“Nominalism”. The Oxford Handbook of Metaphysics – SZABÓ (ARF)

SZABÓ, Zoltán Gendler. Nominalism. The Oxford Handbook of Metaphysics. Editado por Michael Loux e Dean Zimmerman. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 11-45. Resenha de: CID, Rodrigo. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.10, jul./dez. 2013.

Com relação ao “entidades”, o autor nos fala sobre pensarmos as entidades como objetos. O objeto seria o referente de um termo singular, diferentemente da função, que é referente de um termo geral. Uma entidade assim pensada teria de ter condições de identidade determinadas, pois os objetos em lógica têm eles próprios condições de identidade determinadas.

E, finalmente, com relação ao “abstrato”, Szabó nos fala de algumas concepções de abstracta, aceitando apenas a última no resto do texto. A primeira concepção é de que aquilo que é abstrato nos é dado por abstração daquilo que é concreto (embora o que tenhamos em mente seja apenas uma representação concreta daquilo que é abstrato). O problema dessa visão é que ela parece implicar dependência ontológica do abstrato com relação ao concreto. E isso é estranho para vários objetos abstratos, como proposições, tipos de enunciados, geometria, entre outros. A intuição que está envolvida aqui é que falta algo nas entidades abstratas que têm nas entidades concretas.

O problema então seria encontrar o que é que lhes falta, pois não é nada claro o que falta a eles – já que, por exemplo, os fótons não têm massa em descanso, os buracos negros não emitem luz e os pontos no espaço não têm extensão.

Uma outra ideia é que os objetos abstratos são (p. 17-18): “(i) imperceptíveis em princípio, (ii) incapazes de interação causal e (iii) não localizados no espaço-tempo”. O problema aqui é que pode-se logicamente defender que entramos em contato causal com objetos abstratos, como proposições, por exemplo. E é também defensável que percebemos os objetos abstratos nas coisas, tal como defende o realismo extremo dos universais, no qual há apenas feixes de universais. Szabó abandona os dois primeiros critérios e utiliza o termo abstrato levando apenas (iii) em consideração e tendo em vista que pode haver entidades concretas apenas temporalmente, mas não espacialmente, localizadas – como almas cartesianas.

O nominalista crê que esses objetos, os abstratos, tal como os monstros fantasiosos, não existem. Como, ainda assim, os abstratos são muito úteis nas ciências, o nominalista quer preservar o vocabulário dos abstratos, sem se comprometer ontologicamente com eles, reduzindo-os a concreta. Ele realiza tal coisa por meio da construção de uma paráfrase sistemática das frases sobre objetos abstratos a frases que não dizem respeito a abstracta. Um exemplo seria parafrasear “Há uma boa chance de chover mais tarde” para “Está parecendo que vai chover mais tarde”. Neste caso parafraseamos uma frase sobre chances em uma frase sobre a aparência das coisas. O problema da paráfrase é que não está claro por que haver uma paráfrase que não fala sobre abstracta indica que tanto a paráfrase quanto a frase parafraseada não têm compromisso com abstracta em vez de indicar que ambas têm. A paráfrase não vence a disputa ontológica, mas ao menos mostra que seu usuário consegue fazer sentido de sua própria posição.

Uma objeção séria ao nominalista é que ele não consegue parafrasear frases como “há entidades abstratas”, pois se houver uma paráfrase para tal frase, o nominalista não conseguirá formular a sua própria posição e nem a posição rival. É possível falar de uma outra interpretação, bem complexa, para essa sentença e para algumas outras de dentro das matemáticas. Mas é difícil teoricamente ter de aceitar que a interpretação de sentenças seja algo não transparente ou velado ao falante.

Algumas razões pelo nominalismo, diria o autor, são (a) a aceitação do fisicalismo, (b) a economia ontológica e (c) o argumento do isolamento causal.

E algumas razões contra seriam (d) o argumento da indispensabilidade e (e) o argumento fregeano.

A primeira razão pelo nominalismo vem da ideia de que se tudo é físico, então não pode haver coisas que não estejam no espaço-tempo. Essa ideia é problemática justamente pelas localizações do espaço não serem elas mesmas coisas com localizações, de modo que não precisamos aceitar que o fisicalismo implica a inexistência de coisas sem localização espaço-temporal. Tudo vai depender da abrangência de “físico”, que é um assunto profundamente problemático. Poderíamos dizer que só é físico o que é implicado por nossas melhores teorias. Porém, nesse caso, números e conjuntos seriam entidades físicas. Poderíamos tentar dizer que físico é o que está sujeito a leis. No entanto, há leis que tratam de abstracta, como a lei dos gases ideais. Podemos também tentar dizer que físico é o que entra em interação causal. Mas é debatível o que do objeto ou do evento entra na interação causal.

Outra razão seria a economia ontológica: poder-se-ia dizer que abstracta são supérfluos para os propósitos explicativos. O problema disso é que várias teorias científicas parecem quantificar sobre abstracta e, mesmo que forneçamos paráfrases, ainda teremos de decidir se a explicação da teoria reconstruída é preferível à não reconstruída (p. 29). Além disso, simplicidade, na qual se funda a economia ontológica, é variável: simplicidade em algumas partes traz complexidade a outras.

