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History in Times of Unprecedented Change: A Theory for the 21st Century | Zoltán Boldizsár Simon
Não são poucos os intérpretes que tendem a enxergar a assim chamada filosofia da história a partir de uma divisão entre aqueles que seriam, por um lado, os interesses dedutivo-especulativos desse campo e por outro, as suas preocupações analíticas. Se a primeira dessas linhas de interesse se debruça sobre os sentidos e propostas da história vista como um processo, a segunda trata dos fundamentos da história entendida enquanto um saber (Tucker 2009, 3-4; Doran 2013, 6-7; Paul 2015, 3-5). É mais ou menos consensual, de igual modo, que essa divisão entre especulação e análise acentuou-se a partir da segunda metade do século XX, com o esgotamento dos grandes modelos filosóficos que visavam dotar de sentido o processo histórico, analisando-o sob a otimista ótica moderna do decurso do tempo. Incapaz de especular sobre “a história em si” (fragmentada pelos traumas da primeira metade do século passado), a filosofia da história passou a se preocupar cada vez mais com os contornos do próprio conhecimento histórico1. Nas últimas cinco décadas, essa divisão não apenas se intensificou como a filosofia da história viu o seu escopo ser reduzido drasticamente em duas linhas gerais de interesse: a análise das experiências temporais e o estudo das narrativas. Se no primeiro caso predominaram teses sobre as limitações das formas modernas de trato com o tempo (como a famosa discussão a respeito do “presentismo”), no segundo, prevaleceram estudos preocupados em desnudar o caráter incontornável da linguagem na produção de conhecimento e nas formas de relação com o passado. Por maiores que sejam os esforços em apartar essas duas tendências, elas apontam para uma característica comum tanto à experiência quanto ao conhecimento histórico nesse início de século XXI: para o imobilismo engendrado pelas consequências presentistas e narrativistas derivadas da filosofia da história contemporânea. Leia Mais
Imagining Xerxes: Ancient Perspectives on a Persian King | Emma Bridges
A classicista Emma Bridges, sob orientação de Edith Hall e Peter Rhodes, empreendeu uma tese de doutorado na Universidade de Durham que gerou, posteriormente, o livro Imagining Xerxes. Com a premissa ousada de analisar a construção das representações sociais do monarca persa Xerxes durante toda a Antiguidade, a autora passa pelas mais diferentes fontes, contextos sociais, temporais e espaciais. Publicação recente da editora inglesa Bloomsbury e sob supervisão de dois acadêmicos conhecidos na área dos estudos clássicos, a obra ainda não é vendida no Brasil, tampouco possui tradução para a língua portuguesa.
Imagining Xerxes insere-se no panorama de produção historiográfica anglófona da última década que tem abordado governos autocráticos não só entre os helenos, mas também entre os povos com quem tinham contato. Esses estudos não tomam os helenos como um grupo isolado, mas sempre em relação, seja pacífica ou conflituosa, com os demais povos. Pode-se incluir nessa tendência, entre outros, os classicistas Lynette Mitchell, Jonathan Hall e Edith Hall. Dentre aqueles que são considerados pelos helenos como bárbaros e analisados pelos acadêmicos, os persas possuem uma maior visibilidade.
O monarca persa da dinastia Aquemênida é quase sempre lembrado nas fontes gregas e romanas pela sua tentativa falha de conquistar a porção continental da Hélade, apesar de aparentemente apresentar a vantagem de ter à sua disposição um exército esmagadoramente maior que de seus oponentes, formados por uma união de pólis que se negaram à submissão ao poder dito despótico e bárbaro. É exatamente nesse ponto no qual a autora inicia sua análise das fontes antigas.
