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A Escrita da História | Michel de Certeau
Nesta resenha almejamos abordar os pensamentos de Michel de Certeau, os quais estão contidos no capítulo referente à Operação Historiográfica, na obra A Escrita da História. O autor argumenta que a História seria ao mesmo tempo uma disciplina, uma prática e uma escrita (CERTEAU,1982, p.66). Através destes pontos nós veremos ao longo desta análise quais seriam as concepções de Certeau sobre a História e o historiador.
Vamos neste primeiro momento efetuar uma breve apresentação do autor, segundo os pensamentos da historiadora Leila Maria Massarão. No artigo Michel de Certeau e a Pós-Modernidade: Ensaio sobre pós-modernidade, História e impacto acadêmico, Massarão destaca que Certeau fez parte da Terceira Geração dos Annales [2]. Massarão aponta para o fato de que Michel de Certeau ter sido um estudioso da religiosidade francesa dos séculos XVI e XVIII [3]. As suas reflexões sobre a multiplicidade cultural, as práticas sociais e as teorias da História foram grandes contribuições do autor para a historiografia.
No capítulo introdutório sobre a operação historiográfica podemos perceber que o historiador possui como sua função dar voz ao não – dito. Através do campo teórico-metodológico o profissional da História constrói e confere sentido a um determinado acontecimento ou artefato, o qual sendo visto fora do seu contexto não nos apresentaria uma informação relevante.
Ao analisarmos a História como uma disciplina se poderia pensar que ela faz parte de um lugar social. Segundo Certeau: “A escrita da história se constrói em função de uma instituição” (CERTEAU,1982, p. 66). O autor baseia sua argumentação no fato de que é através dos interesses da instituição que a História enquanto uma disciplina vai se organizar. Os desejos institucionais vão atuar desde a metodologia empregada, ou até mesmo na seleção das fontes, para as pesquisas a serem elaboradas. Certeau frisa em seus estudos que é necessária a utilização de uma teoria para as produções historiográficas, assim se evitando a construção de dogmas. O pensamento do autor é importante, para relativizarmos as nossas idéias sobre os nossos objetos de estudo e não criarmos em nossa escrita histórica uma tendência à produção de verdades.
Certeau nos precisa que o discurso acadêmico possui um conjunto de regras a serem utilizadas, mesmo estando essa imposição no silêncio (CERTEAU,1982, pp. 70-1). As regras são expressões da instituição e da ordem social na qual a disciplina de História está inserida. A validade de um discurso acadêmico depende da aprovação de outros historiadores (CERTEAU,1982, p. 72). A não aceitação das leis acadêmicas acaba por levar um historiador a ser marginalizado da comunidade científica, o que demonstra um ordenamento de pensamentos científicos, os quais não se devem ser negligenciados.
O autor no término da sua exposição sobre o lugar social ressalta a atividade de pesquisa. Michel de Certeau afirma que a atividade de pesquisa histórica está inserida em um lugar, no qual de acordo com os seus interesses definirá o que pode vir a ser feito e o que não é permitido ser realizado. Através destes apontamentos Certeau nos deixa claro sobre o peso que a instituição e o lugar social dos indivíduos possuem sobre a construção do discurso do historiador. Além disso, o que podemos ver seria a necessidade dos usos de técnicas e métodos científicos, para legitimarem a História como disciplina e o que nela vem a ser produzido.
Ao pensarmos sobre a História como uma prática, a argumentação de Certeau começa calcada na necessidade de uma técnica para a realização da produção historiográfica (CERTEAU,1982, p. 78). O pensamento de Certeau é ratificado através da referência, que o mesmo faz a Serge Moscovici. Para o intelectual Moscovici a história seria mediatizada pela técnica (CERTEAU,1982, p. 78). As idéias de ambos convergem na visão de que a técnica faz parte da prática do historiador. O nosso historiador realça que as maneiras de se fazer História e as técnicas por ela empregadas vão variar devido aos distintos contextos culturais, que cada sociedade poderia vir a possuir (CERTEAU,1982, p. 78).
A prática do historiador se centraria em transformar um objeto em histórico, em historicizar um elemento, o qual não sendo analisado dentro de um contexto possivelmente ficaria no espaço do não – dito. Através de Certeau vemos que a prática do historiador se assemelha a de um operário. Assim ele declara que o historiador trabalha sobre um material, o que teria como objetivo transformar ele em História. O processo de manuseio do material deve obedecer a regras estabelecidas pela academia, e por último caberia ao historiador realizar o transporte do seu produto do campo cultural para o histórico. A descrição da prática muito se assemelharia à ação de um metalúrgico, como Certeau comparou em seus escritos (CERTEAU,1982, p. 79).