A terceira razão pelo nominalismo seria o argumento do isolamento causal. Ele nos diz que, como abstracta não têm posição espaço-temporal, não podem ter efeito causal em nós. Sem efeito causal, não há como ter nem conhecimento (parte epistêmica) e nem referência (parte semântica) dos mesmos.

A resposta a isso é muito parecida com uma que já vimos, que é dizer que não precisamos assumir que abstracta não têm efeito causal, pois pode-se assumir que as abstracta dependente de concreta têm efeito causal. O ponto então seria explicar como obtemos conhecimento e fazemos referência a objetos abstratos independentes dos concretos. Ou defender que não é necessário que haja interação causal para que obtenhamos conhecimento ou para que façamos referência a abstracta. Que não precisamos de interação para fazer referência a objetos, isso a referência por meio de descrição já nos mostra. Mas não é tão claro como poderíamos obter conhecimento de coisas necessárias as quais não entramos em contato causal.

Uma dificuldade para o nominalismo é o argumento da indispensabilidade (p. 34). Ele nos diz o seguinte: (1) a matemática é indispensável à física; (2) a matemática tem compromisso ontológico com abstracta; (3) logo, a física tem compromisso ontológico com abstracta; (4) não temos razões para rejeitar a física; (5) logo, não temos razões para rejeitar a existência de abstracta. As duas soluções nominalistas para este argumento são negar (1) ou (2). Se negarmos (1), teremos o programa em física de mostrar como pode haver uma física sem matemática, coisa que Hartry Field tentou mostrar, ao reformular sem quantificação sobre números a teoria gravitacional de Newton. Sua teoria nos diz que as sentenças matemáticas existenciais são falsas e que na verdade elas são apenas úteis para expressar as paráfrases nominalistas verdadeiras. Negar (2), por sua vez, exige do filósofo um programa semântico de paráfrase sistemática de toda a linguagem matemática que quantifique sobre abstracta.

Outra dificuldade para o nominalista é o argumento fregeano (p. 37). Ele é o seguinte: (A) “2+2=4” é verdadeiro; (B) “2” em “2+2=4” é um termo singular; (C) se uma expressão funciona como um termo singular numa sentença verdadeira, então deve haver um objeto denotado por tal expressão; (D) logo, deve haver um objeto denotado por “2”; (E) logo, há um objeto denotado por “2”. É possível que o nominalista argumente que “2” não é um termo singular genuíno. Entretanto, dados critérios sintáticos e inferenciais e dada a primazia da sintaxe sobre à ontologia, “2” é de fato um termo singular. É possível também que se objete a (C), tal como fez Field ao nos dizer que os juízos das matemáticas são falsos, embora sejam úteis para expressar as paráfrases nominalistas verdadeiras.

Uma posição possível intermediária ao nominalista é aceitar o ficcionalismo e dizer que as sentenças matemáticas são verdadeiras nas matemáticas, embora nada seja dito com relação a fora das matemáticas. Quando perguntamos se há abstracta, nos diria o ficcionalista Carnap, podemos estar querendo fazer uma pergunta interna ou externa ao sistema linguístico em causa.

Se for interna, sua resposta é trivial. Se for externa, seria uma questão sobre se devemos adotar uma teoria comprometida com abstracta. Carnap não pensava que havia razões para preferir um sistema linguístico em vez de outro. Quine discordaria disso, já que pensa podermos fornecer razões para a escolha entre tais sistemas.

Finalmente, Szabó termina seu texto indicando algumas outras posições intermediárias, entre nominalismo e anti-nominalismo.

Rodrigo Cid – Doutorando em Filosofia pelo PPGLM-UFRJ. E-mail: rodrigorlcid@hotmail.com

Acesso à publicação original

 

 

The necessary and the possible – LOUX (FU)

LOUX, M. The necessary and the possible. In: M. LOUX, Metaphysics: A contemporary introduction. 3ª ed. New York: Routledge, p.153-186, 2006. Resenha de: CID, Rodrigo. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3, p.280-286, set./dez., 2011

Neste capítulo, Loux apresenta alguns problemas com relação às modalidades e algumas das relações entre elas e o vocabulário dos mundos possíveis, expondo as duas principais posições ontológicas com relação a tais mundos e às modalidades e com relação à natureza das modalidades, a saber, o possibilismo e o actualismo, defendidos respectivamente por Lewis e Plantinga. Essas são teorias inconsistentes entre si, que intentam nos dizer se os mundos possíveis são concretos ou abstratos e se existe algo além do que é actual.

