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A bolsa e a vida: a usura na Idade Média | Jaques Le Goff
Jacques Le Goff nasceu em janeiro de 1924 em Toulon, França. Sentiu-se atraído pela história desde o colegial e cursou a École Normale Supérieure, depois a École Pratique des Hautes Études, de 1962 a 1993. É considerado um dos maiores medievalistas do mundo e pertence à velha tradição francesa que une história à geografia. Inspirado por Fernand Braudel e Maurice Lombard, tornou-se uma figura-chave da escola dos Annales por ter conseguido integrar a reflexão sobre o espaço e o tempo da dimensão humana. Escreveu diversos livros que se tornaram clássicos, impondo um novo estilo de pensar sobre a história. Em 1972, sucedeu Fernand Braudel na École des Hautes Études em Sciences Sociales e nela permaneceu até 1977, cedendo seu lugar a François Furet (LE GOFF, 2005: 1). Jacques Le Goff participou da Escola dos Annales em sua terceira geração, muito lembrada pela pluralidade, pois é nessa geração que ocorre a entrada de mulheres historiadoras, como Christiane Klapisch e Arlette Farge, por exemplo (BURKE, 1991: 56-57).
No livro “A Bolsa e a Vida”, Le Goff debruça novamente sobre a época medieval, dessa vez concentrando-se no fenômeno da usura. A usura pode ser considerada um dos grandes problemas do século XIII. A irrupção e difusão da economia monetária ameaçava os velhos valores cristãos. Um novo sistema econômico estava a ponto de se formar. Para sua arrancada inicial, era necessário o intenso uso de práticas até então condenadas pela Igreja. Como poderia uma religião que opõe tradicionalmente Deus e o dinheiro justificar a riqueza? Numa perspectiva de longa duração, Le Goff reconhece no usurário a qualidade de precursor de um novo sistema econômico: o capitalismo.
“Uma andorinha não faz verão. Um usurário não faz o capitalismo. Mas um sistema econômico substitui um outro apenas no final de uma longa corrida de obstáculos de todas as espécies. A história são os homens. Os iniciadores do capitalismo são os usurários, mercadores do futuro, mercadores do tempo que, desde o século XV, Leon Battista Alberti definirá como do dinheiro” (LE GOFF, 2004: 91).
O historiador Jacques Le Goff pretende em “A Bolsa e a Vida” mostrar como um obstáculo ideológico pode travar, ou retardar, a criação de um sistema econômico diferente, que, como ele acredita, seja possível compreender melhor perscrutando os homens. Para tanto, o livro traz os conceitos de usura e como ela era vista durante o século XIII. Apresenta diversos bispos, teólogos, filósofos, poetas que escreveram sobre a usura como forma de abordar o quanto sua ação era contra as leis de Deus. A posição da sagrada escritura sobre a usura está essencialmente em cinco textos, sendo quatro deles pertencentes ao Antigo Testamento (LEVÍTICO apud LE GOFF, 2004: 17)
Se o teu irmão que vive contigo achar-se em dificuldade e não tiver com que te pagar, tu o sustentarás como a um estrangeiro ou hóspede, e ele viverá contigo. Não tomarás dele nem juros, nem usuras, mas terá o temor do teu Deus, e que o teu irmão viva contigo. Não lhe emprestarás dinheiro a juros, nem lhe darás alimento para receber usura (Levítico, XXV, 35-37).
Outra referência empregada pelo autor, que trabalha a questão da usura, é Dante Alighieri em sua obra “A Divina Comédia. ” Dante posiciona em seu Inferno os usurários junto aos sodomitas, conhecidos por pecarem contra a natureza.
e pois no menor giro vão penando
os filhos de Caorsa (caorsinos = usurários)
e de Sodoma e os que vivem contra Deus clamando
(DANTE apud LE GOFF, mando 2004: 48).
Por fim Jacques Le Goff referencia Jacques de Vitry. Em seu sermão modelo ad status 59, descreve de maneira interessante a relação que tem a usura com Satã, afirmando que esta profissão foge à natureza criada por Deus (sociedade trifuncional).
Deus ordenou três categorias de homens, os camponeses e outros trabalhadores para assegurar a subsistência dos outros, os cavaleiros para defende-los, os clérigos para governa-los, mas o Diabo ordenou uma quarta, os usurários. Estes não participam do trabalho dos homens e não serão castigados com os homens, mas com os demônios (VITRY apud LE GOFF, 2004: 54).
Bastante renegado durante este período, o ato da usura era considerado mais do que um crime, um pecado. A mentalidade neste período da história é fortemente ligada aos valores pregados pela Igreja, por isto, o ato de usura era tão condenável. Diversos documentos foram escritos demonstrando a pecaminosa ação de usurar. Descreviam o pecado da usura ou apresentavam histórias de pessoas que se transformaram em usurários, a fim de obter ganhos próprios.
O primeiro capítulo “Entre o dinheiro e o Inferno: a usura e o usurário” apresenta o contexto sobre a usura. Considerada como impulso inicial do capitalismo comentado por Le Goff (2004: 5) no trecho “a formidável polêmica em torno da usura constitui de certo modo o parto do capitalismo” a usura foi um dos grandes problemas do século XIII. Aponta sobre as justificativas da igreja a respeito da prática da usura, demonstrando a concepção de pecado e penitência que mudou profundamente durante os séculos XI a XIII. O usurário aparece como protagonista de vários documentos. Um dos documentos citados por Le Goff “Os exempla” eram histórias curtas, fáceis de serem lembradas, tidas como verídicas para serem inseridas nos sermões, comuns na época. Tudo isto para trazer a resposta para os problemas, para entregar a chave do paraíso se compreendida.
