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Teoria do romance III: o romance como gênero literário – BAKHTIN (B-RED)
BAKHTIN, M. Teoria do romance III: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2019. 144p. Resenha de: MELO JÚNIOR, Orison Marden Bandeira de. Bakhtiniana, Revista de Estudos do Discurso, v.15 n.2, São Paulo, Apr./June 2020.
Como já é notório a todos os leitores que acompanham as publicações de textos do Círculo pela Editora 34, a sequência dos textos Teoria do romance I, Teoria do romance II e, agora, Teoria do romance III tem, como base, o tomo 3 da coletânea Obras reunidas em sete tomos [Sobránie sotchiniênii v siémi tomakh] de Mikhail Bakhtin, organizada por Vadim Valeriánovitch Kójinov (1930-2001) e Serguei Geórguievitch Botcharóv (1929), que, segundo Grillo (2009), são os detentores dos espólios bibliográficos de Bakhtin. Ainda segundo Grillo (2009), após a morte de Kójinov, ficou Botcharóv o responsável pela coordenação do projeto, dando, dessa forma, conforme a Nota à edição brasileira encontrada na Teoria do romance I (BAKHTIN, 2015), o consentimento para que Paulo Bezerra e a editora o dividissem em três volumes.
Com a finalização da publicação da Teoria do romance com esse terceiro volume, é possível ter uma visão privilegiada em relação ao conjunto dos textos que compõem o Tomo 3. Desse modo, é mais fácil perceber, agora, que o número de ensaios que os três volumes apresentam não corresponde totalmente aos ensaios encontrados na coletânea Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (doravante, QLE) (BAKHTIN, 2002). QLE se inicia com o ensaio O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. No entanto, esse ensaio não está publicado na trilogia. Segundo Bezerra (2015), ele foi suprimido da Teoria do romance pelos organizadores russos por ser um texto mais genérico sobre a teoria da literatura, com foco na contraposição aos formalistas russos. Grillo (2009) informa que ele aparece no Tomo 1 das Obras reunidas em sete tomos, juntamente com os textos Arte e responsabilidade, Para uma filosofia do ato e O autor e o herói na atividade estética.
O segundo ensaio O discurso no romance é publicado pela Editora 34 no primeiro volume da trilogia: Teoria do romance I: A estilística (BAKHTIN, 2015). Formas de tempo e de cronotopo no romance (ensaios da poética histórica), terceiro ensaio da QLE, é publicado em Teoria do romance II: as formas do tempo e do cronotopo (BAKHTIN, 2018). É interessante notar que, na tradução de Paulo Bezerra, o ensaio passa por uma pequena modificação no seu título: As formas do tempo e do cronotopo no romance: um ensaio de poética histórica. Vale destacar que ambas as obras (Teoria do romance I e Teoria do romance II) foram resenhadas logo após a sua publicação e suas resenhas foram publicadas na revista Bakhtiniana. A resenha de Adriana P. P. Silva do primeiro volume foi publicada no primeiro número de 2016 (SILVA, 2016) e a resenha de Maria Elizabeth S. Queijo do segundo volume, no segundo número de 2019 (QUEIJO, 2019).
A coletânea QLE finaliza com três curtos ensaios: Da pré-história do discurso romanesco, Epos e o romance (sobre a metodologia do estudo do romance) e Rabelais e Gógol (arte do discurso e cultura cômica popular). Desses três, dois deles aparecem no volume Teoria do romance III: o romance como gênero literário (BAKHTIN, 2019), a saber: Da pré-história do discurso romanesco e Epos e o romance (sobre a metodologia do estudo do romance), mas com modificações em seus títulos. O texto Rabelais e Gógol aparece no Tomo 4 das Obras reunidas que, segundo Grillo (2009), é dedicado aos textos de Bakhtin sobre Rabelais, o que inclui, obviamente, a obra sobre François Rabelais e a cultura popular na Idade Média e no Renascimento, publicada pela editora Hucitec no Brasil sob o título A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais (BAKHTIN, 2010).
