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Zona de promesas. Cinco discusiones fundamentales entre los feminismos y la política | Florencia Angilletta
Florencia Angilletta | Foto: Marcelo Arias/LPO
| “‘Gender’ is about asking historical questions;
It is not a programmatic or methodological treatise.” (Joan SCOTT, 2008, p. 1423).
Jacques Lacan y Simone de Beauvoir sostuvieron que La Mujer no existía. Para Julia Kristeva (1981, p. 30), el psicoanalista se refería a su inexistencia en tanto unidad mítica, no tan diferente de “una mujer no nace, se hace” (DE BEAUVOIR, 2005 [1949]), tesis amplia y profundamente retomada por feministas en el mundo. Podemos trasladar esta idea a que el Feminismo tampoco existe, cuyo “origen” suele ser situado en la Revolución Francesa. Esta ha sido una suerte de primera piedra en la construcción de – en términos de Griselda Pollock (2010) – un museo virtual feminista en donde la hermana ilustrada, bastarda decapitada, dedo en las llagas de la izquierda y olvido del progresismo ha elaborado sus propios documentos culturales. Zona de promesas. Cinco discusiones fundamentales entre los feminismos y la política (Florencia ANGILLETTA, 2021) es una revisión de estos documentos sobre un presente denominado cuarta ola feminista1, la última de la cronología de las olas2.
En la Argentina, la primera convocatoria del Ni Una Menos (NUM) inauguró una serie de acontecimientos que han sido englobados con este término, desde y sobre el cual ha habido una prolífica producción intelectual, en la que me permito incluir esta obra. Si bien, en el país sudamericano, el feminismo existió propiamente desde finales del siglo XIX, es difícil pensar otro momento que pueda equiparársele, puesto que, por primera vez, se ha convertido en “un significante disponible – y en disputa – de modo cada vez más masivo y masificado” (ANGILLETTA, 2021, p. 19). Fuente de sentidos y escenario de ríspidos y fecundos debates, una de las particularidades de aquella casa de las diferencias ha sido sustituir feminismo por feminismos. La autora reconoce que, aunque su mediatización expande sus condiciones de posibilidad, ésta va de la mano con el reto de su fetichización (ANGILLETTA, 2021, p. 77). Leia Mais
Las raíces del antiperonismo. Orígenes históricos e ideológicos | Jorge Nállim
Complexo, heterogêneo e ambíguo. Tais adjetivos podem ser usados para definir o peronismo, fenômeno político de difícil definição e que até hoje desperta profundas paixões e polariza a Argentina. Desde a primeira presidência do coronel Juan Domingo Perón (1946-1955), muitas têm sido as tentativas de compreender esse movimento político. O que nem sempre se nota é que seu oposto, o antiperonismo, também foi profundamente fluído, variando ao longo do tempo e sendo composto, em cada época, por grupos ideologicamente muito diversos, como liberais, comunistas, socialistas, radicais2 e outros.
Nas últimas décadas, o antiperonismo foi objeto de estudo de historiadores, sociólogos e cientistas políticos na Argentina e fora dela. Na maioria desses casos, os acadêmicos propuseram análises específicas, restritas a diferentes instituições ou grupos sociais3 , buscando compreender as particularidades das críticas de cada um. Por isso, é tão bem-vinda a obra do historiador argentino Jorge Nállim, que se propõe a fazer uma análise socialmente e temporalmente bem mais dilatada. Nela, o autor busca compreender como “confluíram [nas ideias antiperonistas] uma série de visões, conceitos, preconceitos, ideologias e setores sociais e políticos que tinham se forjado ao longo das décadas anteriores”4 (NÁLLIM, 2014, p. 258, tradução nossa). Para isso, ele investiga uma ampla variedade de fontes documentais, com privilégio para revistas e jornais argentinos. Leia Mais
El mito de la Argentina laica: catolicismo, política y Estado – MALLIMACI (AN)
MALLIMACI, Fortunado. El mito de la Argentina laica: catolicismo, política y Estado. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2015. Resenha de: QUADROS, Eduardo Gusmão de. O estado da fé: catolicismo e governo na história Argentina Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 43, p. 491-496, jul. 2016.
Conhecer a história dos argentinos contribui para alargar a visão geralmente difundida da história do Brasil. Existe, afinal, uma série de processos políticos e econômicos que apresentam traços semelhantes, o que poderia ser ampliado, obviamente, para a história latino-americana como um todo. Isso é especialmente válido se o foco estiver em uma instituição internacional, como é o caso da Igreja Católica Romana.
Qualquer estudo sobre a história do catolicismo necessita articular esses dois aspectos: o global, gestado a partir do Vaticano, e o nacional ou local, onde a ação religiosa deve intervir respeitando os elementos condicionantes mantidos pelos atores sociais. No primeiro nível, a Igreja Católica apresenta-se como salvadora da humanidade, já que representa a ação do Deus criador dos céus e da terra; no segundo nível, é uma instituição política que atua como uma “nação” dentre outras, com o interesse de fortalecer seu domínio.
