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Mitos do Estado arcaico: evolução dos primeiros Estados, cidades e civilizações – YOUFFEE (H-Unesp)
YOFFEE. Norman. Mitos do Estado arcaico: evolução dos primeiros Estados, cidades e civilizações. Trad. Carlos Eugenio Marcondes de Moura. São Paulo: EDUSP, 2103, 352 p. Resenha de: ROCHA, Ivan ESperança. História [Unesp] v.32 no.2 Franca July/Dec. 2013.
Apesar de utilizar um título infeliz, por se referir a mito com um significado negativo que denigre sua densidade e importância cultural, Yoffee compensa amplamente esse deslize com um texto que traz novas e importantes contribuições sobre a origem e formação do Estado e que leva em consideração não apenas suas próprias pesquisas, mas importantes discussões acadêmicas sobre o tema. Além disso, sua publicação preenche uma grande lacuna relativa a obras em língua portuguesa sobre história antiga oriental.
Professor de antropologia na Universidade de Michigan e especialista em arqueologia mesopotâmica, Yoffee propõe uma ruptura com uma perspectiva unilinear de compreensão do processo de surgimento e desenvolvimento dos Estados, cidades e civilizações, em defesa de vias multilineares e menos rígidas de abordagem. Se por um lado ele dispensa uma especial atenção às sociedades mesopotâmicas, encontra em outras experiências sociais, situadas inclusive no âmbito das Américas, dados comparativos que contribuem para alicerçar suas propostas interpretativas e para indicar diferentes tipos de estruturas de estado que nem sempre se pautam por padrões únicos de organização. Apresenta evidências de uma grande variedade de sistemas sociais e de tipos de poder entre os primeiros Estados.
Yoffee critica muitos arqueólogos – talvez com excessivo rigor – que, influenciados pelo darwinismo social, interpretaram o passado em termos evolutivos, considerando o Estado o ponto de chegada de um progressivo e controlado sistema de organização e aperfeiçoamento das sociedades antigas. Cabe lembrar que o darwinismo, aliado ao eugenismo, também causou sérios desvios na interpretação do desenvolvimento socioeconômico brasileiro no final do século XIX e início do século XX.
Este tipo de interpretação considera os Estados antigos regimes totalitários e estáveis, governados por déspotas que monopolizavam o fluxo de bens, serviços e informações, impondo-se ao resto da população, o que, segundo Yoffee, deixa de levar em conta outros papéis sociais para além daquele do líder, tais como os assumidos por escravos, soldados, sacerdotes e sacerdotisas, camponeses, prostitutas, mercadores e artesãos – que constituem atores importantes nos Estados mais antigos.
Apresenta como suporte à sua crítica as novas informações trazidas pela arqueologia sobre as sociedades antigas, que permitem rever a compreensão sobre as ascensões e colapsos ocorridos nos primeiros Estados. Como exemplo de mudanças no conhecimento do mundo antigo, diz que a influência do helenismo sobre a Mesopotâmia foi redimensionada; atualmente, defende-se que os gregos mais que helenizarem, orientalizaram-se em seu contato com os povos da região.
Yoffee não nega cabalmente a ideia de evolução social nem a contribuição dos neoevolucionistas para o estudo das mudanças sociais, mas o que rejeita nestes é um enfoque tendencioso que, segundo ele, se concentra em heróis ou numa elite dirigente como responsáveis únicos pelo planejamento e construção de monumentos e cidades, pela conquista e pela sua submissão inerte de seus vizinhos. Segundo Yoffee, a compreensão da evolução dos primeiros Estados exige uma reformulação de modelos restritivos e excludentes. Destaca que a pior consequência da visão neoevolucionária é considerar de segunda categoria as sociedades modernas que não são Estado.
