe em Beato, sim. Santo, não! José de Anchieta, de Apóstolo e Taumaturgo do Brasil a construtor da nacionalidade, faz uma reflexão sobre a maneira como se deu o resgate da figura do Padre José de Anchieta, em meados da década de sessenta, por meio da exaltação de sua força moral, visando a difundir um projeto de defesa da integridade territorial e de luta contra as ameaças estrangeiras. Neste trabalho encontramos uma análise sobre como se criou uma memória histórica do Padre Anchieta que o fizesse integrar o panteão dos heróis nacionais e que permite compreender o apoio recebido pela causa de sua beatificação.

Debatendo importantes questões sobre a relação entre missionários e nativos, apresentamos também o artigo De gentis a defensores da missão: os Jeberos e as missões de Maynas, do Professor Fernando Torres-Londoño da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Aqui é proposta uma análise sobre a configuração e a aplicação das categorias de “gentio” e “cristão” na relação entre missionários e índios.

Em Rosário da Concórdia: Vieira e os fundamentos místicos da paz social, o professor Guilherme Amaral Luz da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) propõe um estudo dos sermões do Padre Antônio Vieira sobre a escravidão, devotados a Nossa Senhora do Rosário, no esforço de compreender os preceitos teológico-políticos dos inacianos com relação à escravidão africana.

Também analisando a obra de Padre Antônio Vieira, o artigo do professor Luís Felipe Silvério Lima, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), As partes e gentes da África na obra de Padre Antônio Vieira: a construção da figura literária e a idéia de Quinto Império, busca apontar o debate em torno das categorias das partes e gentes do mundo na obra do Padre Vieira, tendo em vista o projeto do Quinto Império e qual seria o lugar ocupado pela África e pelos escravos negros no Brasil em tal projeto.

Trabalhando em parceria, a pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Heloísa Meireles Gesteira e a mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Alessandra dos Santos Teixeira procuraram mostrar como as práticas médicas empreendidas pelos jesuítas no Brasil Colonial não podem ser entendidas como mera apropriação de técnicas indígenas ou apenas fruto de necessidades circunstanciais, nem tampouco uma simples cópia do que se fazia na Europa, analisando como se deram a produção, a sistematização e circulação do conhecimento médico, sobretudo na América Portuguesa.

Mostrando um horizonte inusitado da atuação dos missionários jesuítas no Brasil, o último artigo deste dossiê é de autoria de Ronaldo Vainfas, professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF). O ‘Plano para o bom governo dos índios’: um jesuíta a serviço da evangelização calvinista no Brasil holandês analisa o projeto missionário adotado pelos calvinistas no Brasil holandês, que fora apresentado ao conselho diretor da Companhia das Índias Ocidentais pelo jesuíta convertido ao calvinismo Manoel de Moraes, que se tornara consultor dos holandeses para assuntos relacionados ao Brasil.

Contribuindo ainda mais com a diversidade de nosso dossiê, apresentamos o trabalho Estudos sobre a contribuição da Antiga Companhia de Jesus ao desenvolvimento dos saberes sobre o psiquismo humano no Brasil Colonial, da professora da Universidade de São Paulo Marina Massimi. Esse artigo busca destacar a contribuição dos jesuítas na criação de formas e métodos do conhecimento da subjetividade e do comportamento humanos.

Analisando a organização das instituições de ensino jesuíticas em Portugal e em seu império, Marília de Azambuja Ribeiro, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em seu artigo Marquês de Pombal e o fim do projeto educacional jesuítico em Portugal e seu império (séculos XVI-XVIII), procura mostrar como os colégios de Portugal se constituíram no modelo das escolas na América Portuguesa.

Já os pesquisadores Pablo Iglesias Magalhães, doutorando em História pela Universidade Federal da Bahia, e Maria Hilda Paraíso, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos trazem em Cartas do Padre Fernão Cardim (1608-1618), transcrições e análise de duas importantes cartas do Provincial da Ordem no Brasil e reitor do Colégio da Bahia: a Carta Ânua, de 1607, e uma outra inédita, de 1618.

O Dossiê Estudos Jesuíticos inclui ainda a transcrição de um documento inédito: Auto de seqüestro e inventario que Dor João Cardozo de Azevedo Dezembargador dos Aggravos da Rellação do Rio de Janeiro mandou fazer em virtude da ordem abaixo copiada da fazenda de Macâe que tem os pes da Comp. do Collegio da mesma Cidade no caminho que vai para os lados denominados Campos dos Gaytacazes, que foi transcrito e comentado pela Professora Márcia Amantino, da Universidade Salgado de Oliveira.

O volume também consta de três artigos e uma resenha, externos ao Dossiê. O primeiro artigo é de autoria do professor José Bento Rosa da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no qual ele investiga a importância da Serra da Barriga como referência de identidade para militantes do Movimento Negro Brasileiro; o segundo texto, em co-autoria da Doutora Clarissa Nunes Maia e do Mestre Flávio de Sá Cavalcanti de Albuquerque Neto, ambos titulados pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), analisa algumas dificuldades enfrentadas na administração da Casa de Detenção do Recife, na segunda metade do século XIX; por fim, a professora Kalina Vanderlei Silva, da Universidade de Pernambuco (UPE) estuda o processo de conquista do sertão empreendido pela Coroa portuguesa e pelas autoridades coloniais, observando o emprego da organização militar das vilas açucareiras sob jurisdição de Pernambuco e Bahia na segunda metade do século XVII. Este volume se encerra com uma resenha do livro A formação da elite colonial. Brasil (c. 1530 – c. 1630)¸de Rodrigo Ricúpero, feita pelo professor George Félix Cabral de Souza, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Recife, agosto de 2009

Marília de Azambuja Ribeiro


RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.27, n.2, jul / dez, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Estudos Jesuíticos (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2009

É com grande satisfação que oferecemos ao nosso leitor mais um número da Revista Clio – Série Histórica, o qual contém o primeiro dos dois volumes do Dossiê “Estudos Jesuíticos” por nós organizado.

