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Fronteiras em perspectivas / História e Diversidade / 2016
O dossier Fronteiras em perspetivas é o resultado da reunião de vários pesquisadores que se dedicam ao estudo de sua(s) fronteira(s). São apresentados aqui diferentes possibilidades interpretativas acerca de como os diversos grupos sociais (indígenas, portugueses e espanhóis) estabelecidos ao longo das fronteiras norte, oeste e sul se encontraram e se confrontaram durante o período colonial. Neste sentido, reunimos aqui quatroze trabalhos que nos possibilitam compreender como este encontro / desencontro pode criar, resignificar e reelaborar as diversas espacialidades ao longo fronteira luso-espanhola.
Apesar de ser pouco comum nos dicionários de termos históricos, o conceito de fronteira, segundo o historiador e arqueólogo Arno Alvarez Kern em seu artigo Fronteira / fronteiras: conceito polissêmico, realidades complexas, tem sido primordial para pesquisas históricas sobre os grupos sociais situados nos limites extremos de territórios contíguos. Segundo o autor, a utilização deste conceito nos permite ilustrar as trocas culturais, as mútuas influências linguísticas e o lento amadurecimento de sínteses que terminam gerando novas identidades nestes espaços fronteiriços. Já a historiadora Sílvia Helena Zanirato em seu artigo Fronteiras: definições conceituais e possibilidades investigativas, além de apontar algumas possibilidades interpretativas para o conceito de fronteira, salienta ainda, a necessidade de se realizar pesquisas na perspectiva interdisciplinar e do tempo presente na fronteira Brasil Bolívia. Para a historiadora, tal ação tornaria a região de Cáceres e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), lugares extremamente profícuos para os estudos acerca desse campo de conhecimento.
Ao investigar as dinâmicas étnicas utilizadas pelos indígenas Cristãos e Infiéis nos espaços de fronteira, Chiquitania e Pantanal: conflitos, reciprocidade e mobilidade social (século XVIII), a historiadora Ariane Aparecida Carvalho de Arruda, buscar compreender os fenômenos de interação e intercâmbios pacíficos e bélicos entre os distintos agentes sociais, a partir das ações e respostas dos indígenas diante das relações assimétricas com os europeus, ao longo do século XVIII. Essas vinculações entre os espaços, segundo a autora, proporcionaram a mobilidade entre os atores sociais, que utilizavam não somente o confronto e a resistência, mas a negociação e a reciprocidade para atuarem na expansão europeia.
Na pesquisa Uma fronteira letrada: As reações escritas dos guaranis ao tratado de limites (1752-1761), o historiador Eduardo S. Neumann salienta que, ao analisar os episódios do conflito deflagrado nas reduções orientais, em meados do século XVIII, – a partir do impacto das práticas da escrita na organização social das reduções – é possivel compreender o modo como os guaranis missioneiros pautaram suas ações e atitudes em uma fronteira letrada. Segundo o autor, a comunicação in scriptis mantinha as principais lideranças informadas a respeito dos acontecimentos recentes, e ao mesmo tempo, cumpria a função de veicular uma versão indígena diante dos rumores que circulavam na região implicada no Tratado de Madri.
Em “Diré también alguna cosa de las que no he visto, a fin de que se sepa las que han existido”: as populações indígenas em “Viajes por la America Meridional”, de Felix de Azara (1809), as historiadoras Eliane Cristina Deckmann Fleck e Elisa Fauth da Motta examinaram as descrições e avaliações que o engenheiro militar espanhol, Felix de Azara, fez sobre certas práticas indígenas, inserindo-as em seu contexto de produção – fortemente marcado pelo pensamento ilustrado e pela reorientação da política imperial espanhola –, e analisando-as à luz da produção historiográfica e antropológica sobre as populações indígenas da América platina
No artigo Um certo capitão-mor: Poder local e redes familiares na expansão da fronteira Sul da América portuguesa (1721-1735), o historiador Fábio Kühn percorre alguns aspectos da trajetória do polêmico capitão-mor de Laguna, Francisco de Brito Peixoto. Segundo autor, esta análise possíbilitou dimensionar a importância das redes familiares, fundamentais nas estratégias sucessórias empregadas por esse membro da elite paulista que migrou para o Sul, ajudando a expandir as fronteiras do Império português na América meridional durante a primeira metade do século XVIII.
Discutindo a ação política empreendida pela Companhia de Jesus, mas especificamente pelos jesuítas, para converter índios “selvagens” em “autênticos homens” e depois em cristãos, temos a pesquisa A Companhia de Jesus nas fronteiras da América Espanhola da historiadora Ione Aparecida Martins Castilho Pereira. Segundo a autora, só a redução faria com que estes indígenas deixassem a vida pagã e levassem uma “vida política e humana”, facilitando assim, a catequização e a defesa das missões das incursões, internas e externas, praticadas tanto por espanhóis encomendeiros como portugueses. Afinal, reduzir as diversas etnias indígenas a um novo espaço urbano significou para estes jesuítas intervir profundamente no modo de ser dos indígenas, criando assim, estruturas urbanas que pudessem manter o indígena consciente da presença divina na missão e, ao mesmo tempo, que contribuísse para o sustento e manutenção de toda a população indígena reduzida neste espaço.