No segundo capítulo “A bolsa: a usura” Le Goff comenta de forma minuciosa sobre várias fontes documentais que trazem o conceito da usura. Coloca que a usura é “arrecadação de juros por um emprestador nas operações que não devem dar lugar ao juro” (LE GOFF, 2004: 14). Demonstra que as práticas de usura só eram aceitas contra o adversário em guerra ou entre judeus e cristãos, mas nunca o contrário. Apresenta diversos personagens que incluíram em decretos sobre a prática da usura, passagens de Bispos sobre a rejeição do paraíso ao usurário, a proibição da usura entre clérigos e laicos e ainda a visão de cônegos que consideraram o usurário como ocioso. A ociosidade era vista como a mãe de todos os vícios. Papas e grandes filósofos deram sua palavra sobre usura e acabaram por decretar que mais do que um crime, era um pecado e o usurário iria para inferno.
No terceiro capítulo “O ladrão de tempo” apresenta a ideia de bolsa e tempo. O homem da bolsa seria o usurário e esta bolsa seria cheia de moedas, dinheiro. O tempo pertence a Deus. Há alguns comentários sobre a ligação do judeu com usurário, já citados anteriormente pela possibilidade de judeus cometerem usura e não o contrário. Porém, com a mudança no século XII houve um impulso econômico, gerando um crescimento enorme da circulação monetária e no desenvolvimento do crédito, houve o aparecimento de usurários cristãos. A Igreja apresentava os usurários como piores que judeus, pois os judeus não cometiam a usura entre os irmãos. Como nos outros capítulos, Le Goff apresenta vários trechos de obras da época que condenavam a usura. Finaliza abordando o perigo em ser amigo de um usurário, pois este seria tão pecador quanto aquele.
No quarto capítulo, ‘’O usurário e a morte’’, Le Goff primeiramente apresenta a ideia de que a profissão do usurário é considerada a mais pecaminosa dentre todas as profissões com essa conotação. No século XIII, devido ao novo sistema teórico, a escolástica, essas profissões foram divididas entre aquelas que realmente eram ilícitas daquelas que o eram por acidente. A profissão da usura permanece, durante o século XIII, pecaminosa, não cabendo argumentos para desculpá-la. Le Goff, então, apresenta o usurário como parceiro terreno do Diabo, até que chega o leito de morte e com ela o desejo do Diabo de possuir mais uma alma. Para que isso seja possível, Satã usa de artimanhas para evitar a confissão e a restituição do dinheiro roubado, mandando, assim, a alma para o inferno.
No quinto capítulo, ‘’a bolsa e a vida: o Purgatório’’, o autor inicia voltando ao ano mil, para trabalhar as mudanças pelas quais passou a sociedade nessa época. Se inicia o período chamado de feudalismo, onde as desigualdade se atenuam, mas a população encontra um situação um pouco melhor do que a registrada anteriormente. Em um primeiro momento, o usurário continuou a ser excluído e discriminado como pecador. Em seguida, nota-se que a usura passa a ser vista mais brandamente e o usurário não seria, em todos os casos, mandado diretamente ao Inferno. Le Goff descreve que haveria duas vias que conduziriam à aceitação do usurário: “…a moderação na prática e a aparição de novos valores no domínio das atividades econômicas” (LE GOFF, 2004: 68). Isso indica que a usura não era por completo pecaminosa, o que era considerado pecado era a taxa que ultrapassava a taxa de juros determinada. Com isso chegamos a ideia de Purgatório, criado em um período em que a Igreja já não mais podia sustentar a ideia que havia apenas o Paraíso e o Inferno. O usurário moderado, então, poderia se livrar do destino de ser mandado ao Inferno, para se redimir de seus pecados no Purgatório e ascender, assim, ao céu.
No sexto e último capítulo, intitulado “o coração também tem suas lágrimas”, o autor trabalha acerca da remissão dos pecados dos usurários. Para ascender ao Paraíso, o usurário deveria cumprir três passos: a confissão, a contrição e a satisfação (por satisfação, no caso do usurário, deveremos entender a restituição de tudo que por ele fora roubado). No caso da contrição, essa não pode ser apenas composta por palavras da boca para fora, deve sair do coração do usurário, uma confissão verdadeira. Tirando raras exceções, a única esperança que tem um usurário é a de ser enviado ao Purgatório, pois, como sintetiza Le Goff: “…a esperança do Purgatório conduz à esperança do Paraíso” (LE GOFF, 2004: 91). Ao dar ao usurário uma esperança de não ser mandado ao Inferno, na forma de Purgatório, o capitalismo encontra a possibilidade de ser instalado como novo sistema econômico.
A temporalidade do texto de Le Goff baseia-se em personagens do século XII e XIII, assim como em estudiosos contemporâneos (século XX). Ele emprega diferentes documentos para explicar sobre a usura, como pensavam sobre este ato e de que forma a transformação monetária afetou os interesses econômicos e políticos. O texto apresenta longa duração.