Inicialmente, o autor nos fornece uma breve introdução, que expõe de modo breve a diferença entre as modalidades de re e de dicto, a relação entre as modalidades e os mundos possíveis e as duas principais posições ontológicas já citadas. A diferença é que a modalidade de dicto toma a necessidade e a possibilidade como atribuídas a proposições, enquanto a modalidade de re toma essas noções como atribuídas ao modo como uma coisa exemplifica ou instancia uma propriedade, a saber, necessariamente ou contingentemente. A relação seria que uma semântica de mundos possíveis nos ajudaria a esclarecer as noções modais da possibilidade e da necessidade – vistas tanto como de re, quanto como de dicto. E as posições, de modo resumido, são as seguintes:

(a) David Lewis: Este utiliza o conceito de “mundos possíveis” para formular uma abordagem nominalista austera, que apenas toma como existentes particulares concretos e conjuntos, compatível com uma redução das modalidades a entidades ou conceitos não modais, redução esta que Lewis também intenta fazer. Por exemplo, ele tenta reduzir as noções de “proposição”, “propriedade”, “modalidades” (de re e de dicto) e “contrafactuais” a constructos a partir de mundos possíveis. Tais mundos são tomados como entidades concretas do mesmo tipo que o nosso mundo e eles são formados apenas por partes concretas.

(b) Alvin Plantinga: Este não utiliza os mundos possíveis para reduzir conceitos ou entidades, pois pensa que mundos possíveis fazem parte de uma rede interconectada de conceitos que se explicam uns aos outros, mas que não podem ser explicados por conceitos fora de tal rede; e, assim, pensa que o máximo que podemos fazer não é reduzi-los, mas explicar as relações entre os conceitos de tal rede. Para ele, os mundos possíveis são entidades abstratas platônicas, que são estados de coisas possíveis maximais necessariamente existentes, mas que podem ou não obter (o que obtém é o mundo atual).

Posteriormente, Loux passa a nos falar sobre alguns problemas com relação às modalidades. Um deles é sobre o quão problemáticas são as nossas noções modais. Por exemplo, quando dizemos que uma proposição ser necessariamente verdadeira é o mesmo que ela ser impossível de ser falsa, utilizamos noções modais para explicar noções modais – o que só poderia ser feito se as noções modais não forem problemáticas. Mas são elas problemáticas?

Alguns filósofos, céticos quanto ao uso de noções modais, pensam que sim. Uma razão para isso pode ser uma orientação empirista em metafísica, que os faz só aceitar como legítimos os conceitos que podem ser apreendidos a partir de algum confronto empírico com o mundo. E, segundo eles, a experiência apenas nos diz como o mundo é, e não como o mundo possivelmente ou necessariamente é, de modo que as noções modais não poderiam ser características do mundo. Segundo essa perspectiva, toda a modalidade é meramente linguística: a necessidade se dá apenas em virtude da analiticidade da linguagem.

Outra razão, ainda de objetores empiristas, mas mais relacionada a questões técnicas, é a tese de que um corpo linguístico ou que um fragmento do mesmo (ou um conjunto L de sentenças) apropriado para fazermos metafísica deve ser extensional. “L” é extensional se, e só se, para cada sentença de L, a substituição de constituintes da sentença por expressões correferenciais não alterna o valor de verdade da sentença. E a correferencialidade se dá da seguinte maneira: (i) entre termos singulares que nomeiam o mesmo objeto, (ii) entre termos gerais que são satisfeitos pelos mesmos objetos, e (iii) entre sentenças que têm o mesmo valor de verdade. A motivação principal para sustentar tal tese é que temos sistemas lógicos bem desenvolvidos para lidar com as linguagens extensionais (como o cálculo proposicional, como a teoria dos conjuntos, ou como a lógica de predicados de primeira ordem), e a linguagem modal não é extensional.

As noções modais não passam no teste de extensionalidade, ou melhor, elas não mantêm o valor da verdade de suas sentenças cujos constituintes foram substituídos por expressões correferenciais. E é por isso que elas são rejeitadas por alguns empiristas como inaptas a nos dar instrumentos para fazermos filosofia de modo sério. Algumas das sentenças utilizadas por Loux para mostrar como as noções modais falham em passar no teste de extensionalidade são as seguintes: (4) Dois mais dois é igual a quatro e solteiros são não casados, (5) É necessário que dois mais dois é igual a quatro e que solteiros são não casados, e (6) É necessário que Bill Clinton é presidente e que solteiros são não casados. Ele nos diz que 4 é necessariamente verdadeira, mas que ao lhe aplicamos o operador “é necessário que”, formando 5, e substituirmos uma de suas sentenças constituintes – como a sentença “dois mais dois é igual a quatro” – por outra com o mesmo valor de verdade – digamos “Bill Clinton é presidente” – passando, por exemplo, a 6, o valor de verdade se altera de verdadeiro em 5 para falso em 6, dado que não é necessário que Bill Clinton seja presidente. A introdução das modalidades faz com que sentenças extensionais, tal como 4, tornem-se intensionais. O que, para os empiristas, já atestaria contra o uso dessas noções na filosofia.

