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Ensino de História do Holocausto: itinerários de pesquisas | Boletim do Tempo Presente | 2022
Os textos aqui reunidos nesse Dossiê foram selecionados e avaliados a partir do I Congresso Internacional sobre Ensino do Holocausto e Educação em Direitos Humanos, organizado pelo Museu do Holocausto de Curitiba em parceria com a Universidade de Pernambuco e a Universidade Federal do Paraná. Em colaboração com o Boletim do Tempo Presente, da Rede de Estudos do Tempo Presente/Brasil, optamos por fazer a divulgação dos textos num periódico acadêmico, ao invés do modelo tradicional de anais. Acreditamos que esse formato dará aos textos maior visibilidade e acesso. Foram selecionados vinte textos de autores(as) de diversas regiões do país que compõem o que aqui chamamos de “novos itinerários” de pesquisas sobre o Holocausto no Brasil. Os textos foram editados por eixo temático e serão publicados em quatro edições do Boletim do Tempo Presente, sendo essa a primeira edição de 2022. Leia Mais
Brasil – China / Boletim do Tempo Presente / 2019
As relações entre Brasil e China vem se desenvolvendo a passos largos na última década. Com o intuito de divulgar a língua e a cultura chinesa, o governo chinês desenvolver parcerias com universidades ao redor do mundo para a criação de Institutos Confúcio.
Em Recife, a Universidade de Pernambuco desenvolveu uma próspera parceria ao longo de mais de 6 anos com o Instituto Confúcio e com a CUFE (Universidade Central de Finanças e Economia), tendo um Seminário Internacional que conta com a participação de diversos pesquisadores dos dois países.
Nesta edição especial, são publicados parte dos artigos apresentados no evento, dando destaque aos da área de economia e de tecnologia.
Ademir Macedo Nascimento
Autoavaliação institucional / Boletim do Tempo Presente / 2019
A autoavaliação institucional é um pre-requisito básico para a melhoria contínua das instituições de ensino superior.
Neste sentido, as faculdades e universidades de Pernambuco, desenvolvem a 7 anos um fórum para troca de experiências e de divulgação de boas práticas.
Nesta edição, são publicados os melhores artigos apresentados neste evento [VII Fórum das CPAs de Pernambuco], além de outros artigos do II Seminário Internacional Sino-Brasileiro.
Prof. Dr. Ademir Macedo Nascimento
China / Boletim do Tempo Presente / 2019
A aproximação entre a Universidade de Pernambuco e a CUFE (Universidade Central de Finaças e Economia da China) vem trazendo grandes resultados para o meio acadêmico, em especial na área de Administração.
Tal aproximação só foi possível devido ao trabalho do Instituto Confúcio da UPE, que atua em Pernambuco há mais de 6 anos e já permitiu que diversos alunos dos cursos de línguas e cultura pudessem conhecer a China.
Essa rica oportunidade culminou na realização de dois Seminários Internacionais com pesquisadores brasileiros e chineses apresentando suas pesquisas e realizando um intercâmbio de conhecimento. Para ambos os lados, essa é uma parceria proveitosa, pois permite que se conheça mais sobre o mercado de cada região e como parcerias econômicas vem sendo desenvolvidas pelos dois países.
Nesta edição apresentamos artigos sobre a China focados nos diversos aspectos que as pesquisas vem focando recentemente.
Ademir Macedo Nascimento
Formação e prática profissional do Assistente Social / Boletim do Tempo Presente / 2016
Em maio de 2015 aconteceu em Recife a II Jornada Nordeste de Serviço Social (JNSS), evento que nos últimos dois anos vem ocupando espaço na agenda das escolas de serviço social do nordeste do Brasil. É um congresso que visa fortalecer e difundir a produção de conhecimento na área de Serviço Social e áreas afins, de maneira que contribua com o intercâmbio acadêmico e institucional, tanto em âmbito local quanto regional, com enfoque na formação, pesquisa e prática profissional do Assistente Social.
A primeira edição da JNSS aconteceu em 2014 na cidade de João Pessoa e contou com a participação de pesquisadores, docentes, discentes de graduação e de pós-graduação, profissionais, grupos e redes de pesquisa de diferentes instituições, provenientes de todo o Nordeste. Essa multiplicidade de olhares contribuiu para o intercâmbio acadêmico e institucional na área do Serviço Social e afins.
Nessa segunda edição, contamos com mais de 163 trabalhos inscritos, dos quais, 141 foram aprovados, sendo 94 artigos e 47 pôsteres. O número expressivo de trabalhos apresentados demonstra um fortalecimento da pesquisa no campo do Serviço Social e de áreas afins e que deve ser estimulado nas instituições por meio de eventos como a JNSS. Os temas das discussões estiveram direcionados para a reflexão sobre a interdisciplinaridade, formação profissional, questões urbanas e os desafios para o projeto ético político do profissional em Serviço Social.
Esta edição do Boletim do Tempo Presente traz algumas das abordagens que foram debatidas nas mesas redondas ocorridas durante o evento. Iniciamos com textos de Edilene Pimentel e Josiane Santos que contribuem para o debate da questão social na contemporaneidade. Em seguida temos a discussão sobre ensino superior nas dimensões do trabalho e da questão indígena abordados nos textos de Roberto Rondon e de Diva Vasconcelos, respectivamente. Por fim temos a reflexão sobre abrigos para criança e adolescente em Alagoas de autoria de Niejda Dantas.
Esta edição do Boletim do Tempo Presente conta ainda com três resenhas. A primeira, de autoria da mestranda em educação pela Universidade de Pernambuco, Helena Albuquerque, constrói uma análise da obra Devagar e simples: Economia, Estado e Vida contemporânea de André Lara Resende. Seguida pela análise da obra de Sônia Rocha, Transferência de renda no Brasil: O fim da pobreza? -, construída por Phillipe Bastos, mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável/UPE. Por fim, contamos com a colaboração de Thales Bentzen, mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável/UPE, que analisa o livro A Evolução do Capitalismo, de autoria de Maurice Dobb.
Elizabeth da Silva Alcoforado Rondon – Professora Assistente da Universidade de Pernambuco. E-mail: Elizabeth.alcoforado@upe.br .
Sandra Simone Moraes de Araújo – Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco. E-mail: Sandra.araujo@upe.br .
Civilização: etnocentrismo, evolucionismo e conceitos em História / Boletim do Tempo Presente / 2015
O conceito de civilização, desde o momento de seu surgimento com os filósofos iluministas defensores da ideia de progresso, estabeleceu-se na historiografia ocidental como uma das mais arraigadas noções, apesar de suas claras alusões etnocêntricas. Mas cada vez se torna mais claro, à luz das críticas e percepções atuais, o quanto a ideia de civilização expõe o ‘outro’, identificando-o inevitavelmente como ‘bárbaro’, ‘selvagem’, ‘inculto’, e por isso, pelo menos desde a segunda metade do século XX, essas palavras e as concepções nelas envolvidas têm sofrido um verdadeiro bombardeamento teórico, originário de frentes tais como a Sociologia, a Linguística e a Antropologia. No entanto, apesar disso, muitos ainda são os historiadores que continuam a cultivar os princípios evolucionistas envolvidos na definição de civilização. Princípios sempre associados, de forma mais ou menos implícita, a noções de progresso, evolução social, ‘altas culturas’ (que por sua vez alude à existência de ‘baixas culturas’); tudo isso remetendo a uma crença na existência dos civilizados e dos ‘outros’, aqueles considerados carentes de cultura, de Estado, de história.
Entretanto, nem todos aceitam essa situação de forma acrítica, e muitos são os historiadores e cientistas sociais que atualmente tentam fugir dos tradicionais etnocentrismos através de um investimento na historicização de conceitos. Ou seja, na consideração de que as palavras têm história e que, na medida em que colocamos cada uma em seu devido contexto de produção, podemos começar a entender melhor seus significados e desconstruir aquelas noções que os naturalizam. Dessa forma, civilização e progresso perdem seu status de fenômenos inevitáveis nas sociedades humanas, da mesma forma que uma sociedade estatal deixa de ser entendida como naturalmente ‘melhor’ que uma tribal. Assim, partindo dessas premissas, elaboramos o presente dossiê, procurando reler o conceito de civilização a partir de diferentes temas, sempre almejando, em última instância, derrubar evolucionismos e etnocentrismos arraigados.
Nosso primeiro artigo faz isso se debruçando sobre o conceito de civilização no Direito Internacional. Nele, Laura Bono e Daniela Rebullida, ambas da Universidad Nacional de la Plata, visitam fontes do Direito Internacional para questionar os significados que o mesmo atribui à expressão ‘nações civilizadas’: uma fórmula basilar nas relações internacionais, visto que todo o conjunto de princípios gerais do Direito Internacional apenas é aplicável a esse conjunto de países, excluindo de sua proteção e jurisdição quaisquer territórios considerados ‘incivilizados’. Dando prosseguimento, mergulhamos na observação de atores sociais classicamente associados aos ‘selvagens’, os índios. E é procurando desconstruir essa associação que Edson Silva, da Universidade Federal de Pernambuco, retraça a trajetória das ideias de evolução e progresso no Ocidente, desde o século XIX, analisando como as mesmas influenciaram a construção de uma certa imagem de ‘índio’, ainda hegemônica entre o senso comum e o Estado brasileiro, e influente mesmo sobre cientistas sociais de renome, como Darcy Ribeiro. Mas, indo além, ele dialoga com as aquelas perspectivas históricas e antropológicas, iniciadas na transição do século XX para o XXI, que não se preocupam em definir o lugar do índio na civilização, mas sim em desconstruir essa oposição entre ‘civilizados’ e incivilizados. Enfatizando assim a percepção de que é inútil discutir quem é e quem não é civilizado, pois a própria palavra é excludente e sempre vai pressupor a definição de alguém ‘inferior’.
Realmente, os diversos povos nativos americanos, sempre generalizados baixo o conceito de índio, forneceram alguns dos elementos fundamentais para a definição clássica de selvagens. Razão pela qual se torna tão importante entendermos tanto suas sociedades, quanto a construção dos discursos históricos oitocentistas e novecentistas sobre elas. Com isso em mente é que Karl Arenz e Frederik Matos, da Universidade Federal do Pará, voltam seu olhar para o século XVII, para inquirir sobre as ações de uma das mais influentes instituições da colonização da América portuguesa, a Companhia de Jesus, analisando especificamente as práticas jesuítas que objetivavam ‘tirar os índios da selva’, ou seja, práticas consideradas civilizatórias pela historiografia. Mas os autores não querem simplesmente fazer uma narrativa da história jesuíta, e sim pesar suas práticas em conjunção com a própria historiografia, a verdadeira responsável por analisá-las enquanto civilizatórias. Isso porque, segundo os autores, o conceito de civilização não foi usado pelos jesuítas no século XVII, e se suas ações colonizadoras são entendidas hoje como civilizatórias isso ocorre porque elas assim foram definidas pela própria historiografia. Por outro lado, eles não esquecem que outras noções, que nos séculos posteriores iriam integrar os discursos civilizatórios, já perpassavam os discursos e ações das missões jesuíticas amazônicas, instituições de fronteira que se contrapunham aos ‘sertões’ habitados por índios, vistos como espaços caóticos de gente ‘bárbara’. E é ainda pensando o mundo colonial que Suely Almeida, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, discute os problemas conceituais em torno das mestiçagens coloniais. Em seu texto, a autora critica o discurso clássico segundo o qual africanos e indígenas estiveram passivos nas ações colonizadoras. Um discurso que apresenta negros e índios apenas como vítimas, e como tal sem força ou atitude no processo histórico. Ao mesmo tempo, a autora discute também as possibilidades que os estudos das mestiçagens oferecem a uma história crítica, entendendo essas mestiçagens como fenômenos construtores das sociedades da Idade Moderna, sempre considerando as diferentes negociações e estratégias promovidas pelos distintos atores sociais, inclusive escravos e forros durante os séculos XVII e XVIII. Uma abordagem que tem o mérito de retirar dos europeus a autoria absoluta da colonização.
