Conservation Practices on Archaeological Excavation: Principles and Method – PEDELI; PULGA (CL)

PEDELI, Corrado; PULGA, Stefano. Conservation Practices on Archaeological Excavation: Principles and Methods, 2013. Resenha de: AZEVEDO, Paula de Aguiar Silva. Cadernos do LEPAARQ– Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, v.12, n.24, 2015.

Na busca da conservação de qualquer material é necessário entender as suas particularidades, perceber as suas necessidades e aprender as características do contexto desse material. Quando falamos de remanescentes arqueológicos, nosso entendimento deve alcançar toda a sua trajetória. Ele foi produzido, utilizado, passou pelo processo de enterramento para ser descoberto e estudado. Durante esse caminho o material pode se apresentar de diversas formas, sendo imprescindível que o monitoramento de seu estado de conservação se dê desde a escavação arqueológica. Mas a conservação in situ ainda é um desafio, não só pela complexidade das ações que essa envolve, como também a dificuldade da formação de um profissional qualificado para essas ações, além das barreiras que podem surgir na comunicação entre o profissional conservador e o arqueólogo. Isso implica no reconhecimento dos arqueólogos da necessidade das ações de salvamento ao mesmo passo da busca contínua de uma dupla-formação do conservador-restaurador, onde este possa compreender e participar do processo de uma pesquisa arqueológica.

No livro Conservation Practices on Archaeological Excavation: Principles and Methods de Conrrado Pedeli e Stfano Pulga, temos importantes informações sobre princípios e métodos de conservação in situ, numa visão ampla que abarca diversas tipologias de materiais e sítios arqueológicos. Aborda desde o planejamento da escavação até a conservação de estruturas a longo prazo. Apesar de ainda não possuir uma tradução para o português, o texto é desenvolvido numa linguagem simples e de fácil compreensão dos termos técnicos, comumente usados na área de conservação e restauração. É um tipo de leitura que pode ser feita por ambas as áreas pois, enquanto o arqueólogo pode se familiarizar com os conceitos que implicam a conservação, o próprio conservador encontra um guia sobre a ações que envolvem a conservação em escavações arqueológicas. É um texto direcionado para o profissional da conservação, apontando as necessidades e desafios que podem acometer uma escavação arqueológica, incluindo a conservação do sítio em si. É importante ressaltar que o livro foi escrito num contexto italiano/europeu trazendo sempre referencias de sítios históricos. Ao aplicar as medidas apresentadas no livro devemos levar sempre em consideração o contexto do sítio arqueológico e, se necessário, fazer adaptações.

Um dos problemas que podem surgir entre o conservador e arqueólogo é a diferente visão que os envolvidos numa escavação podem ter sobre uma mesma situação. Há pontos no texto onde os autores demonstram as diferentes expectativas que esses profissionais podem ter, por exemplo, na retirada de um objeto do solo. Enquanto o conservador pode considerar apenas a fragilidade do objeto, preferindo por intervenções imediatas ao mesmo, o arqueólogo pode preferir ações mais demoradas para que sejam feitos todos os registros necessários. Essa divergência deve ser resolvida através do diálogo em que se encontre a melhor abordagem, respeitando a materialidade do objeto em consonância com as necessidades das pesquisas arqueológicas.

Logo no primeiro capítulo Excavation and Conservation os autores colocam a necessidade do planejamento das medidas de conservação. Para isso, é necessário o envolvimento do conservador-restaurador desde o início dos preparativos. Assim, pode-se coletar informações sobre os diversos fatores que influenciam a conservação in situ, como a tipologia do sítio, o tipo de escavação, a sua localização, condições climáticas e questões relativas à logística geral e econômica. Esses e outros dados ajudam o profissional da conservação a planejar uma margem de ação, podendo assim separar tipos de materiais que podem ser necessários, a viabilidade de algumas técnicas, inclusive contribuir para esquematização de logísticas, como o transporte adequado desse material. Nas palavras dos autores, na página 06: “[…] conservation as an integral part of archaeological process, starting with the act of excavation, continuing through the period of study and interpretation, and concluding whit publication of the final report”.

O tipo de solo também influencia na preservação do material, havendo variações de permeabilidade, componentes minerais, etc. Solos argilosos, por sua facilidade de absorver água, tornam-se menos permeáveis a gases atmosféricos, enquanto solos arenosos, mais permeáveis. A temperatura também desempenha um papel importe na preservação desses materiais, mesmo que enterrados. Pode propiciar o aparecimento de microrganismos, acelerar reações químicas e na sua variação provocar a dilatação e contração dos materiais, causando-lhes estresse físico.

Durante o enterramento o material passa por um processo natural de alterações e com passar do tempo cria-se um equilíbrio. Essa interação entre meio e o objeto nunca cessam por completo, mas a sua aceleração diminui consideravelmente conforme passar do tempo. Quando um material é recuperado do contexto arqueológico, ele passa por uma drástica mudança ambiental em que os fatores de degradação podem começar a agir rapidamente sobre eles. A madeira, por exemplo, tem boas possibilidades de preservação em ambiente ácidos ou mesmo alcalinos, desde que este seja um ambiente molhado e com pouca presença de ozônio. Ao retirar esse objeto deve-se ter extremo cuidado pois, uma mudança drástica para um ambiente incorreto pode acarretar o colapso da estrutura e consequente perda do objeto. No planejamento de uma escavação um conhecimento prévio das características do sitio arqueológico é um diferencial na conservação do objeto, dando assim a possibilidade do conservador se preparar para casos mais delicados.

As medidas de conservação apresentadas abarcam não apenas os objetos móveis, mas levam em consideração também os registros arqueológicos imóveis, como estruturas e pinturas murais. Durante o processo de desenterramento o objeto é evidenciado progressivamente a medida que as camadas de terra são retiradas. Pode levar dias até que este seja completamente retirado do solo, trazendo assim, implicações a conservação do objeto que fica exposto a ambientes diferentes. Nesse caso é preciso um olhar atento para perceber o comportamento desse objeto, e se necessário aplicar alguns cuidados, como a instalação de algum tipo de cobertura além de processos de estabilização ou consolidação.

As coberturas ajudam a evitar a incidência excessiva de luz solar, chuva e até mesmo neve. Alguns tipos podem inclusive ajudar no controle de umidade relativa e temperatura. É importante ressaltar que a eficiência do abrigo vai depender diretamente do material utilizado para a sua construção, assim como as próprias características ambientais do local onde ocorre a escavação. No caso de estruturas, ainda há a possibilidade desses abrigos serem utilizados na proteção do sítio a longo prazo. No capítulo seis Covering and Shelters, encontramos indicações dos possíveis materiais a serem utilizados na construção dos abrigos, assim como possibilidades de construção.