A invasão persa gerou respostas rapidamente no imaginário ateniense, iniciando-se uma longa série de construções e reconstruções das representações sociais acerca desse personagem. É importante frisar que a autora não visa alcançar uma imagem única e verdadeira, para chegar a algo como o Xerxes histórico. A preocupação ao longo dessa obra é analisar “as abordagens literárias à figura desse rei visando considerar as formas em que essas adaptações e deformações das tradições de Xerxes (…) foram conformadas pelos diversos contextos em que foram produzidas.”[1]
Sempre atenta aos contextos em que foram produzidas essas representações do rei persa, a autora empreende a análise da primeira fonte conhecida que trata do mesmo. É a tragédia Os Persas, de Ésquilo. Tal obra teria iniciado o repertório de imagens que seriam retomadas por uma série de autores durante toda Antiguidade e também nos períodos históricos posteriores, até a contemporaneidade. A face de um invasor estrangeiro, poderoso, confiante, irreverente aos deuses e insolente que se transforma, após a derrota na batalha naval de Salamina, em um homem humilhado, ridicularizado e desmoralizado é abordada por Ésquilo ao longo da encenação trágica. A mudança nos rumos de sua fortuna é acentuada pela diferença entre o princípio da encenação, onde o coro canta a visão formidável do rei e de seu exército, e a entrada do personagem de Xerxes em cena, já maltrapilho e em fuga após a grande derrota naval frente aos gregos. Xerxes já não aparenta ser a sombra do que era anteriormente à invasão da Hélade. Ésquilo não é o único autor a dar voz a um rei persa derrotado e lamentador de sua desventura, o poeta ditirâmbico Timóteo de Mileto também apresenta seu próprio Os Persas, focando no infortúnio do monarca.
As representações não permanecem só no campo artístico, mas logo se expandem para o campo da pesquisa histórica. Heródoto de Halicarnasso, apesar de também ter como foco de sua obra Histórias a campanha persa contra os gregos, aborda Xerxes de uma maneira diferente de Ésquilo e Timóteo. O monarca asiático, assim como muitos outros personagens caracterizados como bárbaros, não é visto por Heródoto somente como um invasor estrangeiro e radicalmente oposto à helenicidade. Ele é posto em uma imagem mais humana, sujeita às dúvidas e à fortuna. Segundo a autora, a principal diferença entre Heródoto e a maioria das fontes gregas e romanas é que a polaridade entre gregos e bárbaros é transcendida pelo historiador. A representação de Xerxes construída por Heródoto é complexa e vai além do arquétipo de um déspota bárbaro invasor.
Mais adiante, Emma Bridges trata da literatura ateniense do século IV, onde as Guerras Greco-Pérsicas ainda estão pulsantes no imaginário dos oradores atenienses, como Lísias e Isócrates. Xenofonte também está profundamente ligado ao império persa de seu tempo e dos monarcas aquemênidas anteriores, como fica demonstrado em suas obras Anábase e Ciropédia. Apesar de Xerxes não ser mais o rei, sua imagem é constantemente evocada como uma figura exótica que causa curiosidade ou que assume o papel de inimiga dos helenos, sendo usada para a defesa de um sentimento pan-helenístico. Neste momento é possível ver que a caracterização negativa do persa, marcado principalmente por sua desmedida, já se torna um lugar comum no repertório dos oradores atenienses. A vinculação do império persa com Xerxes também é visível a partir das obras dos autores do século IV.
Quase sempre associado à expedição militar falha de conquista da Hélade, ainda há espaço para outras versões de Xerxes, que tratam das intrigas palacianas e conspirações da corte. Abordando a vida do monarca de dentro de seu próprio palácio, essas narrativas focam principalmente no clima de intriga, excessos, corrupção e decadência do Oriente. Como os autores atenienses do século IV, predomina a imagem negativa do povo persa e de seu monarca. Porém seu foco não é no campo de batalha, mas no interior da corte asiática. Emma Bridges coloca dentro desse grupo um grande número de obras, como as de Ctésias de Cnido, Chariton, e também o Livro de Ester, presente no Antigo Testamento.