Assim, entre Direito Internacional, história indígena, colonização e mestiçagens, procuramos despertar algumas inquietações mais do que necessárias para os estudos dos processos históricos ocidentais. Inquietações muito influenciadas pelo pensamento crítico de historiadores e antropólogos como Serge Gruzinski, John Manuel Monteiro, e do desabrido e controverso Pierre Clastres.
Esse antropólogo francês, cuja obra principal foi escrita nas décadas de 1960 e 1970, causou celeuma com suas ideias, baseadas em estudos etnográficos realizados junto a grupos indígenas sul-americanos, nas quais criticava continuamente as noções ocidentais acerca da inevitabilidade do Estado enquanto fenômeno social e histórico. Muito debatidas em seu tempo, essas teses caíram em um ostracismo a partir da década de 1980, principalmente por estarem fundamentadas no que muitos consideravam ser a visão idealista e romântica de seu autor.[2] Mas com a virada para o século XXI, as conjunturas políticas internacionais começaram a mudar, fazendo com que o até então inatacável modelo de Estado começasse a esmorecer, e despertando um renovado interesse de antropólogos e cientistas sociais na obra de Clastres, justamente por aquelas mesmas ideias que antes o fizeram parecer romântico e idealista. Um idealismo encarnado principalmente na defesa de que o Estado não representava, ao contrário do que muitos gostariam de pensar, a etapa mais evoluída da humanidade, e nem mesmo era inevitável. Uma defesa que hoje entra em sintonia com a preocupação cada vez maior com os destinos do Estado enquanto modelo liberal, e com a possível existência de modelos alternativos ao Estado, modelos de ‘contra-Estado’,[3] nas sociedades ocidentais.
Por outro lado, se as teses de Clastres falam muito acerca de nossas sociedades contemporâneas, elas também criticam de forma veemente a postura hegemônica nas Ciências Sociais acerca das sociedades indígenas, sempre descritas como sociedades ‘da falta’: sociedades sem escrita, sem Estado e sem história.[4] Foi contra isso que ele escreveu toda sua obra – cuja pedra basilar é a coletânea A Sociedade contra o Estado, cuja primeira edição data de 1974 – descrevendo, por exemplo, as ferramentas usadas pelos tupinambás, nos séculos que precederam à conquista europeia, para evitar o surgimento do Estado; ou como muitas culturas consideradas ‘de subsistência’, e que são sempre associadas à pobreza e escassez, de fato produziam mais do que o necessário para viver, e aproveitavam muito tempo livre.[5] Dessa forma, ao mesmo tempo que suas descrições etnográficas e análises teóricas procuram descortinar estruturas e fenômenos sociais em diferentes sociedades indígenas, elas vão deixando dolorosamente claros os preconceitos existentes nas Ciências Sociais modernas, para as quais, a despeito de todas as reiteradas afirmações de objetividade, o modelo da sociedade estatal industrial e pós-industrial de origem europeia é o máximo alcançado pela humanidade, e deve servir de base para todas as outras, a serem julgadas a partir do quão parecidas ou não elas são a esse modelo.
Mas apesar do interesse renovado na obra de Clastres, assim como outras posturas críticas defendidas por autores como Serge Gruzinski e John Manuel Monteiro, as noções civilizatórias continuam fortes e hegemônicas hoje, presentes em discursos historiográficos, antropológicos e muito constantes na mídia e no ensino de História.
Assim é que ainda convivemos com discursos sobre a descoberta da América por Colombo, e do Brasil por Cabral; ainda consideramos que os ‘índios’ desapareceram da história; que os escravos foram apenas vítimas passivas da colonização; e ainda usamos a história europeia como parâmetro para a história mundial. E assim vão se reproduzindo os mesmos discursos etnocêntrico, pois como já dizia Marc Ferro as imagens que temos de outros povos dependem muito da história que nos é contada quando crianças.[6] Então, enquanto continuarmos ensinando sobre sobre culturas ‘mais desenvolvidas’, estaremos relegando às outras, ditas ‘menos desenvolvidas’, aos status perpétuo de bárbaros, de atrasados, de ignorantes.
Em tudo isso, o entendimento do processo de colonização das Américas assume um lugar central, podendo contribuir para a desconstrução desses discursos etnocêntricos. Pois se, de um lado estão as teses tradicionais que afirmam que as sociedades indígenas foram facilmente conquistadas pela superioridade cultural europeia traduzida em armamentos, de outro estão aqueles estudos mais recentes, como os de Mathew Restall, que trazem à tona velhos documentos que mostram que os responsáveis pela derrocada de impérios indígenas no México pré-colonial foram outros estados indígenas, e não os espanhóis. [7] Por sua vez, contra aquela visão de vitimização para a qual africanos, afro-americanos e descendentes nas Américas foram sempre subservientes vítimas trágicas de processos e agentes históricos europeus, a ponto de terem sido libertados por esses últimos, estão os trabalhos de autores como Eduardo França Paiva e João José Reis, que mostram o quanto esses personagens interagiam com as estruturas coloniais e escravistas, o quando negociavam e reagiam, estabelecendo seus próprios processos históricos.[8]
Hoje vivemos uma situação paradoxal, no que diz respeito a nossas interpretações da história do Ocidente, especialmente das américas: por um lado, temos um crescente número de cientistas sociais que olham para o passado e veem mais do que descobertas europeias, índios desaparecidos e escravos submissos. Por outro, continuamos a ensinar sobre a ‘descoberta’ do Brasil, a abolição da escravidão pela Princesa Isabel, a conquista do México por Cortez, sobre as ‘altas culturas’ e as sociedades ‘mais desenvolvidas’ – em geral europeias ou muito similares às europeias – sempre tentando ignorar os outros. Mas o que realmente aprendemos ao tentar estudar tupinambás, aymarás, cherokees e bantos a partir de conceitos construídos para a análise do império romano? E quanto da nossa própria identidade nacional podemos estabelecer, ou compreender, enquanto toda nossa história é medida a partir da Europa ocidental? A verdade é que, por mais que queiramos, os padrões e medidas clássicos da Civilização não nos abarcam – se é que de fato abarcam alguém. E assim, enquanto insistirmos neles, teremos que admitir o fato de que somos, de fato, todos selvagens.
Notas
- SZTUTMAN, Renato. Introdução: Pensar com Pierre Clastres ou da atualidade do contra-Estado. Revista de Antropologia, V. 54, N. 2 (2011), USP. pp. 557-576.
- Em artigo publicado em dossiê acerca da obra de Clastres, por exemplo, Márcio Goldman afirma que “não há nenhuma razão para imaginar que os mecanismos “contra-Estado” descobertos por Pierre Clastres nas sociedades indígenas ameríndias tenham sua existência limitada a esse “tipo” de sociedade”, o que ilustra bem as preocupações dos novos comentaristas com a obra de Clastres. GOLDMAN, Marcio Pierre Clastres ou uma Antropologia contra o Estado.Revista de Antropologia, V. 54, N. 2 (2011), USP. pp. 578-599.
- Cf. CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado – Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo, Cosac & Naify, 2003. P. 208.
- Idem, p. 211.
- FERRO, Marc. A Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação. São Paulo: IBRASA. 1983.
- RESTALL Matthew. Sete mitos da Conquista Espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
- PAIVA. Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789.Belo Horizonte, Ed. UFMG. 2001; REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociaçãoe conflito – a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras. 1999.
Kalina Vanderlei Silva – Professora da Universidade de Pernambuco.
Tempo Presente e Ensino de História / Boletim do Tempo Presente / 2014
É com grande contentamento que apresentamos um dossiê sobre a relação ensino de história e tempo presente. Não porque seja o primeiro no Brasil e, realmente não é. Nossa co-irmã, a Revista Tempo e Argumento (v. 5, n. 9, 2013), inaugurou a empreitada recentemente, e a História Hoje tem conjunto de artigos aguardando publicação, desde o ano passado. O dossiê também não introduz o tema neste periódico, pois a Revista Eletrônica Tempo Presente já divulgou trabalhos sobre currículos da educação básica no Brasil e nos Estados Unidos, entre outros textos. Nos Cadernos do Tempo Presente, da mesma forma, foram abertos espaços para a análise de conteúdo nos livros didáticos de história, usos da internet na aprendizagem de história medieval. A mesma atitude tomou a História Agora ao publicar, por exemplo, resultados de investigação sobre os usos da vivência indígena e da Rebelião dos Malês em sala de aula. Isso tudo sem falar nas revistas não especializadas que veiculam textos sobre história do tempo presente, hoje pioneiros, desde meados da década passada.
Mesmo assim, entre os mais de 600 artigos publicados nos periódicos que têm como escopo o “tempo presente”, desde 2007, o ensino de história ocupa modestos 3%. Qual então o motivo de tanto regozijo? Ora, o que nos dá maior prazer no anúncio do conjunto de artigos deste volume é a concretização de um projeto incomum: reunir autores que se debruçaram sobre o mesmo conjunto de questões-chave, abordando os usos do presente no ensino de história e não apenas sobre o ensino de história no presente: como se ensina a experiência recente? Quais mecanismos a interditam? Quais as disputas que se apresentam? Que atores a produzem? Como os alunos a percebem? Como essa experiência é organizada de modo a fazer sentido para os não historiadores? Enfim, que presentes são dados a ler nos programas e livros didáticos de história de países de culturas tão diferentes situadas na América do Sul, Europa, Ásia e Oceania?
Os artigos aqui reunidos, portanto, colocam-nos em sintonia com as disputas políticas e de memória sobre o que ensinar às crianças e adolescentes na Argentina, Brasil, França, Austrália e Japão. Paralelamente, provocam reflexões sobre a incorporação e funções de temáticas do presente no ensino e aprendizagem escolar em nossa contemporaneidade, bem como de suas relações com a historiografia acadêmica.
Os textos de Gonzalo de Amézola, de Marina Silva, Luis Cerri e Felipe Soares evidenciam a complexidade do tratamento de acontecimentos traumáticos na produção de prescrições didáticas nas quais se superpõem questões referentes à memória, usos do passado e soberania nacional.
No primeiro caso, o acontecimento destacado é a Guerra das Malvinas, ocorrida em 1982, entre Argentina e Inglaterra. Ao colocar em relação a produção historiográfica das três últimas décadas do século XX e princípio do XXI sobre esse acontecimento, as reformas curriculares e os manuais escolares, Amézola destaca as “dificuldades e contradições” que envolvem o ensino dessa guerra na educação “Polimodal” e “Secundária Superior”. Ele afirma que, apesar dos avanços vivenciados pela historiografia argentina, sobrevive uma abordagem marcadamente patriótica do conflito em que se entrelaçam memória coletiva (gestada, em grande medida, na escola) e interesses governamentais, atravancando a sua ressignificação histórica no âmbito escolar. A partir da experiência argentina, o autor polemiza a relação entre ciência, história e a abordagem do passado recente no ensino histórico e levanta a hipótese de que a função social do ensino de história está, secularmente, conectada à necessidade de “perpetuação do grupo”, resultando em dificuldades para a incorporação de inovações acadêmicas no que se refere a passados traumáticos.