Nesse processo de equilíbrio do objeto com o meio, o solo pode representar um papel importante na estabilidade estrutural do objeto. Consequentemente, muitos remanescentes arqueológicos durante e depois de sua retirada do solo podem apresentar uma certa fragilidade, fazendo-se necessário medidas de estabilização. Ela acontece com uma intervenção na estrutura do material, utilizando-se de meios de escoramento, bandagens e até mesmo cintas. Ou uma intervenção mecânica, envolvendo a utilização pontual de um material aderente. A decisão de qual a melhor forma de se estabilizar deve levar em conta as necessidades que se apresentarem e observar como ela funciona a longo prazo, tendo em vista que qualquer decisão deve permitir a continuação do trabalho do arqueólogo e ser reversível.

A consolidação envolve ações que visam devolver ao material as suas propriedades naturais, permitindo a sua manutenção. No entanto, os autores nos alertam para a subjetividade dessa definição e lembram que as características originais do objeto não podem ser recuperadas. Toda ação de conservação deve ser bem pensada e executada. No caso do excesso de consolidantes num objeto, alterações físicas e químicas podem acomete-lo, provocando a sua deterioração a longo prazo. A consolidação pode acontecer em objetos, pinturas murais e mosaicos, como também nas paredes estratigráficas do sítio arqueológico, sendo esta técnica de alta complexidade. É preciso entender o estado em que esse material se apresenta, conhecer as propriedades do adesivo a ser utilizado e decidir pelo melhor método de aplicação. Utiliza-se a impregnação quando se deseja substituir a perda do ligante original do material e a injeção para o preenchimento de fissuras ou rachaduras. É oferecido ao leitor no apêndice quatro do livro, um método de preparação dos consolidantes que podem ser utilizados e suas concentrações

Quando falamos de biodegradação estamos acostumados a pensar em micro-organismo, mas na conservação de sítios arqueológicos é preciso levar em conta também os macro-organismos. Plantas trepadeiras e outros tipos de vegetação que, podem provocar a desintegração ou decomposição dos materias. O fenômeno da biodegradação acontece em relação a outros fatores como temperatura favorável e acúmulo de umidade. Uma forma de tratar esse problema é agindo sobre esses fatores, sendo este um método indireto que atua no ambiente que propicia essas manifestações. Em casos como grandes estruturas onde o controle do ambiente é difícil, podem ser aplicados métodos diretos que implicam em ações sobre o objeto. Atentando sempre para fato de o tratamento não ser mais prejudicial ao material do que a própria biodegradação.

A limpeza faz parte da escavação arqueológica, mesmo se limitando a uma pré higienização do objeto e esta pode oferecer risco quando aplicada de maneira abusiva. A limpeza é uma ação irreversível, ela nunca deve ser executada para se ter um objeto mais limpo, mas sim com o objetivo de tornar as suas características mais compreensíveis. Existe a técnica de limpeza seca utilizando-se pequenos pinceis, a limpeza úmida com o auxílio de esponjas, tendo-se o cuidado para não abrasonar a superfície dos objetos. O tipo de limpeza mais comum é a molhada, onde ocorre a submersão dos objetos em água. Ela é desaconselhada em alguns materiais como metais ou vidros com iridescência. Os autores ainda salientam que a água é um solvente universal eficiente, não havendo necessidade de submeter o material a outros solventes orgânicos.

Após a limpeza, os materiais devem ser adequadamente colocados em embalagens que não interajam com os achados arqueológicos, além de separados por tipologia. As peças que são guardadas úmidas devem ter furos em suas embalagens permitindo a circulação de ar. Ao guardar um objeto molhado que deva permanecer dessa forma, deve-se usar embalagens selantes que mantenham a umidade. Essas mesmas embalagens também podem ser usadas para objetos secos que não podem ser expostos à umidade, com o auxílio de sílica gel. É preciso estar atento à documentação e registro desses materiais, tanto o registro arqueológico quanto as informações de conservação que podem ser desde observações feitas durante a escavação, até intervenções realizadas no objeto in situ. É preciso também saber as condições do armazenamento que esse material recebe até chegar a sua área de guarda. Mesmo que sejam guardados temporariamente num espaço, podem ocorrer danos devidos as condições ambientais adversas como chuva, temperatura e umidade relativa incorreta. Sempre ressaltado que esses depósitos temporários de fato devem se comportar como temporários e que o material fique o mínimo de tempo possível neles.

Ainda em 1990 a Carta de Lausanne nos coloca a necessidade da conservação dos sítios arqueológicos, preservando esse patrimônio em seu contexto original, tendo em vista a necessidade contínua de sua gestão e manutenção. No capítulo Long-Term Conservation of Site Features sãos apresentadas as dificuldades envolvidas nas ações de preservação desses sítios arqueológicos. Podendo-se fazer o re-enterramento, nesse caso é necessário considerar o material que será utilizado, pois não deve prejudicar os registros arqueológicos que permanecem em campo ao mesmo passo que permite futuras escavações. E mesmo para aqueles que são deixados a exposição ou grandes estruturas, questões de logística, orçamento e profissionais precisam ser observados para que haja uma manutenção e preservação desses espaços.

O livro tem uma grande amplitude no seu desenvolvimento, desde a preparação para escavação, degradação dos materiais, características do solo, consolidação de objetos e estruturas, passando por prevenção de ataques biológicos e incluindo ações de preservação posteriores ao sítio. Ele se constitui como um importante guia para o conservador, entretanto não aplaca a necessidade de se aprofundar nos temas expostos, assim como a ir a campo e adquirir experiência em escavações arqueológicas. As ações que envolvem a conservação em escavações são complexas e demandam uma grande área de conhecimento. E da mesma forma que a conservação deve ser vista desde o início da escavação, também deve prorrogar-se além dela. Para preservação dos materiais escavados será necessário pensar numa conservação a longo prazo envolvendo o acondicionamento desse material, sua conservação preventiva e mesmo a necessidade de restaurações. Ainda se faz necessário uma bibliografia brasileira que trate especificamente da conservação em escavações arqueológicas que trate das particularidades dos sítios brasileiro.

Referências

ICOMOS, Carta para a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico ICOMOS/ICAHM. Carta de Lausanne, 1990. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=262>. Acesso em: Mar. 2015.

PEDELI, C.; STEFANO, P. Conservation Pratices on Archaelogical Excavation – Principles and Methods. Translated by: Erik Risser. Los Angeles: The Gatty Conservation Institute, 2013.

Paula de Aguiar Silva Azevedo –  Graduanda do Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Brasil. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil; de Iniciação Científica no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (LEPAARQ-UFPel), Brasil.

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Sítios de pesca Lacustre em Rio Grande, RS – SCHMITZ (CL)

SCHMITZ, Pedro Ignácio. Sítios de pesca Lacustre em Rio Grande, RS. [Porto Alegre:] 2011. Resenha de: RIBEIRO, Bruno Leonardo Ricardo. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Campinas, v.11, n.22, 2014.

