The religion of life: eugenics/race/and Catholicism in Chile | Sarah Walsh

Las trayectorias biográficas del ex dictador militar Augusto Pinochet y el ex presidente socialista Salvador Allende parecen tener puntos de encuentro. Ambos, nacidos en las primeras décadas del siglo XX, fueron testigos de una serie de cambios culturales, políticos y sociales en la historia contemporánea de Chile. Pinochet y Allende realizaron sus estudios secundarios en prestigiosos colegios en la ciudad de Valparaíso, y ambos compartieron valores sociales que emergieron como ejes claves del bienestar del país: la familia, los vínculos matrimoniales y el compromiso público por la nación. Leia Mais

Making Italy Anglican: Why the Book of Common Prayer Was Translated into Italian | S. Villani

Il volume di Stefano Villani, Making Italy Anglican: Why the Book of Common Prayer Was Translated into Italian, costituisce il risultato finale di una lunga e proficua ricerca, avviata dall’autore quasi venti anni fa, con la presentazione, nel 2003, di un paper intitolato “Baptism in the Book of Common Prayer”. In un certo senso, questa monografia si presenta come una storia di fallimenti, legati ad alcune traduzioni del Book of Common Prayer realizzate tra il XVII e i primi anni del XX secolo, i cui protagonisti furono diplomatici, mercanti, editori e uomini di fede. E nel narrare questa storia, l’Autore fornisce un prezioso contributo alla storia della traduzione e della ricezione italiana dei testi liturgici inglesi. Leia Mais

Historia de una relación impensada. El catolicismo en los sindicatos durante el peronismo | Jessica Blanco

Con este libro, la historiadora cordobesa Jessica Blanco revisita la historia del catolicismo argentino de las décadas centrales del siglo XX. Recorre la temática a través de algunos tópicos clásicos –los procesos de secularización y laicidad, la relación entre el peronismo y la Iglesia, y entre esta y la sociedad– con una mirada centrada en la actuación del laicado católico en el terreno sindical. Ciertamente, son pocos los estudios que han asumido el desafío de abordar las influencias e identidades religiosas de los trabajadores, sus dirigencias y organizaciones.

El presente volumen sintetiza los trabajos de la autora sobre la acción política y gremial del catolicismo cordobés en el segundo tercio del siglo XX, la Juventud Obrera Católica (JOC) y, más recientemente, el universo sindical de las izquierdas tanto en Córdoba como en Mendoza. Su mérito consiste, justamente, en volver sobre esas preocupaciones clásicas desde una perspectiva que reconoce diferencias regionales y adopta un movimiento descendente; así, desplaza la mirada desde las jerarquías hacia el catolicismo social, desde las instituciones del laicado católico intervinientes hacia los trabajadores asociados, y desde las dirigencias hacia las bases sindicales. Leia Mais

La constelación tercermundista. Catolicismo y cultura política en la Argentina/1955-1976 | Claudia Touris

Este libro es producto de una extensa investigación de Claudia Touris para su tesis de doctorado. Su objetivo es explicar los orígenes y desarrollo de lo que denomina la “constelación tercermundista” y su vínculo con la cultura política argentina en un período signado por la inestabilidad institucional, a partir de un cruce de fuentes de distinto tipo y de una vasta colección de entrevistas. Leia Mais

La constelación tercermundista. Catolicismo y cultura política en la Argentina, 1955-1976 | Claudia Touris

Es sabido que en materia de investigación histórica jamás hay una obra definitiva. Las preguntas cambian, los archivos se modifican, las preocupaciones se transforman. Pero cada tanto aparecen libros imprescindibles. Eso no implica que la lectura deba plegarse sin matices a la interpretación propuesta. Supone más bien que su consulta se hace inevitable por la calidad, solidez y alcance logradas. He allí la naturaleza historiográfica de La constelación tercermundista publicada por la historiadora argentina Claudia Touris.

Esta reseña se distribuirá en tres segmentos. El primero sintetiza el contenido del libro. El segundo pondera su valor historiográfico. El tercero propone dos líneas de reflexión sobre cuestiones abiertas por la obra. Leia Mais

Historia de una relación impensada. El catolicismo en los sindicatos durante el primer peronismo | J. Blanco

Historia de una relación impensada…, de Jessica Blanco, es el libro 13 de la colección “La Argentina Peronista: política, sindicalismo y cultura” dirigida por Gustavo Contreras. La obra analiza el accionar de la iglesia católica –un actor social minimizado en la historiografía del sindicalismo en Argentina– al interior de los gremios y su vinculación con el sindicalismo peronista. Leia Mais

História, catolicismo e educação | Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira

O entendimento de que vivemos em uma sociedade marcada por experiências culturais que atribuem múltiplos sentidos e significados às vivências humanas constitui-se em expressão de reconhecimento dos fenômenos sociais existentes. A noção de pensar sobre os processos educativos institucionalizados no contexto brasileiro se deu, inicialmente, a partir da criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na década de 1930, junto ao movimento que ficou denominado como “Nova Escola” e como uma das primeiras tentativas de organização do sistema educacional brasileiro. A reflexão sobre as crenças, em especial as religiosas, adquire relevância, igualmente, a partir da ascensão desse tipo de estudos no campo da filosofia das religiões. O objetivo do presente texto é apresentar resenha da obra “História, catolicismo e educação”, escrita por muitas mãos de jovens e experientes pesquisadores e organizada pelos professores Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira, publicada em 2019, pela Editora da Universidade Federal do Piauí (EDUFPI). A obra está dividida em onze capítulos que dialogam entre si, a partir dos temas centrais da proposta: história, educação e catolicismo. É a partir das relações estabelecidas entre os campos da História, da Educação e da História da Educação, portanto, que a obra preocupa-se em dirigir sua mirada, em especial para as relações estabelecidas entre o catolicismo na educação escolar ao longo da historiografia brasileira. Leia Mais

Jinga de Angola/a rainha guerreira da África | Linda Heywood || Além do visível: poder/catolicismo e comércio no Congo e em Angola (séculos XVI e XVII) | Marina de Mello e Souza

É extremamente oportuno quando duas excelentes obras afins e complementares vêm a lume no mercado editorial brasileiro, quase no mesmo ano, o que revela um momento ímpar de historiografia internacionalizada e conectada. Ganha-se nos detalhes e em visão de conjunto. Uma obra de cada vez, porém. Leia Mais

A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo – MATOS (LH)

MATOS, Luís Salgado deA Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo. Lisboa: D. Quixote, 2011. Resenha de: CARVALHO, David luna de. Ler História, v.65, p. 179-181, 2013.

1 O livro A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo de Luís Salgado Matos apresenta logo no subtítulo uma indicação preciosa sobre o seu contributo para a historiografia, a de que também houve concórdia no processo de separação do Estado da Igreja! Segundo o autor, o próprio processo de implementação da Lei da Separação demonstra mesmo que numa fase inicial o projeto da lei era de molde a não levantar problemas; devido a um acordo tácito entre o Estado e a Igreja as cultuais eram, na prática, voluntárias e o culto paroquial livre.

2 Não saindo da tradicional vertente da história da I República – a História Política – Luís Salgado Matos inova no entanto ao demonstrar que cada um dos dois intervenientes no processo em análise, o Estado e a Igreja, longe de serem entidades homogéneas, decompunham-se numa heterogeneidade de protagonistas e interesses contraditórios. Para exemplo podemos ver como o autor avalia a sensibilidade em matéria religiosa por parte do Estado, ou seja dos republicanos. A existência de diversas sensibilidades como as dos evolucionistas e unionistas, adeptos de uma política de atração e para quem a Igreja só devia ser reprimida se fizesse política contra a República, até aos democráticos, considerados como os mais radicais e para quem defender a República era reprimir a igreja já era conhecida, mas Salgado Matos debruça-se ainda sobre outra categoria, a dos laicistas. O autor demonstra que os mais radicais não foram os democráticos, mas sim os laicistas. Estes consideravam a religião como algo a extinguir ao contrário dos democráticos que a concebiam de um modo positivo.

3 Partilhando a conceção de que a questão religiosa foi central na «vida e morte» da I República, Salgado Matos demonstra como a organização política esteve refém da «dialética dos extremos», quer no interior do Estado Republicano quer no da Igreja Católica. No campo republicano, o do Estado, a tendência laicista mais radical pressionava a corrente laica e no campo do Catolicismo os católicos monárquicos constitucionais, representados pelo rei exilado, D. Manuel, pressionavam a hierarquia eclesiástica e os partidários da indiferença face à questão do regime político, como os membros do Centro Católico.

