Epistemic Logic: A Survey of the Logic of Knowledge – RESCHER (P)

RESCHER, Nicholas. Epistemic Logic: A Survey of the Logic of Knowledge. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2005. Resenha de: BORBA, Alexandre Ziani. Principia, Florianópolis, v.22, n.3, p. 533–000, 2018.

Uma justificativa é requerida para que se resenhe um livro publicado há mais de uma década atrás. Epistemic Logic: A Survey of the Logic of Knowledge, de Nicholas Rescher, é uma compilação de décadas de estudos por parte do autor no campo da lógica epistêmica, por ele apresentada como um ramo da lógica filosófica que busca formalizar a lógica do discurso acerca do conhecimento, no qual ele inclui os princípios gerais de raciocínio acerca das reivindicações e atribuições de conhecimento (Rescher 2005, p.1). Neste sentido, compete à lógica epistêmica articular e esclarecer estes princípios gerais.

Além de ser o resultado de décadas de estudos e compilar seus principais resultados na área, há pelo menos três aspectos interessantes e originais na obra de Rescher que merecem destaque. Em primeiro lugar, Rescher se propõe a desenvolver uma lógica epistêmica que leve em consideração agentes epistêmicos cognitivamente limitados. Como exemplo disso, o autor adota, como um de seus princípios fundamentais, aquilo que ele chama de “limitação do conhecedor”, princípio este que diz que para todo agente epistêmico, há uma proposição que é o caso e o agente não sabe que ela é o caso. Posteriormente, ele apresenta uma tese semelhante ao princípio do fechamento epistêmico — que ele chama de princípio da dedutividade,1 porém mais modesta, de acordo com a qual, se p é derivável de proposições que o agente conhece e p implica q, então q é derivável de proposições que o agente sabe — princípio da dedutividade fraca (Rescher 2005, p. 15). Em função de sua concepção realista acerca de agentes epistêmicos, Rescher acaba por abandonar um princípio amplamente difundido na lógica epistêmica tradicional, a saber, a tese da reflexividade do conhecimento2 (Rescher 2005, p.22).

Por destacar o conhecimento como uma relação entre um agente e uma proposição, Rescher acaba por desenvolver uma lógica epistêmica bastante centrada no agente—o qual pode ser um indivíduo ou, possivelmente, grupos de indivíduos (Rescher 2005, p.2).3 Este destaque ao agente epistêmico permite com que Rescher torne ⃝c 0000 The author(s). Open access under the terms of the Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.

534 Reviews as nossas limitações cognitivas um tema recorrente em sua análise dos princípios gerais que governam o discurso sobre o conhecimento. Tão interessante quanto isso, porém, é o fato de sua lógica epistêmica possibilitar uma análise do conhecimento de grupo, que é, precisamente, o segundo ponto interessante e original que quero destacar de sua obra. Com efeito, Rescher pode ser considerado um dos precursores da epistemologia social. Ponto importante de seus estudos acerca do conhecimento de grupo diz respeito à distinção, traçada por ele, entre conhecimento coletivo e conhecimento distribuído. O conhecimento coletivo é o conhecimento que alguém tem de que os membros de um conjunto S têm certa característica F quando este alguém sabe que, para todo objeto de consideração u, se u pertence ao conjunto de objetos S, então u tem a propriedade F. Já o conhecimento distribuído ocorre quando, para todo objeto de consideração u, x sabe que se u pertence ao conjunto de objetos S, então u tem a propriedade F. A diferença é sutil e diz respeito ao escopo do operador epistêmico.

Por fim, o terceiro ponto interessante e original da obra de Rescher é o tratamento epistêmico que Rescher oferece para a conceptibilidade, i.e., nossa capacidade de conceber. De acordo com ele, a conceptibilidade deve ser tratada não em termos psicológicos, i.e., como uma capacidade humana operacional, mas em termos epistêmicos, de onde se segue sua definição de que um objeto de consideração qualquer é concebível se, em princípio, é possível que exista ao menos alguém tal que esse alguém sabe que o objeto de consideração em questão pode existir. Com efeito, Rescher parece propor a conceptibilidade como uma fonte para a aquisição de conhecimento de possibilidades, o que pode ser encarado como evidência textual de que, seguindo a nomenclatura de Tuomas Tahko (2015), ele seria um racionalista modal com respeito ao conhecimento de possibilidades, i.e., alguém para o qual o procedimento de aquisição de conhecimento de possibilidades é um procedimento a priori.4 Entretanto, a possibilidade de que Rescher trata parece ser restrita à possibilidade lógica, ao invés de metafísica. Evidência disso é sua declaração de acordo com a qual a conceptibilidade é, fundamentalmente, uma questão epistêmica acerca daquilo que pode ser contemplado de uma maneira logicamente coerente (Rescher 2005, p.59).