A obra em análise é, ainda hoje, referência primordial no que tange o estudo de grupos caçadores– coletores–pescadores cerriteiros na costa do Rio Grande do Sul e regiões adjacentes, e sua reedição é parte integrante do segundo volume da série “Clássicos da Arqueologia”, promovida pela Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) e lançado durante a realização do XVI congresso da SAB em conjunto com o XVI congresso Mundial da UISPP, em Florianópolis/SC. Cabe também salientar que esta obra se trata de uma versão condensada da tese apresentada pelo autor em 1976 para obtenção do título de Livre-docente na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS.

Além de contar com apresentação de Rossano Lopes Bastos, então Secretário Geral do evento e prefácio de Jairo Henrique Rogge, onde ambos ressaltam a importância deste autor não só para a construção do pensamento Arqueológico Brasileiro, mas também seu papel fundamental no estabelecimento da disciplina no Brasil como tal, o livro é estruturado em nove capítulos que abarcam desde uma introdução ao objeto de pesquisa, a uma proposta de caracterização dos sítios escavados. Os três primeiros capítulos da obra são dedicados as descrições ambientais, histórico das pesquisas desenvolvidas na região e as culturas dentro do escopo do projeto; o quarto capítulo, à apresentação dos sítios estudados. Os capítulos cinco a oito, por sua vez, são dedicados a apresentação dos vestígios arqueológicos recuperados e toda sua variabilidade: cerâmicos, líticos, malacológicos e faunísticos, além dos restos alimentares.

Finalmente, no capítulo nove o autor apresenta uma proposta de caracterização para os sítios estudados em sua totalidade, por ele entendidos, em sua maioria, primariamente como assentamentos de pesca sazonal ocupados durante a primavera e o verão, uma vez que a grande maioria dos vestígios alimentares remete à predação de peixes dessas estações, mas sobretudo, assentamentos de múltipla função, diante do longo espaço de tempo durante os quais foram recorrentemente ocupados e pelas diferentes ocorrências de vestígios arqueológicos verificados ao longo destas ocupações.

De acordo com o autor, as datações obtidas por C14 garantem à área pesquisada uma antiguidade que remete a mais de 2.000 anos A.P, e se encerraria com a chegada do Europeu na região entre os séculos XVII e XVIII, então ocupada por grupos indígenas Guarani, Minuano e Charrua. A saber, o período mais antigo, pré-cerâmico, atestado pela presença de artefatos líticos lascados e polidos/picoteados nos extratos mais baixos, além de instrumentos elaborados sobre ossos e conchas, se iniciaria em meados do ultimo milênio antes da era cristã e se encerraria com o início desta, dando lugar então às primeiras ocupações ceramistas, que perdurariam até a conquista. Quatorze foram os sítios abarcados no projeto e nenhum deles teria se apresentado exclusivamente pré-cerâmico (lítico) nem apresentado elementos associáveis a culturas europeias.

Como dito anteriormente, o autor procura, nos capítulos iniciais de sua tese, contextualizar a pesquisa desenvolvida na região de Rio Grande/RS, e é quando são apresentadas densas descrições das características geomorfológicas e ecológicas da área pesquisada. Ênfase é dedicada às variações climáticas e ambientais verificadas durante a transição pleistoceno/holoceno e seu impacto sobre a fauna e a flora local, assim como entre os diferentes terraços relacionados a estes períodos. As rotas de migração e a presença sazonal de aves, peixes, frutos e outros vegetais na região também não escaparam ao escrutínio, objetivando identificar a já citada variabilidade de recursos alimentícios disponíveis aos grupos humanos que primeiro ocuparam a região ao longo do ano. Ainda, é neste momento que o autor apresenta toda uma revisão histórica da presença ibérica, iniciada no século XVII, e bibliográfica, não só das pesquisas já realizadas na região, mas também dos grupos indígenas que ali residiam quando da chegada dos povos europeus.

Ainda, são apresentados os aportes teórico-metodológicos utilizados pelo autor, fortemente marcados por uma perspectiva histórico-culturalista, embasada na elaboração de seriações de fundamento tecno-tipológicas dos vestígios arqueológicos identificados, visando à inserção destes sítios dentro de sequências culturais já estabelecidas, as ditas tradições e/ou fases culturais. Para tanto, os métodos de escavação se restringiram a realização de sondagens teste e/ou cortes estratigráficos escavados por níveis artificiais e coletas superficiais, sempre objetivando a obtenção da maior quantidade possível de vestígios e informações de valor amostral. A pesquisa realizada partiu de estudos iniciados durante o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) – cujo objetivo era a elaboração de um panorama geral e sistemático da história dos povos autóctones anteriores à conquista ibérica, partindo exatamente do levantamento de dados amostrais – portanto, foi fortemente influenciada pelo “métier” norte-americano.

Em relação à morfologia dos sítios, são em sua maioria de forma arredondada ou elíptica, de área entre 800 e 11.000m2, e altura atual variando entre 30 e 125cm. Quanto à caracterização e constituição destes montículos, o autor os define da seguinte forma: […] pequenos cômoros, acumulados pelo homem, constituídos de sedimentos arenosos, escuros, com grande quantidade de restos de alimento de origem animal, em menor quantidade de origem vegetal, localizados sobre os terraços holocênicos da margem ocidental da Lagoa dos Patos, na parte mais próxima à sua barra. Excepcionalmente se encontram os mesmos sítios sobre o barranco do Pleistoceno […]. Os sítios sobressaem do terreno circundante, razão por que são localmente conhecidos como cerritos […] (SCHMITZ, 2011, p.81).

Devo ressaltar que, com o avanço das pesquisas relacionadas a sítios arqueológicos sobre cerritos nas ultimas décadas, tem se questionado se tais montículos seriam resultado apenas do produto residual destas longas e constantes reocupações, como propõe o autor, ou construções idealizadas pelos grupos que deles faziam uso, compondo projetos monumentais relativos a espaços funerários; Se seriam uma resposta à variação do nível d’água na Laguna dos Patos, ao longo das estações do ano, ou marcadores territoriais e simbólicos, além de outros tantos questionamentos (mais detalhes em MAZZ, BRACCO, 20102). Todavia, tais discussões não cabem aqui. Fato é que sobre estes montículos a grande maioria dos vestígios culturais identificados foi cerâmica, com baixa representatividade de vestígios líticos e ósseos, os últimos de tão baixa frequência que o autor não se dispõe a ir além de uma simples descrição das peças resgatadas e apenas em alguns casos, inferir sobre prováveis usos ou funções para tais. Ossadas e indícios de sepultamentos humanos, quando identificados, não foram suficientes para incutir, no autor, ideias sobre possíveis usos simbólicos para os referidos sítios.

