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Ciências, natureza e território / Revista Brasileira de História da Ciência / 2012
O marco zero deste dossiê foi o 12° Seminário Nacional de História da Ciência, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) em novembro de 2010. O evento, que ocorreu paralelamente ao 7º Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia, foi realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia. Nessa ocasião, nós, responsáveis por este dossiê, organizamos o simpósio Ciências, Natureza e Território. O encontro possibilitou amplo debate acadêmico entre pesquisadores de diferentes instituições do Brasil. Seus resultados nos pareceram tão satisfatórios, sobretudo em relação à diversificação regional da sua composição e à qualidade dos trabalhos apresentados, que, então, surgiu a ideia da organização de um número de periódico científico dedicado à temática.
A Revista Brasileira de História da Ciência pareceu-nos, desde sempre, o espaço mais adequado para abrigar tal iniciativa, uma vez que foi na SBHC que esse grupo nasceu. Consideramos também que a Revista, por ser um importante espaço de intercâmbio profissional na área, contribuirá decerto para o fortalecimento desse campo de atuação e pesquisa no Brasil. Nós já nos reunimos novamente, em julho de 2011, no âmbito do XXVI Simpósio Nacional de História, organizado pela ANPUH, e voltaremos a nos encontrar em setembro de 2012, na USP, para o 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Este número expressa, assim, a constituição e a consolidação de rede de pesquisadores dedicados a temas afins, alguns ainda em formação nas suas pós-graduações e cuja produção esperamos divulgar ao público brasileiro agora.
A edição resulta de pesquisas originais dedicadas a compreender a importância das atividades e saberes científicos para as políticas públicas de inventário da natureza e ocupação de territórios nacionais nos séculos XIX e XX. Trata-se, pois, da análise de conteúdos relevantes da própria história da constituição de alguns Estados Nacionais da América Latina, como Argentina e Colômbia, mas, sobretudo, do Brasil. O leitor verá, por meio de diferentes enfoques e variados conjuntos documentais, que esses objetos de estudo têm sido contemplados na Geografia, na Literatura, História das Ciências e História Ambiental. Esses campos possuem poucas oportunidades de diálogo, e este volume, ao reunir trabalhos dessas diferentes áreas, pretende estimular o debate interdisciplinar sobre tais temas, em suas diferentes inter-relações e abordagens.
O dossiê está composto de doze artigos orientados por três eixos temáticos: 1) viagens e expedições científicas em articulação com a atuação profissional e a produção intelectual de agentes do conhecimento da natureza e da ocupação do território, como militares, engenheiros, literatos e cientistas; 2) as relações entre Ciência e projetos estatais de civilização, modernização e construção de infraestrutura de transportes e comunicações e 3) a história da constituição de saberes e problemáticas científicas referentes ao estudo dos recursos naturais e humanos de territórios nacionais, como Cartografia e Geografia; Medicina, doenças e populações; Botânica, Agronomia e História Natural; ambiente, meio físico e práticas de exploração e conservação da natureza.
María Silvia Di Liscia e Federico Martocci, em De la abundancia a la desesperación: viajes y representaciones sobre los recursos naturales en el interior argentino (La Pampa, ca. 1880-1940), examinam, na produção de naturalistas, viajantes e cientistas, a história da constituição do imaginário relativo à preservação da natureza do Pampa argentino, sobretudo no que se refere à problematização dos seus usos para a produção agrícola.
Lucía Duque Muñoz, em Vasos comunicantes entre cartografía e historia en el Mapa de la república de la Nueva Granada (1847) de Joaquín Acosta, explora as relações entre Geografia Física, História e Cartografia na construção de um dos primeiros mapas do período nacional colombiano. A história da elaboração da carta nacional também é analisada no artigo Circunstâncias da Cartografia no Brasil oitocentista e a necessidade de uma Carta Geral do Império, de Bruno Capilé e Moema de Rezende Vergara.
Atividades de conhecimento do mundo natural para o povoamento do território brasileiro no século XIX é o tema do artigo de Fabíula Sevilha de Souza, intitulado Natureza, ocupação territorial e vias de comunicação de Goiás nos relatos de viagens do século XIX. Fabíula elegeu relatos de viajantes estrangeiros de passagem pelo Planalto Central brasileiro no oitocentos para a análise da sua visão de natureza como recurso a ser explorado em proveito da felicidade dos homens e sua civilização.