Em linhas gerais caberia à pratica do historiador a articulação entre o natural e o cultural e a seleção de suas fontes com as quais ele pretende trabalhar. Contudo, é importante pensar que o próprio recorte da documentação está sujeito às ações do lugar social onde o individuo está inserido (CERTEAU,1982, p. 81-2).
Na visão de Michel de Certeau a História como disciplina necessitaria de adotar uma perspectiva interdisciplinar. A História buscaria segundo o autor por modelos e conceitos de outras áreas, criticando-os, experimentando-os e assim controlando o que poderia estar coerente e o que estaria equivocado (CERTEAU,1982, pp. 88-9). Assim, através da ação das instituições a prática do historiador também possui um limite dado pela disponibilização de documentos e métodos para os seus estudos.
A História como uma escrita depende da passagem do que o historiador realizou em sua prática, para uma elaboração de um texto histórico. Esse processo ocorreria pela própria relação com o limite, a qual a atividade histórica possui. Para Michel de Certeau a história enquanto uma escrita está submetida a uma ordem cronológica do discurso, a uma arquitetura harmoniosa do texto e ao fechamento do artigo ou livro, mesmo que se acredite em uma pesquisa histórica, a qual nunca se esgote em suas possibilidades de estudo (CERTEAU,1982, p. 94).
A escrita da História faz parte de uma prática social, pelos pensamentos de Certeau. Para o autor ela está controlada pelas práticas, as quais são frutos de diversos interesses do lugar social. Assim, uma das funções da História enquanto uma escrita estaria na sua função de passar valores e assumir um caráter didático. Certeau argumenta que a escrita acaba por fazer a história, como também por contar histórias, sendo assim de interesse ao caráter de ensinamento, para a sociedade (CERTEAU,1982, p. 95).
O autor reflete sobre as várias formas de discurso existentes: o literário, o lógico e do historiador. Michel de Certeau frisa que o discurso histórico pretende possuir um conteúdo verdadeiro (verificável), na forma de uma narração, para se ter validade (CERTEAU,1982, p. 101). Uma das formas de conferir uma legitimação a um argumento seria através da citação. Esta modalidade indicada anteriormente leva o citado à categoria de referencial, para dar credibilidade as suas idéias. Não podemos esquecer que há um comprometimento nos estudos históricos, com aquilo que pode ser verificado e atestado cientificamente.
A escrita da História, na visão de Certeau, seria a ação do: “conteúdo” sobre “a forma” (CERTEAU,1982, p. 105). A visão se baseia na construção e desconstrução, a qual faz parte do cotidiano da operação historiográfica, na qual o conceitual vem dar um amparo a exposição do conteúdo, que é hegemônico na maioria dos textos. Logo, o texto é o lugar do discurso histórico, da delimitação de um recorte espacial e temporal, para ser analisado.
Vemos que a escrita histórica não é feita unilateralmente pelo historiador, mas sim em coletivo, já que é fruto da validação acadêmica e das relações com as idéias de nossos pares. Além disso, a escrita histórica é fruto das vivencias do profissional da História, as quais suas idéias perpassam ao texto devido às escolhas existentes dele e do lugar social no qual está inserido.
Podemos concluir que como disciplina a História está submetida ao contexto social na qual está situada. Sendo vista como prática, ela possuiria um conjunto de técnicas, que normatizariam a operação historiográfica. Ao seguirmos as normas estabelecidas, daríamos credibilidade à produção de uma pesquisa histórica. Assim como a prática, vemos que a escrita possui leis, para legitimarem a sua validade acadêmica. Após as leituras sobre Certeau podemos perceber que a escrita da História não pode ser fruto de apenas desejos pessoais sem uma relação com o lugar social onde estamos inseridos. Nossos escritos necessitam possuir uma relevância para a sociedade, se for almejado receber um reconhecimento de nossos pares, pela nossa produção do saber.
Notas
2. Ver parágrafo 12 do artigo: Michel de Certeau e a Pós-Modernidade: Ensaio sobre pós-modernidade, História e impacto acadêmico. Acessado: 04/05/09. Capturado do site: http://www.klepsidra.net/klepsidra24/certeau.htm
3. Ibidem, parágrafo 15.
Referências
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
Referências de site
MASSARÃO, Leila. Michel de Certeau e a Pós-Modernidade: Ensaio sobre pós-modernidade, História e impacto acadêmico. In: Klepsidra. Publicado Originalmente em 1999. Acessado: 04/05/09. Capturado do site: http://www.klepsidra.net/klepsidra24/certeau.htm
Carlos Eduardo da Costa Campos – Licenciando em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador PIBIC/CNPQ do Núcleo de Estudos da Antiguidade – UERJ, sendo orientado pela Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido NEA/PPGH/UERJ. O referido investigador atua na linha de pesquisa Religião, Mito e Magia no Mediterrâneo Antigo.
DE CERTEAU, Michel. A Operação Historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982. Resenha de: CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.6, p. 211-214, jan. / jun., 2010.