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A Descolonização Africana e suas Ideias Políticas / Ofícios de Clio / 2020
O presente dossiê tem como proposta refletir sobre os processos de descolonização do continente africano, compreendido especialmente entre as décadas de 1950 e 1970, considerando uma perspectiva das ideias políticas. Trata-se de olhar para a pluralidade de experiências descolonizadoras em um período-chave da formação política dos estados africanos, a partir de um olhar inspirado na história intelectual e / ou história dos conceitos.
Pretende-se colocar em pauta, ao público leitor, a descolonização do continente africano em diferentes abordagens. Para tal, o dossiê “A descolonização africana e suas ideias políticas” reúne pesquisas históricas a respeito das produções de intelectuais africanos e afro-diaspóricos, evidenciando suas perspectivas a respeito da descolonização, assim como o confronto e / ou comparação entre diferentes intelectuais que pensaram a descolonização para os contextos africanos e afro-diaspóricos.
O conjunto de textos proporciona uma interessante reflexão para os leitores no que tange a história intelectual e política, e abrange uma diversidade de trabalhos que desconstrói, por si, um olhar muitas vezes unitário que existe sobre o continente africano, trazendo uma multiplicidade de intelectuais e abordagens possíveis.
Entre os trabalhos realizados, destaca-se o foco que três autores deram especificamente ao caso moçambicano. Pedro Oliveira Barbosa, doutorando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em “A política externa e o projeto nacional da Frelimo no cinejornal moçambicano Kuxa Kanema (1978-1981)” analisa o momento imediatamente pós-independência no país, quando, observada por meio do cinejornal estatal Kuxa Kanema, a Frelimo – então partido único em Moçambique – promoveu um projeto marxista-leninista, apelando ao apoio dos países do chamado “Bloco Soviético” no contexto da Guerra Fria. No início da década de 1980, entretanto, o partido observou o fracasso em sua busca por alianças, e precisou buscar novas alternativas e diversificar suas políticas do cenário internacional.
É justamente na sequência desse momento que se insere o trabalho do mestre pela PUCRS, João Antônio Batista Bertolotti, “Revista Charrua – relativizações das retóricas de intelectual revolucionário e literatura de combate (1977-1986)”. Nesse artigo, o autor demonstra que a partir do momento de enfraquecimento do projeto marxista em Moçambique, novas alternativas de linguagem literária também surgiram, contestando o papel exercido pelo Estado sobre a mesma até então, e propondo novas alternativas. É em meio a isso que surge o projeto da Revista Charrua, apresentado por ele.
Também com discussões relativas à literatura e política em Moçambique, Andressa da Silva Machado, licenciada em História pela PUC-RS e Especialista em História e Cultura Afro-brasileira pela UNIASSELVI, apresenta o artigo “Desventuras do pós-independência em Moçambique: Nacionalismo, Guerra Civil e Memória Coletiva”. Este se debruça mais especificamente sobre um romance específico, Ventos do Apocalipse, da autora Paulina Chiziane. Por meio dele, pode-se observar não apenas a memória coletiva demonstrada pela autora em relação a Guerra Civil que assolou o país no período pós-independência, como as próprias contradições do projeto nacional estabelecido pela Frelimo no país.
Ainda sobre a região sul do continente africano, Gabrielle Rani Marinho Lima e Izabella de Souza Colino, ambas graduandas em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), oferecem o artigo “Uma África do Sul pós independência observada sob a perspectiva pós-colonial: da emancipação ao Apartheid”. Esse artigo aborda um caso bastante particular no continente africano, aquele da África do Sul, que, ao contrário dos demais países citados neste dossiê, tornou-se independente no início do século XX. Apoiando-se nos estudos pós-coloniais, em especial nas contribuições de Albert Memmi e Immanuel Wallerstein, entretanto, as autoras questionam aqui até que ponto essa descolonização pode ser considerada completa, e demonstram os limites do projeto sul-africano do Apartheid.