Para a análise dos vestígios cerâmicos a metodologia adotada por Schmitz teve por enfoque o exame de características morfológicas e tecnológicas, através da qual pretendia verificar a presença de culturas/sociedades diferentes ou mesmo a apropriação de técnicas culturais externas, através do contato entre sociedades distintas. Assim, além do estudo de bordas de potes e extrapolação de possíveis formas, traços como textura e elementos constituintes da argila; coloração do núcleo das paredes e tipo de queima aplicada; características das superfícies internas e externas dos potes, como coloração, tratamento superficial e aplicação ou não de motivos decorativos também foram levados em consideração.

Diante dos resultados obtidos através destas análises, aplicadas a todas as coleções, o autor estabeleceu dois grandes grupos de vestígios cerâmicos. O primeiro deles, verificado em níveis mais inferiores, é composto por vasilhames pequenos e pouco profundos, de contornos simples e pasta apresentando elementos antiplásticos minerais, em sua grande maioria sem indícios de maior dedicação aos acabamentos de superfície e poucos motivos decorados plásticos ou pintados, salvo algumas exceções. O segundo grupo, verificado em camadas mais superficiais das escavações e em apenas alguns sítios, apresenta vasilhames de tamanhos mais variados e formas e contornos mais complexos. Além dos antiplásticos minerais, nestas cerâmicas também é recorrente o acréscimo de cacos moídos de outros potes cerâmicos e a presença de motivos decorados nas paredes são mais frequentes, com padrões mais imbricados, alisamentos mais finos e maior recorrência de decorações pintadas e plásticas, como impressão de dedos, unhas, além de outros.

O primeiro grande grupo, de acordo com as designações estabelecidas pelo PRONAPA, se enquadra na dita Tradição Vieira, subtradição Vieira e pode ser dividida, ainda, em outras duas fases apenas por variações pontuais: Fase Torotama (mais escassa e verificada imediatamente acima, ou associada à camada pré-cerâmica) e Fase Vieira (mais frequente e presente em níveis mais superiores). O segundo grupo se enquadra na Tradição Tupiguarani, subtradição Corrugada, Fase Camaquã, com datações que remetem a chegada desta tradição cerâmica à região em algum momento próximo ao fim do primeiro milênio A.D. O autor não dedica muitas páginas de seu livro a esta nova população a adentrar o território, mas deixa claro que em sua opinião, este grupo – já dominante da horticultura e de organização social e padrões de assentamento bem diferenciados em relação aos grupos em foco – manteve contato direto e prolongado com os produtores da cerâmica da Fase Vieira, e exerceram influencia direta sobre eles.

Difusionista, Schmitz associa à chegada e ao contato com estes povos uma intensificação da horticultura na região e certo grau de “refinamento” na produção cerâmica da Fase Vieira, ressaltando que após o contato com os Tupiguarani surge um novo padrão decorativo dentre estas cerâmicas, que ele denomina negativo de cestaria. Especula também sobre certa imposição de restrições espaciais aos cerriteiros, partindo da premissa que com os Tupiguarani vieram novos saberes, mas também novos limites territoriais que restringiriam o uso do espaço e dos recursos locais pelos grupos associados à cerâmica Vieira, por ele entendidos, até então, como organizados em pequenos bandos de alta mobilidade territorial, agora forçados à intensificação de práticas horticultoras e certa reorganização social.

A cerâmica, na ótica adotada pelo autor, é entendida como o principal vestígio cultural de determinada sociedade. De caráter puramente tecnológico e indicador de estágios evolutivos da tradição Vieira, caracterizada como “sociedade marginal”. Sequer é aventada, nas profundas análises realizadas pelo autor, a relação entre possíveis funções ou representações associadas a estes potes cerâmicos. Para ele, a simplicidade verificada nas técnicas de produção e nas formas das cerâmicas da Fase Torotama, por exemplo, assim como a manutenção de certas características por longo período temporal, seriam reflexo de uma sociedade dotada de um sistema cultural simplista e estático.

Parece lhe escapar a possibilidade que, talvez, o nível de complexidade presente nos grupos produtores das cerâmicas da Tradição Vieira estivesse testemunhado em outras formas de cultura material, como nos próprios cerritos, e que neste contexto a cerâmica não desempenharia mais que papel secundário.

E há de se destacar, por fim, que a tese de Schmitz (defendida em 1976), passou a ser a principal referência teórica e o modelo interpretativo mais robusto sobre as ocupações dos grupos construtores de cerritos do pampa, tendo forte impacto sobre a arqueologia do Mercosul. Dessa forma, foi o principal alvo de críticas, sobretudo da Arqueologia uruguaia, quando essa se reoxigenou sob um viés processualista, ao longo dos anos 1990, o que demonstra a grandiosidade da obra, discutida e rediscutida nos últimos 40 anos.

Nota

2 MAZZ, J.M.L.; BRACCO, D. Minuanos. Apuntes y notas para la historia y la arqueología del territorio Guenoa-Minuan (Indígenas de Uruguay, Argentina y Brasil). Montevideo: Linardi y Risso, 2010.

Bruno Leonardo Ricardo Ribeiro – Graduando do curso de Bacharelado em Antropologia/Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Brasil. Pesquisador Associado ao Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (LEPAARQ – UFPel), Brasil.

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Deixe estar: patrimônio, arqueologia e licenciamentos ambientais – MONTICELLI (CL)

MONTICELLI, Gislene. Deixe estar: patrimônio, arqueologia e licenciamentos ambientais. [Sdt.].   Resenha de: MACIEL, Letícia Nörnberg. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Pelotas, v. 10, n.19, 2013.

Deixe estar: Patrimônio, Arqueologia e Licenciamentos Ambientais procura trazer à tona a discussão que há anos ocorre dentro da arqueologia brasileira sobre a chamada, dentre outros nomes, Arqueologia por Contrato. Monticelli faz inicialmente uma macroanálise do contexto histórico, político e econômico da implementação de grandes obras no Brasil, valendo-se também de exemplos internacionais.

No primeiro capítulo, chamado “Os contextos e a Crítica”, a autora procura justificar a pesquisa em cima da Arqueologia de contrato a partir da Escola de Frankfurt, berço da Teoria Crítica.

Teoria essa que defende uma releitura das disciplinas feita pelos próprios pesquisadores, visando a refletir sobre o que vem sendo feito e no que as pesquisas vêm sendo usadas, principalmente, as suas consequências para a sociedade. Outro ponto importante levantado é que os pesquisadores assumam seus posicionamentos, valores e influências políticas, partindo do pressuposto de que a ciência não é neutra. Torna-se necessária então a análise dos contextos em que se encontram os arqueólogos. Ou seja, chegou o momento em que a Arqueologia deve refletir sobre si mesma e sobre o que o conhecimento gerado tem sido utilizado: “A Arqueologia e seu pensamento também se desenvolvem de acordo com o contexto histórico que é encontrado (e construído) pelos pesquisadores no exercício da profissão, que, por sua vez, é condicionada pelas leis do mercado e assim por diante” (Monticelli, 2010, p. 36).

