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Diáspora africana: experiências e culturas / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2008
Como já disse Carlos Hasenbalg, quem estuda as relações raciais no Brasil se imagina fazendo parte de um gueto, lugar em que se sente impotente e frustrado. Porque como participante do gueto da minoria, raramente é ouvido pela maioria de fora, que no máximo finge que escuta a minoria do gueto [1]. Dentro da historiografia da sociedade brasileira, a imagem do “nós” – enquanto “elemento nacional brasileiro” – foi construída a partir do homem europeu branco cristão. A população de origem africana e a indígena constitui os outros, “complementos dispensáveis, adereços e penduricalhos para enfeites” [2].
É na luta contra tal concepção que o movimento negro, quilombolas e indígenas reivindicaram mudanças no currículo escolar, exigindo um novo foco onde possam se reconhecer e ser reconhecidos, como agentes culturais do Brasil. Como fruto dessa luta, em 2003, foi promulgada a lei 10.639, alterada no dia 11 de março de 2008 para a lei 11.645, obrigando tanto o ensino da história da cultura africana e afro-brasileira, como também a indígena.
Associada ao parecer do Conselho Nacional de Educação Nº 003 / 2004 [3], que propôs Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Cultura e História Afro-Brasileira e Africana, as mudanças na LDB tomam-se mais compreensíveis. Ao criar orientações para implementar a Lei 10639 / 2003, as diretrizes melhoraram significativamente o texto que é – de acordo com as Diretrizes – uma ação afirmativa, assentada em uma política de reparação, de reconhecimento e de valorização da história, cultura e identidade negra.
A proposta é de uma educação aberta à diversidade humana, que esteja atenta às desigualdades e disposta a construir novos parâmetros de cidadania onde a diferença não seja percebida como alicerce da desigualdade.
Como uma contribuição a esse debate o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (NEAB / UDESC), organizou o dossiê ‘Diáspora africana: experiências e culturas’. O presente dossiê conta com a participação de alguns parceiros do núcleo, com artigos que seguem as discussões sobre a história da população de origem africana no Brasil a partir de abordagens historiográficas, mas também com recortes sobre as trajetórias de vida e de luta dessa população.
Abre-se esse dossiê com o artigo da professora Jaqueline Zarbato Schmidt, que discute a problemática do currículo escolar, multiculturalismo e a implementação da Lei 10639 / 03. O currículo é visto como formador de sujeitos, dentro de um jogo de poder em que, ao se estabelecer o que é ou não conhecimento constroem-se e legitimam-se desigualdades entre os indivíduos A discussão realizada neste artigo reforça a atualidade e importância da construção de um currículo multicultural.
Fernando César Sossai e Geovana Lunardi Mendonça Mendes abordam o ensino da história do Brasil a partir das comemorações dos “quinhentos anos do Brasil”. Focalizam, em especial, o sítio governamental Brasil: 500 Anos de Povoamento e as séries de vídeos educativos Brasil 500 anos- Um Novo Mundo na TV e Brasil 500 anos: O Brasil-Colônia na TV onde traçam um triângulo reflexivo entre a visibilidade, a visualidade e as representações do continente africano. Lembram que estas estratégias comemorativas constituem-se em usos e abusos pedagógicos da ciência histórica.
A vivência da população de origem africana faz-se presente nos artigos de Amauri Mendes, com o estudo do Minas Clube; de Ancelmo Schörner, em sua análise da formação do Momo da Boa Vista. Ao discutir o Minas Clube da cidade de Além Paraíba, Amauri Mendes está preocupado em articular a história e cultura afro-brasileira com a História do Brasil. A partir das memórias de antigos membros da sociedade recreativa, o autor reconstrói a dinâmica da relação étnico-racial da cidade. Apesar de ter tido somente um homem branco a participar da diretoria, não era exclusiva para negros. Para dele fazer parte exigia-se boa índole” e respeito às normas, mas o motivo da sua fundação foi a proibição de “negros” em outros clubes da época, como Rex Clube e o Clube Santa Maria.
A relação entre a mudança do nome do Morro da Boa Vista, para Morro da África e a expulsão dos trabalhadores negros dos pontos centrais de Jaragua do Sul é abordada no artigo de Ancelmo Schörner. No Morro da Boa Vista tem-se uma imagem impressionante da cidade de Jaraguá do Sul mas a visão que se tem do morro não tem nada de bela. Inserido nos traçado irregular e desconexo do morro, encontra-se uma população marginalizada, que o ocupa por causa de um processo de exclusão social.
O depoimento de Carlos Serrano sobre Viriato da Cruz fecha o dossiê. Para Serrano esse militante e intelectual angolano define sua própria formação política. Os dois se conhecem em Argel em 1964, quando Serrano tinha apenas 21 anos, lembra que o intelectual exercia uma certa mítica não apenas nele, mas também nos jovens saídos da Casa dos Estudantes do Império. O depoimento nos mostra bem a relação de Serrano e Viriato dentro dos movimentos revolucionários de Angola dos anos 60.
Esperamos que esse dossiê possa contribuir para a implementação das novas leis educacionais e, sobretudo, para a construção de uma educação aberta a diversidade, e, assim, mais plural, capaz de educar para a construção de equidades de raça, mas também de gênero, classe, geração, dentre outros.
Boa leitura!
Paulino de Jesus Francisco Cardoso – Professor Doutor. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro NEAB / UDESC.
Willian Robson Soares Lucindo – Pesquisador Colaborador do NEAB / UDESC.
Notas
1. HASENBALG, Carlos Alberto. Relações Raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Rio Fundo editora / Iuperj, 1992. p.09,
2. CUNHA Jr, Henrique. “Pesquisas educacionais em temas de interesse dos afro-descendentes”. In: Lima, Ivan Costa et. ai. (Orgs) Os negros e a escola brasileira. Florianópolis, n D 6, Núcleo de Estudos Negros / NEN, 1999, P. 255
3. Parecer de autoria dos conselheiros Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca Novaltino Pinto de Ângelo e Marilia Ancona-lopes, aprovado por unanimidade pelo Pleno do Conselho Nacional de Educação em 10 de março de 2004 e homologado pelo Ministro da Educação, em 19 de maio de 2004.
CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco; LUCINDO, Willian Robson Soares. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.16, jun. 2008. Acessar publicação original [DR]