A articulação entre projetos civilizatórios e a história da ideia de natureza também é acessada em O Doutor Benignus: A origem do homem na concepção de natureza de Emílio Zaluar de Ricardo Waizbort. O autor, ao enfatizar as relações entre Ciência e Literatura no século XIX brasileiro, demonstra que, na obra literária de Zaluar, o darwinismo, como repertório intelectual, ocupou papel central no desenvolvimento do tema central do livro: a origem do homem no Brasil e a transformação da espécie humana na Terra.
Os processos de institucionalização da Ciência e o conhecimento do território foram fatores concomitantes e complementares na história recente do Brasil, e essa, exatamente, é uma das premissas a guiar os artigos de André Vasques Vital, Visões do Alto Madeira: Comissão Rondon, malária e política em Santo Antônio do Madeira (1910-1915), e de Patrícia Marinho Aranha, Levantamentos territoriais e construção de saberes geográficos na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (1907-1915). Os autores abordam as contribuições da Medicina e da Geografia para iniciativas estatais de exploração territorial e obras de construção de infraestrutura de comunicações no país, no caso vertente para a Comissão Rondon. Nas interpretações de André e Patrícia também podemos verificar a riqueza dos usos de relatórios de comissões exploradoras, cadernetas de campo, imprensa e diários de viajantes como fontes para historiadores da ciência.
O artigo Um jardim para a ciência: o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1915-1931), de Ingrid Fonseca Casazza, examina a produção científica de botânicos nas primeiras décadas da República brasileira. Vanessa Pereira da Silva e Mello, em A Sociedade Nacional de Agricultura em revista: divulgação científica e uso racional da natureza em A lavoura (1897-1926), discute a propaganda da conservação dos recursos naturais brasileiros junto a pequenos, médios e grandes lavradores do país. Ambas as autoras enfatizam o protagonismo do Estado brasileiro na promoção e difusão de atividades científicas, com destaque para a atuação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), e refletem sobre o conhecimento da natureza nacional e o utilitarismo dos saberes científicos na sua associação com os projetos modernizantes da República para o país.
A história da modernização brasileira na sua relação com a pauta dos usos da natureza como recurso econômico também é o tema dos artigos de Jó Klanovicz, Corrigir os erros da natureza: húbris, conhecimento agronômico e produção de maçãs no sul do Brasil, e de Claiton Marcio da Silva, De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Transformações de paisagens agrícolas e mudanças ambientais em grandes áreas de diferentes regiões brasileiras, a partir de meados do século XX e em função dos usos da ciência para a remodelação de processos tidos como “naturais”, são igualmente abordadas nesses artigos.
Em Os norte-americanos na missão à Amazônia, em 1923, de Luciene Pereira Carris Cardoso e Alda Heizer, as relações entre Ciência, política e ambiente são examinadas para a compreensão de importante capítulo da história da economia da borracha na região amazônica. Articulada a temas candentes da atualidade, como o da preservação ambiental, a análise de Cardoso e Heizer contribui para a reflexão da importância de comissões de exploração e expedições de naturalistas para a realização de estudos de Ecologia das regiões percorridas.
O número traz ainda notícia sobre Razón Cartográfica, site para trocas profissionais e intercâmbio acadêmico entre interessados e especialistas na História da Cartografia e da Geografia na América Latina. A rede é apresentada no dossiê por Sebastián Díaz Ángel e David Ramírez Palácios.
Gostaríamos, por fim, de agradecer às editoras da RBHC, Heloisa Gesteira e Silvia Figueirôa, por terem acolhido a nossa iniciativa, e também aos autores, pela seriedade com que contribuíram para a elaboração deste volume. Esperamos que este número, ao contemplar diferentes períodos e regiões, personagens e saberes científicos, conjuntos documentais e abordagens, estimule a interpretação interdisciplinar sobre – região –, ‘natureza’, – paisagem – espaço – e – território –. Que ele seja também apenas a primeira expressão do nosso entusiasmo com a troca intelectual, e motivo para novas parcerias acadêmicas, na forma de estudos comparativos, muitos outros artigos e eventos em comum.
Dominichi Miranda de Sá – Casa de Oswaldo Cruz. Fiocruz
Moema de Rezende Vergara – Museu de Astronomia e Ciências Afins. MAST
Organizadoras
SÁ, Dominichi Miranda de; VERGARA, Moema de Rezende. Apresentação. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]