A seguir, no segundo capítulo, chamado “Uma crítica aos contextos”, a autora trata do contexto econômico e político em que se deu o surgimento das grandes obras – como usinas, hidrelétricas, rodovias, entre outros – no Brasil e no mundo. Foram criados ciclos viciosos, onde a Arqueologia entrou com os licenciamentos e trabalhos de resgate. Na medida em que aumentava a capacidade industrial de países do hemisfério norte, mais especificamente, Europa e Estados Unidos, bem como a matéria-prima tornava-se escassa, aumentava a necessidade de encontrar mercados de escoamento para estes produtos, bem como encontrar mais fontes desta matéria-prima.

“O comércio cresceu na medida em que aumentaram os mercados consumidores, internos e externos (considerem-se aqui as invasões, os ‘descobrimentos’, a criação de colônias). A metalurgia auxiliou na mecanização das lavouras. Assim aumentaramse a produção e a produtividade” (Monticelli, 2010, p. 46).

Além de encontrar mercado consumidor fora do seu país, foi indispensável a criação de padrões de consumo, assemelhando a capacidade de adquirir com o status social, implicando assim em um prestígio ao modelo capitalista.

Trata-se a seguir sobre como ocorreu a implantação das grandes obras no Brasil, focando-se no exemplo da exploração de gás com a criação de gasodutos e na exploração da Amazônia. A autora finaliza o capítulo com o caso do Estado do Rio Grande do Sul, onde, na segunda metade do século XX, houve uma grande movimentação para a construção de rodovias – contudo, apenas em 1999, salienta Monticelli, a pesquisa arqueológica apareceu no Estado como uma condicionante para a implantação ou não de uma obra.

O capítulo terceiro trata das legislações ambientais no Brasil e em países como Venezuela, Portugal, Uruguai, Estados Unidos e Inglaterra, bem como a apresentação das legislações de Arqueologia em áreas impactadas por obras. Delimitam-se também, em alguns países europeus, convenções sobre o trabalho de contrato do arqueólogo, com artigos como “só exercerão sua atividade em assuntos de seu conhecimento e competência” ou “evitarão conflitos de interesse entre a prática das funções administrativas do trabalho arqueológico e a assunção (ou oferta) de compromissos comerciais”. A autora entende então que muitos dos parâmetros em vigor em outros países podem ser utilizados para análise do caso brasileiro, seja para auxílio da solução da problemática ou com a forma em que as legislações são adotadas.

Quanto à legislação brasileira, o grande motivador para a sua criação é justamente o boom das obras públicas e privadas, visto que essas incentivaram de certa forma a criação de legislações ambientais – e destas que derivam as legislações arqueológicas.

Conforme a autora: “(…) a influência do Estado na elaboração das leis e na relação estabelecida com o patrimônio arqueológico em diferentes momentos político-sociais, distinguindo três momentos: os anos de 1937, 1961 e 1979” (Monticelli, 2010, p. 100).

Esses três momentos citados são, respectivamente, a criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) juntamente com a assinatura do Decreto-Lei nº 25, resultantes de uma política nacionalista e conservadora da Era Vargas; promulgação da Lei nº 3924 por Jânio Quadros sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos, os quais seriam então considerados bens patrimoniais da União; e a Lei nº 6766 sobre o parcelamento de solo urbano, determinando que loteamentos localizados em área de interesse especial e aquelas com patrimônio arqueológico deverão ser examinados e ter anuência prévia do Estado antes da aprovação da obra.

A seguir, cita-se o que são impactos ambientais e trabalhos que tratem da legislação ambiental. Por fim, a autora cita e comenta portarias do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e documentos emitidos pelo governo quanto à defesa do patrimônio cultural.

No quarto capítulo, chamado “Tão igual, tão diferente”, há a caracterização da atuação da Arqueologia em obras de engenharia.

Inicialmente há uma exaustiva discussão das nomenclaturas que permeiam a Arqueologia de Contrato. Contudo, mais importante do que despender tempo dialogando sobre com qual nome a arqueologia que não é resultante de pesquisas da academia será batizada, é a discussão sobre o que, de fato, ela deve ou não fazer, tal como a autora argumenta: “A terminologia é importante porque pode ser esclarecedora das intenções ou características, mas a prioridade ainda é: o que temos feito com ela, quais seus objetivos ou pretensões, que resultados estão sendo alcançados?” (Monticelli, 2010, p. 128).

A despeito da terminologia, a autora traça uma projeção de relação entre a arqueologia de contrato e a acadêmica, criando a seguir um quadro dos anos 2000 da situação brasileira neste aspecto – o qual, aparentemente, não mudou muito nos últimos anos quanto às críticas que os trabalhos de contrato sofrem. De qualquer forma, uma arqueologia não está desassociada da outra.

“Schmitz (2001, p. 58-59), ao criticar o que tem sido feito, afirma que esses trabalhos não trazem contribuição científica imediata direta, mas os dados produzidos podem dar origens a teses, dissertações ou comunicações, mais do que apenas a um relatório, geralmente muito volumoso e ricamente ilustrado, que atende apenas às exigências legais” (Monticelli, 2010, p. 139).

Por fim, no penúltimo capítulo, intitulado, “Quem vai defender o patrimônio?”, a autora trata finalmente do engajamento político dos arqueólogos a partir dos impactos ambientais causados pelas grandes obras.

Quando há obras que despendem de grandes orçamentos e que gerarão um retorno tecnológico de grande impacto na população, ou mesmo em uma parcela dela, geralmente o âmbito arqueológico passa a ser ignorado. Por outro lado, obras pequenas também ignoram sítios arqueológicos, uma vez que se entende que essas não demandam de licenciamento. Comumente, altera-se um grande projeto visando o número de pessoas que serão afetadas – buscando sempre ser o menor possível -, mas o mesmo não ocorre por motivos arqueológicos ou ambientais. Assim, Monticelli cita diversos exemplos onde o interesse econômico é colocado acima dos interesses patrimoniais. Porém, por pressão de movimentos ambientalistas internacionais, aos poucos foram sendo incorporadas legislações pró-meio ambiente, e, dessa forma, o patrimônio arqueológico ganhou força.

Gostaria de concluir com uma citação das considerações finais da própria obra, que exprimem muito claramente o posicionamento de Monticelli quanto a Arqueologia de Contrato: “O patrimônio precisa ser preservado dos impactos. E alguém precisa estar disposto a realizar essa tarefa. Os arqueólogos prestadores de serviço, oriundos todos da academia, a ela ainda vinculados ou não, exercendo a profissão de forma liberal ou autônoma, estão condicionados, como todos os demais profissionais, às leis de um mercado capitalista, no qual as noções de progresso e desenvolvimento soam mais alto e as políticas e atuações preservacionistas são consideradas entraves ou obstáculos ao futuro” (Monticelli, 2010, p. 208 – grifo meu).

Letícia Nörnberg Maciel – Acadêmica do curso de Bacharelado em Antropologia com ênfase em Arqueologia pela Universidade Federal de Pelotas, (UFPel), Brasil.