Um ponto importante da obra de Rescher, já explicitado aqui, é que o seu universo de discurso é polissortido. Nele estão inclusas variáveis para conhecedores, proposições, proposições especificamente verdadeiras, objetos de consideração, propriedades de objetos ou proposições, conjuntos de objetos ou proposições e, finalmente, questões. Interessante notar também que, inicialmente, Rescher distingue dois tipos de conhecimento: conhecimento proposicional e conhecimento interrogativo (Rescher 2005, p.1). Adiante, porém, Rescher reconhece o conhecimento prático e distingue duas formas deste outro tipo de conhecimento: o conhecimento prático performativo e o conhecimento prático procedural. Apenas este último, de acordo com o autor, é redutível ao conhecimento proposicional (Rescher 2005, p.7). Isto nos permite dizer que Rescher é um anti-intelectualista no que concerne ao conhecimento por habilidade.

Há muito a se destacar na obra, porém quero focar em algo bastante específico e que está relacionado ao meu interesse em epistemologia das virtudes aplicada no campo da educação. Em particular, quero enfocar sobre como o tópico das insolubilia, tratado por Rescher entre os capítulos 16 e 17, relaciona-se com o tema onipresente em sua obra das limitações cognitivas de agentes epistêmicos humanos. Insolubilia, para o autor, são questões que possuem uma resposta correta que, no entanto, não podem ser respondidas por inteligências finitas.

No capítulo 16, Rescher alega que é instrutivo adotar uma abordagem erotética do conhecimento e da ignorância, uma vez que se pode supor, sem perda de generalidade, que respostas a questões são sempre proposições completas. Adiante, no capítulo 17, Rescher oferece um quadro no qual ele descreve as insolubilia como questões que possuem respostas corretas, mas cujas inteligências finitas são incapazes de as responderem (Rescher 2005, p.97). Exemplos de tais questões são questões envolvendo predicados indigentes [vagrant], aleatoriedade e sorte (contingência futura), ou inovação cognitiva. É importante distinguir, aqui, questões para as quais é muito difícil, porém humanamente possível, obter uma resposta correta e insolubilia propriamente ditas. Ademais, é preciso esclarecer que insolubilia não são questões insolúveis em virtude de as respostas corretas a elas poderem ser respondidas, mas não estarem acessíveis na prática — por exemplo, pela ausência de uma tecnologia mais sofisticada (Rescher 2005, p.91). Ao invés disso, insolubilia são questões insolúveis em virtude de as respostas corretas a elas não poderem ser respondidas por inteligências finitas. Deste modo, por definição, insolubilia são questões impossíveis de serem resolvidas por agentes epistêmicos cognitivamente limitados.

No campo da epistemologia das virtudes aplicada à educação, é um tema premente saber como aprimorar a condição intelectual de nossos estudantes, em particular promovendo a aquisição de virtudes intelectuais entre eles. Dentre as virtudes intelectuais mais debatidas atualmente, temos a virtude da inquisitividade, assunto que vem sendo aprofundado pela filósofa Lani Watson, e a virtude da humildade intelectual, assunto que vem sendo aprofundado por inúmeros filósofos e filósofas da área (cf. Baehr 2016). De acordo com Lani Watson, uma pessoa inquisitiva é uma pessoa que caracteristicamente se engaja, de maneira sincera, com a prática do questionamento (cf. Watson 2015). Como ela mesma nota, isto, por si só, não faz da pessoa uma pessoa virtuosamente inquisitiva, pois pode acontecer de uma pessoa caracteristicamente se engajar de maneira sincera com a prática do questionamento sem que suas questões sejam propriamente boas questões—elas podem ser questões tolas, por exemplo.