Antes da construção da ideia de purgatório, o usurário iria direto para inferno. A prática da usura ficou de tal maneira comum e necessária para movimentação econômica, que a abordagem de um novo “local”, o purgatório, fez com que o usurário tivesse chances de ir para o céu, já que o purgatório seria o local que poderia “limpar” seus pecados. O autor retrata a usura como um elemento chave na mudança da mentalidade do baixo medievo, cada vez mais era premente a necessidade de tolerar o usurário, em função das transformações econômicas que se verificava na sociedade. Le Goff soube retratar a usura na Idade Média de forma simples e direta. A utilização de documentos oficiais, summas, exempla, as narrativas de confessores, servem para dar respaldo ao seu trabalho, melhor definindo o que era a prática de usura na Idade Média.
Referências
BURKE, Peter. A Revolução Francesa na Historiografia: a Escola dos Annales 1929 – 1989. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.
LE GOFF, Jaques. A bolsa e a vida: a usura na Idade Média. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
LE GOFF, Jaques. A civilização do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2005.
Kassia Amariz Pires – Graduanda do 2º ano do curso de licenciatura em História pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Integrante da iniciação científica da mesma instituição, trabalhando com criação de imagem de Júlio César através de seus escritos. Orientadora: Adriana Mocelim de Souza Lima. E-mail: kassia.amariz@gmail.com
Natália de Medeiros Costa – Graduanda do 2º ano do curso de licenciatura em História pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: natalia.medeiroscosta@gmail.com
Adriana Mocelim de Souza Lima – Professora de História antiga e medieval da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientadora de iniciação científica com temas de construção de imagens na idade antiga e média. E-mail: adriana.mocelim@pucpr.br
LE GOFF, Jaques. A bolsa e a vida: a usura na Idade Média. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. Resenha de: PIRES, Kassia Amariz; COSTA, Natália de Medeiros; LIMA, Adriana Mocelim de Souza. Cadernos de Clio. Curitiba, v.4, p.387-394, 2013. Acessar publicação original [DR]
História política do futebol brasileiro | Joel Rufino dos Santos
O livro História política do futebol brasileiro é de autoria de Joel Rufino dos Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova História do Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este último, por sua vez, criado em 1955 pelo então presidente Café Filho e vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um espaço de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuições, está a formalização de um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que, de certo modo, foi a base teórica para o projeto de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Em 1964, com o golpe militar e o estabelecimento de um regime de exceção, o ISEB foi extinto e muitos dos seus membros exilados. Mas o período no qual esteve ativo foi suficiente para impulsionar importantes ações, como a Nova História, por exemplo. Nesse caso, especificamente, a ambição fora desde o início a de reescrever a história do Brasil, “rompendo com a história oficial, factual e mitificada”. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, um dos seus idealizadores, pretendia-se mesmo “fugir à rotina dos compêndios”. Leia Mais
Idade Média: Nascimento do Ocidente | Hilário Franco Júnior
O objetivo do livro “A Idade Média e o Nascimento do Ocidente” é analisar o período medieval levando em conta suas estruturas sociais, políticas, econômicas, eclesiásticas e mentais. O texto foi organizado de forma que cada capítulo do livro descreva uma dessas estruturas dentro da ordem cronológica dos fatos.
Nossa reflexão sobre o texto começa destacando a transformação social que ocorreu entre os séculos IV e XI de nossa era. Segundo Franco os séculos III a VIII da era cristã houve um desmantelamento da sociedade romana ocidental e de construção daquilo que mais tarde ficaria conhecida como Europa cristã-medieval.
O período tardo antigo foi o período de quebra dos paradigmas sociais, mentais, culturais e econômicos políticos e religiosos da sociedade romana antiga. Para tentar recuperar a estabilidade de outrora a elite romana reorganizou e petrificou a estrutura social do Império. O objetivo dessa ordem era garantir a estabilidade do Império. Essa calcificação apenas dificultou a vida dentro da sociedade romana. Graças a essas medidas a desigualdade social atingiu níveis abissais. Essa política contribui para o achatamento e desaparecimento das camadas médias da sociedade. Por fim esse sistema limitou a participação do indivíduo como agente social aumentou consideravelmente o papel do Estado na sociedade (p.65).
Três pontos contribuíram para a fusão de duas culturas tão diferentes. O sistema de hospitalidade e posteriormente a alianças entre romanos e germânicos feuderates que defendiam as fronteiras do Império de outros povos “bárbaros”. A utilização do latim como idioma administrativo Por fim a conversão gradual dos germânicos ao cristianismo católico.
A infiltração e mais tarde a fusão da sociedade germânica não mudou esse quadro. A fusão das sociedades germânicas e romanas se deu em um nível horizontal. Essa realidade só contribuiu para que as várias diferenças entre a elite e o povo apenas aumentasse. Dessa forma na sociedade latino-germânica existem apenas duas camadas sociais: a elite formada pela Igreja e os ricos proprietários de terra leigos, do outro lado os pobres (camponeses empobrecidos, homens livres sem terras e escravos).
Diante do empobrecimento o pequeno produtor rural se vê obrigado a entregar sua pequena propriedade aos grandes agricultores em troca do direito de trabalhar em suas terras. Nesse mesmo período muitos senhores de escravos cedem a esses o direito de trabalharem em suas terras se apropriarem de parte da colheita. Da conjunção dessas duas realidades, empobrecimento do campesinato e melhoria do trabalho escravo, surge um novo personagem social: o colono. Dessa forma sociedade baixo medieval é composta a penas por duas camadas no topo estavam as elites eclesiásticas e laicas. No outro lado da sociedade estão os colonos.
