Carlos Chagas Filho / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2012

A presente edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos entra em gráfica quando transcorrem já nesta cidade os eventos, notícias e incômodos associados à Rio+20. Não há como não falar do assunto. O tom dominante no noticiário e nas conversas de rua é de ceticismo com relação ao que resultará de concreto das confabulações da ‘alta cúpula’, majoritariamente disposta a pagar alto preço com relação aos horizontes de vida de nossos filhos e dos seres que conosco compartilham este planeta, para a curtíssimo prazo salvar um modelo de civilização em crise, extensivo às sociedades capitalistas tradicionais e àquelas que chegaram a formas igualmente destrutivas de capitalismo por via de revoluções socialistas. Mas se as altas autoridades governamentais negociam ou, no caso das brasileiras, exaltam como alternativa mais avançada a velha política do ‘milagre econômico’, o baixo clero, por assim dizer, por meio de iniciativas institucionais ou não governamentais, toca o bumbo e põe na rua eventos os mais diversos. Para o cidadão comum, é difícil separar o trigo do joio e situar-se nessa pletora de mostras, debates, manifestações, especialmente quando é levado quase à náusea pelas mensagens publicitárias que empresas e órgãos, muitas vezes comprometidos com a degradação do meio ambiente, lançam oportunisticamente sobre nossos olhos e ouvidos.

A Fiocruz assumiu posições firmes, louváveis, e não permitiu que a dimensão da saúde fosse deixada à sombra das discussões oficiais e alternativas, oferecendo à população rico programa de atividades. Entre elas, debates sobre desenvolvimento sustentável, ambiente e saúde; segurança alimentar e nutricional; saneamento básico; segurança química, especialmente o impacto dos agrotóxicos na saúde e no ambiente; movimentos sociais e equidade em saúde; movimentos de resistência a transgênicos; justiça social e ambiental.

A programação da Fiocruz incluiu um site (www.sauderio20.fiocruz.br) com entrevistas, reflexões e documentos sobre a relação entre saúde e ambiente, um deles, “Saúde na Rio+20: desenvolvimento sustentável, ambiente e saúde”, aberto à colaboração pública.

Com a parceria do Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico de Inhotim (MG) e da Eletrobras Furnas, o Museu da Vida inaugurou a exposição “Nós do mundo”, que aborda de forma lúdica e interativa temas em questão na Rio+20 (http: / / migre.me / 9xxNH). A mostra comemora também os aniversários de 13 anos do museu, de 25 da Casa de Oswaldo Cruz e os 112 anos da própria Fiocruz. Os painéis discutem consumismo, mudanças climáticas, degradação ambiental, matrizes energéticas e desigualdades sociais, e o visitante pode pedalar uma bicicleta que transforma energia mecânica em elétrica, e acionar uma linha do tempo das discussões que desembocam na Rio+20. Uma casa em miniatura traz informações sobre o gasto de energia dos aparelhos mais triviais; num supermercado simulado, um leitor de código de barras dá informações ambientais sobre os produtos que os visitantes estão habituados a comprar.

E o que fizemos nós, em História, Ciências, Saúde – Manguinhos? Esta edição e as seguintes ostentarão o selo FSC concedido a quem trabalha dentro das normas de preservação ambiental no que diz respeito ao manejo florestal. A sigla remete ao Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) organização não governamental com sede em Bonn, na Alemanha, criada no início da década de 1990 para promover o manejo florestal responsável mundo afora (http: / / migre.me / 9xze8). Só em 2001 foi criado o Conselho Brasileiro de Manejo Florestal. A FSC tem atuado junto aos países com florestas para que uma emenda seja incluída no documento oficial da Rio+20, destacando a importância desses mecanismos na transição para a chamada ‘economia verde’. A proposta é transformar a certificação socioambiental em compromisso dos governos, sob a justificativa de que induz práticas sustentáveis e contribui com a conservação das florestas tropicais e seus recursos. O tema começa a entrar na agenda das compras e contratações públicas, e aí entramos nós, rodando a revista em papel com o selo FSC.

Um dos artigos desta edição da revista se coaduna com os temas em debate na Rio+20: “A terra ‘quente’ na imprensa: confiabilidade de notícias sobre aquecimento global”, de Celso Dal Ré Carneiro, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, e João Cláudio Toniolo, graduando em Filosofia na mesma universidade.

Os autores pesquisaram notícias sobre ‘aquecimento global’ em veículos do grupo de comunicação UOL, Folha.com e Folha de S. Paulo. As posições variaram da concordância absoluta com a interpretação de causa estritamente antropogênica (posição predominante) até a negação da tese. Nessa posição minoritária, inclui-se a perspectiva ‘geológica’ da evolução do planeta: antes do aparecimento da espécie humana a Terra vivenciou períodos muito mais quentes ou muito mais frios que o atual. Segundo os autores, a maioria dos redatores de notícias, ao considerar causas exclusivamente antrópicas, ignora as incertezas inerentes ao trabalho científico. “No conjunto das ciências da Terra, a geologia tem mostrado, exaustivamente, que o clima da Terra mudou no passado, e continuará a mudar no futuro. A interferência humana pode intensificar os efeitos transitórios de certas mudanças, mas não se atingirá, jamais, um quadro de aquecimento global cujas causas sejam exclusivamente antropogênicas, como os veículos de mídia analisados tentam propagar”.

Jaime L. Benchimol – Editor científico


BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.19, n.1, abr. / jun., 20012. Acessar publicação original [DR]

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