Tema tradicional e de enorme importância para nossa historiografia, os estudos jesuíticos, nos últimos anos, tem atraído novos pesquisadores e vem conhecendo uma profunda renovação de temáticas e abordagens.

A organização desse Dossiê, então, permitiu a reunião de uma amostra significativa da mais recente produção acadêmica sobre a atuação da Companhia de Jesus no mundo luso-americano.

Neste primeiro volume, estão reunidos os oito primeiros artigos, frutos do trabalho de importantes pesquisadores que atualmente, sob diversos enfoques, tem se dedicado ao estudo da atuação e da presença jesuítica em Portugal e seu império.

O primeiro artigo, intitulado As prisões e o destino dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão: narrativa apologética, paradigma de resistência ao anti-jesuitismo, do professor SJ Luiz Fernando Medeiros Rodrigues, da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), é um estudo dos meios de resistência adotados pelos os religiosos da Companhia de Jesus perante o anti-jesuitismo pombalino.

A professora Márcia Eliane Alves de Souza e Mello, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por sua vez, nos apresenta, em seu artigo O Regimento das Missões: poder e negociação na Amazônia Portuguesa, um novo estudo sobre a formação do Regimento das Missões no Maranhão e Grão-Pará, enfatizando as negociações entre o poder central e as elites locais na formulação da legislação.

Ocupando-se do mesmo contexto geográfico, o professor Rafael Chambouleyron, da Universidade Federal do Pará (UFPA), analisa as percepções dos jesuítas em torno dos problemas do uso da força de trabalho indígena na Amazônia, ao longo da segunda metade do século XVII.

Deixando o espaço do Estado do Grão-Pará e Maranhão pelo do Estado do Brasil, a professora Maria Emília Monteiro Porto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), traz seus Estudos sobre as missões jesuíticas na Capitania do Rio Grande: arcaísmo e modernidade nas fronteiras coloniais.

Seguem-se as contribuições do professor Carlos Alberto M. R. Zeron, da Universidade de São Paulo (USP) e do professor Rafael Ruiz, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ambos os textos baseiam-se nos conteúdos jurídicos da Apologia pro paulistis, texto inédito, por eles transcrito e traduzido e que se encontra publicado ao fim deste volume.

O texto de Carlos Zeron, intitulado Interpretações das relações entre ‘cura animarum’ e ‘potestas indirecta’ no mundo luso-americano, debate elementos importantes sobre a orientação teórica da missionação jesuítica no Brasil, discutindo a maneira como certas noções dominantes em âmbito europeu foram incorporadas localmente pelos missionários da Província do Brasil e propondo uma reflexão sobre a dimensão política da missão jesuítica na América Portuguesa.

Já o artigo A Interpretação das leis reais: Ambigüidade e prudência no poder das autoridades locais na América do século XVII do professor Rafael Ruiz propõe um exame de como a interpretação de leis por juristas e teólogos residentes na América era usada pelas esferas de poder locais na consecução de seus interesses.

O sétimo, e mais longo artigo apresentado neste dossiê, nos foi gentilmente enviado pelo Professor Adone Agnolin, também da Universidade de São Paulo (USP), com o título: Religião e Política nos ritos de Malabar: Interpretações diferenciais da missionação jesuítica na Índia e no Oriente (séc. XVII); ele procura discutir a polêmica desencadeada a partir da tentativa do jesuíta italiano Roberto de’Nobili de conciliar hinduísmo e cristianismo na empresa evangelizadora em Madurai, que traria um conflito nas missões indianas quanto à concessão do direito aos neófitos de continuar a praticar alguns ritos ligados à tradição de seus país e, posteriormente, uma divergência na interpretação de tais ritos.

Por fim, o professor Luís Miguel Carolino, da Universidade de Lisboa, especialista em história da ciência, em O paraíso do astrônomo, analisa a teoria do céu empíreo, segundo o astrônomo Cristóforo Borri (1583-1632). Teoria essa amplamente defendida pela intelectualidade católica do período moderno, em particular pelos membros da Companhia de Jesus.

Sempre no contexto do Dossiê, podemos incluir a contribuição da doutoranda pela École des Hautes Études en Sciences Sociales: Camila Loureiro Dias, que nos enviou a resenha da obra Los jesuítas e la modernidad en Iberoamérica, organizada por Manuel Marzal e Luis Bacigalupo.

O volume também consta de dois artigos, externos ao Dossiê, um do professor Carlos Alberto Cunha Miranda, outro do professor Ricardo Pinto de Medeiros, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O primeiro trata do interessante tema da repercussão do pensamento eugênico no Brasil durante os séculos XIX e XX; o segundo, por sua vez, aborda o papel dos povos indígenas nas guerras de conquista do sertão nordestino no período colonial.

Assim, satisfeitos com os resultados obtidos, agrademos a todos aqueles que de algum modo permitiram a realização deste volume.

Recife, junho de 2009

Marília de Azambuja Ribeiro


RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.27, n.1, jan / jun, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Estudos Jesuíticos (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2009

É com grande satisfação que oferecemos ao nosso leitor o segundo volume do Dossiê “Estudos Jesuíticos”, por nós organizado para a Revista Clio – Série Histórica.

Neste segundo volume, estão reunidos nove novos artigos, frutos do trabalho de importantes pesquisadores que atualmente, sob diversos enfoques, tem se dedicado ao estudo da atuação e da presença jesuítica em Portugal e seu império.

No primeiro texto, a Professora Eliana Cristina Deckmann Fleck da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), propõe em Beato, sim. Santo, não! José de Anchieta, de Apóstolo e Taumaturgo do Brasil a construtor da nacionalidade, faz uma reflexão sobre a maneira como se deu o resgate da figura do Padre José de Anchieta, em meados da década de sessenta, por meio da exaltação de sua força moral, visando a difundir um projeto de defesa da integridade territorial e de luta contra as ameaças estrangeiras. Neste trabalho encontramos uma análise sobre como se criou uma memória histórica do Padre Anchieta que o fizesse integrar o panteão dos heróis nacionais e que permite compreender o apoio recebido pela causa de sua beatificação.