O artigo de Marina Silva, por sua vez, analisa as representações de memórias sobre a Segunda Guerra Mundial, presentes em livros didáticos japoneses, produzidos entre 1993 e 2002. Motivada pelas críticas lançadas ao Japão em 2001 por países como China e Coréia do Sul (sobre a abordagem dos avanços militares a seus territórios), e a partir de alguns acontecimentos-chave dessa polêmica (a tomada da cidade de Nanquim, o ataque a Pearl Harbor, o bombardeio a Hiroshima e Nagasaki e a rendição japonesa), a autora evidencia a estreita relação entre experiências traumáticas e a produção de uma memória coletiva promovida e sustentada pelo governo. Os livros didáticos de história no Japão, incluindo os mais recentes, não apenas reproduzem uma narrativa cristalizada sobre a guerra como omitem informações, controlando a transmissão de memórias que se expressam pelas ideias de pacifismo e nacionalismo. Como no caso argentino, fica demonstrada a complexidade das relações entre história recente e ensino de história no que se refere a conflitos não apaziguados.
Os autores Luis Cerri e Felipe Soares, por seu turno, colocam em discussão a abordagem da ditadura militar presente no livro didático História do Brasil: Império e República (2006), editado pela Biblioteca do Exército e utilizado nos colégios militares do Brasil. O artigo ressalta e denuncia a contrariedade entre a preocupação governamental em garantir um ensino de qualidade (a partir da elaboração de políticas públicas, como o PNLD) e o consentimento, por parte desse mesmo governo, no uso de um material que se distancia do estado atual da epistemologia da história, das produções acadêmicas sobre o golpe. Essa omissão de informações, temporariamente consensuais, convida-nos também a refletir sobre as disputas memoriais em torno dos acontecimentos recentes e seu ensino escolar. Do mesmo modo, conduz-nos a pensar sobre a importância do engajamento dos historiadores nas discussões que se referem ao ensino da história do tempo presente na educação básica.
Partindo para o contexto europeu, Itamar Freitas aborda a incorporação da história do tempo presente nos programas de história para os colégios franceses, entre os anos 1998 e 2008. Esse trabalho, fruto das primeiras pesquisas que o historiador vem realizando sobre o ensino da história do tempo presente no Brasil, Estados Unidos e França, põe em relevo suas finalidades, a natureza dos conteúdos históricos e sua distribuição/progressão ao longo dos anos escolares daquele país. Dessa maneira, e somando-se aos outros artigos desse dossiê, contribui para a ampliação de questionamentos no que diz respeito às relações entre ensino, ciência história, tempo presente e formação cidadã na educação histórica escolar. Também oferece elementos para pensarmos as demandas sociais e relações de poder na contemporaneidade que perpassam a elaboração de propostas curriculares com esse teor.
Por fim, examinando o currículo nacional de história para a escolarização básica da Austrália, Jane Semeão identifica os diferentes presentes prescritos em um currículo recentemente citado como modelo para o Brasil e, na própria Austrália, acusado de alinhar-se, ao mesmo tempo, às demandas ideológicas de esquerda e de direita. Além disso, descreve as indicações de conteúdos substantivos e as sugestões de finalidades para o ensino da experiência australiana recente. Neste ponto, principalmente, seu artigo estimula-nos a pensar na arbitrariedade dos usos de termos, como “antigo”, “moderno” e “contemporâneo”, bem como das justificativas para a adoção de eventos clássicos como a Segunda Guerra Mundial para como abertura e/ou fechamento de determinados períodos. Ainda, sob a responsabilidade de Jane Semeão, está a resenha da obra Tempo presente e usos do passado (FGV, 2012), organizado por Flávia Varella, Helena Miranda Mollo, Matheus Henrique de Faria Pereira e Sérgio Da Mata.
Convidamos também o leitor a consultar o perfil de um autor que vêm provocando incômodo, por um lado, e euforia, por outro, dado que a sua teoria da história incorpora, inclusive, os usos escolares da história como um dos argumentos para a racionalidade e, por que não dizer, cientificidade da história acadêmica. Jörn Rüsen, o personagem deste número, é apresentado pelo jovem Rodrigo Yuri Gomes Teixeira.
Por fim, sob a responsabilidade de Andreza Maynard, apresentamos a resenha de um velho e conhecido filme – A Onda – comentada sob um novo regime de historicidade, haja vista que a película foi lançada no distante 1981. Que novos elementos essa representação sobre o ensino do autoritarismo no chão da escola pode nos trazer?
Esperamos, então, que a publicação desse número possa contribuir para a discussão, ainda tímida (entre os historiadores), sobre a dimensão escolar da história do tempo presente e, ainda, que estimule os pesquisadores brasileiros a empreenderem estudos em escala transnacional. Velha lição dos bancos da graduação, não é irrelevante repetir, temos muito a aprender sobre “nós”, observando os “outros” aparentemente distantes.
Margarida Maria Dias de Oliveira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Dilton Cândido S. Maynard – Universidade Federal de Sergipe.
1964: documentos para uma história / Boletim do Tempo Presente / 2014
O Golpe de 1964, sua natureza e suas características básicas, começa somente agora, cinquenta anos depois do ocorrido, a ter sua história reconstruída de forma rigorosa e diversificada. Logo após o fim do Regime, entre 1984 e 1985, proclamada a “Nova República” por Tancredo Neves (em 1984), “vencidos” e “vencedores” concordavam em um ponto: “virar a página da História”. Tratava-se, ou ocultava-se, sob tal fórmula, de uma permissão e um desejo de “esquecer” os vinte anos de arbítrio, de autoritarismo e censura, pontuados por torturas, mortes e desaparecimentos. Para os “vencidos” estes vinte anos teriam sido necessários, e um dever patriótico, para o reordenamento do país em face da corrupção, inépcia administrativa e de “comunização” das instituições nacionais. Ao longo do tempo, a ordem destas premissas da “Revolução de 1964”, serão reequilibradas, ora com ênfase na “inépcia” (em especial João Goulart, o presidente deposto em 1964), ora com maior acento na “comunização” do país. Ante a dificuldade de focar com objetividade cada um destes “princípios fundadores” do Regem-me de 1964, muitos dos seus atores buscaram no chamado “clima da Guerra Fria” (como em “O Globo”, em 31 de março de 2014), a explicação plausível para a interrupção de um governo constitucional e eleito democraticamente. Esmiuçar, documentar, testar, criticar tais “hipóteses” seria voltar a 1964, tratar-se-ia de “revanchismo” ou “reescrever” a História, afirmariam seus defensores. Aqui, esqueciam-se exatamente a natureza do procedimento básico do historiador: voltar ao passado, reexaminar os fatos, questionar as razões estabelecidas e criticaras fontes.
Para os “vencedores”, por sua vez, em sua ampla maioria em 1984, “esquecer” o passado recente era um artificio fundamental para garantir a própria continuidade do processo democrático, evitando o risco de ruptura presente na possibilidade de levantar as responsabilidades pela ruptura democrática de 1964, pelas torturas e desaparecimentos e pela inépcia administrativa e corrupção, em especial nos últimos anos do regime (dívida externa, obras superfaturadas, conflitos de interesses, etc.).
Assim, para “vencidos” e “vencedores”, em 1985, o “esquecimento”, expresso de forma lapidar na Lei da Anistia de 1979 e sua reafirmação pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, construía-se no próprio fundamento da nova democracia. Importava, desta forma, em deixar para trás os fatos característicos e a própria natureza da ditadura, evitando que os bolsões “sinceros, mas radicais” do regime, colocassem em risco a nova e frágil democracia.
Da mesma forma, a composição das elites dirigentes da “Nova República”, em especial a chamada “Aliança Democrática” – formação dos partidos com Frente Liberal, ex-ARENA e ex-PSD, partido, até então, de apoio à Ditadura; PMDB, a liderança de oposição ao Regime de 1964 e sua dissidência, o PSDB, entre outros – impunha necessariamente um limite ao processo de revisão da História e de estabelecimento de responsabilidades. Assim, nomes fundamentais da Ditadura, começando pelo novo presidente, José Sarney (1930), e os condestáveis da Nova República, como Antonio Carlos Magalhães (1927 – 2007), Marco Maciel (1940), entre outros, tinham sido figuras de proa da Ditadura. Como estabelecer responsabilidades de um regime, quando a própria “Nova República”, era uma herança, e sob certa forma – como no protagonismo de vários atores – uma continuidade do regime decaído?
Desta forma, explicar-se-ia a longa, e sempre incompleta, transição do Brasil para a democracia. Um regime de transição tutelado, onde os próprios militares assumiriam papéis fundamentais na direção, ritmo e extensão da democracia – desde Ernesto Geisel (1907 – 1996) e sua abertura “lenta, gradual e segura” até o papel fundamental do general, e ministro, Leônidas Pires Gonçalves (1921), na presidência José Sarney (1985 – 1990). Por tais razões, a democratização do país e de suas instituições (a alta burocracia do Estado, as polícias, o sistema tributário e judicial, entre outros) foi parcial e a continuidade de práticas do tempo da Ditadura – como a tortura, os sequestros e desaparecimentos, o desprezo pelas necessidades populares – mantiveram-se para além de 1984, exemplificando-se numa linha reta entre os casos de sequestro, tortura e desaparecimento de Stuart Angel e Rubens Paiva até o Caso Amarildo.
Uma consequência lateral, mais absolutamente fundamental, da política de “esquecimento” foi a destruição dos documentos sobre o Regime de 1964. Os arquivos militares, e de órgãos de informação, foram aparentemente, destruídos. Contudo, a implantação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional “Memórias Reveladas”, bem como a atuação do Arquivo Nacional, no governo Dilma Rousseff, resultou, até o momento, na identificação, levantamento e produção – via depoimentos – de milhares de documentos que revelam, largamente, os traços marcantes da natureza do Regime de 1964.
Na oportunidade dos 50 Anos do Golpe de 1964, a pesquisa universitária pode, em fim, produzir um número significativo de novos trabalhos, inéditos, sobre a Ditadura. Assim, novos livros, trataram das instituições do regime, do apoio civil, do papel da Igreja, da mídia, da imprensa, da universidade, da política externa e da economia, dos partidos e o perfil de vários atores do período. Trabalhos de Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Ferreira, Marcos Napolitano, Carlos Fico, Rodrigo Patto Sá, Herbert Klein, Angela Castro Gomes, Lilian Schwartz, Marco Antonio Villa, entre outros e em chaves explicativas bastante diversificadas (além de um extenso esforço de reedições), abriu o caminho para uma releitura de 1964.
A Revista de História do Tempo Presente, visando marcar os 50 Anos do Golpe de 1964, decidiu-se pela publicação de alguns documentos significativos sobre o período, demonstrando a relevância da documentação disponível e ampla possibilidade de revisão do fenômeno histórico da última ditadura brasileira.
Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ/UCAM. Membro da Comissão Nacional Memórias Reveladas.
Velhas direitas e novas direitas: a atualidade de uma polêmica / Boletim do Tempo Presente / 2013
Em 2001 a equipe de pesquisa do Laboratório de estudos do Tempo Presente, da UFRJ, organizou e publicou a obra coletiva “Dicionário Crítico do Pensamento de Direita” (Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001). A edição deste vasto volume gerou, na ocasião, um amplo debate sobre a “atualidade”, menos de dez depois do colapso da União Soviética, da díade “Direita-Esquerda” para a compreensão do cenário político mundial e brasileiro. Depois da “Queda” do Muro de Berlin, em 1989, e subsequente colapso soviético com o fim da Guerra fria, não existiria mais nenhum sentido, ou utilidade teórica, na imagem “geográfica” surgida no interior da Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa de 1789.