As riquezas da Igreja provinham de conjunto de propriedades recebidas do Estado durante período que Igreja esteve sob proteção do Império. Além disso a Igreja também recebeu muitas propriedades da aristocracia laica. Essas terras eram concedidas em regime de benefício (autorização para trabalhar na terra de outrem) e também em herança de ricos aristocratas diante da morte. A riqueza da aristocracia laica provinha de duas fontes. Em primeiro lugar sua riqueza provinha das terras que se mantinham na família a várias gerações. Muitas vezes, também esses nobres recebiam terras em regime de benefício como pagamento por serviços prestados a coroa.
O benefício, ato de o rei permitir que alguém explorasse suas terras, foi um instrumento muito usado na sociedade medieval. Durante o governo de Carlos Martel esse instrumento foi fundido com o sistema de vassalagem para pagar o exército franco. Esse soberano confiscou terras da Igreja e as cedeu como benefício a seus oficiais.
A atitude de Carlos Martel deu uma nova caracterização ao sistema de vassalagem. No século VI a vassalagem estabelecia uma relação serviçal de um menor para outro maior. No século essa era acordo entre homens livres inferiores. No século VIII a vassalagem se torna uma relação entre elementos da aristocracia. A partir desse período
“apenas um vassalo (servidor fiel) poderia receber um benefício ( termo substituído por feudo entre os séculos I X e XI ) como remuneração pelos seus serviços. Por tanto as relações entre os membros da aristocracia davam se por práticas econômicas (terra entregue e terra recebida), políticas (poderes sobre essa terra) e religiosas (juramento e fidelidade)”. (p.69)
Essas novas características sociais deram origem a uma nova estrutura que duraria muito tempo, o feudalismo. Hilário Franco Junior dá a seguinte definição para feudalismo. Segundo Franco feudalismo “é o conjunto da formação social no ocidente durante a Idade Média Central com suas facetas políticas, econômicas, ideológicas, institucional, social, religiosa, e cultural” (p.71). Durante esse período a Igreja que era a maior detentora de terras da Europa ser tornou também a produtora da ideologia oficial. De acordo com o pensamento eclesiástico sociedade cristã era o reflexo da sociedade celeste. Essa sociedade, como a celeste é una em questão de governo e fé, as devido à necessidade de organização funcional ela, a exemplo da organização celestial ela se torna múltipla.
Para agradar a Deus e cumprir sua vontade a Cidade de Deus é dividida em três ordens: o clero, a nobreza e camponês. Dentro dessa sociedade cada ordem tem uma função diferente. O clero intercede diante de Deus pelos demais. Por essa razão a Igreja está à cima das outras ordens sociais. A segunda ordem é a nobreza. Os nobres devem defender a Cidade de Deus. Quanto aos camponeses foram criados por Deus para sustentar os demais.
Franco cita Aldeberon bispo da cidade de Laon para ilustrar a forma que a Igreja entendia a sociedade naqueles dias.
“ele chegou a seguinte formulação: o domínio da fé é una, mas há um triplo estatuto na Ordem. A lei humana impõe duas condições, o nobre e o servo não estão socialmente no mesmo regime. Os guerreiros são protetores da Igreja. Eles defendem os poderosos e os fracos, protegem o mundo, inclusive a si mesmos. Os servos por sua vez têm outra condição. Essa raça de infelizes não tem nada sem sofrimento. Fornecer a todos roupas e mantimentos, eis a sua função sempre. A casa de Deus que parece una é tripla. Uns rezam, outros combatem, e outros trabalham. Todos os três formam um conjunto que não se separa, a obra de uns, permite o trabalho dos outros dois e cada um por sua vez presta apoio aos outros dois.” ( p.71).
Aldaberon deixa claro como a sociedade de seus dias se enxergava. Ele apresenta uma justificativa para a existência de tal sociedade. Segundo ele, o clero está acima das de mais ordens. Isso ocorre graças a seu papel de intercessor em favor dos homens diante das divindades. Logo a seguir vem os nobres pois esse nasceram com uma vantagem genética em relação à plebe. Graças a essa vantagem Deus escolhe dentro dessa classe os membros que garantirão a perpetuação do clero. Quanto ao servo Aldaberon entende, assim como seus contemporâneos, a natureza lhes reservou o trabalho para compensar condição pecaminosa.
A maneira de pensar medieval cumpre duas funções. Ela busca unir toda a sociedade. Para isso mostra a interdependência dos diferentes grupos sociais. Por outro lado ela é altamente excludente pois isola cada um dos três atores que compõe a sociedade.
Dentro desse contexto social existem três tipos de relação. Existe um relacionamento horizontal entre as elites. Depois há uma relação vertical entre as elites e os colonos. Por fim há uma relação horizontal entre os diferentes grupos da camada inferior da sociedade. Com o início da dinastia carolíngia surgiu um novo elemento. O cavaleiro. Esse grupo não deu origem a uma nova ordem mas fundiu-se com a nobreza.
Nos séculos XI e XII a Igreja quase viu seu sonho de implantar uma comunidade divina na terra se tornar realidade. Mas uma série e fatores destruíram o projeto cristão. Segundo Hilário Franco Junior o conflito entre camponeses e senhores pelo excedente da produção, os conflitos entre as aristocracias eclesiásticas e laica pelo controle das riquezas produzidas e o fracasso no empreendimento das cruzadas contribuíram para a ruína da Cidade de Deus.
