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Intellèctus em seus 20 anos: os desafios das ideias e da intelectualidade no mundo contemporâneo | Intellèctus | 2022
Vinte anos se passaram desde a primeira edição! Aquela publicação inicial, ainda com cinco artigos, contou com a presença de professores queridos, integrantes dos Programas de Pós-Graduação em História e em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; e de uma então pós-graduanda do PPGH/UERJ. Maria Emília Prado, o saudoso Antônio Carlos Peixoto, Antônio Edmilson Rodrigues, Fabiana Santos e Norma Côrtes foram autores que publicaram no número 1 de 2002, com os respectivos artigos: “A Unidade do Império ameaçada: Alberto Sales e a elaboração de um projeto em defesa do separatismo das províncias”; “O positivismo e os projetos de reestruturação da Hispanoamérica em direção à modernidade”; “Política e letras: a pátria e a nação em Atravez do Brasil”; “Oliveira Vianna e Monteiro Lobato – O Americanismo e Iberismo em diálogo”, e “Católicos e autoritários – Breves considerações sobre a sociologia de Alceu Amoroso Lima”. Hoje, depois de duas décadas, comemorarmos o aniversário da Revista com um número temático que conta com artigos livres, resenha e o dossiê: “Intellèctus em seus 20 anos: os desafios das ideias e da intelectualidade no mundo contemporâneo”. Antes de apresentarmos o número, faz-se importante um breve intróito, que procurará rememorar o seu percurso.
A revista eletrônica Intellèctus foi fundada pelo Grpesq/CNPq “Intelectuais e Poder no Mundo Ibero-Americano”, coordenado pela professora Dra. Maria Emília da Costa Prado, titular da área de História do Brasil do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ. Em 2004, a revista passou a ser também um canal vinculado aos Colóquios Internacionais “Tradição e Modernidade no Mundo Ibero-Americano”, frutos do convênio entre a UERJ e a Universidade de Coimbra. Cadastrada como projeto de extensão no Departamento de Extensão (Depext), da Sub-Reitoria de Extensão e Cultura da UERJ, desde a sua fundação, configura-se como um periódico semestral, e que pode ser acessado pelo Portal de Publicações Eletrônicas da UERJ. Leia Mais
O Setecentos luso e hispânico nas Américas: perspectivas e aproximações / Revista Maracanan / 2016
Não seria fácil reunir em um dossiê uma amostra ainda que limitada da copiosa produção historiográfica atual sobre as Américas lusa e hispânica no período colonial. A diversidade temática ou mesmo a maior concentração de trabalhos em determinada temporalidade poderiam causar certo desequilíbrio na distribuição das contribuições. Daí a opção dos organizadores por privilegiar um século XVIII alargado esperando que disso resultasse uma seleção de textos mais condizente com a atualidade dos estudos sobre a colonização ibérica na Época Moderna, no que diz respeito à América portuguesa ou à busca de aproximações com experiências relativas à América espanhola, ainda menos frequente na historiografia brasileira.
O artigo de Francisco Carlos Cosentino abre o Dossiê e investe nesta perspectiva ao abordar comparativamente os ritos de transmissão e de exercício do poder régio aos governadores-gerais do Estado do Brasil e aos vice-reis da Nova Espanha. Apoiado em parâmetros teórico-metodológicos de uma história política renovada, o trabalho de Cosentino traz uma discussão aprofundada sobre o governo nos domínios ultramarinos ibéricos, amparada em consistente debate historiográfico e análise documental, em que se destaca a abordagem do pensamento político e do discurso de juristas castelhanos sobre a natureza do poder régio.
Seguindo a linha dos estudos recentes sobre a história da administração colonial, Antonio Filipe Pereira Caetano apresenta resultados de suas investigações sobre a Justiça e seus agentes nas comarcas de Pernambuco e capitanias anexas, na virada do século XVIII para o XIX. O foco na ação de ouvidores e nas intrincadas demandas judiciais naquelas partes da América lusa ilustra uma tendência da historiografia de privilegiar as dinâmicas administrativas, a definição dos espaços de exercício do poder e as jurisdições delegadas pelo rei, questões que também se fazem presentes no artigo de Cosentino.