Ao enfrentar a questão do “mito da laicidade” na história da Argentina, Fortunato Mallimaci tem isso claro. Portanto, por toda a obra, sua análise percorre as vias de mão dupla entre a Europa e a América Latina, sem esquecer o modo como as camadas populares reagem às estratégias implantadas pelas elites, sejam elas políticas ou religiosas. O fundamento teórico-metodológico para integrar tais aspectos é de inspiração bourdieusiana, apesar de o autor indicar diversas vezes as reflexões de Ernst Troeltsch como suporte relevante.
O livro estrutura-se em seis capítulos. Eles podem ser lidos como hipótese de periodização, mas também podem ser formas de relação que a instituição eclesiástica católica estabelece com as demais esferas sociais. Assim, não é meta do autor realizar uma abordagem propriamente contextual, e o texto rompe com a confortável linearidade cronológica, uma decorrência da postura de considerar “,[…] el catolicismo como un lugar social donde se confrontan discursos competitivos y desiguales” (p. 66), preferindo intercambiar os marcos históricos com processos contemporâneos. Os limites entre o que estaria “fora” ou “dentro” da igreja são altamente questionáveis quando se quer entender seu papel na governamentabilidade: Un análisis sociológico sobre el catolicismo no puede abordar su sujeto de estudio si lo encierra en un universo puramente religioso. El fenómeno debe estar ligado a la sociedad que lo involucra y si esta se encuentra dividida, conflictuada, enfrentada, se pueden encontrar esos conflictos, con formas proprias, dentro del espacio de lo religioso, especialmente si se trata de un movimiento dominante y extensivo como es el catolicismo. Si esos conflictos se agudizn se puede ver cómo se generan estructuras intermedias y paralelas que un estudio de ese tipo no puede ignorar. Por esto, creemos necesario mostrar los procesos que relacionen estructuras, agentes y personas en el largo plazo (p. 66).
Nessa perspectiva, o capítulo inicial trata da mescla dos valores e símbolos católicos com as manifestações nacionais argentinas. O ideário de edificar uma religião civil perpassa o discurso das elites sócio-religiosas.
Mesmo que tenha sido declarada a laicidade estatal desde meados do século XIX, bem como da educação, o autor afirma que “[…] sin símbolos y sin sagrados no se consolidan las nuevas naciones” (p. 20).
A igreja católica não era tão forte, na época, para interferir diretamente nesse projeto, contudo havia uma crença difusa, sem demasiada fidelidade doutrinária ou ética, que unificava boa parte da população. O conflito com as ideias do positivismo foi tênue e já nos primórdios do século XX a igreja-mãe estava casada com o estado-pai (p. 33).
Nas décadas de vinte e trinta do mesmo século, as tendências integristas, totalizadoras, inspiradas na imagem do Cristo Rei, tornaram- se consolidadas. Os cristãos, nessa visão, precisavam lutar para estabelecer o domínio divino, e consequentemente da instituição que o representa, sobre todas as coisas. A oportunidade de atuação eficaz adveio de um fator extrarreligioso: a crise global do liberalismo ao final dos anos vinte. Dessa forma, o discurso católico passou a se colocar como uma terceira via entre o temido comunismo e os problemas da democracia burguesa. As duas fontes secularizadas de esperança perderam, naquele momento, boa parte de sua credibilidade social.
Cada vez mais a igreja assumiu a posição de ser o cimento que sustentava a sociedade argentina. O processo de diocesização, incrementado rapidamente nessas primeiras décadas do século, possibilitou a capilaridade necessária à expansão da “geografia católica” pelo território nacional. Há, entretanto, uma diferença sensível em relação ao catolicismo brasileiro nesse caso, pois a maioria do clero, inclusive o episcopado, era natural do próprio país (p. 94).
O capítulo terceiro demonstra a importância da Ação Católica para todo o período que se segue. Sua espiritualidade, de forte aspecto militar e integral, contribuiu efetivamente para incorporar ao seio da igreja católica setores sociais ainda desprezados, a exemplo dos jovens e das camadas empobrecidas. O autor ressalta que a recente ruptura teórico- metodológica, relativizando as dicotomias entre sagrado e profano ou oficial e popular, são importantes para que surjam novos estudos acerca desses sujeitos, geralmente invisibilizados na documentação. Esses estudos deveriam enfocar mais suas lógicas internas, os motivos de adesão e as estratégias simbólicas de legitimação constituídas (p. 109).
O grupo de militantes da Ação Católica partia do pressuposto de que existiria um déficit de catolicidade na configuração social e até entre os membros da igreja. Encampavam, então, a tarefa de cristianizar todas as instituições sociais, gerando um novo tipo de patriotismo católico em um contexto de fortes conflitos ideológicos. A comprovação dessa habilidade de produzir um novo consenso nacionalista foi o apoio dado ao vitorioso movimento golpista de 1943, com a posterior incorporação de muitos membros do laicato católico no aparato estatal.
Decorrente desse modelo de inserção social, o foco do autor nos três últimos capítulos da obra parte da análise do mundo do trabalho.
