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Bioética e Diplomacia em Saúde / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2015
Os artigos deste dossiê reúnem parte dos esforços de compreender a governança da saúde em âmbito internacional; particularmente as perspectivas e implicações éticas da cooperação técnica entre países no contexto da crescente internacionalização dos assuntos sanitários.
Com esse espírito, encontram-se neste volume artigos assinados por alguns dos mais dedicados pesquisadores brasileiros da área. O leitor irá se deparar com narrativas de experiências pretéritas e problemáticas lançadas para o futuro da saúde em nível internacional. Nossa expectativa é que os textos sejam, num só tempo, instrutivos e prazerosos – tanto quanto foram para nós, que nos lançamos ao desafio de reuni-los.
O número abre com “Cooperação Sul-Sul: experiências brasileiras na América do Sul e na África”, de Roberta de Freitas Santos e Mateus Rodrigues Cerqueira. O texto realiza uma interessante descrição acerca das principais diretrizes de política externa brasileira com foco na noção de Cooperação Sul-Sul. Para tal, nutre-se da análise de iniciativas de cooperação técnica em saúde do Brasil realizadas na América do Sul e na África. Sem desconsiderar os interesses e as assimetrias de poder vigentes na Cooperação Sul-Sul, o artigo permite uma visão positiva da atuação do Brasil junto aos seus vizinhos e aos países africanos.
Já “Cooperação internacional para o desenvolvimento científico e tecnológico: um caminho para equidade em saúde”, de Priscila Almeida Andrade e Denise Bomtempo Birche de Carvalho, toma como foco analítico, no cenário que se desenha a partir da década de 1990, as prioridades dos países em desenvolvimento para pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde. As autoras têm uma perspectiva menos otimista acerca das possibilidades de ganho institucional decorrentes da inserção do Brasil no contexto atual da saúde global.
Fernando Pires-Alves e Marcos Chor Maio assinam “A saúde na alvorada do desenvolvimento: o pensamento de Abraham Horwitz”. Horwitz foi diretor da Organização Pan-americana da Saúde (Opas) no período 1958-1975. Essa fase coincidiu com um dos momentos mais ativos da trajetória da organização. É nesse contexto, por exemplo, que se deu a formulação da Aliança para o Progresso (1961). Proposta e liderada pelos EUA, consistiu em um programa de assistência econômica e social para a América Latina. Nascia o que poderíamos chamar de “a era do desenvolvimento”. Iniciativas como o primeiro Plano Decenal de Saúde Pública para as Américas ganhariam não só o apoio político e financeiro necessário, mas, igualmente, desenvolvia-se o esteio discursivo que as sustentou. Horwitz, a partir de seu assento na Opas e dos textos que legou, teria papel relevante na construção desse ideário que estreitou as relações entre saúde e desenvolvimento econômico e social. Podemos dizer com alguma segurança que seu legado, senão presente, foi bastante duradouro.
“O governo JK e o Grupo de Trabalho de Controle e Erradicação da Malária no Brasil: encontros e desencontros nas agendas brasileira e internacional de saúde, 1958-1961”, de Renato da Silva e Carlos Henrique Assunção Paiva, trata da experiência do Grupo de Trabalho de Controle e Erradicação da Malária no Brasil durante a gestão do presidente Juscelino Kubitschek. As negociações e tensões em torno das propostas defendidas pela comunidade científica brasileira e pela Organização Mundial da Saúde no que tange ao combate à malária constituem o pano de fundo do texto. Demonstra-se que as relações entre atores nacionais e instituições internacionais e / ou comunidade internacional, ainda que possam ser marcadas por flagrante assimetria de poder, não podem ser simplesmente reduzidas à imposição da vontade externa – suspostamente mais forte – aos interesses definidos no plano doméstico. O jogo de resistência e negociação frente às formulações e orientações vindas do exterior dá a medida, de um lado, da expertise e tradição científica já instalada no país e, de outro e por esta razão, da capacidade de a comunidade científica e agentes de estado nacionais fazerem valer, ainda que parcialmente, seus interesses. Cooperação em saúde, em outras palavras, não é um jogo de soma zero.