4 Os republicanos laicos, pretendendo um relacionamento com o topo da hierarquia católica, o Vaticano, não conseguiam dissociar-se de um laicismo intolerante, de tal modo que fundamentavam a importância dessa relação praticamente apenas na salvaguarda do empreendimento colonial. A hierarquia católica, reforçada por já não partilhar o seu poder com o Estado Regalista, não se demarcou das ofensivas monárquicas e do próprio constrangimento proveniente do rei exilado ser considerado um rei «fidelíssimo», tornando-se «refém do seu imaginário de vítima perseguida».

5 No cerne de toda a questão religiosa esteve, segundo o autor, a questão da personalidade jurídica da Igreja Católica. Contrariamente às teses que consideram que o Estado republicano era irredutível, atribuindo a personalidade jurídica apenas à associação dos cidadãos crentes em cultuais e que a Igreja também o era, considerando apenas a hierarquia eclesiástica, para Luís Salgado Matos houve entendimentos que consideravam soluções intermédias. Estas soluções existiam no próprio texto da lei, pois as cultuais aí consagradas constituíam mais de que uma categoria, além das cultuais a serem criadas de novo existiam também as cultuais baseadas em organizações tradicionais como as misericórdias, irmandades e outras instituições seculares da Igreja. Ainda que as Irmandades tivessem de alterar os seus estatutos, muitas não o fizeram, não sendo postas em causa e, além disso, não tardou que existisse legislação atribuindo ao clero a acreditação dos membros cultualistas como católicos. Esta foi uma solução de compromisso aceite pelos moderados de ambas as partes e contrariada pelos seus extremistas, demonstrando que a Lei da Separação portuguesa não era uma cópia da lei francesa de 1905, mas sim uma lei original.

6 As irmandades foram, segundo o autor, o terreno de encontro entre o Estado e a Igreja e esta prática remontava ao Estado monárquico liberal. O desejo dos republicanos laicos era o de uma reconfiguração que não abandonasse totalmente o regalismo, tendo chegado a negociar com o Vaticano e com os bispos antes da publicação da Lei da Separação, algo que o papa de então, Pio X não aceitou. Posteriormente, sobretudo devido a um novo papa, Bento XV, advogando uma política de ralliement, e a Sidónio Pais, com medidas segundo as quais os associados teriam de ter o aval do clero, a questão religiosa foi resolvida em termos institucionais.

7 Com o cuidado de não equiparar a separação da Igreja do Estado com a Lei da Separação, pois que aquela foi realizada também em muitas medidas anteriores a esta, a tese fundamental de Salgado Matos é a de que nem o Estado nem a Igreja pretendiam a separação que acabou por ocorrer, mas após o processo se ter iniciado cada uma das entidades foi ultrapassada e os seus objetivos alterados de um modo antes inimaginável. A divulgação da pastoral dos bispos em fevereiro de 1911 constituiu o marco dessa clivagem, não obstante o culto ter prosseguido com normalidade na maioria das paróquias. Mesmo com a sua conciliação depois da primeira guerra, nem o Estado republicano nem a Igreja católica tinham conseguido dominar os seus extremistas.

8 Sendo eu próprio um historiador da «Separação» em Portugal, embora numa perspetiva menos política e mais social e cultural, as conclusões de Luís Salgado Matos são particularmente preciosas, não apenas por aquelas que são coincidentes, mas também devido às que são divergentes.

9 No que respeita a conclusões convergentes com as minhas existe uma coincidência fundamental, concluímos ambos não ter existido uma guerra religiosa no processo de laicização e o autor considera que esse processo não constituiu uma perseguição, mas apenas um combate, com a «violência de forças opostas».

10 No respeitante a conclusões divergentes será muito interessante tentar perceber a sua razão de ser. Pela minha parte pude concluir que a faceta mais conflitual da «Separação» se tinha verificado no contexto da realização dos cultos, pois a grande maioria dos tumultos inventariados referia o constrangimento desses atos como pretextos de rebelião. Para Luís Salgado Matos, porém, o fulcro do conflito entre o Estado e a Igreja foi o da organização dos cultos uma vez que colocava em causa a personalidade jurídica da Igreja. Creio que esta divergência se deve exatamente ao diferente tipo de universo que ambos estudámos, no meu caso observei as reações dos fiéis comuns face aos implementadores locais da lei, enquanto Luís Salgado Matos observou essas reações sobretudo no topo das duas esferas, o Estado e a Igreja. Mais difícil de explicar é o autor não ter atribuído importância à «Lei do Registo Civil Obrigatório», anterior à «Lei da Separação», no que diz respeito à sua prescrição de proibição do cortejo fúnebre religioso no espaço público. Na minha inventariação de conflitos o maior pico mensal de tumultos verificou-se precisamente após a implementação dessa medida. Porque não terá havido eco nas esferas superiores da contenda, quando sabemos que foi a única ocasião em que os mais altos representantes do Estado republicano consideraram a possibilidade de um «conflito passional de natureza religiosa»?

11 A terminar uma breve alusão positiva à preocupação do autor em explicitar constantemente o significado de muitos conceitos pouco acessíveis a quem não tiver alguma especialização neste domínio, algo que não é muito vulgar!

David Luna de Carvalho – Doutorado em História Contemporânea e investigador do Centro de Estudos de História Contemporânea (ISCTE-IUL). E-mail: davidlunadecarvalho@gmail.com.

Consultar publicação original

Ingênuos/ Pobres e Católicos: A Relação dos EUA com a América Latina | Alfredo da Mota Menezes

Escrito por Alfredo da Mota Menezes, professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso, e editado pela editora carioca “Fundo de Cultura” o livro “Ingênuos, Pobres e Católicos” explora a emblemática e estereotipada visão que o norte-americano, desde o cidadão comum, até as camadas intelectuais e políticas locais, sustenta sobre a América Latina.

Menezes é PhD em história latino-americana pela Tulane University, nos Estados Unidos, onde também atuou como professor visitante. Em sua obra o autor busca delinear as origens históricas da percepção norte-americana acerca da América Latina, suas supostas origens e justificativas, bem como os principais atores responsáveis pela sua manutenção, tal como a mídia, relatos de viajantes e alguns intelectuais. Para isso ele se usa de uma vasta bibliografia composta desde artigos e charges divulgadas em jornais, majoritariamente norte-americanos, até livros, filmes e documentos diplomáticos. Leia Mais

Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil | Marcus Marciano Gonçalves da Silveira

Desde a independência política do Brasil, já durante o período monárquico, surgiu a preocupação com a criação de uma identidade artístico-arquitetônica para o novo estado em vias de formação. Foi no contexto da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, por exemplo, que Manuel José Araújo de Porto Alegre encetou os primeiros debates acerca de um estilo arquitetônico nacional.

Entretanto, é somente a partir do movimento modernista e da institucionalização de uma política patrimonial para o país, com a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), durante o Estado Novo, que estratégias mais incisivas em torno da criação de um modelo artístico identitário nacional começaram a ser colocadas em prática.

Na verdade, seriam os mesmos arquitetos promotores do movimento modernista aqueles que a parir do final da década de 1930, ajudariam o governo Vargas a forjar a política patrimonial do Sphan e a elaborar a “versão oficial” da memória patrimonial e artística do Brasil.

O paradoxo que caracterizou a trajetória desse grupo de arquitetos-intelectuais, marcada pelo seu envolvimento direto tanto nas políticas de preservação do “Barroco Colonial” – em especial o “Barroco Mineiro” – elevado por eles à condição de símbolo da identidade artística nacional, quanto no projeto de criação de novo “estilo brasileiro”, o moderno, também por eles legitimado, é o ponto de partida do estudo de Marcus Marciano Gonçalves da Silveira.

O livro consiste na publicação da Dissertação de Mestrado em História e Culturas Políticas do autor, junto a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nele, a partir do caso da cidade de Ferros (MG) – cuja Igreja Matriz dedicada a Santa Ana, originariamente em estilo colonial, foi demolida, na década de 1960, para a construção de um edifício em estilo modernista –, o autor procura estabelecer relações entre o processo de difusão da arquitetura religiosa modernista no Brasil, nas décadas de 1940 a 1960, com uma ideologia estatal de cunho desenvolvimentista e a escolha de políticas “modernizantes” por parte de determinados setores da Igreja Católica.

Diante do silêncio das principais narrativas sobre a história da arquitetura modernista no Brasil que, centradas na arquitetura civil, geralmente, só mencionam duas obras de arquitetura eclesiástica: a Capela da Pampulha e a Catedral de Brasília de Oscar Niemeyer, o autor se propõe a tirar da obscuridade outros projetos arquitetônicos modernistas para edifícios religiosos.

