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Clérigos e Laicos / História Revista / 2014
Nos últimos anos, a pesquisa em História Medieval conheceu um desenvolvimento significativo. O número crescente de estudantes de pós-graduação envolvidos nos estudos relativos à Idade Média testemunha o sucesso de esforços conjuntos e parcerias bem sucedidas nos quadros acadêmicos nacionais. Podemos propor que este sucesso deva-se a dois sólidos pilares. Estes foram constituídos, de um lado, a partir da integração e da parceira entre pesquisadores das universidades brasileiras e, por outro, através da cooperação e do diálogo acadêmico internacionais, sobretudo, luso-brasileiro e franco-brasileiro.
O dossiê Clérigos e Laicos, propondo o reforço dos dois pilares acima mencionados, traz o resultado de importantes reflexões cujo eixo fundamental localiza-se na historicidade das relações entre clérigos e laicos. A diversidade de enfoques, recortes temporais e espaciais assinalam o caráter frutífero e promissor da constituição de variadas perspectivas, abordagens e tendências historiográficas. Tal diversidade proporciona o incremento de um profícuo debate. Pensar as relações entre clérigos e laicos, perceber e evidenciar como elas ganharam contornos e expressões bem específicos, atentando aos detalhes, minúcias de tais relações e os sentidos atribuídos a elas, tanto pelos contemporâneos quanto pelos estudiosos, se revela um desafio e um conjunto de coordenadas para o leitor. Nesse sentido, os artigos reunidos no Dossiê revelam-se como um convite à reflexão e à proposição de discussões.
Tema premente na historiografia europeia, estas relações são aqui apresentadas sob diferentes e atentos olhares de pesquisadores cujas contribuições historiográficas se revelam importantes. Rossana Pinheiro, tomando, entre outras, as proposições de Andres Vauchez, considera as relações entre clérigos e laicos sob o ponto de vista da consolidação do monaquismo e da hierarquia eclesiástica em Marselha e Lerins do século V d. C. A autora toma como fonte de estudo os escritos de João Cassiano e propõe pensar a situação dos monges, na condição de laicos especiais, além dos problemas inerentes à constituição da hierarquia eclesiástica naquele período. André Miatello, tendo como ponto partida as considerações de Alain Guerreau, discute os conceitos de Ecclesia e Dominium como um suporte teórico fundamental para a abordagem da canonização de Homobono de Cremona, pelo papa Inocêncio III, e das questões políticas relativas às cidades italianas no século XIII. Damien Carraz problematiza o fenômeno da Paz e da Trégua de Deus. Tendo como recorte espacial o Midi da França, o autor propõe considerar, diferentemente de uma perspectiva dita tradicional, a continuidade das pazes do século XI no século XII. Nesse sentido, as relações entre os bispos e a alta aristocracia laica destacariam a relação e a ligação entre a “Paz de Deus” e a “Paz do Príncipe”. Fechando o dossiê, Renata Nascimento, a partir de uma discussão acerca do simbólico, apresenta uma análise dos sentidos atribuídos à relíquia do Santo Lenho pelos cristãos portugueses nos séculos XIII e XIV. A autora demonstra que a chegada do Santo Lenho a Portugal no século XIII, guardado pela Ordem dos Hospitalários, revela possibilidades de análise para pensar as especificidades culturais e sociais de Portugal naquele período. Nesse sentido, os artigos do dossiê revelam uma diversidade de abordagens acerca das relações entre clérigos e laicos. Diversidade expressa nas reflexões conceituais, na escolha e na abordagem das fontes. Tal diversidade, afirmando ou propondo distintas abordagens para a pesquisa em História Medieval, aponta para possibilidades teóricas e temáticas muito pertinentes que, quiçá, poderão servir de eixo orientador para futuros trabalhos. Certamente, o elogio à miríade de construções historiográficas ligadas ao tema “clérigos e laicos” traz em si o pressuposto do diálogo, do debate, da concórdia e da discórdia, além da necessária discussão inerente à construção do conhecimento histórico.
Na sessão Artigos são apresentadas importantes contribuições sobre temáticas variadas. Paulo Martins apresenta uma reflexão sobre a cultura imagética romana e sua veiculação na sociedade romana antiga e na nossa – tendo em vista sua constante exploração e fruição em museus e em exposições. O autor analisa como a cultura material da Antiguidade romana, tanto nos últimos 50 anos da República como nos primeiros 130 anos do Principado, pode ser lido e fruído de forma diversa hoje em dia. Natália Frazão José, em seu estudo sobre Veléio Patérculo (séculos I a.C. a I d.C.), aborda a vida do escritor romano, examinando a produção historiográfica dos últimos anos sobre ele. Destaca na única obra do escritor, Historia Romana, as concepções do próprio autor e da sociedade onde foi elaborada. Alcides Goularti Filho discute a construção da Estrada Dona Francisca, no norte e no planalto norte de Santa Catarina, dentro da formação e da expansão do processo de colonização e do complexo ervateiro. O estudo abrange o período desde a fundação da Colônia Dona Francisca, em 1851, à conclusão das obras ferroviárias da Linha São Francisco, em 1913, que seguia o mesmo percurso da Estrada Dona Francisca. André Azevedo da Fonseca realiza uma revisão bibliográfica de teses e dissertações recentes que analisam a História de Uberaba-MG. O autor propõe sistematizar os resultados dessas pesquisas com o objetivo de oferecer subsídios para os estudos sobre as tensões, as representações e os antagonismos que constituem a história da sociedade de Uberaba, do Oeste de Minas Gerais e da região central do país, sob a ótica da História Cultural e Social. Nataniél Dal Moro analisa as formas de conceber a terra no Oeste do Brasil. Seu artigo examina a transformação econômica do oeste brasileiro, enfatizando as mudanças alavancadas, na segunda metade do século XX, pela monocultura da soja nestas plagas, mais especificamente na região sul do então Estado de Mato Grosso Uno. Henry Rousso trata da “globalização da memória”. O autor analisa a relação com o passado, destacando não só as importantes mudanças estruturais ocorridas no último terço do século XX e início do século XXI, mas a tendência da mesma a unificar-se, a “globalizar-se”.
Agradecemos aos autores e aos pareceristas e desejamos a todos uma excelente leitura.
Bruno Tadeu Salles (UEG) – Organizador do dossiê.
Adriana Vidotte (UFG) – Editora.
SALLES, Bruno Tadeu; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 1, jan. / abr., 2014. Acessar publicação original [DR]