Depois apresentar as características da estrutura social do período medieval Franco passa a dissertar o processo de fortalecimento do bispo e da Igreja romanos. Segundo ele a partir do século IV com a oficialização da Igreja cristã esta se viu obrigada a se organizar para cumprir novas funções designadas pelo Império. Supervisionar os serviços religiosos, prover orientação doutrinária aos novos conversos, executar os serviços sociais do Império e combater o paganismo. Foram tarefas que obrigaram a Igreja a hierarquizar-se e separar-se do ambiente secular.
Os demais elementos da comunidade cristã entenderam que essa nova estruturação da Igreja era indispensável mesmo porque o poder da Igreja foi outorgado por Deus. Nesse processo de hierarquização da Igreja houve uma elitização do clero. O surgimento de heresias contribuiu também para conduzir a Igreja a um sistema monárquico. A tendência de monarquização e sobreposição do bispo de Roma sobre os demais bispos se deve em parte ao surgimento das heresias. Além disso a oficialização do cristianismo também ocupou espaço fundamental.
Durante os três primeiros séculos do cristianismo não havia a idéia de supremacia do bispo romano. A situação mudou coma oficialização da Igreja. A idéia, criada pelos bárbaros e aceita sociedade latina da relação da geografia eclesiástica e geografia de poder civil teve como conseqüência à valorização do bispo romano. O apoio do Imperador à Igreja de Roma e dos demais bispos serviu para firmar a autoridade do papa romano. Esses fatos contribuíram para que em 378 a Igreja e o Império reconhecessem através de decreto a supremacia do bispo romano. Esse reconhecimento foi confirmado em 445.
A supremacia do bispo romano foi um dos fatores que contribuiu para o fortalecimento da Igreja em sua escalada para o controle da sociedade medieval. O monasticismo comunal e aliança da Igreja com o reino franco foram os dois outros fatores que contribuíram para tal projeto.
A aliança entre o bispo romano e o reino Franco pode ser dividida em três fases. No primeiro estágio a Igreja pode ser considerada sócia menor dos Francos. Essa primeira fase começou quando Clóvis, rei dos francos se converteu ao cristianismo no ano 508. Alguns anos depois Pepino o Breve, socorreu a Cidade de Roma bem como o bispo dessa Igreja contra a invasão lombarda. Graças a esse ato o bispo romano lhe conferiu o título de rei de Roma.
O papado porém entrou numa condição de sócio dos francos durante o reinado de Carlos Magno. Magno deu a Igreja um lugar no conselho real. Através desse ato os bispos se tornaram autoridades civis sobre os locais onde exerciam seu episcopados. Além isso graças ao avanço dos exércitos carolíngias sobre outras tribos não cristãs a Igreja viu se poder aumentar.
A decadência da dinastia carolíngia fez com que a Igreja se tornasse única senhora da porção ocidental do antigo Império romano. Nesse período graças às idéias e ações reformistas de papas como Gregório VII, e reis como Luís (o Piedoso) a Igreja se fortaleceu ainda mais. Nesse período foi implantado na Europa o Agostinianismo político que nada mais era do que soberania da Igreja sobre todas as demais Instituições sociais. A implantação desse projeto político levou a Igreja a realizar um sonho a muito desejado. Nos séculos XI e XII a Igreja fez com a Europa se tornasse a sociedade divina na Terra.
Essa sociedade utópica, porém não durou muito pois as transformações econômicas da Europa, a disputa entre as aristocracias clerical e laica, as divisões do clero pelo controle da sociedade civil e o fracasso no empreendimento das cruzadas geraram um grande desgaste da sociedade feudo clerical. Esse desgaste deu o início a um novo contexto social que daria origem a sociedade moderna. Quando estudamos a sociedade medieval precisamos levar em conta a forma de pensar daquela comunidade. Segundo Franco a sociedade medieval tem uma visão sobrenatural do universo. Essa visão se sustenta em três colunas: O simbolismo, o belicismo e o contratuísmo.
Para o homem medievo, forças sobrenaturais controlam o universo essas forças se revelam ao homem através da linguagem simbólica. Nosso grande desafio portanto como seres humanos é entender esses símbolos.
As ferramentas necessárias para entender esse simbolismo são encontradas na Igreja. A Igreja é pois o lugar onde Deus se revela ao ser humano. Nesse processo de decodificação dessa simbologia a eucaristia, a palavra do sacerdote, os sacramentos, as relíquias dos santos, são ferramentas indispensáveis. O segundo elemento da visão sobrenatural do universo é o belicismo. Para a sociedade medieval o universo é o grande palco de conflito entre o bem e o mal. Esse conflito cósmico se reproduz também na mente humana. O controle da mente e vida humana é alvo de disputas entre esses dois rivais. A vontade humana é pois fundamental nesse conflito. O último pilar que sustenta a mentalidade medieval é a relação contratual entre o homem e as forças que se opõe. Toda relação entre o ser humano e as forças sobrenaturais se faz através de contratos. Essa visão contratual é fruto da vida cotidiana do homem medieval. Afinal de contas o dia a dia dessa sociedade era feita através de acordos contratuísticos tanto entre iguais como de elementos de níveis sociais distintos.