Para tanto, faz um levantamento dos projetos de igrejas em estilo modernista publicados nas principais revistas brasileiras de arquitetura entre as décadas de 40 e 60 (leia-se: Acrópole; Habitat; Arquitetura e Engenharia; Arquitetura; e, Arquitetura, Engenharia e Belas Artes).

Todavia, apesar do título do primeiro capítulo “A trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil” somente ao seu final (pp. 88-97) encontraremos uma lista e algumas imagens de projetos e de igrejas efetivamente construídas. Mesmo somando-se a esses, os projetos colocados – sem razão evidente – no Anexo A, o autor está longe de fazer um levantamento sistemático sobre o assunto: os exemplos mencionados, praticamente, só dizem respeito ao sudeste e, em número menor, ao sul do país e, além disso, o autor não se preocupa em destacar quais projetos efetivamente saíram do papel.

A primeira parte do livro, na verdade, se ocupa muito mais dos fatores ideológicos e políticos que legitimaram a destruição dos edifícios antigos e sua substituição por templos modernos.

O autor procura investigar de que forma o modernismo conseguiu fomentar a associação entre passado e atraso, e entre modernidade e progresso. O modernismo coloca-se como alternativa a um passado atrasado, não pelo seu valor histórico e estilístico, mas por ser carregado de estrangeirismos.

Neste sentido, “o projeto modernista” vincularia a idéia de retrógrado, de ultrapassado, sobretudo, aos chamados “estilos históricos”, a partir de uma construção discursiva que também reverberaria na política do próprio Sphan, uma vez que houve pouquíssimos tombamentos de edifícios em estilo eclético neste período.

Segue-se uma reconstrução da rede de interesses que uniu os arquitetos modernistas e alguns setores da Igreja. A Igreja buscava fugir de sua “identidade museológica”, a partir da retirada dos elementos decorativos que preenchiam todo o corpo do templo, tirando a atenção do altar. Assim, a ânsia de alguns setores do clero por uma renovação litúrgica que adequasse os templos à sua funcionalidade ajudou nessa aproximação.

No que tange, por exemplo, o caso da Matriz de Ferros, segundo o autor, a preocupação com o estado deplorável do templo era muito mais centrada na sua falta de funcionalidade do que no seu valor enquanto patrimônio histórico.

Neste sentido, a ausência de posicionamento do Sphan em relação à proposta de demolição da Matriz de Sant’Ana, ratifica a afirmação do autor de que o estilo “Barroco Nacional” legitimado pelos modernistas, foi praticamente o único padrão artístico que despertava o interesse da instituição, a qual deixava na mão da Igreja a responsabilidade absoluta sobre aqueles templos que “fugiam da norma”, incluídos aqueles em estilo colonial tardio.

Desta forma, a aproximação entre religiosos e arquitetos e a inércia/desinteresse dos órgãos institucionais, segundo o autor, teriam ajudado o modernismo a se colocar como a possibilidade arquitetônica capaz de atender aos desejos do clero por novas formas litúrgicas, mais adequadas ao espírito desenvolvimentista no qual o país estava mergulhado.

Na segunda parte do livro, o autor desenvolve seu estudo de caso, reconstruindo, com rica documentação, todo o processo que conduziu a demolição da antiga e a ereção da nova Matriz.

Ele destrincha toda a polêmica acerca da demolição, o Movimento Verde – pró- modernismo –, seus antagonistas, os pontos de vista, os discursos, o papel da imprensa, a decisão por meio de plebiscito, a atuação da Igreja – mais especificamente do Movimento Litúrgico –, o desinteresse dos órgãos de salvaguarda do Estado, etc.. As imagens colocadas no Anexo B muito enriquecem a percepção do leitor acerca da importância e do impacto que todo o processo teve para a cidade.

Assim, partindo de um plano mais geral, o da consolidação do modernismo como proposta mais conveniente a um Estado cujo programa político estava voltado para a “modernização” do país, o autor chega às conseqüências – a seu ver, nefastas – que a colocação em prática desta política de renovação teve para a pequena cidade de Ferros, no interior de Minas Gerais.

Destaca-se, nesta parte, a força narrativa com a qual o autor constrói seu discurso acerca da falência do projeto “modernizador” dos modernistas. Tocante é seu relato acerca de como o contraste entre o fórum – em estilo colonial – e a nova igreja representavam a memória de um arrependimento coletivo.

A imagem da estrutura arquitetônica modernista – hoje já não mais “moderna” – transformou-se assim no vestígio vivo de uma “modernidade” que não veio. A crença na eficácia da inferência arquitetônica como propulsora do progresso mostrou-se vã.

O estudo da dissolução da “paisagem tradicional mineira” na cidade de Ferros, deste modo, torna-se uma importante reflexão sobre a ausência de preocupação com o restante da paisagem urbana que caracterizou o “projeto modernista”, bem como uma lição para aqueles que fazem e implantam políticas patrimoniais neste país.

A eleição de uma ou outra forma patrimonial como mais “legítima”, em detrimento de outras, consideradas retrógradas, via de regra, acaba por retirar das gerações vindouras o direito de conhecer o seu próprio passado.

Marília de Azambuja Ribeiro – Departamento de História, UFPE.

Angélica Cristina de Paula Botelho – Bolsista PIBIC (Propesq/UFPE) do Projeto Espaço urbano, arquitetura eclesiástica e cultura tridentina da Professora Doutora Marília de Azambuja Ribeiro (Departamento de História, UFPE).


SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão: a trajetória da arquitetura religiosa modernista e a demolição de antigos templos católicos no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. Resenha de: RIBEIRO, Marília de Azambuja; BOTELHO, Angélica Cristina de Paula. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.29, n.1, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

 

Tão longe tão perto: a Ibero-América e a Europa Ilustrada – DOMINGUES (HU)

DOMINGUES, B.H. Tão longe tão perto: a Ibero-América e a Europa Ilustrada. Rio de Janeiro: Museu da República, 2007. 260 p. Resenha de: PINHO, Leandro Garcia. Comparando ocidentes. História Unisinos 13(3):308-311, Setembro/Dezembro 2009.

Autora de outros livros originários, respectivamente, de sua dissertação e tese, os textos apresentados nesta obra resultam de compilações de artigos publicados por Domingues nos últimos quatro anos e derivados de pesquisas realizadas em diferentes contextos acadêmicos nacionais e internacionais. Os temas desses estudos são entrelaçados a partir de um assunto que remete ao período em que foram escritos e que, por muito tempo, estão em voga em parte do pensamento Ocidental: a polêmica do Novo Mundo. Tema caro, certamente, à historiografia – como lembra Fleck em comentário a esta obra de Domingues –, mas visto aqui por meandros e graus de comparação até então pouco vistos.

O grande mote de Tão longe tão perto é, por certo, interligar e relacionar a produção jesuítica – inserida na chamada Ilustração Católica – à produção iluminista presente em autores ibéricos, britânicos e franceses da mesma época. Além disso, a produção textual jesuítica dos Setecentos na colônia brasílica ganha inserção na e correlação com a muito discutida textualidade dos inacianos da Hispano-América.

Autorizando-nos a pensar de forma complexa e plural o fenômeno da Ilustração, Domingues, na primeira parte da obra, discute, num texto inicial, as diferenças marcantes entre os chamados árcades e os jesuítas na clássica tópica colonial sobre a defesa do Novo Mundo. Ao fazê-lo, a autora evidencia que, para além dessas diferenças, pombalismo e jesuitismo podem não ser pensados apenas numa relação contraditória ou dicotômica.

Compondo a chamada “cidade letrada” – termo tão largamente associado a Angel Rama – da colônia lusitana na América, jesuítas e árcades possuíam tanto temáticas e propostas diferentes entre si como possíveis de aproximações. Domingues autoriza tal argumento, recorrendo à análise de textos de Pombal e Basílio da Gama – como integrantes de uma Ilustração Civil – e comparando-os com textos como o de João Daniel e Clavijero – membros da vertente católica e jesuítica do iluminismo. Assim, mesmo após a expulsão dos jesuítas dos impérios ibéricos – o que desencadeia forte literatura contestatória da ação dos inacianos – e a produção letrada de acirrada defesa de seus próprios argumentos por parte dos Soldados de Cristo, podemos encontrar resultados semelhantes em intenções e argumentos diferentes no que tange à relação desses textos com o tema do Novo Mundo.

Árcades e jesuítas enaltecem a América e se contrapõem a uma visão negativa presente entre a maioria dos ilustrados europeus acerca de nossas terras, habitantes, fl ora e fauna.2 Inseridos na Polêmica do Novo Mundo, os textos analisados por Beatriz Domingues descortinam-se como capazes de “encontrar ‘resultados’ relativamente semelhantes em escritos motivados por razões praticamente opostas” (Domingues, 2007, p. 45). Tanto os árcades, ao reagirem contra uma visão negativa acerca da América por parte dos ilustrados europeus, quanto os jesuítas são capazes – cada um a seu modo, claro – de contribuírem, segundo a análise da autora, para a constituição de uma incipiente consciência patriótica nas colônias d’além-mar.