Minha suspeita é a de que a virtude da humildade intelectual que, dentre outras coisas, consiste em se estar ciente de nossas limitações cognitivas, digo, que a virtude da humildade intelectual pode, para usar uma metáfora musical, afinar a virtude da inquisitividade. Em particular, minha suspeita é a de que uma pessoa intelectualmente humilde e inquisitiva gastará menos tempo com questões que ela sabe que não se pode responder em função das limitações cognitivas dos seres humanos. Isto sugere que ambas as virtudes podem ser trabalhadas em conjunto, de modo que a humildade intelectual favorecerá a inquisitividade qua virtude intelectual.

Aqui, poderá ser útil narrar uma breve história fictícia para exemplificar como o ensino da inquisitividade poderia ser trabalhado dentro de salas de aula, tendo em vista a informação de que a humildade intelectual pode favorecê-la. Imagine uma criança que responde pelo nome de Sócrates. Sócrates, com seus cinco anos de idade, é uma criança normal e que, como muitas outras crianças, costuma fazer inúmeras perguntas a seus pais e professores. Suponha que os professores até mesmo estimulem Sócrates a elaborar questões. Ocorre, porém, que muitas de suas questões ainda são mal articuladas, bobas ou até mesmo sem sentido, e os professores são cientes disto.

Com o passar do tempo, os professores passam a intervir nas questões articuladas por Sócrates para ajudá-lo a torná-las mais claras. Sócrates chega ao ensino médio já com maior capacidade de articular com clareza suas questões, além de costumeiramente elaborar questões pertinentes ou profundas, às quais nem sempre as pessoas são capazes de lhe responderem de maneira satisfatória. Apesar do constrangimento que suas questões eventualmente causam, suas questões são elogiadas pelos professores, reforçando, assim, seu comportamento inquisitivo. Sócrates, porém, nem sempre é capaz de notar que algumas de suas questões são casos de insolubilia, i.e., questões para as quais existem respostas corretas, mas que, dadas nossas limitações cognitivas, somos incapazes de respondê-las. Ao longo de seu ensino médio, os professores ajudam Sócrates e seus colegas a cultivarem outras virtudes intelectuais; dentre elas, a virtude da humildade intelectual. Ao chegar no ensino superior, o jovem Sócrates, em função de ter trabalhado a virtude da humildade intelectual, já é capaz de reconhecer questões que os seres humanos são incapazes de responder, o que lhe permite gastar menos tempo com elas, sendo conduzido a pesquisar problemas cujas respostas corretas são acessíveis a inteligências finitas como as nossas.

Se minha suspeita estiver certa, então a obra de Rescher, embora seja uma contribuição voltada à lógica epistêmica, suscita questões de epistemologia da educação que podem ser exploradas a partir das definições e princípios articulados pelo autor.

Trata-se, em suma, de uma enorme e rica contribuição à epistemologia como um todo.

Referências

Baehr, J. (ed.). 2016. Intellectual Virtues and Education: Essays in Applied Virtue Epistemology. London: Routledge.

Tahko, T. E. 2015. An Introduction to Metametaphysics. Cambridge: Cambridge University Press.

Watson, L. 2015. What is Inquisitiveness? American Philosophical Quarterly 52(3): 273–88.

Notas

1 O princípio do fechamento epistêmico diz que se um agente sabe que p e sabe que p implica q, então este agente sabe que q. Agradeço o parecerista anônimo por sua acurada observação de que é possível subscrever a esta tese mesmo aceitando o princípio da limitação do conhecedor.

2 A tese da reflexividade do conhecimento declara que se um agente sabe que p, então este agente sabe que sabe que p.

3 Usualmente, na lógica epistêmica, os operadores epistêmicos não são indexados por agentes.

4 Agradeço ao parecerista anônimo por ter notado que o termo ‘racionalismo’ aqui pode ser confuso, uma vez que filósofos não-racionalistas estariam dispostos a subscrever esta tese. Quero frisar, porém, que estou seguindo a nomenclatura de Tahko.

Agradecimentos Agradeço imensamente ao Frank Thomas Sautter pelas leituras e sugestões às primeiras versões desta resenha. Agradeço também ao parecerista anônimo por suas precisas observações e sugestões.

Alexandre Ziani de Borba – Universidade Federal de Santa Maria, BRASIL azdeborba@gmail.com