Na sequência, Luiz Eduardo Fonseca e Celia Almeida nos brindam com “Cooperação internacional e formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o caso do Timor-Leste”. O foco do estudo é o primeiro documento de política de saúde para o Timor-Leste. O período, em termos analíticos, é um dos mais interessantes, uma vez que no processo de construção da política de saúde nacional o país encontrava-se sob a administração transitória das Nações Unidas (1999 a 2002). Aos autores interessou observar as relações entre diferentes atores, nacionais e internacionais, nesse processo de construção política. O apoio da cooperação internacional no processo de reabilitação do sistema de saúde no período pós-conflito é, portanto, evidente, e é analisado como parte da reconstrução do Estado e da montagem de um arcabouço político e institucional no país.
As pesquisadoras Janete Lima de Castro, Rosana Lucia Alves de Vilar e Raimunda Medeiros Germano assinam “Educação, ética e solidariedade na cooperação internacional”, texto que tem como foco a experiência de cooperação técnica entre o Brasil e os países da região andina, nos marcos do Curso Internacional em Gestão de Políticas de Recursos Humanos em Saúde. Essa experiência teve o protagonismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a mediação da Opas e, segundo as autoras, lançou mão de valores sustentados no campo da ética e da solidariedade como determinantes no processo de cooperação técnica internacional. Em outras palavras, as autoras nos desafiam a pensar a cooperação técnica não exclusivamente a partir dos interesses estratégicos políticos e econômicos a ela relacionados, mas, além de uma perspectiva instrumental, a partir de um universo de valores situados no terreno da ética e da solidariedade humana.
Na seção Imagens, encontra-se o interessante trabalho realizado por Alejandra Carrillo Roa e Felipe Ricardo Baptista e Silva. Sob o título “A Fiocruz como ator da política externa brasileira no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: uma história revelada”, os autores retratam o papel da Fundação Oswaldo Cruz como um ator relevante no âmbito da comunidade de países lusófonos. A perspectiva adotada no texto é da “cooperação estruturante em saúde”, segundo a qual o governo brasileiro, por intermédio de instituições como a Fiocruz, desempenharia um papel positivo tanto na construção de melhores patamares de saúde e condições de vida junto a países estrangeiros quanto na promoção da independência técnica e tecnológica deles.
Na esteira dos artigos aqui comentados, Livros & Redes traz três resenhas que, em diferentes formas, dialogam com o universo de questões em debate neste volume. Carmen Beatriz Loza faz sua leitura do livro organizado pelo antropólogo espanhol Gerardo Fernández Juárez, Salud, interculturalidad y derechos: claves para la reconstrucción del Sumak Kawsay-Buen Vivir. Na sequência, Tyara Kropf Barbosa, Alejandra Carrillo Roa e Neilia Barros Ferreira de Almeida nos apresentam a Biblioteca Virtual em Saúde Bioética e Diplomacia em Saúde. Por fim, Thiago Rocha da Cunha e José Paranaguá de Santana nos apresentam o site do Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde da Fiocruz (Nethis / Fiocruz), onde se encontram abrigadas fontes de informação especializadas para os estudos que se situam na interface saúde pública, bioética e relações internacionais.
Agradecemos aos autores que assinam os textos aqui disponíveis, ao apoio da Opas a essa iniciativa conjunta do Nethis e de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, ressaltando a dedi-cação e o profissionalismo de sua equipe de coordenação, em especial a Marcos Cueto, Jaime Benchimol e Roberta Cerqueira. Igualmente agradecemos aos pareceristas, colaboradores sempre condenados ao anonimato a despeito da importância de suas contribuições.
Carlos Henrique Assunção Paiva
José Paranaguá de Santana
PAIVA, Carlos Henrique Assunção; SANTANA, José Paranaguá de. Apresentação. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.1, jan. / mar., 2015. Acessar publicação original [DR]