Contudo, tanto na época, quanto hoje, uma série de fenômenos históricos – desde a emergência do grupo dos chamados “neoconservadores” na esteira da vitória de George W. Bush, em 2001, o papel relevante do chamado “Tea Party”, até a constante reinvenção, ou ressurgimento, dos fascismos (incluindo aí o nazismo) em vários países da Europa (Alemanha, França, Itália, Noruega, Grécia, etc…) e, mesmo em países fora da Europa (como na Turquia, Argentina, Japão, etc…) demonstrariam a constante presença, no espectro político, da definição de um campo “da direita”. Duas advertências, no entanto, devem ser destacadas e analisadas com todo cuidado, evitando análises estereotipas e simples. De um lado, o chamado “campo da direita” é composto por uma gama extremamente variada, ampla, de formas e tendências. Neste sentido, devemos destacar que vários segmentos (auto)assumidos como “de direita”, como o “thatcherismo”, dentro e fora da Inglaterra, caracteriza-se, de forma muito clara, por uma completa adesão ao sistema de valores e às instituições representativas das democracias liberais. Mesmo com forte conteúdo antissocial e regressivo – como o corte de direitos sociais e de conquistas políticas – tais tendências políticas não propuseram a supressão da ordem representativa e, ou mesmo, abandonram o conceito de “liberdade” enquanto um símbolo de sua ação e propaganda política. Mesmo que tal “liberdade” fosse, invariavelmente, voltada para a supressão de direitos e para a melhoria da barganha política e econômica dos grupos dirigentes em fase do conjunto organizado e popular da sociedade (como no caso da tentativa de Margareth Thatcher “desmontar” o sindicalismo britânico e, simultaneamente, impor um sistema de impostas altamente regressivo, como o “poll tax”, nos anos de 1979-1990) ou, hoje, na União Europeia a ação regressiva da chamada “Troika”.
Contudo, reafirmamos, esta direita é parte fundante do espectro político do Estado liberal-representativo e não deve ser confundido e mesclado como formas autoritárias e liberticidas que também compõe o campo da direita, como em vários exemplos apresentados nos artigos que compõe este número da Revista do Tempo Presente. Assim, podemos destacar uma direita “tradicional” – os “Conservadores” britânicos, os Republicanos americanos ou o DEM no Brasil, com grupos – tais como o “Tea Party”, os “Die Republikaner”, na Alemanha, “Os Lobos Cinzentos”, na Turquia ou “A Aurora Dourada”, na Grécia, ou grupos religiosos no Brasil ou EUA, entre outros – que são, resolutamente, anti-institucionais, pretendem um Estado autoritário e liberticida. Estes, para além da “direita tradicional” operam na derivação fascista.
Outro ponto, que devemos destacar, é a inexistência, ao longo da história, de uma essência única no “campo da direita”. Embora alguns temas sejam repetitivos – como a supressão de direitos sociais, a liberdade do uso de armas e a diminuição dos direitos políticos – não podemos criar uma definição única “da direita” atual. Um exemplo clássico é aquele atribuído ao papel do Estado. Em alguns segmentos da direita tradicional ou da direita fundamentalista, como para os Conservadores britânicos ou o “Tea Party” norte-americano, o Estado será sempre um ente “totalitário” e incompetente, perdulário, na gestão da coisa pública – o exato contrário da noção que denominam de “liberdade”. Mas, em outros setores da direita, como nos grupos fascistas e da direita radical, e mesmo algumas ditaduras militares clássicas, o Estado é instrumento fundamental para a prosperidade e a realização dos objetivos “nacionais”, incluindo-se aí o dirigismo econômico. Outros temas, desde a gestão da economia até o grau de intervenção do Estado nos assuntos da vida cotidiana – educação, saúde, uso de armas etc… – há claras divergências. No entanto, temos temáticas que “fecham” uma ampla concordância no campo da direita. Trata-se, neste caso, de uma guinada comportamentalista que viria substituir uma análise essencialista do espectro político.
Assim, o direito das mulheres ao livre dispor do seu corpo e da gestação, a união civil de gays, a educação sexual nas escolas públicas, o sistema de cotas raciais e sociais merecem um ampla, e quase universal, condenação no campo da direita (embora, mesmo aqui, haja divergências, como no caso a união civil de gays que provoca um “racha” nos Conservadores britânicos). Na maioria dos casos, como no Brasil, Estados Unidos e França, a direita assume claramente a luta contra a ampliação dos direitos “sociais” dos novos grupos emergentes na sociedade.
Assim, hoje, a díade “Direita-Esquerda”, envolve um largo espectro de temas que abarcam desde o papel do Estado até temas que se voltam diretamente para o comportamento individual dos cidadãos. Temos aqui, ainda, uma importante novidade política e social: a emergência, como núcleo “duro”, das novas direitas, de grupos e instituições religiosas, que assumem um forte papel na organização de grupos de pressão, partidos ou frações de partidos contrários a ampliação dos direitos políticos, sociais e civis. Assim, na França ou na Espanha, católicos integristas, assumiram posições fortemente conservadores frente a questões como a união civil de pessoas do mesmo sexo e, em grande parte apoiados e estimulados pelo então papa Joseph Ratzinger, uniram-se a grupos igualmente fundamentalistas de adeptos das “novas igrejas televisivas” e, mesmo, de muçulmanos frundamentalistas. Nos Estados Unidos e no Brasil grupos religiosos ( por exemplo, a chamada “bancada dos evangélicos” ) são a ponta mais agressiva da nova direita, como no caso da atual crise da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da recusa de qualquer forma de controle da venda de armas pelo “Tea Party” e sua ala “radicalizada” do Partido Republicano
No campo da direita, contudo, convive – e muitas vezes “empurram” as organizações e partidos da direita tradicional para posições radicalizadas e intolerantes – uma larga gama de chamados “neo” fascistas, com uma brutal ressurgência do ideário de extrema-direita. Segundo o escritor alemão Richard Herzinger o potencial de violência racista, contido no pensamento e ação da extrema direita, se funda precisamente onde faltam as estruturas da sociedade civil ou onde estas se encontram em ruínas. [3] Herzinger continua argumentando que tanto maior é o pânico, causado por estes grupos, quando o potencial latente de violência perpetrado por eles sai da superfície: um suicídio em massas aqui, um atentado com gás em um metro lotado, um ataque anônimo com bomba de fabricação caseira ali. A grande questão é que esses seguem sendo interpretados, em larga maioria, como casos isolados que não chegaria a representar um cenário mais contundente de ameaça. A ultradireita ressurgente do Nazismo é uma forma de expressão das mais radicais de um submundo que afirma e legitima sua presença na sociedade com o que podemos chamar de ‘ato violento’, seja ele físico ou verbal. Neste sentido, a expressão ressurgente ultrapassa os limites da ideologia e se transforma num comportamento político. O fenômeno da ressurgência dos fascismos está ligado, no tempo presente, a um agir político fascista, voltado para uma questão central que ainda identificamos como sendo a alteridade. Portanto, não é só a violência física que mostra a força destes movimentos, mas também seu poder discursivo de transformação do ethos político negando a possibilidade da diferença e da pluralidade na sociedade. Para nós, este debate caminha para uma reflexão bastante contundente de um paradoxo existente na nossa sociedade: como nos declararmos radicalmente contra os grupos extremistas sem trair o próprio modelo pregado no presente; a ideia de que não há nenhuma diferença na sociedade que não possa ser integrada? Não podemos negar que durante a década de ’90 e na primeira década do século XXI houve uma crescente expansão, sobretudo entre os jovens, do culto a violência, desapego aos valores do Estado de Direito e da democracia e o ódio xenófobo, sempre agravado em períodos de fortes crises econômicas. Há, de fato um fator preponderante no fomento a essas práticas de xenofobia e violência da ressurgência dos fascismos: a falta de reação social e institucional perante os crimes cometidos por tais grupos. Essa percepção de ‘impunidade’ é, deverás inaceitável dentro de sociedades democráticas.
No dia 13 de junho de 2012, o jornalista Maximilian Pop publica no influente jornal alemão Der Spiegel uma matéria intitulada Os Nazistas prosperam livremente em partes da Alemanha Oriental, onde retratava a ação de grupos de ressurgentes atuando em nome da antiga proposta Nacional Socialista. Maio de 2012, Saxônia, cidade de Bautzen. Dois homens agrediram um estudante colombiano com chutes e xingamentos. Em Hoyersweda [4], outro grupo de extrema-direita cercou o escritório de um dos membros do Parlamento alemão, Bundestag, quebrando as janelas e atacando fisicamente um dos funcionários. Em Limbach-Oberfrohna, outro grupo ressurgente atacou um centro de educação alternativa. Em Geithain, um exposivo foi acionado em frente à Pizzaria Bollywood, restaurante que tinha como proprietário um paquistanês.
Uma das entrevistadas pela matéria é Kerstin Krumbholz, de cinquenta anos, que resume os acontecidos em sua cidade com a seguinte expressão: o inferno é assim. Ela conta que tinha escolhido se mudar para a cidade de Geithain, aproximadamente a quarenta quilômetros de Leipzig, há dezenove anos, pois queria que seus filhos crescesse num ambiente mais seguro, longe da criminalidade e dos entorpecentes presentes com mais frequência nas grandes cidades. De qualquer maneira, para a família Krumbholz as ações ressurgentes não passavam de algo que se via e ouvia através dos noticiários, coisas do tipo incêndio nos asilos ou mesmo a entrada do Partido Nacional Democrático (NPD) em alguma câmara legislativa estadual. Essa realidade foi completamente alterada quando seu filho Florian, de quinze anos, foi atacado por um grupo extremista de uma maneira abrupta até entrar em coma e ter que ser submetido a diversos procedimentos cirúrgicos. Florian era membro de uma turma punk e foi atacado pelo grupo ressurgente num posto de gasolina em maio de 2010 e teve seu crânio perfurado por pancadas. Hoje o jovem vive com uma placa de titânio na cabeça e a família Krumbholz não mais reside na cidade de Geithain.
Este é apenas um exemplo dos diversos eventos ocorridos por ações de grupos extremistas no leste da Alemanha no presente. Estes acontecimentos nos questionam quase automaticamente sobre o porquê estudar as ‘direitas’ no século XXI? Qual seu significado? Há uma tipologia dessas direitas? O que a história apresentado como novas e velhas direitas no tempo presente? Um ponto fundamental neste questionamento é entender que não existe nem um só tipo ou um só modelo para categorizar os movimentos de ‘direita’. A ressurgência dos fascismos talvez seja sua expressão mais contundente, mas está longe de ser a única.
Esta edição foi pensada nesta perspectiva: como a história tem lido as novas e as velhas direitas? Porque temas como ódio, negacionismo e integralismo continuam na pauta de discussão sobre esse tema? Este volume esta dividido em quatro partes. A primeira direciona nossa atenção e estudos para a permanência e a reinvenção da direita fascista no tempo presente. O debate realizado pelos textos da professora Clara Góes e, em seguida, do historiador Luis Edmundo Moraes discutem sucessivamente a construção do ódio na história e a negação da política de extermínio nazista. Os pesquisadores Gisele Reiz e Jerônimo Filho se debruçam sobre as propostas e ideários do grupo extremista brasileiro, formado por ex-militares, Guararapes, cujo foco está na crítica a perda da nossa identidade nacional, usando como base o pensamento conservador, nacionalista, autoritário. O professor Jefferson Rodrigues Barbosa da UNESP trouxe a tona uma discussão sobre o que chamou de ‘herdeiros de Plínio Salgado’, uma análise do integralismo no tempo presente. Seu texto reafirma a tese de que o termo ‘neo’ nem sempre é suficientemente elucidativo quando falamos deste grupo extremista. O que teríamos aqui não seria necessariamente um ‘neo’integralismo, mas, uma ressurgência do fenômeno que busca sua base de legitimação no movimento existente nos anos ’30.
Na segunda parte da revista buscamos trazer ao público leitor pesquisas de fôlego sobre as experiências dos fascismos na América do Sul. Primeiro com o texto do professor Pedro Ernesto que se dedicou a uma análise da extrema direita durante a implementação da doutrina se segurança nacional no cone sul. Em seguida o historiador, docente da Universidade Federal do Amapá, Iuri Cavlak retoma a discussão do primeiro governo de Perón relativizando as perspectivas históricas que generalizaram a aproximação de Perón com o Nazismo. Num atual e instigante debate, o historiador sergipano, Dilton Maynard, apresenta um estudo da apropriação do ciberespaço por grupos de extrema direita na argentina no presente, apresentando os mesmos como aglutinadores da extrema direita na América do Sul através do uso das novas tecnologias.