Os jesuítas, “mesclando uma visão religiosa de mundo com idéias seletas da Ilustração europeia”, “estavam, a seu modo, forjando suas interpretações sobre a singularidade brasileira” (Domingues, 2007, p. 53), contribuindo, como faziam os árcades, para a afirmação da identidade política luso-americana.

Desse modo, Domingues diverge da proposta de Martins, que limita ao grupo dos acadêmicos brasílicos a exclusividade de formarem essa identidade já diferenciada da matriz europeia. Entre os pesquisadores de nossa literatura, é uma constante associar a produção letrada dos árcades luso-brasileiros dos Setecentos à formação de uma particularidade brasílica. E é exatamente neste ponto que reside, nesta primeira parte da obra em análise, o grande salto analítico de Domingues, pois “a atitude enaltecedora do projeto português no Brasil não pode ser generalizada” (Domingues, 2007, p. 54).

Em um terceiro momento desta primeira parte, ao recorrer ao texto de João Daniel – jesuíta desconhecido de seu tempo, que passou boa parte de sua vida na Amazônia e, posteriormente, foi expulso e preso por conta da ilegalidade da Companhia a partir da segunda metade do século XVIII –, Domingues apreende as formulações do inaciano, ao descrever as benesses do Norte da colônia brasílica. De acordo com a autora, a proposta do jesuíta em questão é tentar tirar máximas de comportamento para servirem de exemplo aos católicos e, ao mesmo tempo, oferecer informações detalhadas sobre o uso medicinal das plantas nativas, para melhor exploração da região e também da possível coexistência do homem com o meio.

Sem desautorizar tal análise de Beatriz Domingues, é possível acrescentar que desde os primeiros escritos de inacianos sobre nossas terras, já no século XVI, esta também parece ser parte da intenção de jesuítas como Anchieta, Soares e Cardim, ao tentarem caracterizar positivamente as terras lusitanas na América3.

A segunda parte do livro inclui a discussão realizada pela autora acerca de algumas “Histórias da América espanhola escritas por jesuítas exilados” e a infl uência/ contato destas com o universo letrado da Ilustração. Complemento interessante da proposta do livro, esta sessão é inaugurada pelo texto que versa sobre as duas Histórias da Califórnia escritas por Miguel de Venegas e por Francisco Javier Clavijero (in Domingues, 2007).

Domingues destaca que o primeiro tentou, em seu texto, trazer informações sobre a história passada e presente da região, no intuito de explicar o sucesso da empreitada jesuítica, tanto com argumentos espirituais quanto com temporais. A grande diferença entre as duas obras se faz pelo fato de que Venegas (in Domingues, 2007) escreve seu texto no momento em que ocorre a implementação das Reformas Bourbônicas na região americana. Já Clavijero, no momento em que compila sua Historia de la Antigua or Baja California (in Domingues, 2007), não vivia na região retratada, mas se encontrava no exílio, no status de ex-jesuíta. A Ordem foi suprimida pelo papa em 1773.

Enquanto Venegas (in Domingues, 2007) tentava convencer alguma autoridade metropolitana sobre o valor de se manter a obra missionária na Baixa Califórnia, Clavijero (in Domingues, 2007) não se preocupava com o que já pareciam “águas passadas”. Às autoridades espanholas parecia sem sentido qualquer apelo de reestruturação da Companhia de Jesus. Cabia, então, na visão desse ex-inaciano, entreter o público europeu com informações sobre um exótico novo mundo chamado América. Inseridos em tópicos de discussão que impregnavam seu tempo, a Polêmica do Novo Mundo e Ilustração Católica europeia, Clavijero e Venegas estavam envolvidos numa tentativa de oposição à campanha anti-jesuítica que, irradiada da Europa, transformava o mundo colonial na América.

Apesar disso, tinham, na percepção de Domingues, relações afetivas diferentes com a Califórnia. No afã de seu tempo – antes de atos sumários que eliminaram a ação inaciana na América – Venegas (in Domingues, 2007) aposta na intensificação do povoamento e na importância da missão na região em destaque, enquanto Clavijero (in Domingues, 2007), escrevendo alguns anos depois, estava bem menos seguro nesta aposta. Seus textos nos remetem hoje menos ao que poderia ter-se dado na Califórnia, caso se aceitasse o que os autores almejavam, do que uma visualização da “complicada relação entre a Companhia de Jesus e o Estado espanhol do século XVIII” (Domingues, 2007, p. 181).

O segundo artigo desta parte traz uma análise sobre outro escrito de Francisco Javier Clavijero (in Domingues, 2007) em sua tentativa de compilar uma História do México. Este jesuíta volta ao foco central de Domingues em outro escrito, a Historia antigua de Mexico (Clavijero in Domingues, 2007). Cristianismo, indigenismo e patriotismo são marcas indeléveis desta obra de Clavijero apreendida pela autora. Toda essa empreitada deve ser entendida como inserida no que a autora entende por “Ilustração Católica”. Clavijero rompia com os chamados “esquemas da historiografia oficial espanhola” (Domingues, 2007, p. 196) e enfrentava os preconceitos e erros da História Filosófica dos detratores da América.

Foram exatamente estas características que fizeram do jesuíta em relevo ser incluído na Ilustração Católica. Seu catolicismo patriótico estava, dessa forma, inserido nos áureos ventos que, no século XVIII, modificavam pensamentos ao mesmo tempo em que reformulavam os já existentes.

A terceira e última análise textual de Domingues chega até os rincões sul-americanos e nos apresenta a visão de Josep Perramás acerca das missões jesuíticas no Paraguai. Publicado em Faenza, na Itália, em 1793, a obra Platón y los Guaraníes (in Domingues, 2007) é percebida pela autora de Tão longe tão perto como um texto que deixa ao leitor um tom memorialístico e saudosista. Mas esta não é a chave de leitura que Domingues usa para penetrar neste estudo comparativo e sistemático, que Perramás (in Domingues, 2007) escreveu sobre as reduções jesuíticas do Paraguai. Recorrendo a uma abordagem diferenciada, a autora estabelece um paralelo entre o texto do jesuíta, que viveu entre essas missões na América do Sul, e as utopias católicas renascentistas.

Contrapondo-se ao que o discurso dessa utopia europeia concluía e propagava, Perramás (in Domingues, 2007) enfatizava que o exemplo de Estado e Sociedade cristãos no continente americano serviam como uma utopia concretizada dos inacianos em pleno coração do território sul-americano. Trazendo à tona as refl exões de Platão, segundo Domingues, o método desse jesuíta consistia em compendiar o que o grego antigo pensava sobre cada assunto, passando a descrever um determinado aspecto e recorrendo a relatos sobre os guaranis. Por fim, sua ideia se concentra em “deixar que o leitor decida” se “existiram mais afinidades ou discrepâncias entre os escritos de Platão e a vida concreta dos índios guaranis” (Domingues, 2007, p. 213).

Destacando a “utopia concretizada” (in Domingues, 2007) dos guaranis em relação à platônica e às renascentistas, Perramás (1793) se torna mais um contundente crítico das proposições que denegriram a montagem do mundo construído pelos Soldados de Cristo na América e de sua visão sobre os povos americanos. Não só mais uma voz em prol da empreitada missionária dos jesuítas pelo nosso continente, Domingues ressalta que o inaciano faz uso de um filósofo ilustrado de primeira grandeza entre os que tinham uma visão pejorativa sobre o continente americano contra outros do mesmo grupo.

Assim, o jesuíta – diferentemente de outros membros da Companhia, como Clavijero e João Daniel – se ampara em Buff on, para fornecer um julgamento positivo dos pueblos guaranis, ou seja, ele usa o mestre Buff on contra os discípulos De Pauw e Raynal (Domingues, 2007, p. 234).

Em Tão longe tão perto, ficam claras as lições atuais ditadas pela historiografia nesse início do século XXI e não ignoradas pela autora. Uma delas é tentar apreender o que dizem os autores discutidos, reconhecendo que eles possuem uma competência própria para analisar sua situação. A historiadora coloca-se “à escuta dos autores”4. Outra infl uência marcante do texto – esta já com referência explícita em trechos da obra de Domingues e não necessariamente distante da proposta acima referida – está em seguir a trilha do movimento intelectual conhecido como linguistic turn, ou virada linguística. Compreendendo os pressupostos dessa corrente, Beatriz Domingues consegue perceber os escritos jesuíticos e não jesuíticos dos Setecentos – sejam eles a favor ou contra o papel dos inacianos – longe dos maniqueísmos muito comuns na historiografia, tais como “pombalismo X jesuitismo”, “ilustração X escolástica”, “razão X religião”.