Em relação aos ensaios que compõem o terceiro volume da Teoria do romance, em um primeiro momento o leitor consegue identificar apenas um, Sobre a pré-história do discurso romanesco, cujo título se assemelha ao anterior. No entanto, pode causar alguma estranheza o título do segundo ensaio que, inclusive, aparece como subtítulo do volume: O romance como gênero literário. Bezerra (2019), no seu posfácio intitulado O fechamento de um grande ciclo teórico, conta que esse era o título original do texto, publicado de forma fragmentada sob o título Epos e o romance. Esse mesmo título é encontrado nas versões em inglês, espanhol, francês e italiano: Epic and novel: toward a methodology for the study of the novel (BAKHTIN, 1981); Épica y novela: (acerca de la metodología del análisis novelístico) (BAJTÍN, 1989); Récit épique et roman: (méthodologie de l’analyse du roman) (BAKHTINE, 1978); Epos e romanzo: sulla metodologia dello studio del romanzo (BACHTIN, 2001). Bezerra (2019) explica que o título do ensaio foi restaurado pelos organizadores das Obras reunidas com o objetivo de corresponder, de forma integral, ao projeto de Bakhtin de versar sobre “o romance como gênero literário específico”, mostrando, dessa forma, “os encontros e os desencontros dos dois gêneros” (p. 120), ou seja, da epopeia e do romance. Essa estranheza, no entanto, é facilmente dissipada pela compreensão do seu sentido, restando aos leitores e estudiosos do romance à luz bakhtiniana se adequar aos novos termos e títulos, sabendo que são resultados de estudos e pesquisas de scholars especialistas nas obras do Círculo. Ademais, o leitor da tradução de Paulo Bezerra deve se sentir privilegiado por essa informação, trazida no terceiro volume da Teoria do romance, tendo em vista que em nenhuma versão da obra no inglês, espanhol, francês e italiano essa explicação é dada ao leitor.
Antes de adentrar nas considerações mais específicas sobre o terceiro volume da teoria do romance, novamente devido a essa visão privilegiada da totalidade dos textos que compõem a Teoria do romance de Bakhtin, é necessário observar a macroestrutura dos três volumes. Como já foi ressaltado por Silva (2016) e Queijo (2019), essas obras trazem um enriquecimento aos estudos do romance não somente por serem textos cuja tradução “se aproxima da voz de seu autor” (SILVA, 2016, p.269), mas por todos os paratextos encontrados nelas, o que inclui o posfácio do tradutor que, segundo Queijo (2019, p.155) “emoldura o texto que as [páginas do posfácio] precedem”. Brait (2019) afirma que compreender uma obra como enunciado concreto, conforme o Círculo, implica entender que todos os textos dessa obra fazem parte do seu todo arquitetônico, o que inclui os paratextos, ou seja, “textos que se avizinham do texto principal, caso do título, subtítulos, dedicatórias, epígrafes, prefácio, posfácio, etc. e que […] abrem caminho para o leitor adentrar os meandros do texto principal” (p.251). Na Teoria do romance I, além do prefácio por Paulo Bezerra, o tradutor também apresenta um glossário de alguns conceitos-chave. Além desses paratextos, ainda há uma nota à edição brasileira, um nota de informação sobre Bakhtin e outra sobre Bezerra. No segundo volume, é adicionado, ao texto principal, alguns rascunhos que Bakhtin fez para o último capítulo que ele adicionou posteriormente. Esse rascunho foi intitulado de Folhas esparsas. Além desse rascunho, há o posfácio de Bezerra, que ele intitula de Uma teoria antropológica da literatura, além das notas recorrentes nos três volumes (nota dos editores, nota sobre Bakhtin e nota sobre o tradutor). O terceiro volume segue o formato do segundo, com um posfácio por Paulo Bezerra e as três notas. O posfácio de Bezerra é intitulado O fechamento de um grande ciclo teórico, que dá, como se percebe, o tom de completude a esse grande enunciado Teoria do romance. É interessante notar que apenas o primeiro volume traz um glossário, com notas explicativas do tradutor. Isso possivelmente se deve ao fato de que o tradutor assumiu novos termos para aqueles que já estavam consolidados na academia. Um exemplo é o termo “heterodiscurso”, que veio substituir “o já consagrado termo plurilinguismo nos trabalhos dos pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre o pensamento bakhtiniano” (SILVA, 2016, p. 268).