Nos próximos parágrafos avaliaremos como discurso produzido pelo clero manteve a ordem social por um longo período de tempo. A Idade Média é o palco onde a Igreja Cristã Católica Romana nasceu se desenvolveu atingiu seu ápice como Instituição dominante e depois perdeu. Durante esse período três estruturas travaram uma disputa pela imposição de seu discurso ideológico. No início discurso da religião estatal-pagão greco-romana disputou com o cristianismo o controle ideológico sobre a sociedade ocidental. Com o final do processo de expansão e o começo da desintegração do Império Romano, discurso cristão ganhou força e se tornou o discurso dominante.
Esse discurso gerou e manteve uma sociedade baseada em Ordens ( Ordo ou Ordines). O pensamento de uma comunidade ordenada por “Deus” era na verdade uma forma de controlar a sociedade. De acordo com esse discurso a separação dos três grupos era uma necessidade para o bem estar de todos. Como Franco reconhece essa ordem estabelecida tinha duas funções. Por um lado a sociedade organizada em Ordens unia o os diferentes grupos em um único corpo social baseado no argumento que todos são necessários e que um depende do outro. Por outro lado esse discurso era totalmente excludente uma vez que não abria espaço para que membros da ordem dos laboratores não tivessem acesso a ordem dos milites e dos oratores.
Percebemos também que na disputa pelo direito de exercer a violência legítima, Igreja, monarquia e nobreza criam discursos alternativos. Esse discurso resultou numa prática social onde o único interesse era manipular a população a serviço dos interesses de um ou de outro grupo.
Esse jogo de exploração simbólica em busca da imposição de sua ideologia contribuiu para o desgaste da sociedade feudo-clerical. Nesse contexto o nacionalismo, juntamente com o surgimento do pensamento herege, levaram a uma nova conjuntura. A valorização da mulher e da criança, a visão antropocêntrica do universo, o processo de urbanização da Europa, o desenvolvimento da burguesia foram sinais de que a estrutura medieval feudo-clerical ruira e que o Estado nacional burguês tomara seu lugar.
Daniel Rocha Junior – Graduação em História FAFIUV
FRANCO JUNIOR, Hilário. Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2000. Resenha de: ROCHA JUNIOR, Daniel. Idade Média e o nascimento do Ocidente-estruturas sociais e mentais. Sobre Ontens. Apucarana, p.31-41, 2008.
Caio Prado Jr. – Dissertações sobre a Revolução Brasileira | Raimundo Santos
Os debates sobre a questão agrária no Brasil têm se mantido constantes ao longo da história, principalmente nos momentos que marcam as principais revoluções brasileiras. Caio Prado Jr., um dos mais expressivos intelectuais do Partido Comunista Brasileiro (PCB), adotou essas revoluções como temática em textos de sua autoria escritos no período de 1930 a 1977, o que o aproximou consideravelmente das discussões sobre o mundo rural brasileiro.
Em homenagem ao centenário do nascimento deste publicista, comemorado no ano de 2007, Raimundo Santos publicou o livro Caio Prado Jr. – Dissertações sobre a Revolução Brasileira, em que reúne textos escritos por Caio Prado Júnior, dividindo-os em quatro partes: I) A Formação Social (textos de 1933 a 1945); II) A Revolução na Periferia (textos de 1947, 1954 e 1966); III) A Política Contemporânea (textos de 1956, 1962 e 1977) e IV) A Reforma do Mundo Rural (textos de 1960, 1963 e 1964). Leia Mais
O que é lesbianismo / Tania Navarro-Swain
O livro, O que é lesbianismo, editado pela Brasiliense em 2000, é uma edição de bolso da coleção ‘primeiros passos’, por isso, demonstra uma visão muito particular da autora com um posicionamento intelectual específico ao tema em pauta.
A autora inicia seu livro fazendo uma pequena advertência aos possíveis leitores: “quem estiver vestido no cimento de suas certezas não mergulhe nestas águas” (p. 9), pois a “arrogância dos paradigmas” e o “totalitarismo do senso comum” já tentaram petrificar o tema aqui em debate. O Discurso da autora transita pelas teorizações feministas e foucaultianas fazendo uma divisão do livro em três capítulos. O primeiro capítulo discute os indícios e interpretações da historiografia recuperando as discussões da epistemologia feminista para demonstrar a ‘desordem’ que o sujeito lesbiano causa ao conhecimento comum e científico, por isso, sua ocultação na historiografia tradicional. Com o título: ‘Nosso nome é legião: o espaço vivido’ o segundo capítulo demonstra a presença do sujeito lesbiano na literatura, nas teorizações e nas representações diversas. O último capítulo trata dos ‘Perfis Identitários’, ou seja, trata das atuais discussões sobre identidade empreendidas pelas teorias feministas e foucaultianas, discussões que não aceitam a identidade presa ao sexo e sexualidade e, propositivamente, a autora sugere o nomadismo identitário como contrapartida.
O que a história não diz não existiu é o título que inicia a discussão dos indícios e interpretações em história no primeiro capítulo, onde é problematizado o estatuto histórico, que apegado em modelos fixos, anulou a aparição das lesbianas por representarem uma contradição à “ordem natural da heterossexualidade dominada pelo masculino” (p.13). Cabe ao atual fazer histórico questionar, problematizar, na tentativa de buscar os significados e os valores das condutas humanas esquecidas pelas certezas da história-ciência do século XIX: “a história, dona do tempo, esqueceu que tempo significa transformação, esqueceu a própria história para traçar um só perfil das relações humanas” (p.14). Daí decorre que os indícios da história podem apontar outras culturas e civilizações onde as mulheres amavam-se umas às outras, pois masculino e feminino nem sempre tiveram a mesma conotação (p.16), embora o imaginário ocidental esteja marcado por Adão e Eva, representantes de dois pólos: a imagem de deus e a submissão, a sexualidade naturalizada, binária, formada por relações assimétricas, é também histórica (p.17).