Nos próximos três artigos, os autores optaram por uma perspectiva comparativa, explorando de que forma diferentes intelectuais refletiram sobre a ideia política da descolonização, tanto em uma perspectiva nacional quanto transnacional. Cada um a seu modo e por diferentes vieses, tendo por eixo condutor a descolonização, demonstram convergências e divergências no pensamento político de africanos e afro-descendentes com diferentes formações e origens, demonstrando, em seu conjunto, a complexidade de elementos a respeito do tema aqui em pauta.
Bruno Ribeiro Oliveira, doutorando pela Universidade de Granada, no texto “Literatura, Linguagem e Descolonização em Ngũgĩ wa Thiong’o (Quênia) e Chinua Achebe (Nigéria)”, realiza uma análise entre as ideias de dois literatos contemporâneos, Chinua Achebe e Ngũgĩ wa Thiong’o, o primeiro queniano e o segundo nigeriano, demonstrando como estes refletiram sobre a produção literária colocando em debate a questão do uso da língua do colonizador no período pós-colonial. Ambos foram combativos em relação aos estados autoritários processados após as independências e utilizaram a literatura como forma de denúncia ante a persistência de problemas coloniais após as descolonizações. O autor realiza uma importante análise sobre o uso da língua e da literatura no que tange às descolonizações africanas, assim como demonstra de que forma estas são instrumentos políticos.
Camille Johann Scholl, doutoranda pela PUC-RS, em seu artigo “Léopold Senghor & Cheikh Anta Diop, rivais: Descolonização e Unidade Africana” olha para as negociações em prol das independências das colônias francesas capitaneadas de dentro do sistema colonial, apontando os diferentes projetos políticos federalistas em pauta, capitaneados por distintos partidos políticos, bem como apresenta as diferentes ideias sobre a descolonização e sobre a unidade africana entre dois conhecidos e renomados intelectuais senegaleses, Léopold Senghor e Cheikh Anta Diop.
Amilcar Alexandre Oliveira da Rosa, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no texto “Benjamin e Fanon: experiência e descolonização” realiza uma análise sobre a noção de experiência em Walter Benjamin e Franz Fanon, proporcionando ao leitor um olhar a respeito das relações de opressão e suas formas de combate, abordando as ideias destes dois intelectuais sobre a condição humana. O autor nos proporciona uma relevante reflexão para pensar a questão da modernidade, das trágicas relações suscitadas pelo colonialismo e de aspectos da construção das descolonizações – pelas lentes das obras de Benjamin e Fanon.
Assim, por meio desses sete artigos, é possível observar a existência de múltiplas abordagens possíveis sobre o pensamento político africano e afro-diaspórico no seu período de descolonizações. Para além de uma perspectiva que simplesmente submete essas ideias ao contexto global da chamada Guerra Fria, o que se percebe aqui é a existência de reflexões que passavam pela estética literária, pela construção de identidades nacionais e transnacionais, de modelos de governo e de desenvolvimento, e de contestação do próprio lugar em que o continente estava inserido. Combatendo um olhar único sobre o continente africano, o que esse dossiê apresenta de fato é a complexidade das ideias políticas existentes em diversas regiões do continente africano, que abrem espaço para variadas futuras pesquisas, necessárias para a compreensão do período.
Camille Johann Scholl – Técnica em Assuntos Educacionais da UFRGS e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) desenvolvendo a tese “Léopold Senghor e a Lusofonia”. Possui Mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e graduação em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 1239919512431547
Pedro de Oliveira Barbosa – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) com pesquisa relacionada ao pensamento socialista na descolonização africana. Possui Mestrado em História na mesma instituição, concluído em 2018, e graduação em História (licenciatura) também na PUCRS (2016). Lattes: http: / / lattes.cnpq.br / 8736658275450507
SCHOLL, Camille Johann; BARBOSA, Pedro de Oliveira. Apresentação. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas -RS, v. 5, n. 9, jul./dez., 2020. Acessar publicação original [DR]