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Arqueología prehistórica en la localidad arroyo Catalán Chico: investigaciones pasadas, replanteo y avances recientes – SUÁREZ (CL)

SUÁREZ, Rafael. Arqueología prehistórica en la localidad arroyo Catalán Chico: investigaciones pasadas, replanteo y avances recientes. [Sdt.]. Resenha de: QUADRADO, Chaiane Alves. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Pelotas, v. 10, n.20, 2013.

Rafael Suárez é doutor em Ciências Naturais (UNLP, Argentina) e pesquisador do Museu de Arqueologia e Ciências Naturais de Salto, Uruguai. No livro Arqueología prehistórica em la localidade arroyo Catalán Chico, ele propõe uma nova interpretação da tecnologia lítica local – e por consequência, da cultura e vida social dos habitantes pré-históricos – além de buscar uma valorização dos sítios da região que sofrem degradação constante por consequência da atividade mineira sem, ao menos, terem sido reconhecidos como monumento de interesse cultural do país.

Desde 1999, o autor trabalha com os sítios arqueológicos de Catalán Chico, que atualmente são 123, e neste livro ele traz os resultados de todos esses anos de pesquisas e estudos.

No primeiro capítulo, Suárez trata das investigações passadas que aconteceram na região do arroio Catalán Chico, descobertos em 1955, por Antonio Taddei – pesquisador bastante entusiasta da arqueologia – logo atraíram atenção de préhistoriadores da Europa e ambas as Américas. Na época, Taddei trabalhou com 28 sítios, que estudados por diversos autores, tiveram sua indústria lítica (então chamada industria catalanense) classificada como bruta, primitiva e unifacial. A interpretação feita foi que esta seria uma cultura parada no tempo, supostamente iniciada em 10.000 AP e não sofrendo grandes mudanças desde então. Sempre que algum tipo de tecnologia diferenciada foi encontrado, classificou-se como de produção externa ou influência de algum grupo superior, usando sempre referências bastante evolucionistas ou difusionistas que buscavam uma “linha única” de evolução, classificando as sociedades em diferentes etapas entre os “menos desenvolvidos” e os “mais desenvolvidos” – no caso desta região, dos caçadores primitivos (com raros bifaciais) aos caçadores especializados (abundância de bifaciais e pontas de projétil).

O segundo capítulo, ainda abordando as interpretações de outros autores e pesquisadores, traz alguns problemas nas publicações feitas anteriormente sobre a indústria lítica local, como interpretação de origem das técnicas de lascamento utilizadas e idade atribuída aos sítios.

Dentro das interpretações difusionistas, alguns autores trabalharam com uma rota que teria se iniciado na Europa Central e chegado até Catalán Chico, passando pela China e Sibéria. Essa teoria baseia-se nos tipos de ferramentas encontradas em sítios que se localizam nos lugares citados, afirmando que se um mesmo tipo de tecnologia está presente em diversos lugares é porque teve uma origem comum. A grande maioria dos discursos baseava-se em intuições, sem apresentação de justificativas plausíveis. Suárez destaca a perda de objetividade na pesquisa e uma necessidade de comparação com padrões europeus. Numa tentativa de dar interpretações expressamente subjetivas à tecnologia lítica de Catalán Chico, chega-se a compará-la com tecnologias produzidas por espécies como Homo erectus ou Homo neanderthalensis, o que justificaria a classificação primitiva que a indústria lítica recebia.

Existe também uma grande variação nas datações apresentadas por pesquisadores como Taddei, Bórmida, Campá e etc.. Datas que variam de 25.000 AP a 8.000 AP, baseadas em amostras estratigráficas, formações minerais, entre outros métodos contestáveis. O esquema tipológico-cronológico baseado em sofisticação dos materiais encontrados esbarra em diversas problemáticas que os autores não souberam ou não se importaram em explicar.

A ideia de que todos os recursos de sobrevivência, como caça, pesca, moradia, produção de ferramentas e agricultura, estariam limitados a um pequeno raio de mobilidade – esquema apresentado pelos pesquisadores anteriores a Suárez, que consideram os grupos como estáticos, ou seja, um único sítio abrange todas as atividades – não condiz com as evidências materiais encontradas pelo autor, que destaca a possibilidade de sítios diferentes para funções diferentes.

Para Bórmida, as diferentes tecnologias encontradas em Catalán Chico e nos sítios do rio Cuareim explicavam-se porque se tratava de diferentes grupos sociais. Mas o contraste está no fato que em Cuareim a indústria lítica baseia-se em nódulos, enquanto em Catalán, em grandes lascas. Para Rafael Suárez isso não é suficiente para afirmar uma distinção étnica e sim que esteja provavelmente ligado a fontes diferentes de matéria-prima, tanto para produção como para uso como suporte na manufatura.

No terceiro capítulo, o autor trata das investigações atuais, feitas por ele e sua equipe, este consiste basicamente em três pontos referenciais: a) identificação de diferentes afloramentos minerais através de cortes petrográficos nas pedreiras; b) análises de perfis estratigráficos através da geoarqueologia; c) dar ênfase aos processos de redução e lascamento presentes nos sítios, sem a execução de novas escavações na região.

A paisagem do nordeste uruguaio é formada por colinas e montanhas – que chegam até 280msnm (metros acima do nível do mar). O vale do arroio Catalán Chico apresenta depósitos sedimentares, suas nascentes têm três formações basálticas e um banco de arenito silicificado que aflora ao longo do vale. Na desembocadura da sanga de los Tajas aparecem mais afloramentos semelhantes onde o arenito apresenta tonalidades verdes, avermelhadas, marrons e brancas – a diferença de cor se dá pela mistura de diferentes materiais como clorito, hidróxidos de ferro, etc.. Algumas unidades de solo analisadas apresentam terra preta, sem carbonato de cálcio (componente de rochas) e com materiais arqueológicos.

A presença de bifaciais é muito frequente, tendo sido encontrados, muitas vezes, na superfície e datados do Pleistoceno final/médio Holoceno. Há uma grande variedade de tamanho e formas podendo servir a diferentes propósitos. Utilizando materiais encontrados em três sítios de Catalán Chico foi feita uma análise das etapas de fabricação dos bifaciais, são ao todo 369 objetos, 214 inteiros e 155 fragmentados.

Baseado num esquema de cinco etapas, criado por Callahan, Suárez explica as quatro que foram usadas no processo de pesquisa feito por ele: ◊ obtenção da base – início da redução, uma etapa difícil de ser reconhecida nas peças já que muitas vezes é confundida com material não manipulado; ◊ redução inicial – etapa de obtenção de negativos, aproximadamente 29% de todos os bifaciais analisados encontravase nesse estágio; ◊ adelgaçamento primário – retirada de protuberâncias das peças, 50% dos bifaciais inteiros encontrados estavam nessa etapa, podendo ser frutos de fricção com percursor duro ou brando; ◊ adelgaçamento secundário – o momento de acertar as seções transversal e longitudinal das peças, cerca de 21% dos bifaciais inteiros estavam nesta etapa e 43% dos fragmentados.