Debatendo importantes questões sobre a relação entre missionários e nativos, apresentamos também o artigo De gentis a defensores da missão: os Jeberos e as missões de Maynas, do Professor Fernando Torres-Londoño da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Aqui é proposta uma análise sobre a configuração e a aplicação das categorias de “gentio” e “cristão” na relação entre missionários e índios.

Em Rosário da Concórdia: Vieira e os fundamentos místicos da paz social, o professor Guilherme Amaral Luz da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) propõe um estudo dos sermões do Padre Antônio Vieira sobre a escravidão, devotados a Nossa Senhora do Rosário, no esforço de compreender os preceitos teológico-políticos dos inacianos com relação à escravidão africana.

Também analisando a obra de Padre Antônio Vieira, o artigo do professor Luís Felipe Silvério Lima, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), As partes e gentes da África na obra de Padre Antônio Vieira: a construção da figura literária e a idéia de Quinto Império, busca apontar o debate em torno das categorias das partes e gentes do mundo na obra do Padre Vieira, tendo em vista o projeto do Quinto Império e qual seria o lugar ocupado pela África e pelos escravos negros no Brasil em tal projeto.

Trabalhando em parceria, a pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Heloísa Meireles Gesteira e a mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Alessandra dos Santos Teixeira procuraram mostrar como as práticas médicas empreendidas pelos jesuítas no Brasil Colonial não podem ser entendidas como mera apropriação de técnicas indígenas ou apenas fruto de necessidades circunstanciais, nem tampouco uma simples cópia do que se fazia na Europa, analisando como se deram a produção, a sistematização e circulação do conhecimento médico, sobretudo na América Portuguesa.

Mostrando um horizonte inusitado da atuação dos missionários jesuítas no Brasil, o último artigo deste dossiê é de autoria de Ronaldo Vainfas, professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF). O ‘Plano para o bom governo dos índios’: um jesuíta a serviço da evangelização calvinista no Brasil holandês analisa o projeto missionário adotado pelos calvinistas no Brasil holandês, que fora apresentado ao conselho diretor da Companhia das Índias Ocidentais pelo jesuíta convertido ao calvinismo Manoel de Moraes, que se tornara consultor dos holandeses para assuntos relacionados ao Brasil.

Contribuindo ainda mais com a diversidade de nosso dossiê, apresentamos o trabalho Estudos sobre a contribuição da Antiga Companhia de Jesus ao desenvolvimento dos saberes sobre o psiquismo humano no Brasil Colonial, da professora da Universidade de São Paulo Marina Massimi. Esse artigo busca destacar a contribuição dos jesuítas na criação de formas e métodos do conhecimento da subjetividade e do comportamento humanos.

Analisando a organização das instituições de ensino jesuíticas em Portugal e em seu império, Marília de Azambuja Ribeiro, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em seu artigo Marquês de Pombal e o fim do projeto educacional jesuítico em Portugal e seu império (séculos XVI-XVIII), procura mostrar como os colégios de Portugal se constituíram no modelo das escolas na América Portuguesa.

Já os pesquisadores Pablo Iglesias Magalhães, doutorando em História pela Universidade Federal da Bahia, e Maria Hilda Paraíso, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos trazem em Cartas do Padre Fernão Cardim (1608-1618), transcrições e análise de duas importantes cartas do Provincial da Ordem no Brasil e reitor do Colégio da Bahia: a Carta Ânua, de 1607, e uma outra inédita, de 1618.

O Dossiê Estudos Jesuíticos inclui ainda a transcrição de um documento inédito: Auto de seqüestro e inventario que Dor João Cardozo de Azevedo Dezembargador dos Aggravos da Rellação do Rio de Janeiro mandou fazer em virtude da ordem abaixo copiada da fazenda de Macâe que tem os pes da Comp. do Collegio da mesma Cidade no caminho que vai para os lados denominados Campos dos Gaytacazes, que foi transcrito e comentado pela Professora Márcia Amantino, da Universidade Salgado de Oliveira.

O volume também consta de três artigos e uma resenha, externos ao Dossiê. O primeiro artigo é de autoria do professor José Bento Rosa da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no qual ele investiga a importância da Serra da Barriga como referência de identidade para militantes do Movimento Negro Brasileiro; o segundo texto, em co-autoria da Doutora Clarissa Nunes Maia e do Mestre Flávio de Sá Cavalcanti de Albuquerque Neto, ambos titulados pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), analisa algumas dificuldades enfrentadas na administração da Casa de Detenção do Recife, na segunda metade do século XIX; por fim, a professora Kalina Vanderlei Silva, da Universidade de Pernambuco (UPE) estuda o processo de conquista do sertão empreendido pela Coroa portuguesa e pelas autoridades coloniais, observando o emprego da organização militar das vilas açucareiras sob jurisdição de Pernambuco e Bahia na segunda metade do século XVII. Este volume se encerra com uma resenha do livro A formação da elite colonial. Brasil (c. 1530 – c. 1630)¸de Rodrigo Ricúpero, feita pelo professor George Félix Cabral de Souza, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Recife, agosto de 2009

Marília de Azambuja Ribeiro

RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.27, n.2, jul / dez, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Estudos Jesuíticos (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2009

É com grande satisfação que oferecemos ao nosso leitor mais um número da Revista Clio – Série Histórica, o qual contém o primeiro dos dois volumes do Dossiê “Estudos Jesuíticos” por nós organizado.

Tema tradicional e de enorme importância para nossa historiografia, os estudos jesuíticos, nos últimos anos, tem atraído novos pesquisadores e vem conhecendo uma profunda renovação de temáticas e abordagens.

A organização desse Dossiê, então, permitiu a reunião de uma amostra significativa da mais recente produção acadêmica sobre a atuação da Companhia de Jesus no mundo luso-americano.

Neste primeiro volume, estão reunidos os oito primeiros artigos, frutos do trabalho de importantes pesquisadores que atualmente, sob diversos enfoques, tem se dedicado ao estudo da atuação e da presença jesuítica em Portugal e seu império.