Trabalha com uma concepção de História não-linear onde o papel de historiador é importante, pois seus olhos estão impregnados de valores e crenças atuais, seu papel não é desvendar algo que estava oculto, mas, interpretar os indícios, nos quais os fragmentos do passado atestam o real, segundo interpretações possíveis e as representações que constroem o mundo. A História é, então, mais um discurso, dentre tantos outros, onde os historiadores são mediadores entre o passado e a construção do conhecimento histórico atual. O papel da História é o de questionar, tentar apreender os significados e valores que orientam atos e gestos (p.14).
A heterossexualidade compulsória como regra universal determina os papéis sexuais do verdadeiro masculino e feminino, assim a tolerância quanto às práticas sexuais diversas depende do grau de hegemonia da heterossexualidade (p.17). Os filósofos da Antiguidade Grega são citados como marco entre razão e mito, mas, as práticas sexuais dos mesmos nem sempre são incorporadas aos seus discursos, ocultando-se os sentimentos elevados entre homens. E quanto às mulheres na antiguidade? O silêncio paira sobre a vida das mulheres atenienses, embora o confinamento delas em casa não signifique sua inexistência. A vida das mulheres em Atenas diferencia-se de Esparta, lugar onde elas viviam separadas dos homens.
Em Esparta, Tebas e Siracusa, sabe-se indiretamente, pelos atenienses, que as mulheres tinham maior liberdade, porém, no ocidente cristão a homossexualidade feminina “desaparece da ordem do discurso”, “não se fala, logo não existe” (p.19), pois ao nomeá-las cria-se uma imagem, cria-se uma personagem no imaginário social. Durante o período da Inquisição criase o termo “Sodomitas” para definir as mulheres que viviam ou estabeleciam algum tipo de relação afetiva ou sexual com o mesmo sexo, não possuem um nome nem mesmo direito à existência.
Serão os indícios da História capazes de recuperar essas vidas ocultadas? A oposição entre a representação normativa do feminino e as guerreiras, vistas como mito, por alguns dos grandes nomes da Historiografia, são tomadas como exemplo do apagamento daquilo que é tido como incomum (p. 21-22). O discurso transforma a mulher guerreira em ilusão, embora descreva eventos, datas e em alguns casos até nomes. Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda descrevem as amazonas como paródias do homem e o homem como referente da força, do combate, do ataque, da independência. A historiografia como memória social pode naturalizar comportamentos? E quanto à homossexualidade feminina? Porque a história oculta povos matriarcais e comunidades de mulheres guerreiras relegando-as a paródias do masculino? A história colabora na construção de um modelo de feminino, tipo frágil e submisso, naturalizando os comportamentos e criando representações sociais regidas pela ordem patriarcal, como o discurso ideológico dos museus que colabora no ideário da evolução histórica na passagem do primitivo para o civilizado, do matriarcado para o patriarcado. A poeta Safo de Lesbos serve como exemplo das regras da heteronormatividade, ou seja, é necessário enquadrá-la nos parâmetros do binário homem/mulher para caracterizá-la, mesmo sabendo da beleza de sua poesia, é necessário discursar sobre sua sexualidade: Horácio dirá que Safo era máscula, Ovídio relata seu suicídio após ter sido abandonada por um homem (p.30-32).
Na discussão da identidade atrelada ao sexo Foucault mostra como a taxionomia imprime-se às coisas e modela os seres conforme a divisão binária e hierárquica da sociedade.
Mas a autora pergunta: a reprodução sempre ordenou o mundo? Sempre ordenou as relações? (p.35). Para lembrar que os discursos são construídos em suas “condições de saber”, Navarro- Swain cita Hadcliff Hall, que escreveu sobre o amor trágico entre mulheres (p.40) e Nathalie Clifford Barney, escritora norte-americana, que viveu na França, amou exclusivamente inúmeras mulheres e morreu aos 95 anos, publicou muitos livros, organizou a Academi dês Femmes.
Para Navarro-Swain a história das mulheres está por ser desvendada: “o que a realidade social não retêm perde a espessura da realidade” (p.50). Simone De Beauvoir mostra-se indecisa quanto ao lesbianismo, mas por fim toma-o como escolha existencial. Para a autora ela é arauto do feminismo, fundadora das teorizações e ainda assim cai em contradição quanto ao tema do lesbianismo. Algumas falas de Beauvoir demonstram o poder da representação social no discurso e no imaginário quando a autora reafirma a natureza feminina em oposição à virilidade lésbica e recai no modelo binário.
Mas enfim, se na idade média a sexualidade está associada ao silêncio, a repressão e a procriação na modernidade a homossexualidade será tratada como doença ou crime. A ciência e a jurisdição irão separar a boa da má sexualidade. E para tal a psicanálise torna-se um dos mecanismos para elucidar a evolução sexual e demonstrar que o sexo natural é a heterossexualidade.