No capítulo 4, o autor fala sobre investigações atuais que acontecem em outras regiões nas proximidades de Catalán Chico, como as nascentes do rio Arapey Grande. Até algum tempo atrás a atenção sempre foi dada aos afloramentos de arenito silicificado,271 recentemente, estudos mostram uma variedade de matérias-primas como ágata translúcida e calcedônia em sítios de lascamento.

Estes sítios contribuem para o entendimento de organização tecnológica e mobilidade de caçadores coletores. O transporte de longa distância de rochas silicificadas já havia sido reconhecido no século XIX por J.H. Figueira (importante arqueólogo uruguaio). Nas Américas do Sul e Norte, a ágata foi um recurso lítico muito usado para fabricação de artefatos, como citado por diversos pesquisadores como Bird, Núñez, Bamforth, etc.. Taddei, em 1964, chamou atenção para a calcedônia vítrea encontrada nos sítios de Catalán Chico, reconhecida posteriormente por outros pesquisadores como ágata ou calcedônia transparente. Tendo sido encontrado também fontes de opala e arenito silicificado.

Suárez traz um levantamento das matérias-primas encontradas nos demais sítios da região, demonstrando a grande diversidade mineral local. O sítio K87, escavado por arqueólogos estrangeiros, teve seu material perdido, mas baseado nos dados coletados por estes pesquisadores, sabe-se que foi encontrada uma grande variedade de matéria-prima manufaturada, como ágata, arenito, calcedônia e quartzo. Em Pay Paso (rio Cuareim), além dos materiais encontrados em K87, ainda havia opala, basalto e calcário.

Já o sítio Catalán Seco 1 é uma pedreira de ágata, já alterado pela extração mineira. O material arqueológico encontrado nesse, varia entre unifaciais e bifaciais nas etapas iniciais de lascamento.

As evidências de diversas matérias-primas nos sítios oficinas representam uma fácil adaptação e técnica em manufatura de materiais diferentes. A distância entre algumas fontes de minerais e os sítios onde os objetos foram encontrados chega a 170km para o transporte de ágata, e Flegenheimer chega a propor uma distância de 500km para o calcário.

O capítulo 5, que encerra o livro, é focado na interpretação atual dos sítios de Catalán Chico e na evidenciação da necessidade de uma valorização do patrimônio local. Em 2006 um trabalho que incluiu diversos estudiosos e pesquisadores das áreas de arqueologia e geografia, como o próprio Rafael Suárez, tinha por objetivo realizar um levantamento dos sítios arqueológicos da área do arroio Catalán Chico e da Zanga de los Talas, propondo medidas de proteção para os mesmos, mas o projeto não foi concretizado e hoje estes continuam sofrendo alterações.

É claro que Suárez não se opõe totalmente à atividade mineira, uma vez que esta é responsável pelo sustento de centenas de famílias pobres da área, além de prover investimentos ao país e gerar exportações. Sua proposta é que a atividade arqueológica trabalhe junto à extração de minerais, provendo o mínimo possível de impacto e destruição.

As últimas evidências encontradas apontam que os bifaciais encontrados foram manufaturados por diferentes indivíduos/grupos, utilizando técnicas sequenciais diferenciadas formadas por etapas de redução distintas. E não por um grupo primitivo, às vezes influenciado por caçadores mais evoluídos. As novas observações em relação à técnica de lascamento é que ela possui uma regularização na preparação, com retoques invasivos – similares à técnica utilizada em bifaciais do período Paleoíndio na América do Norte.

Em relação à funcionalidade, os sítios são interpretados como oficinas de lascamento – haveria uma divisão por função, onde sítios de pesca, caça e habitação seriam separados num raio maior do que o antes proposto por Taddei e Bórmida, por exemplo.

Em relação ao lascamento, utilizam técnicas e etapas semelhantes às utilizadas em produções de pontas de projétil (lembrando que as sociedades de Catalán Chico eram classificadas como primitivas por não incluírem este material). Apresentam etapas de redução bastante detalhadas, que significam ótimas habilidades técnicas. Os materiais antes classificados como toscos, seriam descartes inacabados, enquanto os que foram totalmente trabalhados foram transportados para outros sítios onde seriam utilizados. As fontes de matérias-primas poderiam ser usadas por diversos grupos que levavam suas ferramentas para outras regiões.273 Enfim, Rafael Suárez traz um grande apanhado de informações que demonstram que há muito ainda a ser revisto e estudado em relação à Catalán Chico, e defende que sem a devida atenção e cuidado com a região, não haverá tempo pra que isso seja feito.

Chaiane Alves Quadrado – Acadêmica do curso Bacharelado em Antropologia com Habilitação em Arqueologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Brasil.

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Arqueologia de La Represión y la Reistencia en América Latina 1960 – 1980 – FUNARI (CL)

FUNARI, Pedro Paulo A.; ZARANKIN, Andrés. (Org). Arqueologia de La Represión y la Reistencia en América Latina 1960 – 1980. Córdoba: Encuentro Grupo Editor, 2006. Resenha de: MILHEIRA, Rafael Guedes. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Pelotas, v.2, n.4, ago./dez., 2005.

O livro Arqueologia de la Represión y la Resistencia en América Latina 1960 – 1980, editado pelos arqueólogos Pedro Paulo Funari e Andrés Zarankin, retoma uma discussão importante para a história contemporânea da América, pois trata de um momento histórico que não deve nunca ser esquecido, mas contrariamente a isso, sempre recordado e refletido.

O título do livro sintetiza com precisão o seu conteúdo, visto que a repressão e resistência são faces opostas de uma mesma moeda; são forças que se equivalem num sistema dialético e conflitivo, mas que, na visão dos autores, não podem ser simplesmente pensadas como um mero exercício retórico, pois são forças que ainda competem na atualidade e são responsáveis pela estruturação de parte das relações sociais vigentes. Nesse sentido, as forças políticas e os conflitos sociais, além de objeto de estudos da arqueologia, que visa à análise das práticas sociais a partir da materialidade, devem ser temas de reflexão dos pesquisadores com base na explicitação de suas posturas políticas.

Os nove capítulos do livro retratam experiências arqueológicas e históricas, relacionadas aos períodos ditatoriais e repressores, desenvolvidas em vários países da América Latina, a saber: Bolívia, Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, México e Colômbia. Nota-se uma preocupação constante dos autores em relatar, mesmo que brevemente, o contexto histórico-político dos países quando da instauração dos regimes repressores, bem como apresentando a estruturação das resistências políticas.

O primeiro capítulo, escrito por Roberto Rodriguez Suárez, relata a experiência arqueológica relacionada à busca dos restos corporais do General Che Guevara e companheiros na Bolívia. O autor enfatiza os caminhos metodológicos, envolvendo técnicas apuradas de campo para identificar a localidade das covas comuns dos guerrilheiros.