O primeiro artigo, intitulado As prisões e o destino dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão: narrativa apologética, paradigma de resistência ao anti-jesuitismo, do professor SJ Luiz Fernando Medeiros Rodrigues, da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), é um estudo dos meios de resistência adotados pelos os religiosos da Companhia de Jesus perante o anti-jesuitismo pombalino.

A professora Márcia Eliane Alves de Souza e Mello, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por sua vez, nos apresenta, em seu artigo O Regimento das Missões: poder e negociação na Amazônia Portuguesa, um novo estudo sobre a formação do Regimento das Missões no Maranhão e Grão-Pará, enfatizando as negociações entre o poder central e as elites locais na formulação da legislação.

Ocupando-se do mesmo contexto geográfico, o professor Rafael Chambouleyron, da Universidade Federal do Pará (UFPA), analisa as percepções dos jesuítas em torno dos problemas do uso da força de trabalho indígena na Amazônia, ao longo da segunda metade do século XVII.

Deixando o espaço do Estado do Grão-Pará e Maranhão pelo do Estado do Brasil, a professora Maria Emília Monteiro Porto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), traz seus Estudos sobre as missões jesuíticas na Capitania do Rio Grande: arcaísmo e modernidade nas fronteiras coloniais.

Seguem-se as contribuições do professor Carlos Alberto M. R. Zeron, da Universidade de São Paulo (USP) e do professor Rafael Ruiz, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ambos os textos baseiam-se nos conteúdos jurídicos da Apologia pro paulistis, texto inédito, por eles transcrito e traduzido e que se encontra publicado ao fim deste volume.

O texto de Carlos Zeron, intitulado Interpretações das relações entre ‘cura animarum’ e ‘potestas indirecta’ no mundo luso-americano, debate elementos importantes sobre a orientação teórica da missionação jesuítica no Brasil, discutindo a maneira como certas noções dominantes em âmbito europeu foram incorporadas localmente pelos missionários da Província do Brasil e propondo uma reflexão sobre a dimensão política da missão jesuítica na América Portuguesa.

Já o artigo A Interpretação das leis reais: Ambigüidade e prudência no poder das autoridades locais na América do século XVII do professor Rafael Ruiz propõe um exame de como a interpretação de leis por juristas e teólogos residentes na América era usada pelas esferas de poder locais na consecução de seus interesses.

O sétimo, e mais longo artigo apresentado neste dossiê, nos foi gentilmente enviado pelo Professor Adone Agnolin, também da Universidade de São Paulo (USP), com o título: Religião e Política nos ritos de Malabar: Interpretações diferenciais da missionação jesuítica na Índia e no Oriente (séc. XVII); ele procura discutir a polêmica desencadeada a partir da tentativa do jesuíta italiano Roberto de’Nobili de conciliar hinduísmo e cristianismo na empresa evangelizadora em Madurai, que traria um conflito nas missões indianas quanto à concessão do direito aos neófitos de continuar a praticar alguns ritos ligados à tradição de seus país e, posteriormente, uma divergência na interpretação de tais ritos.

Por fim, o professor Luís Miguel Carolino, da Universidade de Lisboa, especialista em história da ciência, em O paraíso do astrônomo, analisa a teoria do céu empíreo, segundo o astrônomo Cristóforo Borri (1583-1632). Teoria essa amplamente defendida pela intelectualidade católica do período moderno, em particular pelos membros da Companhia de Jesus.

Sempre no contexto do Dossiê, podemos incluir a contribuição da doutoranda pela École des Hautes Études en Sciences Sociales: Camila Loureiro Dias, que nos enviou a resenha da obra Los jesuítas e la modernidad en Iberoamérica, organizada por Manuel Marzal e Luis Bacigalupo.

O volume também consta de dois artigos, externos ao Dossiê, um do professor Carlos Alberto Cunha Miranda, outro do professor Ricardo Pinto de Medeiros, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O primeiro trata do interessante tema da repercussão do pensamento eugênico no Brasil durante os séculos XIX e XX; o segundo, por sua vez, aborda o papel dos povos indígenas nas guerras de conquista do sertão nordestino no período colonial.

Assim, satisfeitos com os resultados obtidos, agrademos a todos aqueles que de algum modo permitiram a realização deste volume.

Recife, junho de 2009

Marília de Azambuja Ribeiro


RIBEIRO, Marília de Azambuja. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.27, n.1, jan / jun, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Sociedades açucareiras / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2008

Ilustrando quão importante é o papel do açúcar no desenho das sociedades modernas do Brasil, e mais amplamente, de todas as “terras de açúcar”, o presente número da Clio apresenta um dossiê bastante abrangente geográfica e tematicamente. A transdisciplinaridade se impõe na abordagem das sociedades açucareiras, na medida em que, no mundo moderno ocidental, o açúcar, uma das “substâncias duradouras”, nas palavras do Prof. Mintz, implica uma cadeia de produção e consumo envolvendo inúmeras dimensões, que podem ser melhor apreendidas com as ferramentas analíticas da história e suas disciplinas irmãs, antropologia, sociologia, geografia entre as mais presentes neste volume.

Os autores que contribuíram com o resultado de suas pesquisas e reflexões, exploraram âmbitos variados, incluindo questões dietéticas, energéticas no sentido mais amplo, jurídicas e culturais, além de contemplar a dinâmica de movimentos sociais, sejam eles históricos ou mais contemporâneos que colocam em evidência a condição dos atores principais desta saga, seja na origem de suas organizações de defesa modernas, seja nas dimensões que a abordagem indigenista ou agroecológica, mais atuais, propõem. A produção, geralmente privilegiada na literatura acadêmica sobre o assunto, aparece aqui em prismas singulares, agronômicos, agro-ecológicos no sentido da resistência à monocultura, ou da dimensão das relações de trabalho e dinâmicas de luta dos atores sociais que são os trabalhadores rurais.

Assim, o Professor Sidney Mintz nos honra com um artigo que associa de forma desafiadora as relações mútuas de energia e cultura. Grande especialista da história do açúcar, ele traça paralelos entre períodos dos sistemas de alimentação mundial, antigamente autárquicos e hoje em dia cada vez mais integrados. Paralelos ousados são traçados com questões energéticas atuais, muito presentes no horizonte brasileiro, físico ou metafórico, que está ocupado maciçamente pela proposta do etanol, reputada progressista.