A afirmação deste na configuração política e religiosa ocorreu através da mescla de valores religiosos com o insurgente peronismo. Existem afinidades evidentes entre a forma de governo estabelecida por Perón e o catolicismo social moldado pela Ação Católica, mesmo que houvesse grupos discordantes que acusavam as ações ditatoriais do regime. Nesse momento de intensa politização do cristianismo, ou de sacralização do político, Jesus passou a encarnar “el primer justicialista” (p. 137).
Apesar de Perón ser militar de carreira, a militarização do catolicismo, com a consequente simbiose entre a igreja romana e as forças armadas, manifestou-se com maior intensidade na ditadura dos anos setenta. Mallimaci faz questão de denunciar o regime instaurado após o golpe de 1976 como um terrorismo de Estado com fundamento cívico-religioso-militar (p. 168). Verdade que o quinto capítulo busca demonstrar um período mais duradouro, que perpassa todos os golpes militares, e este provém do catolicismo de matiz integral propalado pelos militantes católicos. Tal herança nunca fora unívoca, é bom ressaltar, e o movimento antiperonista nutriu-se igualmente do imaginário cristão-militarizado para excomungar e expulsar Perón da Argentina.
O catolicismo integral e o peronismo serão objetos de disputa social no esforço coletivo de construir uma Argentina verdadeiramente católica. Dois movimentos são exemplares desse conflito de tradições.
De um lado, está o movimento Sacerdotes para o Terceiro Mundo, a experiência de messianismo utópico e popular mais importante do final da década de sessenta. Conforme o autor: La critica social y politica del Movimiento a la ditadura del momento fue respondida desde lo politico, lo social y lo cultural.
También hubo otra, teológica, política y religiosa, pronunciada por los sacerdotes católicos que formaban parte de ese gobierno militar. […] (Pero) En el Movimiento de Sacerdotes para el tercer Mundo se disociaba la memoria católica de la función legitimadora de las relaciones sociales hegemónicas y se las trasladaba a las clases subalternas primero y luego al movimiento político mayoritario en sectores populares (p. 192).
Do lado oposto, partindo da crítica teológica, política e religiosa, nessa ordem, estavam os capelães militares. Esse grupo, em texto divulgado na grande imprensa, denunciava seus companheiros de batina, como é demonstrado pelo autor quando este cita um documento gerado pelo Comando de Operações Navais, assinado pelo capelão Duilio Barbieri. Afirma-se nesse texto que: […] hay fundadas razones para creer que entre estos sacerdotes (para el tercer mundo) hay algunos que son activistas comunistas expresamente infiltrados ya desde el seminario, y que con esos sacerdotes estamos en el cero absoluto del espíritu (BARIBIERI, 1970 apud p. 193).
A tensão sócio-religiosa perdurou até a ditadura civil-militar implantada em 1976. A repressão violenta, utilizando inclusive grupos paramilitares, foi legitimada pela Conferência Episcopal Argentina.
Mallimaci chega a afirmar peremptoriamente que “[…] los golpes militares nunca recibieron la reprobación del cuerpo epsicopal, tanto en Argentina como en el resto de América Latina” (p. 194).
O leitor pode estar curioso para saber como o padre Jorge Bergoglio, atual Papa Francisco, se portou nessa conjuntura. A obra apresenta denúncias de que ele, enquanto superior dos Jesuítas, desprestigiou tanto sacerdotes quanto leigos ligados à Companhia de Jesus durante a perseguição governamental e eclesiástica. Estes eram aqueles que estavam inseridos exatamente nas lutas dos pobres. Ainda como provincial da Universidade do Salvador, vinculada à Companhia inaciana, padre Bergoglio participou da condecoração, concedida em 1977, ao almirante Emílio Massera, conhecido já na época por sequestrar, torturar e “fazer desaparecer” muitos membros do catolicismo (p. 200).
Esse tema do papa argentino retorna ao final do livro, quando este trata das reconfigurações recentes no campo religioso argentino.
O catolicismo integral ficou fragmentado com o impacto das redefinições democráticas no espaço público, bem como com o crescente pluralismo religioso. Ter um papa peronista (cf. p. 239) fortalece a relação simbiótica entre nação e fé católica. Assim, a laicidade permanecerá apenas no nível jurídico, como um mito social vigoroso nesse enviesado processo de reconhecimento da liberdade.
A obra aponta, destarte, para desafios fulcrais da democratização ainda recente na América Latina. Talvez o autor tenha, no intuito de demonstrar sua tese, ressaltado demasiadamente a continuidade da relação instituída entre catolicismo e governo, ou desprezado momentos em que a religião se distanciou do campo político, que é um princípio afirmado teoricamente (p. 149). Todavia, como se buscou indicar nesta resenha, o livro de Mallimaci está prenhe de intuições analíticas e metodológicas capazes de revigorar os estudos acerca dos atores religiosos, suas representações sociais, lógicas identitárias, pretensões legitimadoras e, sobretudo, crenças.
Imaginar o futuro em um mundo globalizante: paisagens transnacionais dos discursos do modernismo e das políticas da memória.
Eduardo Gusmão de Quadros – Docente do PPG em História e em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Doutor em Historia pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: eduardo.hgs@hotmail.com.