Na terceira parte, as direitas no Brasil, os estudos aqui apresentados estão ligados a uma historicização destas direitas. Filipe Cazetta estuda a Ação Imperial Patrianovista – AIP procurando entender quais características deste grupo foi mantido pela Ação Integralista Brasileira – AIB. Já o historiador Carlos Leonardo Bahiense nos apresenta uma análise do fascismo japonês no Brasil através do caso Shindo Renmei, que o mesmo define como “uma estratégia de resistência face o nacionalismo autoritário estabelecido por Getúlio Vargas a partir da Campanha da Nacionalização.” Natalia dos Reis Cruz retoma a problemática da aproximação entre o governo Vargas e os fascismos. Seu foco está nas políticas de aproximação e de distanciamento em relação aos fascismos utilizando como ponto de referência a questão da identidade nacional. A professora Janaina Cordeiro escreveu sobre a memória militar sobre Emílio Médici e a ideia de que o mesmo era o nome ideal para contornar todos os problemas que o regime vivenciava. O pesquisador Gustavo Alonso se dedicou ao estudo da música popular durante a ditadura militar, em especial a música sertaneja. Seu foco não esta na canção de protesto, mas ao contrário, num tipo de música que em muito serviu ao regime civil-militar brasileiro. O estudo de Alonso está em ampla sintonia com a nova historiografia que estuda o consenso e o consentimento nas ditaduras civis-militares. O historiador Odilon Caldeira apresenta um estudo sobre as apropriações da memória pela direita. O centro de gravidade de seu texto está nas relações conflituosas entre a memória e a história e as diversas estratégias políticas de três tipos específicos de iniciativas de direita: a Ação Integralista Brasileira, a Aliança Renovadora Nacional e o Partido da Reedificação da Ordem Nacional.
Por fim, apresentamos duas resenhas acadêmicas: uma voltada para a análise do filme A Onda, discutindo a adesão aos grupos de extrema direita e a sedução do fascismo e outra, sobre o livro da historiadora Janaina Cordeiro, Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil, que enfoca a reconstrução da memória social da ditadura civil militar brasileira quebrando o mito de uma sociedade resistente ao regime.
Assim, procuramos nesta edição apresentar aos leitores (as) pesquisas de fôlego, de historiadores especialistas em áreas especificas que se unem num debate sobre as ‘velhas’ e as ‘novas’ direitas no Brasil e no mundo.
Notas
3. HERZINGER, Richard. DIE Zeit. 2000.
4. Todas as cidades citadas neste parágrafo estão localizadas na Saxônia no leste da Alemanha.
Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ
Karl Schurster – Professor Adjunto de Teoria e Metodologia da História da Universidade de Pernambuco. Doutor em História Comparada pela UFRJ.
Alemanha-Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino-Americanos / Boletim do Tempo Presente / 2013
A Revista Eletrônica do Tempo Presente/IUPERJ apresenta ao público mais uma edição. Este volume traz o dossiê intitulado Alemanha – Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino Americanos, que reúne artigos de professores e pesquisadores do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin. Este renomado instituto, fundado em 1970, tem como sua principal característica a interdisciplinaridade. O LAI é o maior centro de pesquisa em América Latina na Alemanha sendo um dos maiores da Europa. Sua estrutura agrega os seguintes campos disciplinar: antropologia cultural e social, estudos de gênero, história, literaturas e culturas latino-americanas, ciência política, economia e sociologia. No ano de 2010 foi fundando no LAI o Centro de Pesquisas Brasileiras (forschungszentrum brasilien) com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa sobre a inserção do Brasil no cenário mundial. Além disso, foi inaugurada na instituição, em 2012, a Cátedra Interdisciplinar Sérgio Buarque de Holanda que teve como primeiro pesquisador o historiador Jurandir Malerba da PUC-RGS. Nesse sentido, integrado com as comemorações do ano da Alemanha no Brasil e através de longa parceria com a Freie Universität, a Revista Eletrônica do Tempo Presente, indexada no qualis da Capes, convidou o catedrático de América Latina do LAI, prof. Dr. Stefan Rinke, para organizar um dossiê, juntamente com o prof. Dr. Karl Schurster (Universidade de Pernambuco), composto por quatro artigos, sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no instituto sobre a América Latina, dando maior ênfase ao Brasil.
O dossiê inicia com o texto da professora Debora Gerstenberger (LAI/FU/Berlin) intitulado Globalising Brazilian History: The Case of D. João VI in Brazil, que nos remonta a instalação da corte portuguesa no Brasil no início do século XIX. O instigante texto da professora Gerstenberger nos aponta que por mais estudado que este fato possa ser no Brasil, ainda é muito desconhecido pela comunidade acadêmica internacional, sobretudo pela sua singularidade: a implantação da capital de um império numa colônia. O pesquisador Frederik Schulze (LAI/FU/Frederich Meinecke Institut/Berlin) no artigo, Imigrantes Alemães entre a participação e o papel de vítimas: A transformação de Leopoldina em heroína da independência Brasileira, se debruçou sobre as memórias do processo de independência do Brasil dando ênfase a imagem construída sobre a primeira imperatriz brasileira, Leopoldina como ‘figura heroica’. A pesquisa de Schulze está focada em estudar como diferentes grupos lidavam com a memória homogênea do processo de independência através do estudo de caso da imagem da imperatriz Leopoldina, construída arquetipicamente como a ‘mulher tolerante alemã’. A pesquisa que vem a seguir, mostra e reafirma a natureza interdisciplinar do LAI. Stefan Rinke, no texto Constructions of Femininity and the ‘American Way of Life’ in Latin America in the Early 20th Century: The Case of Chile, faz um sistemático estudo sobre o feminismo no Chile mostrando sua relação com o movimento macro, mundial e suas peculiaridades locais. Seu texto, além de uma narrativa leve e agradável, apresenta um grande rigor teórico e metodológico. Constrói sua hipótese defendendo a ideia de que as feministas chilenas, apesar de opiniões políticas distintas, lutaram por uma forma bastante peculiar de identidade feminina que difere largamente dos modelos estrangeiros. Rinke, baseado amplamente em fontes, traçou um panorama da construção da feminilidade e influência dos EUA, através do American way of life, na sociedade chilena. O professor Georg Fischer no ensaio A crise ecológica na América Latina e a história ambiental, nos provoca fortemente a refletir sobre como a perspectiva histórica poderia contribuir para o entendimento da crise ecológica atual, em especial na América Latina. Além de trazer uma ampla e densa discussão sobre o conceito de crise e um debate historiográfico sobre o nascimento da história moderna ambiental, tanto na Europa quanto na América Latina, o texto de Fischer se localiza dentro da chamada história do tempo presente incluindo na pauta do historiador a tão defendida pelo professor François Bédarida, responsabilidade social.
Além do núcleo central, baseada nos artigos de pesquisadores alemães, a edição também conta com a colaboração de pesquisadores brasileiros através de textos sobre a obra do naturalista alemão von Martius, sobre o aclamado filme Cabaret (1972), que retratou o cenário sociopolítico da Berlim do início dos anos ’30 do século passado, e, um perfil biográfico de um dos mais importantes escritores alemães do século XX Thomas Mann.
Assim, os esforços da equipe da Revista Eletrônica do Tempo Presente em estabelecer parcerias, redes de trabalho, através de projetos de cooperação com as mais importantes e renomadas instituições de pesquisa no mundo reflete amplamente nas contribuições que ora apresentamos nesta edição.
Stefan Rinke – Freie Universität Berlin
Karl Schurster – Universidade de Pernambuco
História e Historiografia da África no Brasil / Boletim do Tempo Presente / 2013
Com enorme satisfação, organizamos e, agora, apresentamos o Dossiê “História e Historiografia da África no Brasil” da Revista Eletrônica do Tempo Presente, publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os artigos e as resenhas aqui contidos são uma pequena amostra da significativa produção historiográfica sobre África produzida no Brasil, realizada por doutores, doutorandos, mestres e mestrandos: fato esse que cada vez mais afirma os estudos africanos em nosso país.
Resolvemos abrir o conjunto temático da revista com o artigo do pesquisador Amailton Azevedo, pois descortina a partir de uma situação familiar – um diálogo entre ele e sua filha – uma reflexão sobre os estereótipos e preconceitos que pesam contra as sociedades e culturas africanas, demonstrando como eles são paradoxalmente e, ao mesmo tempo, muito antigos e também contemporâneos. Denuncia, o articulista, como os paradigmas aviltantes sobre o homem africano penalizaram a sua história no sentido de conquistar um lugar legítimo no mundo acadêmico. Porém, esses não estão presentes apenas no mundo “científico”, internalizaram-se quotidianamente nos corações e mentes dos brasileiros, dos africanos e dos afrodescendentes. Retoma-se, no escrito de Azevedo, o que existe de original, diferente e libertador nas culturas africanas. Entretanto, a África não é uma terra idílica, onde tudo se apresenta bom e perfeito, mas uma terra humana com valores e desvalores específicos como todos os outros continentes.
O artigo Imagens da África: entre a violência discursiva e a produção da memória de Amailton Azevedo fornece, portanto, uma base reflexiva para que aprofundemos como o Brasil construiu um saber, do ponto de vista das Ciências Naturais, sobre a África desde os fins do século XVIII, acoplado aos interesses das Humanidades e da Economia. Vemos no texto do Professor Sílvio Marcus de Souza Correa como, na ilustração brasileira, já estavam presentes alguns dos estereótipos e preconceitos analisados por Azevedo. Na narração de Primeiras contribuições do pensamento ilustrado brasileiro a uma história da África, Correa ressalta a visão dos nossos naturalistas viajantes se inserir no senso comum de então – só de então? – de que a religião dos negros era fanática e supersticiosa, seus hábitos indisciplinados, preguiçosos ou vadios, pouco zelosos em suas habitações, sendo até praticantes de antropofagia! Como vemos a longa duração braudeliana – mais que quinto secular – das intolerâncias em relação ao continente africano são ratificados por esses dois brilhantes articulistas, abrindo nossas sensibilidades para as leituras que nos propicia esse Dossiê.
Bruno Rafael Véras de Morais e Silva, no artigo A Medicina Empírico-Metafísica dos Tsonga do Sul de Moçambique: Arte Médica, Magia, Doença e Cura através da obra do missionário suíço Henri A. Junod, traz-nos a visão desse suíço, missionário e médico, da virada do século XIX para o XX, que fora para o meio dos Tsonga em Moçambique, objetivando produzir novos sujeitos negro-africanos mais afáveis e submissos aos homens brancos. Nessa tarefa, conjugou o aprendizado da língua desses povos com a passagem dos textos sagrados cristãos para esse idioma africano; relatou e classificou os seus costumes e “criou”, para o saber colonial, a etnia Tsonga, ao arquitetar-lhe um etnônimo e traços diacríticos. Silva mostra como os brancos estavam gerando novos sujeitos africanos na religião, na cultura e na etnologia, conjugando, na ação do missionário-etnólogo Junod, sentidos científicos e práticos, um exemplo do conhecer para estabelecer poderes, ou seja, do saber-poder. Em suas diferenciações entre Magia e Religião, Junod, na construção de seu saber sobre os Tsonga, estabeleceu as hierarquizações inferiorizantes para o que é culturalmente africano.