Na conjuntura de transformações que perpassa o Setecentos, no que se refere à realidade portuguesa, o início do reinado de d. José I, em 1750, pode ser visto como um marco fundamental. Ainda que as mudanças ocorridas após essa data devam ser compreendidas dentro de uma chave argumentativa que ressalte algumas continuidades, não podemos nos esquecer da importância da atuação de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, como precursor de um conjunto de ações que levariam a alterações estruturais, com repercussões nas diferentes regiões do Império. O texto de Mônica da Silva Ribeiro abre uma parte do Dossiê cuja tônica é o exame de questões essencialmente ligadas à ação governativa de Carvalho e Melo. Nesse aspecto, seu artigo realiza uma discussão sobre o “Pombalismo”, trazendo ao leitor uma análise historiográfica e da prática administrativa do secretário de Estado, sobretudo no que concerne à América portuguesa.
Uma das preocupações de Pombal para essa parcela fundamental do Império ultramarino no século XVIII foi a defesa e a militarização das fronteiras, tema do artigo de Christiane Figueiredo Pagano de Mello. A autora investiga questões relativas ao projeto defensivo pombalino para o Estado do Grão-Pará e para o centro-sul. Tendo como foco uma análise comparativa, tenciona observar a situação militar na área fronteiriça com as colônias espanholas e francesas.
A temática das fronteiras no Setecentos tem sido fonte de preocupação historiográfica nos últimos anos. A ampliação da produção de pesquisas sobre a Amazônia e o Grão-Pará está, de certo modo, associada ao aumento de cursos de pós-graduação nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Vale destacar, entretanto, que essas abordagens trazem como características não apenas uma preocupação com questões políticas. Cada vez mais os enfoques tendem a dialogar com o conceito de espaço: formas de ocupação, atores sociais, exploração dos recursos naturais, momentos de expansão e de imposição de limites pelas autoridades metropolitanas são assuntos que percorrem os estudos sobre essa região.
No rescaldo da saída do marquês de Pombal do centro do poder político em Portugal, novos arranjos territoriais acordados no plano teórico das negociações diplomáticas começaram a se materializar no cotidiano colonial. O Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1º de outubro de 1777, colocou nas fronteiras que ligavam as Américas portuguesa e espanhola, cartógrafos, engenheiros, geógrafos, entre outros especialistas, irmanados na produção do conhecimento sobre o território americano. Mas, se por um lado, as demarcações aproximavam homens e suas práticas, por outro, estavam longe de ser experiências pacíficas. As abstrações presentes no conteúdo dos acordos diplomáticos davam ampla margem a interpretações subjetivas, provocando confusões por vezes convenientes a ambas as partes.
Assunto dos mais delicados da pauta geopolítica das monarquias europeias, o estabelecimento de fronteiras passava por três etapas: definição, delimitação e demarcação. Em sua contribuição ao Dossiê, Simei Maria de Souza Torres analisa a fase da demarcação do Tratado Preliminar de Limites de Santo Ildefonso (1777). Com o objetivo de interpretar e colocar em prática as diretrizes expressas no acordo, os demarcadores defrontaram-se com o cotidiano colonial. Como afirma a autora, a fronteira deixava de lado a esfera das abstrações políticas, confrontando o que foi concebido e o que era possível de ser executado.
A troca de informações de cunho político nas fronteiras conviveu com outras formas de circulação de saberes e de mercadorias pelas vastas possessões dos impérios ibéricos. Em outra chave interpretativa, Marcia Amantino e Eliane Cristina Deckmann Fleck analisam, em perspectiva comparada, as redes de comércio e de saberes desenvolvidas pela Companhia de Jesus no Rio de Janeiro e em Córdoba. Dedicando atenção aos inventários dos colégios produzidos após a expulsão dos inacianos, as autoras discutem não só a participação dos religiosos nas disputas pelos poderes locais, mas também a atuação dos missionários como agentes de trocas comerciais e culturais na América e no Oriente.
A produção do conhecimento científico sob as Luzes setecentistas foi intensa. Para governar áreas tão vastas e tão distantes, os reis europeus compreenderam a importância de enviar funcionários especializados na observação da natureza, da geografia, das potencialidades agrárias e mineralógicas de seus territórios. Estabeleceu-se, assim, uma burocracia treinada nas principais universidades europeias e orientada a elaborar inventários minuciosos, descrições etnográficas, planos militares, mapas cartográficos e de população, documentos fundamentais à elaboração de políticas coloniais, mas que também contribuíram para a formulação de conceitos (e preconceitos!) sobre os habitantes das Américas.