O Livro de Ester, que trata da vida da jovem judia em meio às intrigas da corte do imperador persa, não é a única fonte fora do mundo greco-romano a ser analisada em Imagining Xerxes. Inscrições, evidências materiais e esculturas são analisadas para oferecer uma imagem dos monarcas aquemênidas de dentro de seu próprio império. Apesar de diferentes das narrativas ocidentais, essas fontes também não são isentas, pois foram produzidas em um contexto social, cultural e político específicos, sendo profundamente influenciadas pelo mesmo. É importante notar que essas fontes tiveram um caráter oficial, sendo feitas por ordem dos próprios monarcas retratados nelas ou por seus sucessores. Não há, em nenhuma das fontes persas sobreviventes, qualquer menção à campanha militar de conquista da Hélade, quanto mais à sua derrota e seus possíveis reflexos. Não há aspecto mais evidente que esse para demonstrar a diferença entre o olhar persa e grego acerca do reinado de Xerxes.
Já Flávio Josefo, judeu vivendo no período de hegemonia romana, apresenta uma visão peculiar sobre o rei. Apresentado como uma figura benevolente e piedosa com seus súditos, adquire traços claramente opostos àqueles construídos pela tradição greco-romana, profundamente marcada pela memória e pelo trauma da invasão persa. Mas Josefo não é o único a citar Xerxes durante a hegemonia romana. A figura de Xerxes e a campanha sempre atrelada à sua imagem pelo lugar comum literário ocidental adquirem novos usos durante o Império Romano. Torna-se um paradigma moral geralmente negativo, sendo exemplo do que não deve ser feito, mas também um personagem privilegiado para o tema da mutabilidade da fortuna humana.
No mundo dominado pelos imperadores romanos, a figura do déspota oriental também adquire um lado contestatório ao poder exercido de forma excessiva, injusta e arrogante. Mas como os gregos vivendo como súditos de um poder estrangeiro viam Xerxes? Sua imagem poderia adquirir um caráter subversivo ao poder imperial romano, sendo muitas vezes perigoso traçar analogias entre os conquistadores do leste e do oeste. Existiam dois modos de fazê-lo, enfrentar Roma como fez Pausânias ou seguir uma postura mais cautelosa, assim como foi feito por Plutarco. Pode-se concluir que a pesquisa realizada por Emma Bridges leva à uma série de constatações. A primeira é que, na Antiguidade, existia um complexo de representações sociais acerca de Xerxes. Tais representações têm diferentes focos e intenções, seja na campanha militar de conquista da Hélade ou nas intrigas palacianas, assim tendo uma visão depreciativa ou amistosa e respeitosa em relação ao rei persa.
Porém uma série de traços se tornou mais ou menos difundidos ao ponto de serem lugares comuns literários. Tais características são possíveis de serem visualizadas já nas primeiras obras gregas acerca das Guerras Greco-Pérsicas, como nas obras de Ésquilo e Heródoto. A imagem de um poder despótico regido pela desmedida bárbara começa a ser traçado amplamente pelo tragediógrafo ateniense e, em certa medida, pelo historiador de Halicarnasso. Tornaram-se já difundidas no século IV, continuando assim em boa parte das obras greco-romanas da Antiguidade.
Visões alternativas estão até certo ponto presentes na obra herodoteana. Mas as maiores alternativas aos lugares comuns ocidentais está nas próprias fontes judias e persas, trazendo representações radicalmente diferentes daquelas construídas por Ésquilo ou Lísias.
Emma Bridges tem o mérito de empreender uma pesquisa de fôlego e ter um grande conhecimento de fontes vindas de contextos temporais e espaciais distintos, para alcançar uma visão mais ampla acerca das múltiplas representações de Xerxes na Antiguidade, sempre levando em conta os contextos nos quais estão inseridas cada obra.
Nota
1. Bridges, Emma. Imagining Xerxes: Ancient Perspectives on a Persian King. Londres: Bloomsbury Publishing Plc, 2015, p.3.
Mateus Mello Araujo da Silva – Graduando em História da Universidade Federal Fluminense. Membro do Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA/UFF). Bolsista de Iniciação Científica/PIBIC-CNPq. E- mail: mateusaraujomello@hotmail.com
BRIDGES, Emma. Imagining Xerxes: Ancient Perspectives on a Persian King. Londres: Bloomsbury Publishing, 2015. Resenha de: SILVA, Mateus Mello Araujo da. As várias faces de um rei persa: muito além do déspota bárbaro. Cantareira. Niterói, n.22, p. 217 – 219, jan./jul., 2015. Acessar publicação original [DR]