Em relação ao conteúdo de Teoria do romance III (BAKHTIN, 2019), não me aterei ao resumo de cada ensaio, já que eles já têm sido apresentados por vários estudiosos das obras de Bakhtin sobre o romance, em específico, e sobre a literatura, em geral. Um exemplo disso é o capítulo de Maria Inês B. Campos (2009) na coletânea Bakhtin: dialogismo e polifonia (BRAIT, 2009), que apresenta todos os ensaios da coletânea Questões de literatura e de estética (BAKHTIN, 2002). Para a apresentação do ensaio Dá pré-história do discurso romanesco/Sobre a pré-história do discurso romanesco, escreveu o texto intitulado O importante papel do riso e do plurilinguismo (CAMPOS, 2009, p.137-139) e para a do ensaio Epos e o romance (sobre a metodologia do estudo do romance)/O romance como gênero literário, escreveu Sobre a metodologia do estudo do romance (CAMPOS, 2009, p.139-142). Diante disso, é necessário explicar ao leitor que os ensaios foram enriquecidos substancialmente não só pelo fato, já apontado, de eles terem sido restaurados quanto aos títulos originais, mas também por incorporarem as próprias correções de Bakhtin, restituírem trechos anteriormente cortados e preservarem as anotações que Bakhtin fez nas margens dos textos datilografados. Segundo a Nota à edição brasileira (2019), além dessas notas do próprio Bakhtin, o leitor encontrará esses trechos restaurados (indicados por asterisco) e as notas do tradutor.
Essas inserções e modificações no texto podem ser vistas, em primeiro lugar, pelas escolhas tradutórias de Bezerra que, em alguns momentos, diferem das escolhas dos tradutores de QLE. Bezerra (2015, p.10) explica que “[t]raduzir Bakhtin, além de ser um desafio extremamente difícil, é também arriscado”. Para ele, isso se dá pelo fato de que o tradutor está diante de “conceitos que abrangem todo um sistema de reflexões embasado em algo que talvez se possa chamar de filosofia estética” (BEZERRA, 2015, p.10). Nesse sentido, é possível destacar dois exemplos de diferenças tradutórias entre Bezerra e os tradutores de QLE. Em primeiro lugar, pensando nas categorias bakhtinianas, Bezerra ilumina muitos trechos dos ensaios com a utilização de termos teoricamente mais específicos. Como exemplo, encontramos a seguinte oração no ensaio Dá pré-história do discurso romanesco: “Pode-se notar cinco tipos de abordagens para o discurso romanesco” (BAKHTIN, 2002, p.364); na tradução de Bezerra, em Sobre a pré-história do discurso romanesco, lê-se: “observam-se cinco tipos de enfoque estilístico do discurso romanesco” (BAKHTIN, 2019, p.13). Observa-se que Bezerra utiliza termos específicos (“enfoque estilístico”) em vez de termos mais genéricos (“abordagem”). Em segundo lugar, é pertinente destacar a escolha tradutória de Bezerra diante de termos multissêmicos da língua russa, como a palavra slovo. Segundo Grillo e Américo (2017, p.364), o termo “tem um significado amplo, que compreende desde a unidade lexical até a ‘a linguagem verbal em uso’ ou o enunciado e o discurso”. Diante disso, o tradutor necessita fazer escolhas, levando em consideração as possibilidades tradutórias e o contexto teórico do termo no texto de partida. Por exemplo, no ensaio A palavra na vida e a palavra na poesia de Volóchinov (2019), Grillo e Américo explicam, na Nota do Tradutor 1, que a tradução de slovo como “palavra” se deu pelo fato de o ensaio estabelecer um diálogo mais direto com o manifesto dos futuristas russos intitulado Slóvo kak takovóie [A palavra como tal]. No entanto, esclarecem que a tradução como “discurso” seria favorecida pelo fato de que “a linguagem é considerada na relação com o seu meio social, com o criador e o contemplador, com a sua esfera de circulação etc.” (2019, p.109). Nessa esteira, ainda no primeiro ensaio de Teoria do romance III, verifica-se que a escolha de Bezerra também difere da escolha dos tradutores de QLE (BAKHTIN, 2002). Em Dá pré-história do discurso romanesco, lê-se: “Entretanto, nas condições do romance, a palavra tem uma existência inteiramente particular […]” (BAKHTIN, 2002, p.364). Já em Sobre a pré-história do discurso romanesco, percebe-se que Bezerra escolhe o termo “discurso”: “Entretanto, nas condições do romance o discurso vive uma vida totalmente específica […]” (BAKHTIN, 2029, p.14).