O intrigante da obra de Domingues é ver que os textos jesuíticos escritos no século XVIII e, principalmen te, os redigidos após a expulsão dos inacianos do mundo ibérico, mostram a capacidade dos inacianos de lerem o mundo ilustrado sem desconsiderarem a referência religiosa e a noção de Estado que possuíam. E, ao fazerem dessa forma, os jesuítas também são capazes de contribuir com a até então incipiente noção de identidade nacional que foi a motivação crucial para as muitas páginas escritas nos séculos seguintes, principalmente no XIX, momento de afirmação da nacionalidade brasílica e das demais regiões ibéricas na América.

Dessa forma, a compilação de artigos publicados pela autora aqui e no exterior está à altura da sagacidade do leitor ávido por novas descobertas e possibilidades analíticas acerca do tema proposto. A obra interessa tanto aos que procuram compreender a complexidade do fenômeno da Ilustração, quanto àqueles que se mostram capazes de perceber a necessidade de interligarmos o pensamento europeu ao americano, sem reduzirmos um ao outro.

Partindo da premissa de que discursos e textos são partes constitutivas de contextos históricos, Domingues faz jus ao prometido ao leitor já no tema do livro (empréstimo da obra cinematográfica de Win Wenders): analisar a expressão letrada do pensamento que se faz na e sobre a América é oscilarmos entre algo que ora nos parece tão longe de uma matriz europeia ocidental, ora nos faz tão próximos, sendo capazes de quase nos sufocar.

Referências

DOSSE, F. 2007. O método histórico e os vestígios memoriais. In: E.

MORIN (org.), A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 6ª ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, p. 394-407.

PINHO, L.G. 2006. Jesuítas e pensamento mestiço: adaptação e ocidentalização nos escritos quinhentistas luso-americanos de Anchieta, Soares e Cardim. Juiz de Fora, MG. Tese de Doutoramento. UFJF-MG, 175 p.

Notas

2 Conferir tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião (PPCIR) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realizada em 30 de junho de 2006 (Pinho, 2006).

3 Sem fazer menção a Dosse (2007), Domingues faz jus a esta ideia (de colocar-se “à escuta dos autores”) apresentada por ele ao analisar a historiografia atual que tenta romper com pressupostos defendidos por uma corrente estruturalista ou por um “paradigma crítico”.

4 Sem fazer menção a Dosse (2007), Domingues faz jus a esta ideia (de colocar-se “à escuta dos autores”) apresentada por ele ao analisar a historiografia atual que tenta romper com pressupostos defendidos por uma corrente estruturalista ou por um “paradigma crítico”.

Leandro Garcia Pinho – Doutor em Ciência da Religião (UFJF-MG), Mestre em História (UNICAMP-SP), Graduação em História (UFJF-MG). Professor do ISE Itaperuna (FAETEC-RJ), Vice-Reitor e Coordenador do Curso de História do Centro Universitário São José de Itaperuna. Rua Major Porphírio Henriques, 41, Centro 28300-000, Itaperuna, RJ. E-mail: leandrogarciapinho@yahoo.com.br.

Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante. Das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: o caso Idalina – SOUZA (RBH)

SOUZA, Wlaumir Donizeti de. Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante. Das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: o caso Idalina. Sn. Editora da Unesp, 2000. 243p. Resenha de: ALMEIDA, Vasni de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.44, 2002.

Um bom estudo em ciências humanas, um estudo histórico em particular, ganha relevância ao primar por dois aspectos: a preocupação com as mudanças que marcam uma sociedade numa determinada trajetória histórica e a atenção redobrada com as alterações verificadas nas instituições inseridas e ativas nesse processo de transformação1. Um tratamento cuidadoso para com as redes de interdependências entre diferentes grupos no estabelecimento de uma nova ordem social e cultural e para com os rearranjos internos que acompanham cada um dos grupos envolvidos aponta para a eficácia de um estudo acadêmico transformado em publicação. Esse é o caso do livro de Wlaumir Donizeti de Souza, voltado para a imigração italiana para o Brasil, ocorrida entre a segunda metade do século XIX e os primeiros decênios do século XX. Transição da monarquia para o sistema republicano de governo, a imigração como fator de mudança cultural e social e os elementos sociais em conflito (Estado, catolicismo e anarquismo) formam o esteio da obra.

Procurando se desvincular das armadilhas que tendem a estreitar “o leito do rio”, o autor verificou e destacou a intrincada teia de interesses desse significativo período de mudanças políticas e culturais pelo qual passou o País. Seu olhar esteve atento para as ações da Igreja Católica em relação às forças sociais externas a ela e em relação aos “catolicismos” coexistentes na sua esfera interna. Da mesma forma, sua atenção se voltou para os movimentos anarquistas em suas relações com o poder social do catolicismo, notadamente no que tange ao trato com o imigrante. Completando as forças que se locomoviam ao redor do trabalhador imigrante, estava o agricultor contratador de mão-de-obra. Esses são os elementos básicos que compõem a trama tecida pelo autor.

Para Donizeti de Souza, a população imigrante italiana, contratada para trabalhar no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, foi instrumentalizada pelo catolicismo ultramontano, com a Igreja Católica buscando influenciar a política imigratória num período em que se aproximava o rompimento formal e tardio entre essa religião e o Estado brasileiro. Na tentativa de estabelecer os critérios para a arregimentação de trabalhadores, o catolicismo romanizado estimulou a elaboração de pastorais voltadas para o enquadramento do imigrante, tendo em vista o seu projeto religioso e político. Aos scalabrinianos, instituição missionária fundada em 1887, por dom Giovanni Baptista Scalabrini, religioso com larga experiência no trato com os postulantes `a imigração nas suas cidades de origem, coube essa tarefa. Para sustentar sua análise, o autor se apega ao conceito de imigrante ideal, ou seja, um trabalhador lapidado para atender a interesses econômicos políticos dos grupos que pensavam no sentido de nação, que então se desenhava lentamente, tanto na visão de fazendeiros quanto na de políticos de linhagem conservadora. O imigrante ideal seria aquele comprometido com os laços culturais e religiosos propostos na perspectiva romana de sociedade e indivíduo, imagem idealizada também pela oligarquia que o contratava. Para os fazendeiros, o estrangeiro contratado deveria ser “dócil, ordeiro, familiar e trabalhador”, uma mão-de-obra com as marcas da “resignação”. Na visão do poder religioso ultramontano, caberia ao catolicismo a moldagem do imigrante que satisfizesse os requisitos dos contratantes. O autor aponta com acuidade a conexidade entre o ideal de trabalhador desenvolvido pelo catolicismo romano e o tipo de trabalhador procurado pelo coronel para ser empregado na lavoura. Os dois ansiavam por trabalhadores obedientes. Quais as pretensões de um catolicismo que se via ameaçado por intrincada e complexa rede de inimigos, dentre os quais podemos encontrar os anarquistas, os maçons, os políticos liberais e os protestantes? Donizeti de Souza responde sem mais delongas: ser fonte inspiradora da cidadania brasileira e fonte única de unidade nacional. Enquanto o chefe local buscava aumentar o lucro (com a devida ordem) na unidade agrícola, o catolicismo buscava forjar, sob seus auspícios, a unidade cultural e religiosa do País. O que um fazendeiro esperava de um padre era que este ressaltasse “as obrigações morais do empregado para com o patrão, seu dever de obediência, de humildade, de docilidade e resignação, aceitando sua situação como desígnio divino, uma vez que a ordem social era por ele estabelecida”.

Da sua parte, o ultramontanismo pretendia, além das prerrogativas políticas e econômicas, enquadrar religiosamente o colono do interior do País, pouco afinado com as doutrinas da Igreja, procurando “instar um tempo sem magia”. Sendo assim, os scalabrinianos foram os designados para acompanhar o homem católico, desde a partida até sua instalação definitiva na sociedade hospedeira, isso dada a experiência acumulada por esses religiosos na missão junto ao imigrante. Na visão dos scalabrinianos, a religião seria um fator de patriotismo e de princípios civilizadores para os imigrantes em terras brasileiras. No entanto, como acontece em todos os processos de incursões missionárias, o agente não fica incólume na sociedade envolvente, não tardando muito para que esses religiosos percebecessem os fatores complicadores de sua missão. Havia inúmeras dificuldades em implantar o projeto de pastoral de imigrante: falta de padres, custo das viagens de religiosos, descontinuidade na formação de trabalhadores contratados. Padres ávidos por lucros, ostentadores, boêmios, apresentavam-se também como percalços na organização de uma pastoral alicerçada no ultramontanismo.