Dando sequência a essa relação entre biografia e história, Antonio Evaldo Almeida Barros traz-nos agora John Dube e os Desafios da Segregação na África do Sul. O personagem Dube, um zulu proeminente, educado em escola em que se proibia falar sua língua zulu, escreveu, talvez em resposta a essa interdição, o primeiro romance nesse idioma. Esse homem, que em si hibridiza diferentes tradições – a zulu e a ocidental-cristã -, foi marcado profundamente por essas influências em suas ações, tornando-se assim um ardoroso promotor da ascensão social do negro sul-africano. Após a crise do sistema político segregacionista, tornou-se uma figura reabilitada em plenitude por suas ligações com o Congresso Nacional Africano. O texto de Barros, portanto, é uma manifestação de que as trajetórias humanas não são feitas sempre por coerências e as contradições são mais constantes do que queremos. Dube, crítico às relações de submissão da mulher ao androcentrismo nas sociedades sul-africanas, postulou a equiparação hierárquica dos gêneros posição à frente de sua época. Pediu representatividade no governo para os negros sulafricanos, revelando a luta desses por uma política que lhes reconhecesse direitos. Ao acusar os brancos racistas por sua política de aviltamento econômico, cultural e social dos negros, não eximiu os últimos de serem também responsáveis por algumas de suas mazelas. Ou seja, conhecemos um personagem complexo como as relações sociorraciais da África do Sul do seu tempo.
As narrativas missionárias na Zâmbia são trazidas ao nosso exame por Jefferson Olivatto da Silva, ressaltando a importância documental desse tipo de relato, alertando-nos para sempre analisar os fatos aí expostos, levando em conta os filtros ideológicos, em especial religiosos, que perpassam os documentos. Entretanto, a riqueza de descrições sobre o quotidiano que esses escritos – muitas de caráter prosaico como caçadas, doenças, brigas entre outros – é de suma relevância. Seu artigo A Dupla Sondagem para interpretar as Narrativas Missionárias Católicas na Zâmbia também traça-nos uma tipologia dos textos missionários, marcando as características e a relevância desse tipo de fonte.
O belíssimo texto de Robson Dutra, O Brasil na África, a África no Brasil, reata ambas as margens do Atlântico sul, assim como relembra-nos de sua continuidade com o Índico, assinalando a influência da literatura brasileira nas literaturas de Angola, Cabo Verde e Moçambique, não só em seus movimentos e órgãos de divulgação fundantes, assim como em suas mais recentes gerações de escritores. Afinal, o Brasil surge como modelo alternativo às normas estéticas e linguísticas que emanam da metrópole e ajuda a germinar novidades rebeldes nas caçulas literaturas coirmãs.
Ao se voltar para o trabalho intelectual de um dos escritores africanos, o artigo Pepetela: Fragmentos de uma trajetória retoma essa inspiração do Brasil na formação literária do renomado escritor angolano e, entrelaçando história e biografia, analisa fragmentos de um depoimento de Pepetela em 2008. Esses extratos relatam momentos da infância e juventude do ainda anônimo Artur Pestana, as influências culturais sofridas em tenra idade, o meio social e cultural benguelense, seus estudos na metrópole, sua adesão política ao MPLA, seus amores e desafetos com esse movimento político. Revelando esses entrecruzamentos do pessoal com o social, afirma-nos, o articulista, sem o dizer, que a vida e a obra se amalgam, fazendo surgir uma diversidade polifônica. Afinal, um suposto sujeito unificado não é senão entrelaçamentos de vidas de si e de outros, vivenciadas na prosa e no prosaico? Portanto, um não à morte do autor.
Entre o livro, a enxada e a Kalashnikov de Luiz Guimarães Sousa revela os nexos construídos entre cultura, política econômica e “revolução”, nos quais a primeira subordina-se aos interesses das segundas. Essas simbioses envolvem tanto a bandeira do Estado quanto o projeto de construção política de Moçambique, que muitas vezes misturaram e confundiram a identidade nacional em projeto e a identidade nacional em processo. Esse “homem novo” moçambicano projetado não parece ter sido entendido ou querido por todos os nacionais em formação.
Transportando-nos para a margem de cá do Atlântico, Mauro Marques faz-nos reler as notícias da imprensa sul rio-grandense sobre a morte do Presidente Agostinho Neto, tornado herói máximo no panteão erigido pelo Estado Angolano, apontando alguns limites de informação e de interpretação da mídia imprensa sul rio-grandense, no seu tentar recuperar o que realmente aconteceu.
No artigo Na “Rainbow Nation”: Mudanças Legislativas e Reforma da Terra, Viviane Barbosa presenteia-nos com uma análise detalhada de como as leis sobre a terra foram importantes para construção do Apartheid e como a manutenção das propriedades por elas constituídas mantêm a desigualdade no pós-Apartheid. Logo, alerta-nos que a retirada da apartação jurídica não foi total na África do Sul, pois as regras constituintes da propriedade agrária deixaram os seus frutos vingentes apesar das leis compensatórias para os negros sul-africanos, após a derrocada do regime racista. A reforma agrária antidiscriminatória tem sido lenta na terra de Mandela, apontando que o regime de apartação de certo modo ainda persiste sob a face da nova democracia.
A visão holística e articuladora de Larissa Gabarra sobre a situação da África no contexto histórico após a década de 1970, permeado pelo entardecer da Guerra Fria e o emergir da panaceia neoliberal, permite-nos ter uma visão panorâmica nesse dossiê pejado por pesquisas verticalizadas. A autora não só reflete sobre as direções políticas tomadas pelos governos africanos e pelas grandes potencias, indicando os seus reais interesses e equívocos, como fornece-nos os limites e os descasos na construção dos Estados Nacionais Africanos. Abre-nos também um descortinar sobre as relações Brasil e África, suas possibilidades e entraves. Somos, aqui nesse dossiê, contemplados por uma concepção de conjunto em uma produção científica que cada vez mais se especializa. Todavia, essa abordagem, ao buscar uma totalidade, relembra as articulações existentes aos especializados e sintetiza pedagogicamente os conhecimentos para os novatos no campo. Logo, artigos como esses são muito úteis.
Esse dossiê se finda com duas resenhas magistrais. A primeira foi escrita por Murilo Sebe Bon Meihy sobre o livro recentemente lançado pela pesquisadora Patrícia Teixeira Santos, intitulado Fé, Guerra e Escravidão: uma históriada conquista colonial do Sudão. Sobre a importância deste livro dentro da historiografia brasileira sobre a África, deixamos que as sensíveis e inteligentes palavras de Meihy o façam, pois seria muita pretensão desse apresentador pretender aqui fazer melhor. Contudo, ressaltamos, na resenha, a beleza da narrativa, que não devia ser estranha à História, fato, sempre por nós, historiadores, desejado, mas nem sempre alcançado. O poder instigador do texto que, mais do que resumir, nos faz desejar ler a obra original: eis supremo e ambicionado escopo de toda resenha!
A segunda resenha de Mariana Schlickman percorre cada capítulo do livro coletivo África e Brasil no mundo moderno, organizado por Vanicléia Santos e Eduardo Paiva, incitando-nos a curiosidade sobre esse notável balanço sobre as relações demográficas, econômicas e culturais entre as populações africanas e o Brasil, no período em que esses nexos são regrados pela escravidão. Os autores deste livro fazem parte da melhor plêiade de especialistas existente em nossa historiografia sobre esse extenso período da história africana e também brasileira.
Em suma, este dossiê é, antes de tudo, indiciador de tendências que se estabelecem na atual historiografia brasileira sobre a África. Primeiro, o surgimento de inúmeras pesquisas fora do âmbito da África de colonização portuguesa. Segundo, a pluralidade e diversidade das fontes, de objetos e abordagens utilizadas por essa historiografia. Terceiro, testemunha uma nova etapa já descortinada para a História da África no Brasil, sinalizada pela maturidade, profundidade e riqueza das pesquisas. Estamos aqui, nesta coletânea, dando mais um passo no rompimento do eurocentrismo de nossos currículos e um espaço para novos continentes em nosso saber além da Europa e das Américas. Dessa forma, estamos quebrando multisseculares preconceitos de uma episteme. Por fim, resta desejarmos aos leitores uma deliciosa viagem por essas Áfricas.
Notas
Agradeço a leitura e críticas da Prof. Dr. Fátima Machado Chaves a este texto e aproveito o momento para indicar meu e-mail para que possamos estabelecer diálogo com os leitores: silvioacf@gmail.com
Silvio de Almeida Carvalho Filho – LEÁFRICA/PPHGC/IH/ UFRJ)
Venezuela no Tempo Presente / Boletim do Tempo Presente / 2013
Com enorme satisfação apresentamos o Dossiê “A Venezuela no Tempo Presente” da Revista Eletrônica Boletim do Tempo Presente, uma publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-americana”. Os artigos e as resenhas desse número demonstram, de forma sucinta, a produção historiográfica sobre a Venezuela produzida no Brasil, realizada por docentes e discentes de distintas Instituições de Ensino.
Entre 1999 e 2013, a política sul-americana foi marcada pela onipotente presença de Hugo Chávez (1954-2013). O carismático líder venezuelano liderou um processo transformador que influenciou os demais países sul-americanos, fosse pelo apoio ou pelo repúdio as suas propostas.
Com Chávez, a democracia participativa e “protagônica”, a integração da América Latina, o Socialismo do Século XXI, o antineoliberalismo e o anti-imperialismo passaram a fazer parte do vocabulário político da região no início deste século. Com isso, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda tiveram em tais bandeiras os referenciais para suas lutas contra os poderes estabelecidos em seus países.
Além disso, Hugo Chávez colocou a Venezuela no centro da geopolítica mundial. O país deixou ser reconhecido internacionalmente apenas pelo petróleo, pela beleza de suas praias caribenhas e por suas mulheres (vide os títulos do país nos concursos de Miss Universo!). As posturas internacionais de Chávez e da sua diplomacia, que não se limitaram à defesa da integração sul-americana, chegando a questões de interesse internacional, que fizeram com que o país se tornasse um ator central em inúmeros debates globais.
O fortalecimento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o repúdio às intervenções norte-americanas no Afeganistão e Iraque, as críticas às posturas israelenses com os palestinos, a defesa global do meio-ambiente, entre outros, consistiram em exemplos da ação externa venezuelana durante a presidência “do Comandante”.
Destacaram-se, também, os enfrentamentos aos líderes de países considerados imperialistas por Chávez. O seu discurso na ONU em janeiro de 2007, no qual chamou o ex-presidente norte-americano George W. Bush de “Diabo” e as provocações ao rei espanhol Juan Carlos durante a Cúpula Ibero-Americana em novembro do mesmo ano, que gerou a reação do monarca espanhol com a frase “Por que no te callas?”, se tornaram os principais exemplos do estilo irônico e provocador utilizado pelo ex-presidente venezuelano na relação com os líderes de países considerados imperialistas.
Internamente, Chávez implantou medidas e realizou propostas que influenciaram partidos políticos e movimentos sociais de países latino-americanos. A defesa da democracia participativa, a refundação nacional por meio de Assembleias Constituintes e o novo socialismo entusiasmaram ativistas políticos de outras nações, principalmente, da Bolívia e Equador, que viram em Chávez a sua grande referência.
Durante o seu governo, a Venezuela mudou socialmente em razão da efetiva distribuição de renda, como veremos nos artigos dessa edição, e fortaleceu a sua democracia. Em 2013, 87% dos venezuelanos apoiam a democracia, índice que era de 60% em 1998, ano em que Chávez foi eleito, segundo relatório do Latino Barômetro divulgado em novembro de 2013.[i]
Os últimos meses foram marcados pela inércia do governo de Nicolas Maduro, que transpareceu a sensação de paralisia pelos efeitos da crise econômica e pela apertada vitória contra Henrique Caprilles nas eleições de abril de 2013. A proposta de Lei Habilitante indicada pelo presidente e aprovada em novembro último pelo parlamento materializou o desejo do governo Maduro de fortalecer a capacidade de intervenção estatal em áreas consideradas estratégicas. Com isso, o presidente venezuelano poderá governar por decretos durante 12 meses em questões referentes à corrupção e na área econômica.[ii]
Cremos que a Lei Habilitante marcou uma primeira diferença entre os estilos de Chávez e Maduro. O primeiro, provavelmente, buscaria um referendo popular para a aprovação dessa lei, haja vista que a oposição ao governo bradou nos últimos meses que o chavismo estava perdendo força.