Nos dois primeiros capítulos, Yoffee apresenta e discute as teorias que foram empregadas para compreender a evolução dos primeiros Estados e as mudanças ocorridas em relação a elas. No terceiro capítulo, descreve as diferentes trajetórias das cidades e Estados antigos; no quarto, o processo de simplificação das formas assumidas pelo poder nos primeiros Estados. No quinto, discute os papéis desempenhados pelas mulheres da Mesopotâmia; no sexto, avalia os processos de “colapso” que atingiram os primeiros Estados e civilizações; no sétimo, apresenta experiências de socialização alternativas à do Estado, indicando que a evolução social não foi uma via de mão única e que houve resistência e negociações em relação ao controle totalitário; no oitavo, discute as contribuições e limites da analogia e do método comparativo por parte dos arqueólogos. No último capítulo, entrando no campo de sua especialização, avalia os caminhos da evolução dos Estados e da civilização mesopotâmica.
A teoria neoevolucionária retratou o surgimento dos Estados como uma série de mudanças extremamente rápidas de um estágio de sociedade para outro. Essa teoria defende que em cada estágio todas as instituições sociais – política, economia, organização social, sistema de crenças – estavam de tal modo interligadas que a mudança tinha de ocorrer em todas elas ao mesmo tempo, no mesmo ritmo e na mesma direção. Segundo este modelo, as civilizações antigas teriam passado pelos mesmos estágios de desenvolvimento e declínio.
Yoffee defende a evolução dos antigos Estados como um processo de diferenciação social e de integração política, promovidos por meio de várias formas de poder e de diferentes relações no âmbito do poder. Ao longo da evolução dos primeiros Estados, diferentes grupos concorrem no processo de criação, transformação e domínio dos recursos simbólicos e cerimoniais que permitiam recombinações entre si na criação de novas coletividades sociais. Diz que se, de um lado, os primeiros Estados consistiam em um centro político com estrutura própria de liderança, com atividades especializadas, por outro, entravam em cena numerosos outros grupos que se distinguiam por mudanças contínuas em relação às necessidades e objetivos e à força e à debilidade do centro político. Deparamo-nos, assim, com diferentes formas de poder que não estão centradas apenas no governante principal.
Aproximando grupos étnicos da Mesopotâmia, de Teotihuacán, de Wari e Harappa, dentre outros, indica que seus líderes formaram elites, algumas vezes se tornaram funcionários dos Estados, mas também mantiveram um conjunto de poderes locais que ficavam fora do alcance dos Estados. Dentre esses líderes, destaca o papel dos anciãos das comunidades, que podiam convocar assembleias com forte poder de tomada de decisões, mas atuavam à margem da ação de reis e de suas cortes.
A evolução dos primeiros Estados e civilizações foi marcada pelo desenvolvimento de grupos sociais semiautônomos. Em cada um desses grupos havia patronos e clientes organizados em hierarquias, e lutas pelo poder se verificavam em seu interior e entre seus líderes. Os Estados surgiram como parte do processo no qual grupos sociais diferenciados e estratificados se recombinaram sob novos tipos de liderança centralizada.
Embora seu levantamento sobre cidades do Egito, América do Sul e Teotihuacán se refira a trajetórias históricas particulares daquelas regiões, ele também evidencia que, em cada região do mundo onde apareceram os primeiros Estados, as cidades coligiam e cristalizavam tendências de longo prazo que caminhavam em direção à diferenciação e à estratificação.
No início da história das primeiras cidades, Estados e civilizações, grupos sociais diferenciados recombinaram-se em cidades, as quais constituíam centros de peregrinações, trocas, armazenamento e redistribuição, além de concentrar ações de defesa e operações de guerra. Nessas urbes foram criadas novas identidades relativas à cidadania, mas que não substituíram integralmente as identidades existentes relacionadas a grupos econômicos, étnicos e de parentesco.
Não são apenas os poderosos que agem na antiguidade, mas qualquer indivíduo. Apesar de as mulheres não constituírem habitualmente temas de textos antigos e não serem temas costumeiros de análises arqueológicas, Yoffee destaca que nos primeiros Estados mulheres que pertenciam ou não à elite se envolviam em certas atividades diárias, que incluíam transações, litígios e rituais ocorridos nas cidades do período da Antiga Babilônia.
O autor considera a década de 1990 emblemática para o estudo arqueológico do “colapso” dos antigos estados e civilizações com importantes publicações sobre o tema, visto que os estudos evolucionários se preocuparam mais com o surgimento dos Estados do que com seus “colapsos”. O estudo dos colapsos garante a compreensão das inúmeras instabilidades ocorridas no interior dos Estados.