Vários artigos se dedicam às sociedades coloniais que nasceram como sociedades açucareiras, no Brasil, mas também no Caribe. Em um estudo usando o conceito de gênero para analisar as sociedades pósabolição nas Antilhas francesas, Myriam Cottias debate a evolução das relações familiais examinando os efeitos desta transformação social sobre as relações de gênero no seio de uma sociedade que se estruturou sobre a hierarquia racial e a partição entre “Livres” e “Escravos”.

As sesmarias no Pernambuco do início da colonização também refletem, na fundação dos primeiros engenhos, o entrelaçamento das famílias dos primeiros proprietários. Socorro Ferraz estabelece a relação entre estes e a criação de vilas e povoados na Zona da Mata Sul de Pernambuco. No mesmo contexto pernambucano, Virgínia Almoêdo explora o processo de retomada, pela coroa portuguesa, dos poderes jurisdicionais – notadamente para a nomeação de cargos públicos da Justiça – originalmente doados aos capitães-donatários.

Vários artigos exploram a dimensão cultural, nas suas expressões, mas também nos usos e interpretações que lhes foram atribuídos. Assim, Severino Vicente revista conceitos sobre a cultura na região sacaricultora, defendendo a proposta de abandonar o exclusivismo da visão desta a partir da Casa Grande, e propondo explicações mais atentas às tensões das relações sociais existentes também nas expressões culturais.

A propósito de criação fílmica, Caio Maciel interpreta as representações da paisagem canavieira procurando evidenciar como o espaço geográfico desta região adquire o significado cultural de síntese regional, exercício que o pesquisador já realizou a propósito do Sertão.

O olhar de três escritores franceses influentes, cujos escritos se escalonam ao longo do século XX, é analisado por Regis Tettamanzi. A respeito de Luc Durtain (viajante), Roger Bastide (sociólogo) e Jean- Christophe Rufin (romancista que atuou como diplomata) o autor revela elementos comuns na visão que estes textos dão do Recife, capital açucareira, ao mesmo tempo em que evidencia as especificidades ligadas aos respectivos gêneros.

A ecologia ocupa os dois autores seguintes. O historiador Thomas Rogers descreve a história da mudança das variedades de cana-de-açúcar nos canaviais de Pernambuco, a emergência e profissionalização de um setor de cientistas e assessores agronômicos. Ele revela também as reações dos plantadores pernambucanos a estas inovações. Enquanto que o sociólogo Marcos Figueiredo revela experiências em andamento de camponeses sem terra e trabalhadores rurais e urbanos da região canavieira pernambucana que se empenham em desenvolver uma ação social coletiva, se constituindo como “sujeitos da reforma agrária”. Contra o modelo do latifúndio monocultor, eles alcançam uma melhoria das condições de vida e da autoconfiança das famílias camponesas assentadas.

Nas memórias dos índios Xukuru, a migração para a Zona da Mata Sul de Pernambuco, chamada “o Sul”, foi causada pelas violências dos fazendeiros invasores das terras do antigo aldeamento de Cimbres. No artigo de Edson Silva, esta fase mais recente da secular desapropriação dos primeiros habitantes das terras de açúcar nordestinas é examinada no aspecto das vivências na migração para a zona canavieira onde estes trabalhadores se estabeleceram reinventando suas relações no mundo do açúcar.

A gênese dos movimentos reivindicativos dos trabalhadores rurais constitui o assunto analisado por Anthony Pereira, particularmente a ‘passagem’ das Ligas Camponesas para os sindicatos de trabalhadores rurais, realçando o papel do Estado neste processo. No mesmo âmbito, Socorro Abreu trata da comunicação sindical, durante o período da ditadura: programas de rádio, jornais, panfletos, encenações, etc. reforçaram o trabalho de formação, de divulgação ou de propaganda, fundamentais para a difusão da atuação destes órgãos de defesa dos trabalhadores rurais. Os ‘direitos’ constituem o elemento principal das temáticas assim divulgadas. A promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, assim como a instalação de Juntas de Conciliação e Julgamento da 6ª Região do Tribunal Regional do Trabalho permitiram Christine Rufino Dabat aos assalariados rurais da zona canavieira fazer valer o aparato legal que finalmente os protegeu. O artigo seguinte, concluindo o dossiê “Sociedades Açucareiras”, traz dados extraidos dos arquivos do judiciário que fornecem um perfil das ações assim empreendidas.

O artigo de Richard Marin analisa as semelhanças e as diferenças entre as trajetórias pastorais dos prelados Helder Câmara e Oscar Romero. Expressões famosas da “Igreja dos pobres” no Brasil e em Salvador, os dois religiosos de destaque tiveram itinerários pessoais influenciados pelo contexto da renovação da igreja católica, proposta pelo Concílio Vaticano II.

Isabel Guillen, por sua vez, propõe-se a discutir as implicações do ensino de História da África, nos diversos níveis educacionais, nas políticas afirmativas para afro-descendentes, na definição de identidades e na memória social, principalmente na memória da escravidão. Seu objetivo é discutir a importância do estudo da história da África e da cultura afro-descendente para a consolidação da cidadania e para a definição dos patrimônios culturais no Brasil.

O último artigo desta Clio versa sobre as relações de organização espacial urbana e rural, representada pela vila de Olinda e por uma fazenda beneditina, ambas localizadas na Capitania de Pernambuco, considerando a estrutura social e de poder vigente, isto é, a Igreja, o poder do Estado e o povo. Para tanto, Mércia Carréra e Leandro Surya levam também em consideração dados arqueológicos.

Aura González Serna apresenta o livro de Edvânia Torres Aguiar Gomes. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica. A obra se propõe a uma leitura de eixos escolhidos no tecido urbano, usando do conceito de paisagem em diversas definições, numa perspectiva sócio-ambiental.