Ao invés de realizar uma consulta popular, que em um cenário de vitória fortaleceria a presidência, o governo institucionalizou o debate, aprovando-o no parlamento de maioria psuvista. Com isso, Maduro perdeu a oportunidade de demonstrar a possibilidade de existência de um “chavismo sem Chávez”, algo que de certa forma se desenhou nas eleições municipais de 08 de dezembro. Esta foi marcada por mais uma vitória eleitoral do chavista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) com aproximadamente 49% dos votos contra 40% da Mesa da Unidade Democrática (MUD), liderada pelo ex-candidato presidencial Henrique Caprilles.[iii] O presente número da Revista Boletim do Tempo Presente debate a Venezuela de Hugo Chávez e as possíveis continuidades do fenômeno do chavismo. Sem dúvida, o presidente ingressou na lista dos grandes líderes políticos latino-americanos e já tem seu nome gravado na história da região, o que faz com que a análise das causas e implicações do fenômeno seja necessária para os que acompanham o Tempo Presente da América Latina.
Esta edição é composta por onze artigos de professores de diversas Instituições de ensino do Brasil e da Venezuela. Conta também com resenhas de dois livros e de um filme, além dos perfis de Nicolas Maduro e Diosdado Cabello, duas das principais lideranças do chavismo após o falecimento de Chávez.
A revista está organizada em cinco seções. Na primeira, apresentamos as contribuições dos professores André Coelho, Claudia Wassermann e Wagner Pinheiro. Esses artigos debatem a instabilidade institucional na América Latina ao longo do século XX e uma das expressões desse fenômeno: a ascensão de lideranças políticas que personificam sujeitos políticos coletivos.
Os artigos desta parte tratam, ainda, das razões que tornaram Hugo Chávez a expressão das insatisfações políticas dos venezuelanos com o Pacto de Punto Fijo, que estabeleceu os parâmetros da democracia venezuelana entre 1958-1998. Para eles, a transformação de Chávez em mito político decorreu, entre outras causas, do apoio ao protagonismo popular por meio da democracia participativa. Neste sentido, Chávez contribuiu para o fortalecimento das instituições democráticas venezuelanas ao reinventar o agir político venezuelano.
A segunda seção é composta por artigos dos professores Felipe Ador, Mariana Bruce e Wallace Moraes, que se dedicam a exemplificar duas questões chaves para refletirmos o chavismo: a democracia participativa e a proposta do socialismo do século XXI.
Nos artigos de Mariana Bruce e Felipe Ador, observamos a construção da democracia participativa, elemento fundamental para a proposta do socialismo do século XXI. Para ambos, a demanda por participação era uma bandeira do movimento social antes da eleição de Chávez em 1998. O grande mérito do presidente foi, assim, apoiar a sua implantação após a eleição. As análises da democracia participativa ocorreram nos artigos a partir dos estudos, respectivamente, dos Consejos Comunales e da implantação da democracia participativa no Município venezuelano de Torres, no Estado Lara.
Já Wallace Moraes apresenta uma análise da democracia participativa e do socialismo do século XXI. O autor discorre sobre as principais políticas públicas do chavismo e a proposta do socialismo do século XXI, comparando-a com outras vertentes do socialismo. Além disso, ele aponta duas possibilidades de interpretação para o chavismo: o seu caráter legalista e a definição de capitalismo de las calles para o fenômeno em razão das reformas sociais do governo em consonância com as reivindicações populares.
A terceira parte traz os artigos das professoras venezuelanas Maria Hernandez Barbarito e Francis Lopes e do professor Vicente Neves. Os seus textos refletem sobre a dependência venezuelana em relação à exploração de petróleo, as disputas internas em torno do controle da exploração desse hidrocarboneto e o seu uso pela diplomacia venezuelana para o desenvolvimento da integração latino-americana. É dada uma especial atenção à proposta chavista da Alianza Bolivariana das Américas (ALBA), que propõe um modelo de integração de laços solidários e cooperativos, diferenciado dos que predominam na América Latina.
A quarta seção é dedicada ao debate das políticas externa e de defesa da Venezuela de Chávez. O artigo do professor Leonardo Valente discute a política externa de Chávez, demonstrando as rupturas e continuidades em relação à política externa do país na segunda metade do século XX. Segundo ele, a política externa de Chávez não rompeu com aspectos da diplomacia venezuelana puntofijista, tais como: fortalecimento da OPEP, independência na política externa e defesa da integração latino-americana.
Já o texto do professor Ricardo Cabral, também incluído nessa seção, tem como ponto central a questão da política de defesa de Hugo Chávez. Para tal, o autor analisa as transformações nas Forças Armadas, as dinâmicas de integração e segurança sul-americanas. Além disso, há uma abordagem sobre os principais contenciosos dos venezuelanos com os seus vizinhos sul-americanos.
Por fim, a quinta seção está dividida em resenhas e perfis. Há resenhas dos livros “El Código Chávez” e “Todo Chávez: De Sabaneta al socialismo del siglo XXI” que retratam momentos relevantes do chavismo, a análise do filme “Ao Sul da Fronteira”, do cineasta Oliver Stone, e os perfis de dois dos principais nomes do chavismo pós Chávez, Nicolas Maduro e Diosdado Cabello.
Boa Leitura!
Notas
[i] Informe Latino Barômetro 2013. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp Acesso: Nov/2013. [ii] Revise el contenido de la Ley Habilitante. Disponível em: http://www.el-nacional.com/politica/Contenido-Ley-Habilitante_0_283171683.html Acesso: Nov/2013. [iii] Sobre os resultados preliminares das eleições municipais de 08 de dezembro, ver: Venezuela: partido de Maduro vence eleições municipais, mas perde terreno para oposição. Disponível em:http://oglobo.globo.com/mundo/venezuela-partido-de-maduro-vence-eleicoes-municipais-mas-perde-terreno-para-oposicao-11009697 Acesso: Dez/2013 e 10 curiosidades numéricas que dejó el 8-D. Disponível em:http://www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/actualidad/politica/10-curiosidades-numericas-que-dejo-el-8-d.aspxAcesso: Dez/2013.Rafael Pinheiro de Araujo
Tempo Presente | UPE | 2012
O Laboratório de Estudos do Tempo Presente responsável pela revista eletrônica trimestral Boletim do Tempo Presente (Recife, 2012-), informa a todos os interessados em apresentar artigos e resenhas para publicação que continua recebendo artigos e resenhas em fluxo contínuo.
Serão bem-vindas produções de historiadores, geógrafos, cientistas sociais, filósofos, jornalistas, administradores, economistas, psicólogos, estudiosos das relações internacionais, dos meios de comunicação e demais áreas das ciências humanas.
América Latina frente a pandemia do Covid-19 / Boletim do Tempo Presente / 2020
A pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) inseriu a humanidade em uma profunda crise sanitária, socioeconômica e psicológica, cujos efeitos políticos se demonstram imprevisíveis. O pânico decorrente da possibilidade de contração da doença afetou o bem-estar individual e coletivo, ao mesmo tempo em que gerou diversas preocupações com o futuro. Esse mal-estar, de uma sociedade sem horizonte de expectativas, levou a diversas crises no modelo de representação, das instituições políticas e das formas de organização social.
Paralelamente a este processo, a COVID-19 fortaleceu críticas às práticas econômicas neoliberais, acentuando as disparidades econômicas entre os países que compõem o sistema internacional. Ao mesmo tempo, o vírus expôs as profundas desigualdades sociais, em especial em países da América Latina, Caribe e África. A pandemia deixou em evidência, para parcelas da sociedade civil, as mazelas que envolvem o dia a dia dos segmentos sociais pauperizados, como ashabitações precárias, que tornaram o distanciamento social irrealizável, até mesmo desumano, ou os deletérios efeitos da informalidade no mercado de trabalho.
Na América Latina e Caribe, relatórios preliminares sobre os efeitos sociais e econômicos da pandemia, organizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a CEPAL, projetaram cenários desalentadores. Vislumbram-se retrações de até 23% no Comércio Internacional, 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o PIB per capita regional deve retroceder aos patamares do ano de 2010, ocasionando, assim, uma nova década perdida. A pobreza e a extrema pobreza devem elevar-se, respectivamente, em 7,1% e 4,5%. Com isso, em torno de 327 milhões de latino-americanos (52,8% da população local) estarão na condição de extrema pobreza ou pobreza ao fim de 2020.[1]
A pandemia também impactou as Relações Internacionais. O cooperativismo e o multilateralismo consistiram em um dos seus efeitos, como observamos no apoio às iniciativas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à pandemia. No entanto, em paralelo, notamos uma ampliação das disputas entre as potências internacionais. A “corrida global” para a descoberta de uma vacina, o fortalecimento da autonomia do Estado-Nação e o robustecimento das tensões entre norte-americanos e chineses, causadas pela narrativa de Donald Trump acerca da “cupabilidade chinesa” pela pandemia, evidenciaram isso.
O Sars-Cov-2 demonstrou os efeitos da racionalidade moderna, impulsionada pelo neoliberalismo e globalização, que submeteu as sociedades globais à espoliação, à reprodução do capital e a um desprezível individualismo. Assim, esse dossiê, que atesta os esforços das Universidades em entender o complexo presente, buscará debater os múltiplos impactos econômicos, sociais, políticos, psicológicos, educacionais e culturais causados pela pandemia nos dez artigos que o compõem.
Em Pandemia e Cosmovisões – Solidão, Medo e Morte Maria Teresa Toribio Brittes Lemos realiza um breve histórico das epidemias a partir de uma narrativa que percorre suas ocorrências da Antiguidade à COVID-19. A autora ressalta sentimentos, como a angústia, o medo e a solidão, ocorridas em outros momentos pandêmicos da história da humanidade e destaca os efeitos desses eventos nas memórias coletivas e nos imaginários sociais com o intuito de observar possíveis sequelas, individuais e coletivas, da atual pandemia para as nossas sociedades.
Johannes Maerk, em Será la pandemia de Covid-19 el fin del neoliberalismo?, aborda os impactos socioeconômicos e políticos da crise da década de 1929 nos países ocidentais, a teoria keynesiana e o modelo de Indústrias de Substituições de Importações (ISI). Ademais, o artigo analisa as motivações para a implementação das práticas políticas e econômicas neoliberais a partir da década de 1970 em diversos países e traz pertinentes reflexões sobre a possibilidade de surgimento de um modelo alternativo a este, em virtude dos impactos econômicos e sociais da atual pandemia.
No artigo América Latina e os Impactos Estruturais Ocasionados pela Covid-19, Paulo Maurício do Nascimento abordou os resultados estruturais da pandemia em nível global e, em especial, na América Latina e Caribe. Destacam-se a abordagem acerca das suas consequências econômicas e as ações governamentais adotadas nos seguintes países: Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Paraguai e Peru.
Oscar Barboza Lizano, em Disputas Imperiales: Mirares de la pandemia COVID-19 desde Centroamérica, avaliou os impactos comerciais, políticos e diplomáticos decorrentes da pandemia. O artigo tem o mérito de analisar os seus efeitos nos espaços centro-americanos e caribenhos, além de tecer breves considerações sobre as conjunturas de países que enfrentaram recentemente um ciclo de instabilidade política, como Bolívia e Chile. Além disso, há uma importante avaliação das disputas entre China e Estados Unidos no sistema internacional, aspecto este relevante em virtude da recente guerra comercial entre as duas superpotências.