Márcia Eliane Alves de Souza e Mello e Daniel Barroso revelam como os mapas populacionais desenvolvidos no último quartel do século XVIII foram fundamentais à elaboração de uma nova arte de governar. Demanda recorrente na correspondência entre o poder central e as autoridades coloniais, tais registros caracterizam as práticas governativas de caráter reformista-ilustrado. Atentos ao contexto de produção dessas estatísticas no Estado do Grão-Pará e Rio Negro, os autores analisam alguns casos específicos, com o intuito de compreender a dinâmica demográfica da região, particularmente o uso da mão de obra de indígenas e de africanos.
Os relatos de viagens sobre o mundo ultramarino produzidos no Setecentos são objetos da análise de Bruno Silva. As descrições etnográficas sobre os habitantes do Novo Mundo inspiraram reflexões na Europa acerca da construção da imagem do homem americano. Lidas à luz das teorias desenvolvidas pelos filósofos europeus, os escritos sobre a América no século das Luzes contribuíram para a formulação do conceito de raça baseada nos aspectos físicos, antecipando o debate sobre o tema no século XIX.
O estudo de Juliana Gesuelli Meirelles analisa o papel da Real Academia Militar do Rio de Janeiro, criada em 1810, no contexto da implantação da nova sede da monarquia portuguesa na América. A despeito de sua atuação principal (a reestruturação militar e defesa do novo império em tempos de graves disputas diplomáticas), a Real Academia se apresentou como um locus de produção científica e divulgação cultural, abrigando os letrados que absorveram as Luzes em Portugal, tanto na Universidade de Coimbra como em outras instituições de saber criadas durante o reinado Mariano. Herdeira dos estudos científicos desenvolvidos ao longo do Setecentos, a Real Academia Militar do Rio de Janeiro atuou vinculada aos interesses do Estado, uma vez que diplomou importantes figuras que comporiam o quadro político-administrativo do Brasil na primeira metade do século XIX.
A convite dos editores, os historiadores Ronald Raminelli e Rafael Chambouleyron contribuíram para a seção Depoimentos, compartilhando experiências de pesquisa e apresentando seus pontos de vista sobre o tema do Dossiê. Raminelli revisita os estudos clássicos de Sérgio Buarque de Holanda e Richard Morse, lembrando certa tradição em se pensar sobre as Américas em perspectiva comparada. Reconhecendo os aspectos superados de tais teses, aponta o caráter inovador de uma metodologia preocupada em pensar contrastes e similitudes, uma fonte inesgotável de inspiração para estudos acerca da administração, da cultura e da economia nas Américas.
Seguindo os passos de Holanda, mas também os ensinamentos de Marc Bloch, Raminelli nos conta aspectos de sua carreira, particularmente a forma inovadora com a qual escolheu seus temas de pesquisa e o uso da perspectiva comparada. O estudo sobre as cidades coloniais, o uso das gravuras europeias como fonte documental, do qual resultou a obra Imagens da colonização, cuja originalidade metodológica no entrecruzamento de fontes iconográficas, relatos de viagens e documentos de caráter administrativo permitiram o desvendamento do lugar ocupado pelos tupis no imaginário cristão quinhentista e seiscentista. Nos últimos anos, em suas investigações acerca das nobrezas no Novo Mundo – Brasil, Peru e Nova Espanha – percebe-se a síntese e o aprofundamento dos estudos realizados ao longo de sua carreira.
Já Chambouleyron nos revela sua leitura acerca do adensamento dos estudos sobre a região amazônica nas últimas décadas. Esse interesse, tanto no Brasil quanto no exterior, resulta da expansão dos cursos de pós-graduação em História do Brasil e da descentralização, ainda lenta, da produção acadêmica de História no país. Olhando criticamente para essa nova historiografia, identifica a concentração dos trabalhos em torno de dois momentos principais: na presença do padre Antônio Vieira no Maranhão e Grão-Pará (1653-1661) e no período pombalino (1750-1777).
Frente a essa percepção, Chambouleyron apresenta alguns percursos historiográficos que, nos últimos anos, têm despertado a atenção dos pesquisadores, particularmente, a conjuntura da chamada “Amazônia joanina” (1707-1750), quando tem início a expansão dessa região. O autor elege em sua análise dois temas candentes: a concessão de terras e o avanço em direção às fronteiras. Outros, permanecem pouco explorados, como o tema da pecuária e sua relação tanto com a guerra contra os índios quanto com a doação de terras pelos governadores; ou ainda, o da existência de uma “ruralidade invisível” composta de roças de índios, mestiços, desertores, sem que houvesse necessariamente doação de terras. O depoimento aponta para muitos aspectos que podem ser pensados em perspectiva comparada, como as missões jesuíticas castelhanas, a exploração de drogas e o trabalho indígena. Temas caros à historiografia sobre a formação territorial do Brasil, como o da oposição entre o litoral e o sertão, já podem ser relativizados.