Os scalabrinianos, assim, tencionavam atuar junto ao imigrante italiano com maior independência possível do clero local, dada a influência que esse exercia junto às populações interioranas e por serem poucos afeitos às exigências de um catolicismo disciplinador. A religiosidade praticada em regiões distantes dos grandes centros, com a complacência dos padres, poderia colocar em risco o projeto educacional que pretendiam implantar. As divergências entre os scalabrinianos e padres das paróquias logo emergiram e são reveladoras dos embates internos no seio de um catolicismo que atuava numa sociedade que passava por profundas transformações, tanto na esfera política quanto na cultural. Em determinado momento da missão dos scalabrinianos no Brasil, mais precisamente no período em que o padre Cansoni esteve no País, a ordem foi aconselhada a assumir paróquias, onde o sustento seria mais viável. Isso porque a inquietude entre o clero nacional e o ultramontano estava se tornando visível, com os primeiros cada vez mais resistentes à presença da ordem em sua área de atuação, já que esta tinha a liberdade de acompanhar os imigrantes em qualquer paróquia, mesmo sem estar comprometida com ela.

Uma proposta de Domenico Vicentine, substituto de Scalabrini na condução da ordem, restringia a missão dos carlistas à formação de quadros para o serviço junto aos imigrantes, cabendo aos bispos das dioceses a administração da política pastoral ao imigrante. Na verdade, o clero nacional pretendia enquadrar os scalabrinianos nas estruturas das paróquias, impedindo assim que a missão junto aos imigrantes invadisse a jurisdição das dioceses, o que contrariava a intenção da ordem, que era a de agir sem necessariamente estar vinculado às estruturas eclesiais vigentes. Percebendo as dificuldades em atuar na jurisdição das paróquias, os scalabrinianos fundaram um orfanato cujo objetivo seria o de amparar crianças órfãs que vagavam pelas ruas (esquálidas, tristes, fracas e miseráveis), preparando-as para o trabalho e para serem “bons cidadãos” e “cidadãs”. Utilizando como recurso de convencimento o fato de o orfanato ser um espaço de formação de crianças desvalidas, moldando-as para o trabalho, os scalabrinianos obtiveram dos fazendeiros o apoio necessário para a implantação do projeto, conseqüentemente, da estruturação da ordem no País. Lembra o autor que os orfanatos constituíam-se através de uma mentalidade tridentina, fato que mais uma vez denota a tentativa de romanização do imigrante por meio da ação educacional.Ao saírem em missão para angariar fundos para o orfanato, os padres scalabrinianos batizavam, ouviam confissões, faziam casamentos, enfim, atrelavam a proposta educacional à estruturação da ordem, funcionando o orfanato como um ponto estabilizador das missões.

O autor destaca que os scalabrinianos foram acossados, no final do processo imigratório, em três frentes: na primeira, pela oligarquia, já que o imigrante não mais se apresentava como um investimento seguro; na segunda, pelos párocos locais, temerosos de perder a arrecadação junto aos poucos imigrantes que ainda entravam no país; na terceira, sofria a concorrência dos anarquistas e dos maçons. Nessas frentes de combate, a que mais merecia atenção por parte do clero romano era a política desencadeada pelos anarquistas juntos aos imigrantes.

A celeuma entre a ordem scalabriniana e grupos anarquistas, na atuação junto aos imigrantes, mereceu por parte do autor um capítulo à parte. De posse de um documento desses religiosos sobre o desaparecimento de uma das internas do orfanato, Donizeti de Souza rastreou em publicações anarquistas o mesmo assunto. Nas leituras dos periódicos, percebeu com perspicácia a disputa que se travava entre o movimento político anarquista e o movimento religioso católico ultramontano pelo controle do imigrante. Tencionando alcançar o monopólio do acompanhamento ao imigrante em diversas regiões do País, as duas partes procuravam atingir a imagem do outro perante a opinião pública e perante o Estado. Não foi intenção do autor apontar o desenlace da trama envolvendo a menina Idalina, personagem central da discórdia, o que certamente o faria enveredar para um texto novelesco, tão em moda na historiografia atual. Antes, sua atenção esteve voltada para a distinção dos elementos em conflito, fazendo de sua obra uma possibilidade de compreensão dos interesses de instituições nas formulações ideológicas de um período que ainda carece de novos estudos.

Resta apontar os complicadores das considerações de Donizeti de Souza, que são de duas ordens: a primeira diz respeito à afirmação de que a intenção dos scalabrinianos era a de constituir, nas pequenas cidades em ascensão, dada a presença do imigrante italiano, “pequenas itálias”; o segundo complicador desse texto bem articulado reside na afirmação do autor de que no projeto dos religiosos estava embutido um projeto “neocolonial”. Não estariam essas responsabilidades aquém das forças de uma ordem religiosa que não se configurava entre as mais influentes dentre o escopo missionário católico, tanto no Império quanto na Primeira República?

Para além desse pequeno deslize (se é possível considerar como tal uma afirmação que não compromete o texto), essa obra é um alerta para quem reduz aos liberais, à maçonaria e ao protestantismo a capacitação de indivíduos voltados para uma sociedade ordeira e laboriosa, quesitos básicos para a consolidação da República. Em se tratando de moralização de condutas, as intenções de protestantes, católicos e maçons não eram tão díspares quanto podem parecer numa análise estreita. Os ultramontanos buscavam com disposição instilar o rigor disciplinar entre os trabalhadores imigrantes tendo em vista a composição de uma nova ordem social, um tanto quanto ameaçada pelos ideais políticos anarquistas, dos quais os italianos não estavam distantes.

Notas

1 Temos em mente, quando sinalizamos para a rede de interdependências em processos de mudanças (ou de desenvolvimento), as concepções teóricas de Norbert Elias sobre transformações sociais no processo civilizador. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, vol. 1.

Vasni de Almeida – Doutorando em História-UNESP/Assis.

Acessar publicação original

[IF]

Religion grecque et politique française au XIXe siecle, Dionysos et Marianne – TRABULSI (VH)

TRABULSI, José Antônio Dabdab. Religion grecque et politique française au XIXe siecle, Dionysos et Marianne. Paris: L’Harmattan, 1998. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Varia História, Belo Horizonte, v.15, n.20, p. 186-190, mar., 1999.

Raros são os historiadores brasileiros que publicam livros no exterior e, ainda mais infreqüentes, aqueles que o fazem sobre temas distantes da História do Brasil. O Professor Dabdab Trabulsi, da Universidade Federal de Minas Gerais, já havia publicado, em Paris, um volume sobre Dionysisme, pouvoir et socíété (Belles Lettres, 1990), obra que recebera prêmio, na França, por seu valor e, agora, publica um trabalho ainda mais ambicioso. Trata-se de um estudo, propriamente, historiográfico, sobre a interpenetração de ciência e política, no século XIX, centrando-se sobre o tratamento dispensado à religião grega pela erudição francesa, no contexto da História da França.

Wolfgang J. Mommsen1 lembrava que já Goethe advertira que cada geração cria seu próprio passado e Dabdab Trabulsi, logo de início, explícita uma abordagem que procura dar conta do contexto de produção da historiografia: “há que examinar os condicionamentos diversos que influem sobre a elaboração dos modelos de interpretação da História e, ao mesmo tempo, estudar a dinâmica científica, que tem uma dinâmica própria, e que pode fazer perdurar certos modelos bem adiante dos contextos sociais e intelectuais que lhes deram origem” (p. 9). A partir deste enfoque, o primeiro capítulo aborda a evolução política e intelectual francesa no século XIX, em especial a oposição entre catolicismo e laicização e suas repercussões tanto no ensino básico como superior. No segundo capítulo, dedicado aos fundamentos do debate historiográfico, debruça-se sobre a religião grega em meados do século, aprofundando-se em Fustel, Renan, Duruy, Girard, Boissier. Destaque-se que o estilo francês, literário, por oposição à erudição alemã, é relacionado, após a derrota de 1870-71, à superioridade da Educação alemã, que teria garantido a vitória militar aos prussianos (p. 37).