Agradecimentos são devidos a todos os autores que participaram generosamente com seus escritos. Ademais, este número da Clio contou com a colaboração dos colegas Thomas Rogers e Bartira Ferraz Barbosa, esta última tendo concebido a capa. Agradeço à artista plástica Lorane Silva Barreto e ao fotógrafo Gustavo Maia, que cederam respectivamente a obra e a fotografia da lajota. Esta peça remete duplamente ao assunto aqui focado, pela técnica ‘canabarro’ utilizada pela artista e pela escolha da temática: o desenho é feito com caldo de cana e o traçado lembra trabalhadores africanos deportados para, precisamente, produzir açúcar.

Para a revisão final das traduções sou muito grata pela ajuda de alunos do Departamento de História da UFPE: Mateus Samico Simon, Michel Gomes da Rocha e, sobretudo, José Marcelo Marques Ferreira Filho, que contribuiu também para a edição final dos textos aqui apresentados. A equipe da Editora Universitária da UFPE mostrou, como sempre, muita perícia e empenho na publicação da revista.

Christine Rufino Dabat


DABAT, Christine Rufino. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.26, n.2, jul / dez, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Sociedades açucareiras / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2008

Ilustrando quão importante é o papel do açúcar no desenho das sociedades modernas do Brasil, e mais amplamente, de todas as “terras de açúcar”, o presente número da Clio apresenta um dossiê bastante abrangente geográfica e tematicamente. A transdisciplinaridade se impõe na abordagem das sociedades açucareiras, na medida em que, no mundo moderno ocidental, o açúcar, uma das “substâncias duradouras”, nas palavras do Prof. Mintz, implica uma cadeia de produção e consumo envolvendo inúmeras dimensões, que podem ser melhor apreendidas com as ferramentas analíticas da história e suas disciplinas irmãs, antropologia, sociologia, geografia entre as mais presentes neste volume.

Os autores que contribuíram com o resultado de suas pesquisas e reflexões, exploraram âmbitos variados, incluindo questões dietéticas, energéticas no sentido mais amplo, jurídicas e culturais, além de contemplar a dinâmica de movimentos sociais, sejam eles históricos ou mais contemporâneos que colocam em evidência a condição dos atores principais desta saga, seja na origem de suas organizações de defesa modernas, seja nas dimensões que a abordagem indigenista ou agroecológica, mais atuais, propõem. A produção, geralmente privilegiada na literatura acadêmica sobre o assunto, aparece aqui em prismas singulares, agronômicos, agro-ecológicos no sentido da resistência à monocultura, ou da dimensão das relações de trabalho e dinâmicas de luta dos atores sociais que são os trabalhadores rurais.

Assim, o Professor Sidney Mintz nos honra com um artigo que associa de forma desafiadora as relações mútuas de energia e cultura. Grande especialista da história do açúcar, ele traça paralelos entre períodos dos sistemas de alimentação mundial, antigamente autárquicos e hoje em dia cada vez mais integrados. Paralelos ousados são traçados com questões energéticas atuais, muito presentes no horizonte brasileiro, físico ou metafórico, que está ocupado maciçamente pela proposta do etanol, reputada progressista.

Vários artigos se dedicam às sociedades coloniais que nasceram como sociedades açucareiras, no Brasil, mas também no Caribe. Em um estudo usando o conceito de gênero para analisar as sociedades pósabolição nas Antilhas francesas, Myriam Cottias debate a evolução das relações familiais examinando os efeitos desta transformação social sobre as relações de gênero no seio de uma sociedade que se estruturou sobre a hierarquia racial e a partição entre “Livres” e “Escravos”.

As sesmarias no Pernambuco do início da colonização também refletem, na fundação dos primeiros engenhos, o entrelaçamento das famílias dos primeiros proprietários. Socorro Ferraz estabelece a relação entre estes e a criação de vilas e povoados na Zona da Mata Sul de Pernambuco. No mesmo contexto pernambucano, Virgínia Almoêdo explora o processo de retomada, pela coroa portuguesa, dos poderes jurisdicionais – notadamente para a nomeação de cargos públicos da Justiça – originalmente doados aos capitães-donatários.

Vários artigos exploram a dimensão cultural, nas suas expressões, mas também nos usos e interpretações que lhes foram atribuídos. Assim, Severino Vicente revista conceitos sobre a cultura na região sacaricultora, defendendo a proposta de abandonar o exclusivismo da visão desta a partir da Casa Grande, e propondo explicações mais atentas às tensões das relações sociais existentes também nas expressões culturais.

A propósito de criação fílmica, Caio Maciel interpreta as representações da paisagem canavieira procurando evidenciar como o espaço geográfico desta região adquire o significado cultural de síntese regional, exercício que o pesquisador já realizou a propósito do Sertão.

O olhar de três escritores franceses influentes, cujos escritos se escalonam ao longo do século XX, é analisado por Regis Tettamanzi. A respeito de Luc Durtain (viajante), Roger Bastide (sociólogo) e Jean- Christophe Rufin (romancista que atuou como diplomata) o autor revela elementos comuns na visão que estes textos dão do Recife, capital açucareira, ao mesmo tempo em que evidencia as especificidades ligadas aos respectivos gêneros.

A ecologia ocupa os dois autores seguintes. O historiador Thomas Rogers descreve a história da mudança das variedades de cana-de-açúcar nos canaviais de Pernambuco, a emergência e profissionalização de um setor de cientistas e assessores agronômicos. Ele revela também as reações dos plantadores pernambucanos a estas inovações. Enquanto que o sociólogo Marcos Figueiredo revela experiências em andamento de camponeses sem terra e trabalhadores rurais e urbanos da região canavieira pernambucana que se empenham em desenvolver uma ação social coletiva, se constituindo como “sujeitos da reforma agrária”. Contra o modelo do latifúndio monocultor, eles alcançam uma melhoria das condições de vida e da autoconfiança das famílias camponesas assentadas.

Nas memórias dos índios Xukuru, a migração para a Zona da Mata Sul de Pernambuco, chamada “o Sul”, foi causada pelas violências dos fazendeiros invasores das terras do antigo aldeamento de Cimbres. No artigo de Edson Silva, esta fase mais recente da secular desapropriação dos primeiros habitantes das terras de açúcar nordestinas é examinada no aspecto das vivências na migração para a zona canavieira onde estes trabalhadores se estabeleceram reinventando suas relações no mundo do açúcar.