Voltando a sua área de especialização, Yoffee afirma que não existiu um antigo Estado mesopotâmico, como sistema político regional de longa duração, cujos governantes tenham estabelecido domínio sobre outras cidades e suas adjacências. Na Assíria ao norte e na Babilônia ao sul havia muitos grupos étnicos diferentes – a maioria deles com línguas e histórias próprias – que participaram e contribuíram para a teia da cultura mesopotâmica, mas sem uma tendência centralizadora.
O principal “mito” que permeia o estudo dos primeiros Estados é que existia algo que poderia ser denominado Estado arcaico e que todos os primeiros Estados eram simplesmente variações desse modelo. Yoffee critica este e outros mitos sobre o Estado arcaico enfatizando que existem maneiras úteis de comparar e contrastar histórias evolucionárias.
Em conclusão, em Mitos do Estado arcaico: evolução dos Primeiros Estados, Cidades e Civilizações, apesar de optar por generalizações em sua crítica ao viés neoevolucionista de abordagem do tema, Yoffee chama atenção, de forma enfática, para a necessidade de rever análises simplistas sobre as primeiras sociedades mesopotâmicas e de ampliar a compreensão do papel assumido por diferentes atores na construção e desenvolvimento dos primeiros Estados.
Ivan Esperança Rocha – Professor Livre-docente de História Antiga do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras, UNESP/Campus de Assis.
A Queda de Roma e o Fim da Civilização – WARD-PERKINS (AN)
WARD-PERKINS, Bryan. A Queda de Roma e o Fim da Civilização. Tradução de Inês Castro. Lisboa: Alêtheia Editores, 2006. Resenha de: DEGAN, Alex. Anos 90, Porto Alegre, v. 17, n. 32, p. 321-326, dez. 2010.
Originalmente publicado em língua inglesa em 2005 (The Fall of Rome and the End of Civilization), a tradução portuguesa do polêmico livro do professor de Oxford Bryan Ward-Perkins deve ser recebida com grande entusiasmo, particularmente porque cresce entre os estudiosos brasileiros o interesse pelo período investigado no livro.
A contribuição de Ward-Perkins se dá na abordagem original e clara de um tema clássico entre historiadores: a queda do Império Romano. Questão polêmica e controversa, destacada desde o Renascimento com a noção de inclination desenvolvida pelo pensador italiano Flavio Biondo e que recebeu o tratamento clássico de Edward Gibbon em Decline and Fall of the Roman Empire, nunca abandonou o horizonte dos historiadores que se dedicaram a estudar a transição da civilização romana para o Medievo Europeu Ocidental. É neste riquíssimo debate que Ward-Perkins se insere, destacando as contribuições da documentação arqueológica com uma leitura voltada ao universo das trocas, produção e consumo de bens materiais nos anos finais do Império.
O livro pode ser dividido entre duas discussões contemporâneas sustentadas pela historiografia, ambas entrelaçadas. A primeira contenda se dá com o historiador canadense Walter Goffart (Barbarians and Romans), defensor de uma leitura mais integradora das relações entre romanos e germanos. Para Goffart, as várias populações germanas que habitavam as fronteiras ocidentais do Norte se beneficiaram de uma modificação na política militar romana, que deixou de repelir as invasões para construir um complexo sistema de acomodação destas levas migratórias germânicas. Segundo o historiador canadense, aos germanos foram concedidas benesses, como o direito de se fixarem em terras dentro dos limites do Império e a possibilidade de receberem parte da tributação destas áreas, em troca de uma aliança militar e de uma trégua. De ameaçadores invasores os germanos se converteram em sócios na defesa do Império.