Mathieu, Monique Wittig, Nicholson, Gayle Rubin são algumas das teóricas feministas citadas que discutem o lesbianismo na tentativa de ancorá-lo para além do binário. As representações do mundo são duplas: vida/morte, bela/feia, assim “a verdadeira mulher é diferente da prostituta e da lésbica”, a segunda é preservada na ordem do sistema e a última apagada dos discursos. Para a autora: “a inversão da ordem não representa revolução dos costumes” (p.66), hoje as revistas, o cinema, os direitos demonstram uma maior proximidade entre os homossexuais, mas, o homem ainda quer manter o lugar dominante. Por isso o livro O que é Lesbianismo vem abrir um caminho para pensarmos o tão temido tema da homossexualidade feminina, quem sabe sacudindo as evidências e modificando as representações, sem emitir uma resposta uniformizante ao que seja uma lesbiana.
Patrícia Lessa – * Patrícia Lessa – Mestrado em Filosofia da Educação (UNICAMP/SP), doutoranda em Estudos Feministas (UnB/DF). Professora na Universidade Estadual de Maringá/UEM – PR.
NAVARRO-SWAIN, Tania. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. 101p. Resenha de: LESSA, Patrícia. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.9, p.150-153, 2005. Acessar publicação original. [IF].
Anarquia e organização | Mary Del Priore
Resenhista
Edgar Rodrigues Barbosa Neto – Acadêmico de História ICH/UFPEL.
Referências desta Resenha
PRIORE, Mary Del. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994. Resenha de: BARBOSA NETO, Edgar Rodrigues. História em Revista. Pelotas, v.2, p. 261-265, 1996. Acesso apenas pelo link original [DR]
The Paraguayan War (1864-1870) | Leslie Bethell || História do Cone Sul | Amado Luiz Cervo e Mário Raport || A guerra contra o Paraguai | Júlio J. Chiavenato || A espada de Dâmocles: O exército/ a guerra do Paraguai e a crise do Império | Wilma Peres Costa || A Guerra do Paraguai | Francisco Doratioto || Guerra do Paraguai: como construímos o conflito | Alfredo da Mota Menezes
Até onde as relações entre os Estados processam-se em virtude do confronto dos interesses independentes de cada um deles? Em que medida a História de um povo ou de um conflito pode ser pensada como um contexto autônomo frente ao contato com outras nações? As respostas para estas perguntas são múltiplas, mas, divergentes ou não, há algo que as torna semelhantes: a cada forma de contar a História das relações internacionais corresponde um projeto – pessoal ou mais comumente coletivo , de manter ou de transformar a situação atual da convivência entre os povos. Em outras palavras, o conhecimento produzido sobre o mundo não costuma estar desvinculado de um conjunto específico de interesses.
O tema da Guerra do Paraguai é perfeito para explicitar essas questões. Realmente, diversas pesquisas têm sido realizadas recentemente sobre o assunto e isso não é por acaso, já que aquele conflito representa um divisor de águas na história do Cone Sul. Numa época em que a globalização e o Mercosul dão o tom dos debates políticos e acadêmicos envolvendo o relacionamento dos países sul-americanos, discutir as origens da guerra e o real peso de influências externas ao sub-continente nas mesmas torna-se um exercício fundamental. Leia Mais
Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil | Marilena Chauí
Marilena Chauí escreveu este livro em 1985, inicialmente para um público estrangeiro, só publicando em nosso país no ano seguinte. Focaliza a Cultura Popular no Brasil, procurando definí-la e compreender sua dinâmica.
Em um primeiro momento, Chauí aborda as dificuldades de definição da expressão Cultura Popular, discutindo o conceito de “cultura”, procurando precisar o conceito de “popular”, sobretudo em suas formas predominantes no Brasil, originadas nos pontos de vista “romântico” e “ilustrado”. Contrapondo-se à identificação entre “Cultura de Massa” e “Cultura Popular” – encontrada tanto entre os “liberais” norte-americanos das décadas de 50 e 60, quanto entre os frankfurtianos -, Marilena propõe distinguí-las, relacionando Cultura de Massa à classe dominante (que a elabora e impõe) e Cultura Popular à classe dominada. Analisa o comportamento da segunda diante da primeira, em termos de estratégias de aceitação e recusa; assim, enfatiza “a dimensão cultural popular como prática local e temporalmente determinada, como atividade dispersa no interior da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência”. (p.43) Leia Mais
Trabalho e vadiagem: A origem do trabalho livre no Brasil – KOWARICK (RBH)
KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: A origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987. Resenha de: SAMARA, Eni de Mesquita. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.11, n.22, p.204-207, mar.1991/ago.1991.
Eni de Mesquita Samara – Professora do Departamento de História/USP.
[IF]Crime e cotidiano – A criminalidade em São Paulo, 1880-1924 – FAUSTO (RBH)
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano – A criminalidade em São Paulo, 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984. Resenha de: LAPA, José Roberto do Amaral. Crime e cotidiano de Boris Fausto. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, n.8/9, p.213-215, set.1984/abr.1985.
José Roberto do Amaral Lapa – Departamento de Hhistória do IFCH/Unicamp.
[IF]Por que Lima Barreto – BEIGUELMAN (RBH)
BEIGUELMAN, Paula. Por que Lima Barreto. São Paulo: Brasiliense, 1981. Resenha de: SILVA, Marco Antonio da. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.2, n.4, p.265-266, 1982
Marco Antonio da Silva – Mestre em História Social. FFLCH-USP.
[IF]O silêncio dos vencidos – DE DECA (PH)
DE DECCA, Edgar. 1930: O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981. Resenha de: AUN-KHOURY, Yara. Projeto História, São Paulo, v.2, 1982.
Yara Aun-Khoury
Acesso apenas pelo link original
[IF]