Assim, como as noções modais são intensionais, alguém que quisesse utilizálas, não poderia usar de nossa lógica extensional para realizar inferências com frases modais; e, portanto, teria que se comprometer com prover uma abordagem de como ocorrem as relações inferenciais entre as sentenças que contêm operadores modais, ou seja, teria que nos fornecer uma lógica modal. Os críticos aqui costumam dizer que a imensa quantidade que há de sistematizações não equivalentes da inferência modal atesta a favor de que não temos uma noção firme de o que são as modalidades.

Nos anos 50 e 60, lógicos e metafísicos retomaram a noção leibniziana de “mundos possíveis” – a de que o mundo atual é apenas um entre uma infinidade de mundos possíveis – e tentaram, por meio dela, esclarecer as nossas noções modais. A ideia central é que uma proposição tem valores de verdades tanto no mundo atual, quanto em outros mundos possíveis, e que a necessidade e a possibilidade podem ser explicadas por meio da quantificação (respectivamente, universal e existencial) sobre mundos possíveis. Uma proposição “P” é possível (ou possivelmente verdadeira) sse é verdadeira em pelo menos um mundo possível; “P” é necessária (ou necessariamente verdadeira) sse é verdadeira em todos os mundos possíveis. Uma vantagem dessa abordagem neoleibniziana das modalidades é que ela pode explicar a existência da pluralidade de sistemas de lógica modal, indicando que eles variam de acordo com as restrições que fazemos na quantificação sobre os mundos.

Mas aceitar o uso dos mundos possíveis para falar das modalidades pode gerar alguns problemas. Um deles é a aparência de afastamento das nossas intuições comuns, dado que até podemos aceitar pré-filosoficamente que há muitos modos que as coisas poderiam ser, mas achamos difícil aceitar que há uma pluralidade de mundos possíveis. A resposta a esse problema é, normalmente, que o quadro conceitual [framework] dos mundos possíveis é apenas uma regimentação das nossas crenças pré-filosóficas, ou seja, que falar sobre mundos possíveis é apenas um modo formal de falarmos sobre os modos como as coisas podem ou têm de ser.

As modalidades, tal como exposto até agora, são apenas as modalidades de dicto, ou seja, apenas as atribuições das propriedades de ser necessariamente verdadeira (ou necessária) e de ser possivelmente verdadeira (ou possível) às proposições (ou às verdades destas). E, no vocabulário dos mundos possíveis, elas são entendidas como uma quantificação sobre mundos. Um outro tipo de modalidade, que é conhecida como modalidade de re, diz respeito ao modo como uma coisa exemplifica uma propriedade (e não sobre o modo como uma proposição é verdadeira/falsa), a saber, essencialmente ou acidentalmente. Loux exemplifica a distinção entre esses dois tipos da modalidade da seguinte maneira: nos apresenta uma hipótese, a saber, a de que Stephen Hawking está pensando no número 2, nos fornece duas frases supostamente com modalidades de tipos diferentes, e nos mostra que uma é verdadeira, enquanto a outra é falsa.

(I) A coisa em que Stephen Hawking está pensando é necessariamente um número par. [Modalidade de re] (II) Necessariamente a coisa em que Stephen Hawking está pensando é um número par. [Modalidade de dicto]

Como Stephen Hawking está pensando no número 2 e tal número é necessariamente (ou essencialmente) par, então I é verdadeira, enquanto II é falsa, dado que é contingente (e, portanto, não necessário) que Stephen Hawking esteja pensando num número par. Segundo os defensores das modalidades, a modalidade de re também pode ser iluminada por referência ao vocabulário dos mundos possíveis. Assim: um objeto x tem a propriedade P necessariamente ou essencialmente sse x tem P no mundo atual e em todos os mundos possíveis em que existe; e um objeto x tem uma propriedade P contingentemente ou acidentalmente sse x tem P no mundo atual e há pelo menos um mundo possível em que x existe e não tem P. Além disso, ambas as modalidades, de re e de dicto, são pensadas como quantificações sobre mundos, porém a diferença é que na modalidade de re há uma certa restrição no uso dos quantificadores, a saber, eles terem de quantificar apenas sobre os mundos em que o objeto em questão (que possui alguma propriedade essencialmente ou contingentemente) existe.

Mas como devemos interpretar a conexão entre os mundos possíveis e as modalidades? – pergunta-se Loux. As duas posições antagônicas principais são:

(i) os que acreditam que as noções modais (com os mundos possíveis incluídos) formam uma rede interconectada de conceitos que se explicam uns aos outros e que não podem ser explicados por conceitos externos à rede, e que, por isso, o máximo que podemos fazer é explicar as relações entre essas noções; e (ii) os que pensam que os mundos possíveis, juntos com a teoria dos conjuntos, proveriam os recursos para realizarmos as reduções – de entidades intensionais, como proposições, propriedades, contrafactuais e modalidades, a entidades concretas, apropriadamente extensionais, como os mundos possíveis seriam nessa abordagem – exigidas pelo nominalismo austero de mundos possíveis.