A segunda interpretação do período com qual Ward-Perkins debate foi desenvolvida pelo historiador irlandês Peter Brown (The World of Late Antiquity). Brown, juntamente com o francês Henri- Irénée Marrou (Décadence Romaine ou Antiquité Tardive?), foi o grande divulgador da idéia de uma Antiguidade Tardia, solapando a tradicional periodização do Baixo Império e recusando a caracterização do período como uma síntese de decadência e confusão. Embora Brown não negue o desmonte institucional de uma ordem romana, sua atenção se volta ao universo cultural visto como profundamente criativo e original, caracterizado por um furioso debate religioso e intelectual embalado pelo Cristianismo. Assim, a antiga percepção de declínio foi substituída por uma visão positiva do período, claramente marcada por revoluções criativas nos campos da cultura, das artes e da religiosidade. Neste sentido, é importante notar a crescente aceitação da interpretação de Brown entre os medievalistas franceses contemporâneos, militantes de uma periodização mais alargada e colorida da Idade Média. Tal periodização defendida por Jacques Le Goff (Pour un long Moyen Âge), investe numa antropologia histórica que dialogando com o conceito braudeliano de “longa duração” joga luzes nos estudos das lentas transformações nos hábitos, costumes, estruturas e representações culturais do Ocidente Medieval, formulando-se uma “Longa Idade Média” nascida da Antiguidade Tardia e esgotada no século XIX, fruto das convulsões revolucionárias e da Revolução Industrial.
A tese defendida por Bryan Ward-Perkins não enveredou exclusivamente pelos domínios de uma História Social da Cultura. Pelo contrário, sua concepção da civilização romana e da sua extensão é muito material, o que torna seu livro interessante por considerar questões que hoje não estão entre as mais populares na historiografia.
Como arqueólogo e historiador econômico, Ward-Perkins entende que a experiência romana conferiu unidades política e econômica às sociedades que habitavam o Império. Neste sentido, seu livro observa os processos de integração e acomodação promovidos pelo Império e a perda destas unidades com a derrocada da ordem mantida por Roma.
Em sua interpretação, a ação política de Roma produziu, em larga escala, uma economia integrada pelo Estado. Talvez seja esta a maior contribuição interpretativa e documental do texto de Ward- Perkins: seu Império Romano se caracteriza pela grandiosidade qualitativa e quantitativa das trocas materiais. Como arqueólogo, observou o colossal volume de peças de cerâmicas de uso quotidiano produzidas, consumidas e descartadas durante o Império Romano.
Vai além, notando que este consumo transbordou a “casca mediterrânea”, se consolidando em regiões como a distante Britânia, que também produziu e consumiu cerâmica banal, mas de alta qualidade.
Em outras palavras, a grande estabilidade produzida pela Pax Romana se encontrava na economia, que aproveitou os benefícios de uma ordem imperial para atingir um nível sofisticado e especializado na produção, circulação e consumo. Antes de tudo, o Império Romano consolidou uma espécie de civilização do conforto que disseminou e vulgarizou o consumo de louças para uso diário, ânforas preenchidas com vinho e azeite, moedas, tijolos e telhas.
Com uma visão altamente modernizante da economia antiga, Ward- Perkins assinalou que a estabilidade romana promoveu o auge desta sofisticada cultura material.
Bryan Ward-Perkins entende que a destruição provocada pelas guerras contra os germanos desestruturou de forma tão profunda a ordem romana que esfacelou as unidades política e econômica do Império, impossibilitando a sociedade de se recompor. Ao contrário de Walter Goffart, que insiste em uma leitura voltada ao longo processo de acomodação e integração entre germanos e romanos, Ward-Perkins demonstrou que este encontro se deu em torno de ciclos de violência sofridos por ambos os lados. Por mais que a longa convivência entre romanos e germanos tenha levado à integração, não podemos deixar de notar a violência deste processo.
Não adotando uma leitura simplista do momento, que insiste no contraponto entre selvagens bárbaros e angustiados romanos, Ward- Perkins revelou como a documentação escrita e material registrou um longo fracionamento do equilíbrio político e militar romano, importando as agruras dos limites do Império para seu interior.
Esta fragmentação política, seguida do caos militar, liquidou a unidade econômica e, progressivamente, detonou a sofisticação e a especialização da cultura material, dando lugar a uma simplicidade muito maior. A sociedade romana, acostumada com um conforto e com um padrão de consumo, não conseguiu se recuperar das destruições dos germanos e da perda de sua unidade. Neste sentido, concordamos com Bryan Ward-Perkins quando este afirma que uma civilização antiga, marcada pela sofisticação econômica, entrou em colapso e submergiu.