Analisando o conceito de civilização que deveria ser aplicado aos índios da América portuguesa e às práticas sociais indígenas, temos a pesquisa da historiadora Loiva Canova intitulada Índios e Civilização na Capitania de Mato Grosso sob a perspectiva do Directório. Segundo a autora, o Directório além representar o resultado da política Iluminista destinada aos índios, cujas resoluções eram inicialmente dada aos índios do Grão-Pará e Maranhão, foi capaz de interferir na vida de muitos índigenas que viviam nas terras da capitania de Mato Grosso. Na pesquisa Tierra adentro: fronteira e contato interétnico na pampa de Buenos Aires (século XVIII), a historiadora Maria Cristina Bohn Martins busca compreender, a partir de um conjunto de missões erigidas na pampa argentina em meados do XVIII, o quanto a fronteira austral e suas populações foram um desafio e um “ponto limite” para as práticas coloniais em franca expansão neste século.
Já a pesquisa da antropóloga Mercedes Avellaneda sobre La esclavitud indígena em los siglos XVI, XVII y XVIII en relación a la región del Paraguay y de Chiquitos en el Oriente Boliviano, procura demonstrar como o processo de escravidão indígena nestas regiões se desenvolveu por mais de dois séculos. E para compreender o impacto que estas transformações causaram na configurtação espacial dos grupos indígenas, a autora realiza uma reflexão do avanço e retrocesso das frentes de conquista, tanto espanhola quanto portuguesa, afim de dimensionar sua verdadeira importância nos processos de formação da fronteira.
Otávio Ribeiro Chaves apresenta o artigo O Secretíssimo Plano de Comércio e de Segurança organizado pela Monarquia portuguesa em 1770. Afirma o autor, com base no estudo das secretíssimas instruções enviadas em 1772 para os governadores das capitanias do Grão-Pará, São José do Rio Negro e de Mato Grosso, que, foi possível perceber os interreses geopolíticos portugueses para as regiões que faziam fronteiras com os domínios espanhóis na América do Sul. Um dos principais pontos de sua narrativa direciona-se a organização e execução do contrabando com os antigos territórios missioneiros jesuíticos de Orinoco, Quito e Peru. Busca-se perceber esta prática principalmente num espaço compreendido pela capitania de Mato Grosso e as antigas missões jesuíticas de Mojos e Chiquitos no período de 1770-1777. Não deixando, porém, de estabelecer a leitura dos acontecimentos que ocorriam em outras capitanias fronteiriças com os domínios hispânicos. De um extremo do território da América portuguesa, na fronteira oeste, deslocamos a nossa leitura para a Colônia do Sacramento, situado no extremo sul da América do Sul.
Realizando um estudo crítico sobre a construção do espaço urbano e a conquista territorial de Capitania de Mato Grosso através da comparação entre as cidades de Vila Bela da Santíssima Trindade (1752) e Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá (1727), temos a pesquisa do historiador Romyr Conde Garcia intitulada Espaço do povo e espaço do rei na terra da conquista: Vila bela, Cuiabá e os seus distintos espaços. Encerrando este dossie, temos a pesquisa da historiadora e arqueóloga Tatiana de Lima Pedrosa Santos intitulada Entre rios: Fronteiras, populações e cultura material no norte. Em sua produção, a autora buscou construir um enfoque teórico para se pensar a fronteira amazônica numa perspectiva que leve em consideração seu passado, identificando assim, as contribuições e os limites do conceito de fronteira.
Além do dossiê, este número publica cinco artigos extras. O primeiro artigo intitulado Quilombos: uma estratégia de resistencia e enfrentamento dos escravos africanos diate da dominação européia, de Janaina de Fátima Zdebskyi, aborda o Quilombo como estratégia de resistência dos escravos e escravas no Brasil, relacionando a temática com a sala de aula e a situação das comunidades quilombolas na atualidade.
O segundo texto, de autoria de Luciana de Freitas Gonçalves, denominado Religiões de matrizes africanas nas Histórias em Quadrinhos: uma ferramenta pedagógica no ensino de História da África e cultura afro-brasileira, apresenta um debate acerca da utilização das histórias em quadrinhos no ensino de História, com foco na análise de produções com histórias que visam mostrar a África do ponto de vista dos africanos e afrodescendentes, analisando as diferentes representações, propondo-as como instrumentos de reflexão durante as aulas de História.
O terceirto artigo Homens de ferro, mulheres de pedra: fugas e formações de quilombos na fronteira entre as coroas portuguesa e espanhola (século XVIII-1809), Bruno Pinheiro Rodrigues realiza um estudo sobre as fugas perpetradas por cativos no oeste da América portuguesa e a formação de quilombos, entre o século XVIII ao ano de 1809, utilizando-se de documentação produzida na América portuguesa e espanhola sobre fugas, travessias de fronteiras, estratégias quilombolas e tentativa de levante urbano.
O quarto texto, O Artigo 26A e seus desdobramentos no currículo da Educação Básica de Mato Grosso, de autoria de João Bosco da Silva, apresenta um estudo sobre os impactos do Artigo 26A da Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional, fruto das lutas dos movimentos sociais negros pela reparação das formas equivocadas de demonstrar a participação negra na formação da cultura nacional, no dia a dia escolar no Estado de Mato Grosso.
O último artigo, de Maureci Moreira de Almeida e Paulo Alberto dos Santos Vieira, denominado Narrativas sobre o negro na telenovela brasileira: entre o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento, apresenta uma análise sobre concepções racistas relacionando-as com o debate acerca de como as telenovelas brasileiras fazem operar e difundir o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento.
Ao final desta obra, queremos agradecer a todos os autores pelas ótimas contribuições. Desejamos boas leituras!
Cáceres, julho de 2016.
Ione Aparecida Martins Castilho Pereira
Arno Alvarez Kern (PUCRS)
Otávio Ribeiro Chaves (UNEMAT)
Osvaldo Mariotto Cerezer (Editor
PEREIRA, Ione Aparecida Martins Castilho; KERN, Arno Alvarez; CHAVES, Otávio Ribeiro; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.8, n.1, 2016. Acessar publicação original [DR]