Tais nominalistas escapariam de problemas com relação às reduções propostas que não levavam em conta mundos possíveis. Por exemplo, agora ele poderia dizer que uma propriedade F é simplesmente o conjunto de todos os particulares, actuais e não actuais, que são F (ou o conjunto dos conjuntos que em cada mundo são compostos dos objetos que são F). E, de modo geral, uma propriedade F seria um conjunto estruturado de tal modo que correlaciona mundos possíveis com conjuntos de objetos (ou seja, de tal modo que atribui um conjunto de objetos para cada mundo). Isso evitaria o problema para o nominalista de, por exemplo, ter de tomar a propriedade de ter rins como idêntica à propriedade de ter coração, já que os membros que pertencem aos supostos dois conjuntos são os mesmos no mundo actual, e já que a identidade de membros implica a identidade de conjunto. Evitaria porque nos mundos possíveis não atuais há objetos com ruins e sem coração, de modo que a extensão dos conjuntos referentes às propriedades supracitadas, quando levamos em conta a totalidade dos mundos possíveis, irá diferir.

Eles também pensam que a teoria dos conjuntos junto com os mundos possíveis poderiam nos ajudar a reduzir as proposições: uma proposição seria o conjunto de mundos em que ela é verdadeira. Porém, se não queremos uma definição circular, temos de responder: em quais mundos seria uma proposição P verdadeira? A resposta é que ela seria verdadeira nos mundos P-ish, e que tais mundos P-ish, para qualquer proposição P, seriam entidades básicas. Assim, a definição não seria circular, e uma proposição seria apenas o conjunto de todos os mundos possíveis P-ish. Como os mundos são entidades concretas formados por entidades concretas, a motivação nominalista austera estaria sendo mantida nesta abordagem.

Nesse mesmo espírito, o nominalismo tenta também reduzir as modalidades, de dicto e de re, respectivamente, a uma junção de teoria dos conjuntos com mundos possíveis tal como se segue. Uma proposição P seria necessariamente verdadeira sse o conjunto dos mundos P-ish tem todos os mundos possíveis como membros. P seria necessariamente falsa sse o conjunto dos mundos P-ish não tem nenhum mundo possível como membro. P seria possivelmente verdadeira sse o conjunto dos mundos P-ish tem algum mundo possível como membro. E assim por diante. No caso das modalidades de re, há uma certa divergência dentro do conjunto dos nominalistas, a saber, entre os que acreditam na identidade transmundial e os que não acreditam em tal identidade – embora ambos concordem que ela deve ser reduzida a um discurso que se utiliza de mundos possíveis e teoria dos conjuntos. Os que aceitam a identidade transmundial, como nominalista que são, pensam uma propriedade como um conjunto (ou uma função) que atribui para cada mundo um conjunto de objetos. Assim, um objeto x é pensado como exemplificando actualmente uma propriedade P sse x é membro do conjunto de objetos P atribui ao mundo atual; x exemplifica P essencialmente sse x é membro de cada conjunto que P atribui a cada um dos mundos possíveis em que x existe; e x exemplifica P acidentalmente sse x é membro do conjunto que P atribui ao mundo atual e x não é membro de pelo menos um conjunto que P atribui a um mundo possível em que x existe. Com essas reduções, o nominalista intenta transformar áreas problemáticas do discurso (por exemplo, que falam sobre entidades intensionais ou entidades abstratas) em áreas não problemáticas (que falam de conjuntos e particulares concretos). Se o nominalista pretende reduzir tais noções, então deve deixar claro o que são os mundos possíveis independentemente dessas noções.

Uma dessas teorias nominalistas pertence a David Lewis. Ela diz que os mundos possíveis são entidades concretas do mesmo tipo que o nosso mundo, que são isolados espaciotemporalmente uns dos outros, que são formados por todos os particulares concretos que estejam em relação espaciotemporal, e que são tão reais quanto o nosso mundo. O mundo actual seria apenas o mundo em que se está ao pronunciá-lo; todo mundo seria actual com relação a si próprio, pois “atual” é visto como um indexical na abordagem lewisiana.

O problema dessa concepção é explicar como pode haver indivíduos que sejam transmundiais, pois parece que a aceitação de que há tais indivíduos pressupõe a falsidade da indiscernibilidade dos idênticos, que é o princípio que diz que: necessariamente, para quaisquer objetos a e b, se a é idêntico a b, então para qualquer propriedade @, a exemplifica @ sse b exemplifica @. Mas, segundo o próprio Lewis, há propriedades que x-em-W tem que x-em-W’ não tem, como a propriedade de ser um filósofo – o que ou violaria a indiscernibilidade dos idênticos, ou faria com que x-emW e x-em-W’ fossem indivíduos diferentes.

Lewis aceita que x-emW e x-em-W’ são indivíduos diferentes e defende uma teoria das contrapartes para explicar a relação entre eles. Uma contraparte de x é um indivíduo em outro mundo que parece com x em muitos aspectos importantes, mas que não é x. Nessa abordagem, uma propriedade P é essencial a x sse x e todas as suas contrapartes exemplificam P; e P é acidental a x sse x exemplifica P e alguma contraparte de x não exemplifica P.