A gênese dos movimentos reivindicativos dos trabalhadores rurais constitui o assunto analisado por Anthony Pereira, particularmente a ‘passagem’ das Ligas Camponesas para os sindicatos de trabalhadores rurais, realçando o papel do Estado neste processo. No mesmo âmbito, Socorro Abreu trata da comunicação sindical, durante o período da ditadura: programas de rádio, jornais, panfletos, encenações, etc. reforçaram o trabalho de formação, de divulgação ou de propaganda, fundamentais para a difusão da atuação destes órgãos de defesa dos trabalhadores rurais. Os ‘direitos’ constituem o elemento principal das temáticas assim divulgadas. A promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, assim como a instalação de Juntas de Conciliação e Julgamento da 6ª Região do Tribunal Regional do Trabalho permitiram Christine Rufino Dabat aos assalariados rurais da zona canavieira fazer valer o aparato legal que finalmente os protegeu. O artigo seguinte, concluindo o dossiê “Sociedades Açucareiras”, traz dados extraidos dos arquivos do judiciário que fornecem um perfil das ações assim empreendidas.

O artigo de Richard Marin analisa as semelhanças e as diferenças entre as trajetórias pastorais dos prelados Helder Câmara e Oscar Romero. Expressões famosas da “Igreja dos pobres” no Brasil e em Salvador, os dois religiosos de destaque tiveram itinerários pessoais influenciados pelo contexto da renovação da igreja católica, proposta pelo Concílio Vaticano II.

Isabel Guillen, por sua vez, propõe-se a discutir as implicações do ensino de História da África, nos diversos níveis educacionais, nas políticas afirmativas para afro-descendentes, na definição de identidades e na memória social, principalmente na memória da escravidão. Seu objetivo é discutir a importância do estudo da história da África e da cultura afro-descendente para a consolidação da cidadania e para a definição dos patrimônios culturais no Brasil.

O último artigo desta Clio versa sobre as relações de organização espacial urbana e rural, representada pela vila de Olinda e por uma fazenda beneditina, ambas localizadas na Capitania de Pernambuco, considerando a estrutura social e de poder vigente, isto é, a Igreja, o poder do Estado e o povo. Para tanto, Mércia Carréra e Leandro Surya levam também em consideração dados arqueológicos.

Aura González Serna apresenta o livro de Edvânia Torres Aguiar Gomes. Recortes de Paisagens na Cidade do Recife. Uma Abordagem Geográfica. A obra se propõe a uma leitura de eixos escolhidos no tecido urbano, usando do conceito de paisagem em diversas definições, numa perspectiva sócio-ambiental.

Agradecimentos são devidos a todos os autores que participaram generosamente com seus escritos. Ademais, este número da Clio contou com a colaboração dos colegas Thomas Rogers e Bartira Ferraz Barbosa, esta última tendo concebido a capa. Agradeço à artista plástica Lorane Silva Barreto e ao fotógrafo Gustavo Maia, que cederam respectivamente a obra e a fotografia da lajota. Esta peça remete duplamente ao assunto aqui focado, pela técnica ‘canabarro’ utilizada pela artista e pela escolha da temática: o desenho é feito com caldo de cana e o traçado lembra trabalhadores africanos deportados para, precisamente, produzir açúcar.

Para a revisão final das traduções sou muito grata pela ajuda de alunos do Departamento de História da UFPE: Mateus Samico Simon, Michel Gomes da Rocha e, sobretudo, José Marcelo Marques Ferreira Filho, que contribuiu também para a edição final dos textos aqui apresentados. A equipe da Editora Universitária da UFPE mostrou, como sempre, muita perícia e empenho na publicação da revista.

Christine Rufino Dabat


DABAT, Christine Rufino. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.26, n.2, jul / dez, 2008. Acessar publicação original [DR]

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História dos Povos Indígenas / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2007

CARVALHO, Marcus J. M. de; SILVA, Edson. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.25, n.2, jul / dez, 2007. Acesso apenas pelo link original [DR]

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Cultura e modernidade / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2003

REZENDE, Antônio Paulo de Morais; GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.21, n.1, jan / dez, 2003. Acesso apenas pelo link original [DR]

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Alternativas e deslocamentos na construção da nação / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2002

FERRAZ, Maria do Socorro. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.20, n.1, jan / dez, 2002. Acesso apenas pelo link original [DR]

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Alternativas e deslocamentos na construção da nação / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2002

FERRAZ, Maria do Socorro. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.20, n.1, jan / dez, 2002. Acesso apenas pelo link original [DR]

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O povo brasileiro: imagens e representações / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2001

A Revista CLIO – de pesquisa histórica, a partir deste número, introduz algumas modificações: circulará com um Dossiê, e duas seções: Artigos e Resenhas.

O dossiê intitulado O POVO BRASILEIRO: imagens e representações, trata das ações de resistência de brasileiros, qualificados como homens de cor, camponeses enlouquecidos, curandeiros, cangaceiros, enfim, a “vilíssima canalha”.

Estes trabalhos são o resultado de pesquisas que sugerem a resistência como resposta à marginalização, sofrida por grande parte da população brasileira. Estes estudos, também apresentam as proposições que acompanhavam os movimentos de rebeldia.

Ubiratam de Castro de Araújo mostra como a “política dos homens de cor”, na Bahia, construiu uma rede abrangente com diversos segmentos sociais, que, se não chegou a ter completo êxito, contribuiu para identificar insatisfações nos grupos médios da população, nos negros mestiços de Salvador e nos desertores.

Kalina Wanderlei faz uma reflexão acerca do imaginário que a sociedade urbana da zona açucareira construiu sobre aqueles que compunham as tropas da Coroa portuguesa. Um texto escrito em parceria entre Alexandre Alves e Francisco Lima tem caráter mais especulativo – O que foi feito da escrava Leocádia? Contudo, fez-se uma leitura da forma como os proprietários, através das leis, se relacionavam com’ um “bem semovente”. O fato da escrava ser incluída no inventário dos bens e retalhada juridicamente, mas, não de fato, prova a complexidade da escravidão em uma sociedade supostamente liberal e de como os “furos” da lei podem representar alguma forma de resistência.