No capítulo terceiro, “A Idade da Erudição Triunfante”, a emulação à erudição alemã, de cunho filológico, acaba por produzir seus resultados, a começar pelo Dictíonnaire des antiquítés grecques et romaines, de C. Daremberg, E. Saglio e E. Pottier (a partir de 1877). O autor estuda os verbetes da enciclopédia que se referem a Dioniso e dialoga com os autores daquela época como se fossem nossos contemporâneos: Gerard faz uma “muito boa” apresentação, Lenormant é “demasiado etimológico”, Legrand compreende melhor as mênades do que um autor atual, Devereux, “que não conseguiu compreender”, algo que Legrand já explicara no século passado. Devereux “está totalmente equivocado” (p. 65)2 . Embora pouco usuais na historiografia anglo-saxônica e alemã, estes juízos e mesclas de abordagens afastadas no tempo podem ser o resultado de uma fluidez tipicamente francesa3 . Ainda neste capítulo, menciona en passant a “invenção do Oriente”, ainda que não explore o conceito de “invenção”, tão explorado na historiografia contemporânea, em geral, e sobre a Antigüidade, em particular4.

Em seguida, volta-se para a vulgarização, as polêmicas e os manuais escolares, objeto pouco explorado pelos estudiosos da historiografia. A imagem dominante, que continuará como referência por longo tempo, será, segundo o autor, aquela elaborada nos grandes trabalhos de erudição, dominados pelo positivismo e a filologia comparativa indo-européia. Com o tempo, a Antropologia começa a deslocar a lingüística como modelo explicativo, comparando os antigos aos “primitivos”. Os livros didáticos. por outro lado, seguem, com certo atraso, os autores eruditos, dando pouco destaque a Dioniso, associado à Ásia e, desta forma, à oposição ocidente/oriente, aludida acima, quando se mencionou a invenção do Oriente. A breve conclusão constata que “o exame dos diversos autores mostrou-nos que estas teorias e métodos foram elaborados no calor da luta social e política” e que “a História da Antigüidade e de sua religião participou na obra de laicização dos espíritos que contribuiu para consolidar a República. Seu esforço metodológico foi “exportado” para outros domínios e intelectuais saídos dos estudos da Antigüidade levaram este sopro crítico para a criação de outras disciplinas científicas” (p. 94).

Dabdab Trabulsi constrói um quadro coerente, cujo ponto alto consiste, precisamente, na articulação entre o estudo da Antigüidade e a política francesa. A oposição entre as correntes católicas e laicas, tão presente na França do oitocentos, apresenta-se, de forma explícita, nas formulações sobre a religião grega e o dionisismo, em particular. O estilo literário francês, oposto ao estilo erudito alemão, liga-se à influência crescente e irresistível da ciência alemã, cujos parâmetros, gradativamente, passam a ser reconhecidos pelos estudiosos franceses. Neste contexto, os autores alemães citados pelos franceses aparecem no livro apenas de forma indireta, sempre referidos pelos autores franceses estudados. Isto explica que a os fundamentos da filologia indo-européia, criação alemã por excelência, apareça de forma superficial. H.J. Klaproth, criador do termo lndogermanisch, em 1823, ainda usado pela historiografia alemã, foi apropriado pelos franceses, alterando seu nome para “IndoEuropeu”, menos germânico e intenso ao nacionalismo francês. A noção de Ursprache não pode, além disso, ser separada de Urvolke Urheimat: uma língua, um povo, uma cultura. Naturalmente, a leitura francesa dos alemães era muito seletiva e não é casual que nada disso apareça nos autores franceses. Uma comparação, pois, entre o que diziam os franceses dos alemães e os originais alemães muito poderia contribuir para elucidar a especificidade da construção discursiva francesa.

A construção discursiva dá-se, assim, por contrastes, e a historiografia francesa não se mirava e diferenciava apenas na alemã, mas há, também, uma oposição por silêncio: a historiografia em língua inglesa. Se os franceses mantinham uma relação particularmente complexa com os alemães, o silêncio quanto à literatura erudita britânica não podia ser mais significativa, especialmente após a derrota napoleônica. Os clássicos britânicos sobre a religião grega, desde Potter, Blackwell, Musgrave, Milford e Jones, nos séculos XVII e XVIII, chegando a Gladstone e Brown, já no século XIX5 , não foram ignorados à toa pela erudição francesa do século XIX, pois o referencial, por um lado protestante e por outro monárquico, não encontrava ressonância na oposição francesa entre católicos e laicos. A historiografia de língua inglesa tem ressaltado, nos últimos anos, que, a despeito desse silêncio francês, havia relações íntimas entre os paradigmas interpretativos que se formavam, em particular no que se refere à hermenêutica filológica e suas derivações colonialistas e racistas6 . Este contexto permitiria notar que o estudo da Antigüidade não apenas serviu para fortalecer a laicização dos espíritos como, principalmente, para assentar as bases de uma Weltanschauung que, a um só tempo, se queria neutra e científica e que se fundava em classificações iníquas. O anti-semitismo, primeiro latente e, depois, ativo e triunfante é só uma das manifestações desse novo paradigma. Ainda que tema pouco explorado por Dabdab Trabulsi, diversos autores franceses estudados neste volume não escondem seu propósito de naturalização da superioridade grega frente à inferioridade oriental. Neste sentido, o caso Dreyfus revela este outro lado do êxito dos novos paradigmas, com um novo anti-semitismo, agora científico, por oposição àquele religioso.

De toda forma, o livro de Dabab Trabulsi contribui para que se entenda melhor como a historiografia francesa continua a preferir imaginar-se auto-suficiente e com uma contribuição sempre positiva para a sociedade francesa. Já se mencionou, mais de uma vez, que a França tem dificuldade em lidar com um passado nem sempre tão humanista quanto sua consciência gostaria que fosse, nem tão autônomo e original como conviria ao nacionalismo. Dionysos et Marianne insere-se bem nesta tradição e o autor, ainda que brasileiro, não deixa de adotar uma perspectiva eminentemente francesa. O mérito maior desta obra consiste em demonstrar que também um brasileiro pode escrever um estudo historiográfico à francesa e para os franceses, mérito tanto maior quanto Dabdab Trabulsi retoma e vivifica estes valores com competência e conhecimento de causa. Até mesmo o estilo da escrita francesa do autor, envolvente e acolhedor, favorece esta identificação do leitor com os argumentos apresentados. O volume constitui, pois, uma leitura agradável e recomendada a todos os que se interessam pelo estudo da historiografia.

Notas

1… die bekannte. schon von Johann Wolfgang Goethe hervorgehobene tatsache. dass eine jede Generation die Vergangenheit die Geschichte. in der si wiedererkennt; ihr Geschichtsbild ist Teil ihrer geistig Kulturelfen und nicht selten auch ihrer politischen ldentitat. em Historlsche Zeltscrift. 238, 1, 1984, Die Sprache des Historikers, p. 80.

2 Contraste-se com Ellen Somekawa & Elizabeth A. Smith: there is no one neutral/po/itical position from which to view events and hence no one correct intepretation, em Journal of Social Hlstory, 1988, 22,1, Theorizing the writing of history, p. 154.

3 Segundo Ernest Schulin, ich habe versucht. den Weg einzelner bedeutender Geschchtswissenschaften in unserem Jahrhundert zu skizzeieren: … der franzosischen mil ihrer breiten, unideo/ogischen Vergangenheits rekonstruktion. em Hlstorische Zeitschrlft. 245, 1, 1987, Geschichtswissenschaft in unserem Jahrhundert. Probleme und Umrisse einer Geschichte der Historie, p. 29.

4 Cf. Mark Golden & Peter Toohey (orgs), lnventing Ancient Culture, Londres. Routedge, 1997.

5 J. Potter, Archaeologia Graeca, or the Antiquities of Greece, Londres, 1697; T. Blackwell, Enquiry into the Life and Writing of Homer, Londres. 1735; S Musgrave, On lhe Graecian Mythology, Londres, 1782; W. Mitford, The History oi Greece. Londres, 1784-1804; W Jones, on the gods of Greece, ltaly and lndia, em The Works of Sir William Jones, vol.1 ” Londres. 1807; W Gladstone, Juventus Mundi: The Gods and Men of the Heroic Age, Londres, Macmillan,1869: R. Brown, Semitic influences in Hellenic Mythology, Londres, 1898.

6 Cf. M. Bernal, Studies in History and Phílosophy of Science, 1993, 24,4, Essay review, Paradise Lost, pp. 669-675; M. Bernal, Social Construction of the Past, organizado por G. Bond & A. Gilliam. Londres. Routledge, 1994, The image of Ancient Greece as a tool for colonialism and European hegemongy, pp. 119-128; E. M. Wood, Peasant-Cítízen and Slave, The Foundations of Athenian Democracy, Londres, Verso, 1989.

Pedro Paulo A. Funari – Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. E-mail: pedrofunari@sti.com.br

Acessar publicação original

[DR]

 

A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial – VAINFAS (VH)

VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Resenha de: MATA, Sérgio da. Varia História, Belo Horizonte, v.12, n.16, p. 171-174, set., 1996.