A teoria de Lewis assume a tese do possibilismo, a saber, a tese que assere que existem objetos não actuais possíveis. Contudo, a maioria dos outros filósofos assume o actualismo, a saber, a tese de que tudo que existe é actual. Algumas objeções feitas pelos actualistas a uma teoria nominalista austera, como a teoria de Lewis, são que (a) o uso da teoria dos conjuntos para reduzir proposições não é interessante, pois faz com que haja apenas uma proposição necessariamente verdadeira e uma proposição necessariamente falsa, embora haja várias; que (b) as propriedades coexemplificadas nos mesmos mundos (como as propriedades de “ser um triângulo” e “ter 180º como soma dos ângulos internos”) teriam de ser consideradas idênticas; e que (c) as proposições não podem ser conjuntos, pois não acreditamos em conjuntos e conjuntos não podem ser verdadeiros ou falsos – as proposições, diferentemente dos conjuntos, são representativas.

Além dessas críticas, os actualistas defendem que podem prover uma abordagem completamente actualista da ideia de que há diversos modos que as coisas podem ser, utilizando os mundos possíveis. Contrariamente ao nominalismo, o actualismo, segundo Loux, não pretende ser um projeto que reduza entidades ou conceitos modais e não modais, pois defende que não é possível explicar as noções modais por meio de noções externas à rede de conceitos a que as noções modais pertencem. O projeto actualista apenas explica as relações entre tais noções.

Um exemplo de teoria actualista bem desenvolvida é a teoria de Alvin Plantinga. Ela defende que propriedades, proposições e modalidades estão intimamente conectadas e que não conseguimos explicá-las sem essas mesmas noções. Para Plantinga, todas as propriedades são objetos necessários que podem ou não ser exemplificadas em um mundo. Um mundo é uma entidade abstrata idêntica a um estado de coisas maximal possível, que também seria um ser necessário e poderia ou não obter (análogo à exemplificação); apenas um estado de coisas possível obtém, a saber, o mundo actual. Um estado de coisas S é maximal sse para todo estado de coisas (maximal ou não) S’, S inclui ou exclui S’. S exclui S’ sse é impossível S’ obter caso S tenha obtido, e S inclui S’ sse é impossível que S obtenha e S’ não obtenha. Nessa visão, até o mundo actual é um objeto abstrato, pois é um objeto abstrato que pode ou não obter. E isso faz o mundo actual diferir do que tomamos como o nosso universo físico, pois o universo é um objeto contingente e concreto que não poderia falhar em obter, enquanto o estado de coisas actual é um objeto abstrato necessário que de fato obtém, mas que poderia ou não obter.

Além disso, Plantinga preserva a distinção entre proposições e estado de coisas, falando que a primeira tem uma propriedade que nenhum estado de coisas teria, a saber, a de ser verdadeira ou falsa, e nos indica a relação entre eles, falando que para todo estado de coisas há uma proposição tal que o estado de coisas obtém sse a proposição for verdadeira. Uma proposição é verdadeira em um mundo possível sse tal mundo tivesse sido atual, tal proposição seria verdadeira. Isso é o que é preciso para aceitarmos as definições tradicionais das modalidades de dicto em termos de mundos.

Para lidar com a modalidade de re, Plantinga nos diz que objetos existentes no mundo atual podem existir em outros mundos possíveis. Mas “um objeto existir num mundo possível” apenas quer dizer que é impossível para tal mundo ser actual e tal objeto não existir, ou seja, que se tal mundo tivesse sido actual, tal objeto existiria. A isso, Plantinga junta a noção de “ter a propriedade P num mundo”: x tem a propriedade P em W sse W tivesse se tornado actual, x teria P. E, com tais instrumentos, Plantinga pode aceitar a abordagem tradicional da modalidade de re em termos de mundos possíveis.

Como Plantinga quer evitar o resultado necessitarista desagradável de que nada exemplifica propriedades contingentemente, ele precisa aceitar a identidade transmundial, caso não aceite a relação de contraparte – coisa que não aceita. Saul Kripke tem alguns argumentos contra a teoria das contrapartes. Um deles é que ela não corresponde às nossas intuições modais, pois, quando fico aliviado dos danos que eu poderia ter sofrido, fico aliviado, pois tal possibilidade é referente a mim. Se estivéssemos falando algo sobre contrapartes, eu não deveria ficar aliviado. Plantinga tem um argumento melhor, contra a incompatibilidade entre identidade transmundial e indiscernibilidade de idênticos: ele diz que o fato de x ter P em W e não ter P em W’ não nos permite inferir que P não pode ser atribuída a x sem estar indexicalizada a algum mundo. Na verdade, as propriedades indexicalizadas se fundam nas não indexicalizadas, e um objeto de fato tem as propriedades não indexicalizadas que ele actualmente tem. O que faria que x tivesse todas as propriedades indexicalizadas que tem e todas as propriedades que actualmente tem – o que removeria a incompatibilidade da identidade transmundial com a indiscernibilidade de idênticos.