O Dossiê se encerra com a resenha de Francisca Nogueira de Azevedo do livro Mestiço: Entre o mito a utopia e a História – Reflexões sobre a mestiçagem, de Eliane Garcindo de Sá. Polêmico e atual, o tema da mestiçagem, especialmente dos deslocamentos, encontros e confrontos culturais, acompanha os estudos de Eliane Garcindo, como lembra Francisca de Azevedo. Bem escrita e fartamente amparada por pesquisa documental e bibliográfica, a obra é, sem dúvida, uma contribuição essencial às análises sobre mestiçagem na América Ibérica. De igual maneira, o livro relembra a tradição do pensamento social latino-americano, ao abordar as relações da cultura mestiça com a construção da nacionalidade.
Nesta edição, a seção Artigos é aberta pela contribuição de Rodrigo Ceballos. Seu estudo trata das redes mercantis e sociais entre a Bahia e a cidade de Trinidad y Puerto de Buenos Aires na primeira metade do século XVII, durante a União Ibérica. Apesar das restrições régias, as duas regiões praticaram um lucrativo comércio de contrabando, que incluía escravos africanos e metais preciosos. O autor persegue os rastros e as estratégias utilizadas pelos negociantes portugueses para atuar em Buenos Aires e revela uma rede de privilégios que envolvia oficiais camarários, funcionários régios e governadores.
A “retórica da imagem”, conforme a entendeu Roland Barthes, no ensaio escrito em 1964, e os estudos contemporâneos em torno da argumentação fornecem o eixo da reflexão proposta por Fernando Aparecido Ferreira e Fabíola Gonçalves Giraldi no artigo “O objeto artístico e o contexto histórico: a retórica de Inserções em Circuitos Ideológicos – Projeto Coca-Cola, de Cildo Meireles”. Destacando, na obra, as estratégias retóricas de ressignificação de um objeto cotidiano, o artigo explora a voltagem crítica de Inserções no contexto da ditadura brasileira nos anos 70. O questionamento da dominação cultural e política norte-americana através de um de seus maiores símbolos – a garrafa de Coca-Cola – e a aproximação irônica entre circuito da arte e circuito de objetos de consumo sobressaem nesse exame da inscrição política da obra de Cildo sob a chave da argumentação.
Joana de Moraes Monteleone analisa o papel da moda na movimentação da economia do Rio de Janeiro no século XIX. Novos hábitos de sociabilidade e padrões de consumo alimentavam um mercado de importação de tecidos de luxo, que eram transformados em roupas em ateliês chiques da rua do Ouvidor. No artigo, se entrelaçam a análise sobre o estabelecimento da moda e do consumo na Corte com a leitura explicativa das estatísticas de importação de tecidos que entravam pelo porto do Rio de Janeiro.
Duas notas de pesquisa fecham esta edição. Na primeira, André Rocha Carneiro revisita um tema clássico da historiografia, a Revolta Liberal de 1842, e analisa seus impactos na província do Rio de Janeiro, particularmente no município de Barra Mansa, no Vale do Paraíba Fluminense. Marissa Gorberg, por sua vez, investiga as mudanças nas formas de abordar o feminino nas caricaturas de Belmonte e a contribuição dos seus traços para a compreensão de práticas ligadas tanto ao alargamento de fronteiras morais quanto à modernidade da segunda década do século XX.
Fabiano Vilaça dos Santos – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, é professor adjunto de História Moderna e Contemporânea da UERJ. É pesquisador do Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais e dos Grupos de Pesquisa: História da Amazônia Colonial (UFPA), História Colonial da Amazônia (UFAM) e Impérios ibéricos no Antigo Regime: política, sociedade e cultura (UFV).
Marieta Pinheiro de Carvalho – Doutora em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é professora do Programa de Pós-graduação em História do Brasil da Universidade Salgado de Oliveira, vinculada à linha de pesquisa Sociedade, Cultura e Trabalho.
Nívia Pombo – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense, é professora adjunta de História Moderna e Contemporânea da UERJ.
SANTOS, Fabiano Vilaça dos; CARVALHO, Marieta Pinheiro de; POMBO, Nívia. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.15, 2016. Acessar publicação original [DR]