O novo livro de Ronaldo Vainfas é uma grata surpresa. Finalmente a historiografia se volta para um objeto que a maior parte dos pesquisadores tem simplesmente ignorado: a história das práticas religiosas indígenas no Brasil. Infelizmente, perdura ainda em nosso meio acadêmico a opinião, inconfessa, de que o estudo das sociedades ditas primitivas “não é assunto de historiador”. Vainfas tem ainda o mérito de agregar à análise historiográfica as contribuições importantíssimas de autores como Florestan Fernandes, Maria lsaura Pereira de Oueiróz, Pierre Clastres, Hélêne Clastres e Mircea Eliade. Sua narrativa leve, bem articulada, e, antes de tudo. seu objeto e sua opção metodológica interdisciplinar, tornam esta obra tremendamente oportuna. Uma história religiosa científica e de caráter não-confessional ainda está por ser feita no Brasil. A Heresia dos Índios constitui-se, desde Já, num dos marcos deste esforço.

O tema do livro é o estudo da Santidade de Jaguaripe, formada e destruída na década de 80 do século XVI no Recôncavo baiano. As santidades eram “movimentos” religiosos orginalmente indígenas. Lideradas por xamãs denominados caraíbas, as santidades representavam a promessa e a possível materialização daquilo que o imaginário tupi pretendia ser a “Terra sem Mal”: a terra mítica onde os índios não precisariam trabalhar para comer, onde não haveria nem sofrimento e nem a própria morte.

Mas, vistos como heréticos pela Igreja e como fomentadores da desordem pelos fazendeiros, 1mpnmiu-se uma perseguição sem tréguas aos seus adeptos e líderes espirituais. O que há de surpreendente na Santidade de Jaguaripe é que ela teve Justamente num dos mais ricos senhores de engenho da Bahia, Fernão Cabral, o seu maior patrocinador Por que um membro da voraz elite latifundiária sessentista se arriscaria a tanto? Para desvendar este enigma, Vainfas empreende uma pesquisa de fôlego, a partir da qual entrevê-se não o mero estudo de caso, mas também um esforço de visualizar a interpenetração das culturas, bem como das relações de força às quais estão inevitavelmente conectadas.

Há duas questões de fundo perpassando A Heresia dos Índios: (a) o enorme preço pago pelos indígenas ao iniciar-se o processo colonizador -escravidão, epidemias, aculturação imposta, genocídio-teria ou não desempenhado papel decisivo na eclosão do “milenarismo tupi”; e (b) as Santidades seriam – e até que ponto – ou não fruto de um sincretismo cristão/xamanista? Minhas discordâncias em relação a Vainfas giram em torno das respostas que ele apresenta a estas perguntas.

Com relação à primeira questão, o autor advoga que o impacto da colonização sobre as populações indígenas foi o fator decisivo no surgimento das santidades (p. 45-46, 65). A maioria dos deslocamentos de índios, tendo à frente os caraíbas, dava-se em direção ao interior, justifica ele. O que pareceria comprovar que se havia uma “Terra sem Mal”, esta estaria por certo longe da costa, onde estabelecera-se o europeu. O problema desta tese, ao meu ver, reside no próprio caso da Santidade de Jaguaripe. Se fosse tão decisivo o peso da exploração colonial, como entender que Fernão Cabral tenha convencido boa parte da santidade original a migrar rumo à sua fazenda- ou seja, rumo ao litoral? Vainfas subestima a força social do mito, pois, ao que tudo indica, a direção das migrações não interfere diretamente na estrutura deste mito. O que era essencial: chegar à “Terra sem Mal”, mesmo porque (e precisamente porque) isso significaria ignorar riscos enormes.

As santidades, sublinha Vainfas, teriam um nítido caráter “anti-colonialista”. Contudo, em 1586, quando da destruição de Jaguaripe, o autor revela-nos que os índios assistem a tudo “sem esboçar reação alguma” (p. 1 00). Teria sido tão grande o peso da “exortação à guerra” feita pelos caraíbas?

A análise seguinte, do sincretismo entre elementos da religiosidade cristã e tupi, também revela problemas. Vainfas dá provas de “hibridismo”: similitudes entre a “Terra sem Mal” e o paraíso cristão, a santidade por alguns chamada “Nova Jerusalém”, o caraíba Antônio a quem se referiam outros tantos por “papa” ou “Noé”, o “rebatismo” dos novos adeptos, cruzes e rosários, etc. A partir destas homologias, entretanto, Vainfas sente-se autorizado a concluir que a maior parte das crenças de Jaguaripe “foi gerada( … ) nos aldeamentos da Companhia de Jesus” (p. 117), e mesmo que o “ídolo” venerado pelo índios era, “por origem, uma invenção cristã” (p. 132, grifo meu).

Desta vez o historiador fluminense superestima o peso da tradição cristã nas crenças que moviam as santidades. Seria mais sensato ver no esforço dos jesuítas uma prática aculturadora relativamente limitada: no Brasil colônia, como aliás na China deste mesmo período, os jesuítas só puderam introduzir com algum sucesso suas representações religiosas na medida em que elas tivessem algum homólogo, por distante que fosse, nas culturas autócones. Assim, o Tupanaçu dos jesuítas devia tanto ao Tupã indígena quanto a doutrina do Senhor do Céu de Matteo Ricci devia à noção de “Soberano do Alto” herdada da tradição chinesa. As (re)formulações jesuíticas não constituíam realidade inteiramente nova, como parece crer Vainfas. Estavam, para usarmos os termos de Johan Huizinga, ainda “impregnadas de passado”. O modus agendi jesuíta parece ter sido basicamente este em situações históricas ou contextos nos quais a “conversão” não pôde ser garantida, antecipadamente, (de fora para dentro) pela força ou (de cima para baixo) pela adesão da chefia em sociedades de tipo “heróico” (Sahlins).

Ademais, não convém esquecer que determinados aspectos-chave do ritual das santidades pouco ou nada tinham de cristãs. Tinham, isso sim, origens distantes. Juan Schobinger mostra-nos que as sociedades Diaguitas do noroeste da Argentina utilizavam-se do fumo como alucinógeno religioso seis séculos antes da chegada do europeu. Da mesma maneira, o tugipar (“templo” da santidade) tupi, as estacas fincadas no seu centro e os “ídolos” de pedra também Já existiam entre os Diaguitas. Como ver, então, nas práticas religiosas das santidades uma “invenção cristã”?

Problemática é, igualmente, a hipótese de que teria havido sincretismo religioso ao nível dos adeptos indígenas da santidade, mas nem tanto por parte dos vários mamelucos e mesmo brancos que, segundo a Inquisição, a eles teriam se juntado (p. 158). De fato, muitos destes últimos apenas simularam crer nos caraíbas para atraí-los ao litoral, ansiosos pela mão-de-obra proporcionada pelos “bugres” de Jaguaripe. A existência de tal diferenciação interna seria perfeitamente possível de sustentar, mas somente na condição de confundirmos nível de adesão (ou de conformidade) religiosa com sincretismo propriamente d1to. O ser “mais” adepto ou “menos” adepto não interfere na natureza das crenças e representações em questão.

Duas últimas observações. Vamfas utiliza, ao longo de todo seu livro, a categoria “seita” para se referir às santidades. Não foi uma boa escolha. Revela, neste particular, absorção acrítica (em que pesem todos os cuidados tomados) da linguagem inquisitorial. Nesta, como nos meios cristãos em geral, “seita” assume um significado diverso do sociológico. Onde o senso comum eclesiástico vê “heresia”, “desvio”, “erro” (e daí a sua repressão), a soc1olog1a da religião vê um tipo de comunidade religiosa com um padrão configuracional próprio. Vale d1zer: a inflexibilidade e ngorismo das seitas (Wach), sua ênfase na “obediência literal e no radicalismo” em relação a uma dada tradição religiosa (Troeltsch) são, em certo sentido, pouco compatíveis com quaisquer sincretismos (ou hibridismos). O que permite concluir que as santidades, muito provavelmente, não eram seitas.

Creio ainda que não tenha sido devidamente formulada ou explicitada a noção de “juízo etnodemonológico” (p. 53). Em que tal manifestação constitui um caso à parte de etnocentrismo, é algo que não se chega a compreender claramente.

Sérgio da Mata – Professor de Antropologia Cultural Fundação Educacional Monsenhor Messias- Sete Lagoas.

Acessar publicação original

[DR]

 

A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial | Ronaldo Vainfas

VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Resenha de: BUENO, Clod0aldo. Anos 90, Porto Alegre, v.4, n.5, p.207-211, 1996.

José Rivair Macedo – Departamento de História – UFRGS Acesso apenas pelo link original

[IF]