Plantinga também defende que esses indivíduos transmundiais têm, em adição a propriedades essenciais triviais (que todos os objetos têm) e a propriedades essenciais gerais (que podem ser compartilhadas ou exemplificadas por mais de um particular), essências individuais (essencialismo leibniziano), que são propriedades essenciais de um particular e que não são exemplificadas por mais nenhum particular (tais essências são chamadas por ele de “haecceities” ou, em português, “ecceidades”). Exemplos de tais essências seriam as propriedades indexicalizadas que pertencem necessariamente e unicamente ao particular de cuja essência estamos falando. Plantinga pensa que qualquer essência de um objeto implica todas as suas propriedades (onde “P implica Q” apenas quer dizer necessariamente todo objeto que exemplifica P também exemplifica Q). Por exemplo, a propriedade de ser idêntico a Sócrates implica todas as propriedades essenciais de Sócrates. E, como entre essas propriedades essenciais estão as propriedades indexicalizadas, segue-se que, a partir da essência de um particular, um ser onisciente poderia saber tudo que é o caso nos diversos mundos possíveis com relação a tal particular.

Enfim, Loux nos mostra em seu texto que Plantinga e Lewis nos apresentam teorias interessantes sobre a natureza das modalidades e dos mundos possíveis, e nos indica como o nominalismo influencia o debate. Vale a leitura.

Rodrigo Cid – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista CAPES. Professor substituto na UFRJ PPGLM, IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: rodrigorlcid@ufrj.br

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[DR]

 

Freedom, determinism, and causality – SOBER (FU)

SOBER, E. Freedom, determinism, and causality. In: E. SOBER, Core. Question in Philosophy: A Text with Readings. 5ª ed. New Jersey: Prentice Hall, p.293-302, 2008. Disponível em: http://criticanarede.com/eti_livrearbitrio.html. Acessado em: 06/03/2009. Resenha de: CID, Rodrigo. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.3, p.348-350, set./dez., 2010.

A primeira tese de Sober é que não podemos agir livremente, a não ser que o Argumento da Causalidade ou o Argumento da Inevitabilidade tenham alguma falha. O Argumento da Causalidade é o seguinte: nossos estados mentais causam movimentos corporais; mas nossos estados mentais são causados por fatores do mundo físico. Nossa personalidade pode ser reconduzida à nossa experiência e à nossa genética. E tanto a experiência quanto a genética foram causados por itens do mundo físico. Assim, o meio ambiente e os genes são os causadores de nossas crenças e desejos. E estes, por sua vez, causam o nosso comportamento. Como, em última instância, não escolhemos nem os nossos genes e nem o meio ambiente no qual adquirimos as nossas experiências, também não escolhemos o nosso comportamento: ele é causado por fatores além do nosso controle; isso nos faz não ser livres. E o Argumento da Inevitabilidade é exposto por Sober assim: se uma ação foi praticada livremente, então deve ter sido possível ao agente agir de outra forma. Mas, dado que as causas de nossas ações são as nossas crenças e desejos, não poderíamos ter agido diferentemente de como elas nos determinam a agir.

A primeira objeção apresentada no artigo é a de que há categorias de ações não livres, como as causadas por lavagem cerebral e por força da compulsão, e que essas diferem substantivamente das ações que são consideradas livres. A resposta de Sober é dizer que não há essa diferença substantiva, e que, por exemplo, a lavagem cerebral é, assim como a educação, apenas mais um tipo de doutrinação. Logo, se a lavagem cerebral nos priva da liberdade, a educação também o fará. E, no caso da compulsão, a única diferença entre as atitudes de compulsivos e não compulsivos seria no conteúdo do que cada um quer: os compulsivos querem coisas que normalmente não queremos – como, por exemplo, lavar as mãos 50 vezes por dia. Mas isso não é motivo para falarmos que eles são menos livres que os não compulsivos.

Depois de responder a objeção acima, Sober se pergunta se pensar as nossas ações como parte de uma rede causal é inconsistente com pensar que pelo menos algumas ações são livres. Sua resposta começa com uma explicação sobre causalidade, determinismo e indeterminismo e depois mostra que esses conceitos se conectam ao problema do livre-arbítrio. Sober vê a causa de um acontecimento como o conjunto de causas que permitem que um acontecimento ocorra. E ele se pergunta se essas causas, mais que permitem, determinam um acontecimento. Se aceitamos que, ao considerarmos todos os fatores causais relevantes para a ocorrência de um certo fenômeno, só um futuro é possível, estaríamos aceitando o determinismo; e se aceitássemos que uma descrição completa desses fatores causais permite a possibilidade de ocorrência de mais de um futuro, então estaríamos aceitando o indeterminismo.