Mais tragédia, mais resistência. A da comunidade camponesa igualitária do Sítio do Caldeirão, artigo assinado por Tarcísio Marcos Alves; o trabalho de Elise Jasmin sobre o cangaço. A autora discute a presença de Lampião como “entrave a um projeto de nação unida e civilizada”.

Fechando o dossiê, o professor Carlos Miranda aborda a forma como através das noções de policia médica, medicina urbana e medicina da força de trabalho, o Estado se opôs às práticas dos curandeiros.

Na seção Artigos há dois que tratam da região sertaneja – História da Família de Erivaldo Fagundes Neves, no interior da Bahia e Bumba-Meu-Boi, uma representação social do sertão nordestino, centrado no Piauí, de Tanya Maria Pires Brandão.

Outros três se preocupam com questões sócio-urbanas. O que se refere ao Rio de Janeiro: Cultura e Cidade nos anos 1960-1970, assinado por Cléia Schiavo Weyrauch; Políticas Assistenciais no Recife (1935-1945) escrito por Ricardo Pinto de Medeiros, e o artigo sobre A Ponte Suspensa de Caxangá assinado por Paulo Martin Souto Maior. O último artigo dessa seção discute o conceito de História em Paul Veyne e está assinado por José Jorge Siqueira.

Finalizando esse número apresentamos duas resenhas de dois livros: Rompendo o Silêncio: uma fenomenologia feminista do mal, de Ivone Gebara – autora da resenha, Maria de Fátima Guimarães e Sobre o Tempo, de Norbert Elias, autor da resenha, Antônio Paulo Rezende.

Agradeço a todos os colaboradores que contribuíram para a edição deste número, que é dedicado ao professor Dr. Marco Antônio de Oliveira Paes, falecido este ano.

Socorro Ferraz

Editora


BARBOSA, Maria do Socorro Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.19, n.1, jan / dez, 2001. Acessar publicação original [DR]

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O povo brasileiro: imagens e representações / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2001

A Revista CLIO – de pesquisa histórica, a partir deste número, introduz algumas modificações: circulará com um Dossiê, e duas seções: Artigos e Resenhas.

O dossiê intitulado O POVO BRASILEIRO: imagens e representações, trata das ações de resistência de brasileiros, qualificados como homens de cor, camponeses enlouquecidos, curandeiros, cangaceiros, enfim, a “vilíssima canalha”.

Estes trabalhos são o resultado de pesquisas que sugerem a resistência como resposta à marginalização, sofrida por grande parte da população brasileira. Estes estudos, também apresentam as proposições que acompanhavam os movimentos de rebeldia.

Ubiratam de Castro de Araújo mostra como a “política dos homens de cor”, na Bahia, construiu uma rede abrangente com diversos segmentos sociais, que, se não chegou a ter completo êxito, contribuiu para identificar insatisfações nos grupos médios da população, nos negros mestiços de Salvador e nos desertores.

Kalina Wanderlei faz uma reflexão acerca do imaginário que a sociedade urbana da zona açucareira construiu sobre aqueles que compunham as tropas da Coroa portuguesa. Um texto escrito em parceria entre Alexandre Alves e Francisco Lima tem caráter mais especulativo – O que foi feito da escrava Leocádia? Contudo, fez-se uma leitura da forma como os proprietários, através das leis, se relacionavam com’ um “bem semovente”. O fato da escrava ser incluída no inventário dos bens e retalhada juridicamente, mas, não de fato, prova a complexidade da escravidão em uma sociedade supostamente liberal e de como os “furos” da lei podem representar alguma forma de resistência.

Mais tragédia, mais resistência. A da comunidade camponesa igualitária do Sítio do Caldeirão, artigo assinado por Tarcísio Marcos Alves; o trabalho de Elise Jasmin sobre o cangaço. A autora discute a presença de Lampião como “entrave a um projeto de nação unida e civilizada”.

Fechando o dossiê, o professor Carlos Miranda aborda a forma como através das noções de policia médica, medicina urbana e medicina da força de trabalho, o Estado se opôs às práticas dos curandeiros.

Na seção Artigos há dois que tratam da região sertaneja – História da Família de Erivaldo Fagundes Neves, no interior da Bahia e Bumba-Meu-Boi, uma representação social do sertão nordestino, centrado no Piauí, de Tanya Maria Pires Brandão.

Outros três se preocupam com questões sócio-urbanas. O que se refere ao Rio de Janeiro: Cultura e Cidade nos anos 1960-1970, assinado por Cléia Schiavo Weyrauch; Políticas Assistenciais no Recife (1935-1945) escrito por Ricardo Pinto de Medeiros, e o artigo sobre A Ponte Suspensa de Caxangá assinado por Paulo Martin Souto Maior. O último artigo dessa seção discute o conceito de História em Paul Veyne e está assinado por José Jorge Siqueira.

Finalizando esse número apresentamos duas resenhas de dois livros: Rompendo o Silêncio: uma fenomenologia feminista do mal, de Ivone Gebara – autora da resenha, Maria de Fátima Guimarães e Sobre o Tempo, de Norbert Elias, autor da resenha, Antônio Paulo Rezende.

Agradeço a todos os colaboradores que contribuíram para a edição deste número, que é dedicado ao professor Dr. Marco Antônio de Oliveira Paes, falecido este ano.

Socorro Ferraz

Editora

BARBOSA, Maria do Socorro Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.19, n.1, jan / dez, 2001. Acessar publicação original [DR]

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Clio | UFPE | 1977

Clio Revista de Pesquisa Historica

A CLIO – Revista de Pesquisa Histórica (Recife, 1977-) é um periódico do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, dirigido, prioritariamente, à comunidade acadêmica da Área de História. Nossa missão é publicar artigos inéditos e de pesquisas originais na área de História.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 0102-4736 (Impresso)

ISSN 2525-5649 (Online)

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