Alberto Dias Mendes, em Pandemia, Cuba e a revolução solidária, avalia as repercussões da COVID-19 na China, Europa e na América Latina e Caribe a partir de uma minuciosa comparação entre o número de casos e óbitos em países selecionados entre março e setembro de 2020. O autor localiza, ainda, a pandemia e os seus efeitos como parte de uma crise civilizatória e ressalta o papel das Brigadas Médicas Henry Reeve no combate interno ao vírus e em ações de solidariedade internacional.
Em A pandemia da COVID-19 e as mudanças na atuação docente: o trabalho em casa como (falta de) estratégia didática, José Lúcio N. Jr e Patrícia Mª P. do Nascimento abordaram os efeitos da pandemia na prática docente e na sala de aula. Ressalta-se a importante diferenciação entre o Ensino à Distância e o Ensino Híbrido, este imposto à prática docente em decorrência da pandemia e que é baseado na ampla utilização de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, aos quais grande parte dos docentes não estava (ou está!) habituada. O trabalho tem o mérito de trazer pertinentes reflexões para educadores e setores da sociedade civil que, hoje, preocupam-se com os rumos da educação brasileira, sobretudo do setor público, em um momento de inviabilidade de aulas presenciais e de acefalia do Ministério da Educação.
André Luis Toribio Dantas, em Educação Remota em um contexto pandêmico: Isonomia e Universalidade – Educação Pública/RJ, examinou os impactos da COVID-19 na educação pública do Estado do Rio de Janeiro. As dificuldades de implementação do Ensino Híbrido motivadas, entre outras razões, pelo não acesso dos estudantes à internet e plataformas digitais, e os resultados da suspensão das aulas presenciais na comunidade escolar estiveram entre alguns dos elementos que compuseram as pertinentes reflexões do autor sobre as repercussões da pandemia no ensino público.
No artigo Povos Indígenas do Brasil: Um novo capítulo de uma velha história, Aimée Schneider Duarte avaliou os efeitos da COVID-19 sobre as populações indígenas brasileiras e as medidas implantadas pelo governo de Jair Bolsonaro na mitigação dos impactos da pandemia sobre os nossos povos originários. Igualmente, há uma análise histórica da participação indígena e dos seus apologistas na Constituinte de 1987-1988 e algumas medidas legais implantadas para a sua proteção.
Em Possíveis cidades pós-pandêmicas: COVID-19 e a passagem da cidade modernista à cidade “não moderna”, Rodrigo Agueda analisou as consequências sociais da pandemia e as suas possíveis influências no meio urbano. O artigo aponta que os aspectos excludentes das grandes cidades devem permanecer, apesar de, mundialmente, existirem debates relevantes acerca do aproveitamento do contexto pandêmico para se debater mobilidade urbana e organização espacial das cidades.
Anderson Barbosa Paz em O Papel dos Estados da América Latina em Tempos de Pandemia Global a partir do pensamento de John Keynes examinou alguns elementos da teoria keynesiana e a importância de existência de políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia entre as populações latino-americanas.
1. As informações aqui inseridas foram retiradas do Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe – Impacto económico y social. Disponível em: https://www.cepal.org/es/temas/covid-19. Acesso: Nov/2020.
Érica Sarmiento – Professora adjunta de História de América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista Produtividade CNPQ nível 2, pesquisadora Jovem Cientista Nosso Estado-FAPERJ (2014-2017; 2017-2020). É coordenadora do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi) e coordenadora do mestrado do Programa de Pós Graduação em História (UERJ). Pós-doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em história pela Universidade de Santiago de Compostela na área de América e Contemporânea. Foi Professora visitante no Instituto de Estudos da América latina (ILAS), Universidade de Columbia (Nova York) e na Universidade de Santiago de Compostela.
Karl Schurster – Professor Livre Docente da Universidade de Pernambuco. Pós Doutor pela Freie Universität Berlin. Organizou juntamente com Francisco Carlos Teixeira da Silva e com Francisco Eduardo Alves de Almeida a obra Atlântico: a história de um Oceano (Civilização Brasileira), vencedora do prêmio jabuti (2º lugar em Ciências Humanas 2014). É professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Pernambuco. Foi bolsista do Instituto Yad Vashem em Jerusalém/Israel (2014) onde desenvolve pesquisa sobre a memória do Holocausto, recebendo nova bolsa de estudos em 2018. É Diretor de Relações Internacionais, exerce a coordenação científica da EDUPE/UPE e é Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Ensino de História/ProfHistoria – UPE.
Rafael Araujo – Professor Adjunto de História da América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC)/UFRJ. Doutor em História pelo PPGHC/UFRJ (2013). Participa como historiador convidado do projeto “1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War” organizado pela Freie Universität e pelo Friedrich-Meinecke-Institut. Membro do Grupo de Trabalho (GT) de Ensino de História e Fontes da ANPHLAC. Pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Imigração (LABIMI)/UERJ e ao Grupo de Estudos Sociocultural da América Latina da Universidade de Pernambuco (UPE).
Integralismo brasileiro: passado e tempo presente / Boletim do Tempo Presente / 2012
A Revista Eletrônica do Tempo Presente traz nessa Edição Especial o tema do Integralismo no Brasil, a partir da contribuição de especialistas e estudiosos do tema de partes diferentes do país.
Colaboram com essa Edição João Fábio Bertonha da Universidade Estadual de Maringá e coordenador do Laboratório do Tempo Presente da UEM, também conhecido especialista dos estudos do integralismo no Brasil e suas relações com o fascismo italiano. Nesta edição ele nos oferece uma discussão sobre questões metodológicas para o estudo do antissemitismo integralista. Na sequência temos uma analise da imprensa integralista, particularizando-se o caso da Revista Anauê e sua circulação num ano que foi crucial para o crescimento dos integralistas, 1935, com Rodolfo Fiorucci do Instituto Federal do Paraná (IFPR/Jacarezinho) e Doutorando pela UFG, estudioso do integralismo desde os tempos de Mestrado.
As relações externas do integralismo com o nazismo não poderiam deixar de ser contempladas nessa Edição. Nesse lugar, temos a contribuição da Ana Dietrich, da Universidade Federal do ABC, especialista nos estudos do nazismo no Brasil e suas relações com o Integralismo no Sul do país, com uma importante contribuição acerca das percepções de Hitler sobre essa relação.
Outra importante contribuição à edição vem do também especialista no tema Renato Dotta da Universidade Federal do ABC nos dando a conhecer da trajetória do integralismo brasileiro desde a fundação da Ação Integralista Brasileira em 1932 até a atualidade, incluindo-se uma reflexão da utilização dos ciberespaços utilizados pelos chamados “Neo-integralistas”.
No âmbito da história do tempo presente do integralismo temos a oralidade e a memória dos que viveram a experiência do integralismo na contribuição de Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro, da Universidade Federal Fluminense. Especialista em estudos da memória integralista, ela nos brinda com uma discussão bem atual do movimento a partir do tema “Uma velha novidade: o integralismo no século XXI”.
Informamos aos leitores que o integralismo brasileiro teve seu início em 1932 com o lançamento do Manifesto de Outubro de 32, atuando oficialmente até 1937, quando foi proibido por decreto do Estado Novo. Em 1938, alguns integralistas tentaram derrubar Getúlio Vargas, através de uma invasão armada à residência presidencial no Rio de Janeiro, sendo a partir daí objeto de perseguição e controle da polícia política. Seu líder Plínio Salgado foi enviado para exílio em Portugal, onde ficou até 1946. Voltando ao Brasil fundou o PRP (Partido de Representação Popular) com o qual compareceu novamente ao campo político brasileiro na dita democratização do país. Durante o regime militar continuou atuando, agora ao lado dos militares, até 1975, quando veio a falecer. Alguns militantes e seus herdeiros, contudo, nunca esqueceram o “Chefe” e continuam até nossos dias circulando em algumas capitais do país e, principalmente, através da internet.
Desta forma, apresentamos nesta edição um tema de suma importância para nossa vida política e, com isso, esperamos levar uma contribuição aos interessados em estudar e conhecer mais detalhes do que foi esse movimento, tido como o “fascismo brasileiro”.
Giselda Brito Silva – Coordenadora do Núcleo de Documentação de Historiografia das Ditaduras e do Autoritarismo no Tempo Presente e professora da UFRPE.
Argentina hoje / Boletim do Tempo Presente / 2012
O Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade do Brasil / UFRJ publica o primeiro número da Revista Eletrônica do Tempo Presente / UFRJ. Este primeiro número, por sua vez em abertura de uma nova série, terá o caráter de número especial ao compor um dossiê sobre a Argentina contemporânea, agora denominado “Argentina, hoje”. Escolhemos como motivo para tal dossiê especial a Argentina, não apenas pelo seu peso como a mais destacada parceira histórica do Brasil na América do Sul – e aí devemos sublinhar dimensões políticas, comerciais e estratégicas – como pelo destaque contido na própria importância enquanto país influente na comunidade internacional e membro constante do grupo das vinte mais relevantes economias globais, o G20. Não deixamos de notar, ainda, a relevância argentina para as instituições, a política, a cultura e a constituição da unidade sul-americana.
Neste mesmo sentido, notamos o protagonismo argentino nas relações internacionais, com a retomada do desenvolvimento econômico, cujo ponto de destaque se demonstrou nas nacionalizações destacadas do governo Cristina Kirchner (2007-) em 2008, com o resgate das Aerolíneas Argentinas, e em março de 2012, a suspensão do contrato de concessão dos jazimentos petrolíferos nas mãos da Repsol YPF, culminando na expropriação da majoritariedade das ações desta mesma empresa em Abril. Ao mesmo tempo e no mesmo sentido da retomada do discurso e ação sobre a soberania nacional como demanda, a crise das Malvinas ressurge no seu trigésimo aniversário como forma de tensão diplomática, em função da presença acusada de jazimentos de petróleo e gás. As Américas se manifestaram de apoio na Cumbre de las Americas de 2012, em Cartagena de las Indias, Colômbia.
Este número conta com especialistas brasileiros e argentinos sobre o tema. Entre os especialistas argentinos, está o prof. Hector Saint-Pierre (Professor Titular em Segurança Internacional e Resolução de Conflitos da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP), e diretamente da Argentina, dando prosseguimento a uma tradição de cooperação entre o TEMPO / UFRJ e Universidad Nacional de La Plata / Instituto de Relaciones Internacionales, estão os artigos de Laura Bogado Bordazar & Laura Maira Bono, professoras do instituto argentino, bem como Julia Esposito. Dois pesquisadores brasileiros, Maria Paula Nascimento Araújo, Professora Associada de História Contemporânea, e Iuri Cavlak, Professor Adjunto da Universidade Federal do Amapá, estão presentes neste número especial.
Procuramos ainda construir um diálogo intenso sobre a questão das Malvinas através de uma entrevista, sob a forma de mesa redonda, com estes mesmos especialistas mais o Norberto Osvaldo Ferreras, argentino, Professor Associado da Universidade Federal Fluminense, sobre o significado atual da crise das Malvinas. Este dossiê, além dessa reforçada contribuição com artigos de nível doutoral e entrevistas, apresenta resenhas fílmica e literária sobre obras de destaque notadas internacionalmente, e ainda a contribuição discente em formação do exercício de perfilagem biográfica e de alguns dos mais relevantes documentos impreteríveis para a análise histórico-política das relações internacionais do país com o mundo.
Por fim, é necessário mencionar o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-Americana”, sem os quais os últimos avanços e intentos em pesquisa não seriam possíveis. Nessa direção, os trabalhos aqui apresentados são parte integrante e constitutiva dos resultados deste projeto.