A discussão entre determinismo e indeterminismo acaba se direcionando para a discussão sobre as partículas fundamentais da realidade: se elas forem determinísticas, então tudo que for composto dessas partículas será determinístico, e se elas forem indeterminísticas, assim também o será tudo que for composto dessas partículas. Assim, se as partículas fundamentais forem determinísticas, então os genes, o meio ambiente, as crenças, os desejos e o comportamento das pessoas serão determinísticos. Se tais partículas forem indeterminísticas, então os genes, o meio ambiente, as crenças, os desejos e o comportamento das pessoas não serão determinísticos, ou seja, esses fatores não determinam o comportamento, apenas tornam a sua ocorrência mais provável. Tal probabilidade, no indeterminismo, representa um aspecto genuíno do mundo, e, assim, o acaso é visto como parte da natureza do mundo. Enquanto, no determinismo, tais possibilidades apenas representam a nossa ignorância com relação à descrição completa do mundo ou de certo fenômeno.

Sober, quanto à relação entre determinismo e indeterminismo com a liberdade, nos diz que, se o determinismo nos tolhe a liberdade, o indeterminismo também o faz. Pois inserir o acaso como algo relevante na formação de pensamentos e desejos não nos tornará mais livres; afinal, o acaso também está fora de nosso controle. E o mesmo ocorreria para as nossas crenças e desejos: adicionar o acaso a eles não fará com que o nosso comportamento seja mais livre. O ponto principal da discussão, diz Sober, é o fato de coisas fora do nosso controle causarem o nosso comportamento, e não se somos ou não sistemas determinísticos.

De qualquer forma, para falarmos de sistemas indeterminísticos, teríamos que asserir que é possível haver causalidade num tal sistema. O exemplo que Sober nos dá de causalidade num sistema indeterminístico é assim: há uma roda de roleta, a qual supomos que é um sistema indeterminístico – rodar a roleta não determinará onde a bola irá cair – e que está conectada a uma pistola, de modo que, se sair zero na roleta, a pistola disparará e matará o gato que estava preso em frente à pistola. Suponhamos também que a roleta foi girada e saiu zero. Neste caso, fazer a roleta girar causou a morte do gato; no entanto, “fazer a roleta girar” é um sistema indeterminístico. Logo, é possível haver causalidade num sistema indeterminístico. Dessa forma, a causalidade não requereria o determinismo; ela seria um fato do mundo, mesmo que o determinismo fosse falso. Com isso, Sober quer mostrar que, embora não seja impossível haver um sistema indeterminístico com causalidade, isso não nos daria liberdade, tal como ser um sistema determinístico não daria. O ponto principal, como já foi dito, é a relação entre a liberdade e o fato dos comportamentos serem causados por coisas fora de nosso controle, e não a questão sobre se somos ou não sistemas indeterminísticos.

Sober termina seu artigo falando um pouco da distinção entre determinismo e fatalismo: o primeiro assere que as pessoas têm destinos que não podem ser modificados, independentemente do que elas façam no presente; e o segundo nos diz que é o presente que determina o futuro, ou seja, ele diz que dado o conjunto de crenças e desejos de um agente, seu comportamento será determinado por eles, mas, ao mesmo tempo, permite que, se o conjunto de desejos e crenças fosse diferente, o comportamento seja diferente. O fatalismo nega que nossos desejos e crenças sejam relevantes para o nosso comportamento e que o nosso comportamento seja relevante para o que ocorre. Aceitar que podemos influenciar o que ocorre, diz-nos Sober, é negar o fatalismo, e não o determinismo.

O problema da tese de Sober é que (i) não é tão clara a diferença entre determinismo e fatalismo, se aceitamos o naturalismo, e que (ii) seus argumentos não provam que seja possível haver causalidade num sistema indeterminístico. Penso que (i), pois se um determinismo completo da realidade for verdadeiro ou se o fatalismo for verdadeiro, então desde o início de todas as coisas – ou desde sempre – o destino de cada objeto já estava traçado. E sobre (ii), penso que não é possível supor que a roleta do exemplo de Sober seja um sistema indeterminístico sem cair num regresso ao infinito ou em petição de princípio. Pois, se queremos provar que há causalidade num sistema indeterminístico, não podemos de início pressupor que um sistema determinístico, tal como uma roleta, seria um sistema indeterminístico, pois é a possibilidade de existência de um sistema indeterminístico que deve ser provada antes de falarmos de causalidade num tal sistema. E sobre o regresso, a pressuposição de que precisamos de uma roleta para indeterminar a situação mostra que, para pensarmos que a própria roleta é indeterminística, devemos pensar que há outra coisa a tornando indeterminística – coisa que nos faria ter de pressupor a existência de outra roleta. Mas, para fazer dessa última roleta um sistema indeterminístico, precisaríamos ainda de outra roleta, e assim por diante.

Entretanto, concordo com Sober que o ponto principal na discussão sobre a liberdade é a causalidade, e não a luta entre determinismo e indeterminismo, pois ambos – se um sistema indeterminístico for possível – nos removem igualmente a liberdade. O que me parece que devemos debater – e que também parece a Sober – é se é verdade que “se causas fora de nosso controle determinam nossas ações, então não somos livres” e “se é possível que as escolhas estejam fora dos processos causais”, ou seja, se o argumento da causalidade é inválido.

Rodrigo Cid – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica Largo de S. Francisco de Paula. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: rodrigorlcid@ufrj.br

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