Ainda atento ao sofisticado patamar da economia romana antiga, Ward-Perkins refl etiu também sobre a difusão da cultura escrita, denominada como Literacia, registrando suas várias dimensões com especial atenção aos usos populares. A diferença com Peter Brown aqui se torna evidente. O historiador irlandês conferiu muita energia a esta questão, apontando para uma pujante e original produção literária embalada pelo Cristianismo. Ward-Perkins não discorda totalmente de Brown, mas aponta que as análises do irlandês registraram muito mais o que ocorreu entre as aristocracias políticas e religiosas do Baixo Império, com grande destaque aos documentos da porção Oriental de Roma, exatamente aquela que sofreu menos com as destruições germânicas.
Na leitura proposta por Bryan interessa mais observar os padrões de consumo material e de conhecimento da escrita entre as classes médias e baixas do que se ater aos documentos produzidos pelas aristocracias. Mesmo quando ele pensa a existência de uma cultura escrita em suas várias dimensões, sua preocupação se volta aos padrões disseminados de consumo desta Literacia. Sem desprezar a impressionante literatura produzida no período, sobretudo entre os membros da Igreja, Ward-Perkins observou que usos populares da escrita, como os recibos de impostos encontrados no Egito, os grafites em paredes de cidades e os rabiscos em cerâmicas, progressivamente se extinguiram após a perda da unidade romana. A cultura escrita não desapareceu do Ocidente pós-romano, mas perdeu seu uso corriqueiro, elementar e banal que gozava no Império.
Novamente a importância das unidades política e econômica da experiência romana foi analisada. A unidade política permitiu uma enorme organização burocrática do exército em todas as áreas do mundo romano. A escrita era o suporte que permitia a circulação de tropas, de mercadorias e estratégias. Mais que um instrumento de debate teológico e filosófico restrito à elite, tinha seu uso consagrado enquanto ferramenta de logística. A própria sofisticação econômica defendida pelo autor utilizou de noções elementares de escrita como fundamentos de sua organização, registrando a ação fiscal e administrativa do Estado, como também técnica e comercial dos centros produtores de cerâmica. Tais usos populares da escrita, segundo o arqueólogo inglês, desapareceram no Ocidente pós-romano.
Por fim, sem medo de utilizar termos controversos, como “declínio”, “crise” e “civilização”, mas preocupado em defini-los com precisão, Ward-Perkins se afastou das armadilhas morais que estes termos sugerem e traçou uma análise bastante dinâmica do Ocidente pós-romano. Ao contrário das interpretações postuladas por Goffart e Brown, de grande sucesso entre historiadores franceses, estadunidenses e brasileiros, Bryan conferiu destaque a todas as complicações, desafios e dificuldades do período. Seus séculos pós-romanos experimentaram um agudo declínio na sofisticação e prosperidade econômicas, repercutindo em todas as sociedades que compunham o mosaico imperial romano. Aceitar isto não significa ler o período como um momento maldito e negativo da história da Europa Ocidental, mas reconhecer suas contradições e impasses mais profundos. Em sua interpretação, o maior equívoco dos entusiastas da Antiguidade Tardia se encontra exatamente neste ponto: ao amortizar e suavizar os impactos que os choques entre romanos e germanos produziram na antiga ordem imperial, as perdas sofridas e as originais respostas produzidas pela sociedade pós-romana acabam por perder parte significativa de seu brilho. Reconhecer que o século V assistiu uma profunda crise econômica, política e militar, provocada pela violenta tomada de poder e de muita riqueza pelos germanos não é o mesmo que aprisionar o período em uma espécie de Index Librorum Prohibitorum histórico.
Alex Degan – Professor Assistente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Mestre em História Econômica e doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: alexdegan@yahoo.com.br Avenida Dr. Odilon Fernades, n.420, Apto 501, Bloco B Uberaba – MG. CEP: 38017-030.