O texto de Rodrigo Navarrete e Ana Maria López é um estudo sobre os grafismos do Cuartel San Carlos – Venezuela. As paredes, tetos e chão do quartel serviram de mural para as representações gráficas do cárcere de presos políticos daquele país e permitem compreender o imaginário a partir de uma perspectiva material do regime político-repressor do estado.

Patrícia Fournier e Jorge Martinez Herrera refletem sobre o massacre da “Plaza de las Tres Culturas”, ocorrido no ano de 1968 no México, quando centenas de civis em passeata foram assassinados a queima roupa pelo governo dez dias antes da abertura das olimpíadas. Muitas vítimas desse massacre ainda estão desaparecidas, sendo necessários projetos que envolvam arqueologia, antropologia forense, história e direitos humanos para averiguar com maior precisão o genocídio cometido.

Carl Henrik Langeback trata de um estudo voltado para os aspectos epistemológicos e políticos da disciplina arqueológica na Colômbia. A reflexão teórica emerge da comparação entre o conhecimento arqueológico produzido pelos arqueólogos, tido no texto como classificatório e desprovido de significado de memória e, por outro lado, pelos intelectuais de esquerda, que sem base no registro arqueológico produziram conhecimento sobre o passado indígena pré-hispânico baseados na teorias marxistas.

Pedro Paulo Funari e Nanci Vieira de Oliveira refletem sobre a emergência da arqueologia do conflito no Brasil, enfatizando que a história das sociedades é a história das relações conflitivas. Os autores, dessa forma, contextualizam a arqueologia brasileira e pensam sobre as bases epistemológicas dessa arqueologia, que não se debruça em estudar o passado recente e repleto de indicadores de conflitos sociais relativo à repressão do período ditatorial militar.

Luis Fondebrider realiza um breve balanço sobre os 21 anos de desenvolvimento da antropologia forense na Argentina, através da participação da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF). O autor enfatiza a necessidade de fortalecer institucionalmente a participação dos arqueólogos na sociedade contemporânea. Destacam-se no texto as imagens fotográficas de escavações de covas comuns de presos políticos assassinados nos regimes repressores da Argentina, Etiópia e Congo.

A relação entre tortura, verdade, repressão e arqueologia na Argentina é o tema tratado por Alejandro F. Haber. As práticas de tortura, desenvolvidas pelos aparelhos repressores, servem não somente como repressão do corpo e da mente, mas também como um meio de estabelecer a auto-narração da verdade, imposta à força e sem diálogo, não levando em consideração a memória social das vítimas.

Como disciplina que constrói narrações sobre o passado, a arqueologia da repressão se diferencia daquela estritamente acadêmica em função da utilização da memória social, sobretudo dos parentes e amigos dos desaparecidos políticos, para desenvolver interpretações subjetivas sobre o passado. A não utilização dessa mesma prática de inclusão da memória social na explanação sobre o passado indígena foi responsável pela constituição de um conhecimento desprovido de memória e significado sócio-político José Lopéz Mazz relata experiências de atividades de arqueologia forense desenvolvidas no Uruguai com o objetivo de entender os aspectos materiais do aparelho repressor, bem como compreender as relações sociais estabelecidas no cárcere e a estruturação material da resistência.

A arqueologia da arquitetura dos Centros Clandestinos de Detenção da Argentina é o objeto de estudo de Andrés Zarankin e Cláudio Niro. Os CCD’s foram tratados como estruturas físicas do aparelho repressor que comportam, no seu registro material, aspectos da memória do período ditatorial da Argentina. O espaço arquitetônico dos CCD’s denota a planificação da estrutura de repressão e permite que a relação torturador-torturado adquira sua forma mais explícita. Além dos aspectos objetivos de análise da estrutura arquitetônica dos CDD’s, existe uma preocupação constante dos autores em estabelecer uma conexão entre as práticas arqueológicas objetivas e a memória subjetiva das vítimas, referente às experiências sofridas no cárcere. O relato do cárcere de Cláudio Niro, enquanto vítima da ditadura elucida a possibilidade metodológica de construção de narrativas do passado com base na articulação entre arqueologia e memória em contraposição à história oficial.

Nesse sentido, as palavras mais usadas nos textos: política, direitos humanos, arqueologia da repressão, esquerda política, repressão, direita política, aparato de controle, manipulação do poder, resistência, governo, ditadura militar, conflitos sociais, memória, democracia, passado, narração, marxismo, etc., refletem o conteúdo e a postura política dos autores, não somente com relação à ditadura, mas também com relação à concepção teórica narrativa sobre o passado.

A arqueologia é refletida desde suas bases epistemológicas e é chamada a ser comprometida com a dinâmica social, ou seja, conclama-se que a arqueologia tenha uma função social de conscientização e sirva como ferramenta para interpretar o passado e compor uma memória alternativa à história oficial. “El investigador puede así, de manera explícita, asumir una posición activa en el proceso de interpretación de un pasado que ya no es el verdadero, sino apenas una interpretación” (Zarankin e Niro, 2006, p. 165).

De forma crítica, os autores com base em influência marxista, criticam e refletem sobre as bases epistemológicas da disciplina desde sua formação até a atualidade e nos questionam o seguinte: qual o papel da arqueologia e do arqueólogo frente à dinâmica social? Que postura deve tomar o profissional de arqueologia, na medida em que esse lida com aspectos da memória social coletiva? E, por fim, que tipo de conhecimento sobre o passado a demanda social requer?

Rafael Guedes Milheira – Mestrando em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE- USP), Brasil. Pesquisador do Laboratório de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (LEPAARQ – UFPel), Brasil. E-mail: rafamilheira@gmail.com

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LEPAARQ | UFPEL | 2004

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O periódico Cadernos do LEPAARQ (2013) é uma publicação semestral eletrônica do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia, do Instituto de Ciências Humanas, mantido pela Universidade Federal de Pelotas (LEPAARQ/ICH/UFPEL). Seu escopo é a divulgação científica nas áreas de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, publicando as seguintes sessões: (1) artigos, (2) relatórios e notícias institucionais, (3) resenhas, (4) notas de pesquisa, (5) ensaios visuais, (6) Traduções e (7) Dossiês.

Os Cadernos do LEPAARQ é uma publicação semestral, portanto cada volume anual corresponde a dois números. A data de submissão dos manuscritos será 31 de dezembro para a primeira edição (janeiro a junho) e 30 de junho para a segunda edição (julho a dezembro).

Atualmente os Cadernos não adotam limites, mínimos ou máximos, para número de artigos por edição. Por ser um periódico de fluxo contínuo, o número de artigos publicados em cada edição corresponderá sempre ao fluxo editorial da revista.

Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que fornecer conhecimento científico gratuito ao público proporciona maior democratização global do conhecimento.

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