Além dessas diferenças tradutórias, é necessário que o leitor esteja ciente para o fato de que os ensaios que formam Teoria do romance III possuem trechos novos. Como já mencionado anteriormente, essa nova versão dos ensaios recupera trechos anteriormente cortados. Um exemplo disso é o primeiro parágrafo do ensaio O romance como gênero literário (BAKHTIN, 2019, p.65). Esse parágrafo traz uma explicação necessária da razão pela qual o autor teve de dedicar um espaço do ensaio que trata da teoria do gênero romanesco para uma discussão sobre a filosofia dos gêneros. Esse parágrafo não existe na tradução de 2002. De fato, o primeiro parágrafo da tradução de 2002 se inicia com a oração: “O estudo do romance enquanto gênero caracteriza-se por dificuldades particulares” (BAKHTIN, 2002, p.397). Esse é o segundo parágrafo da tradução de 2019, que se inicia com a oração: “A teoria do romance enquanto gênero distingue-se por dificuldades peculiares […]” (BAKHTIN, 2019, p.65).
Com essas breves notas, já é possível perceber a singularidade da nova tradução ao português brasileiro desses ensaios. Como mencionado anteriormente, além de uma tradução teoricamente mais específica e das incorporações textuais feitas, Teoria do romance III ainda recebe um ensaio de Paulo Bezerra em que não só explica a origem dos ensaios de Bakhtin, ou seja, as “duas conferências proferidas por Bakhtin nas reuniões do grupo de teoria da literatura organizado pelo professor Leonid Timofêiev no Instituto de Literatura Mundial Maskim Górki de Moscou” (BEZERRA, 2019, p.113), como também tece detalhes sobre os dois ensaios separadamente. Dessa forma, destaca, em Sobre a pré-histórica do discurso romanesco, o riso e a paródia, e o objetivo central do ensaio, e demonstra como O romance como gênero literário “[…] quebrou os paradigmas tradicionais nos estudos e enfoques da história e da teoria do romance” (BEZERRA, 2019, p.122).
Teoria do romance III, portanto, é uma obra de excelência, que deve ser lida por todos aqueles que estudam o romance pelas lentes bakhtinianas. Esse convite não é feito somente para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de ler os ensaios, mas também para aqueles que já os leram, discutiram, estudaram em QLE, pois poderão perceber o enriquecimento ao texto proporcionado por Paulo Bezerra, que, mais uma vez, utilizando-se dos seus conhecimentos linguísticos, literários, tradutórios e teóricos (em especial, da teoria dialógica), traz ao leitor um texto que é mais completo em si mesmo – com a inserção de todas as notas de Bakhtin suprimidas anteriormente e as notas e observações tão ricas do tradutor -, completando a Teoria do romance proposta por Bakhtin.
Referências
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BAKHTIN, M. As formas do tempo e do cronotopo no romance. In: BAKHTIN, M. Teoria do romance II: o romance como gênero literário. Tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2018. [ Links ]
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Orison Marden Bandeira de Melo Júnior – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil; junori36@uol.com.br.
Teoria do romance II – BAKHTIN (B-RED)
BAKHTIN, Mikhail. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. São Paulo: Editora 34, 2018. 272pp. Tradução de Paulo Bezerra, Serguei Botcharov, Vadim Kójinov. Resenha de: QUEIJO, Maria Elizabeth da Silva. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.14 n.2, São Paulo, Apr./June 2019.
O lançamento de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo dá sequência à publicação da obra Teoria do romance (Teória romana) de Mikhail Bakhtin (1895-1975). No Brasil, a coletânea de ensaios vertida por Paulo Bezerra e publicada pela Editora 34 foi dividida em três tomos1. O primeiro volume, intitulado Teoria do romance I: A estilística, inaugura a série de publicações e encontra-se disponível ao leitor desde 20152.
O segundo volume, como indica o subtítulo, se destina à introdução e ao desenvolvimento do conceito de cronotopo literário, compreendido como espaço-tempo real assimilado pela literatura no decorrer da história. Nas palavras do autor, “o cronotopo determina a unidade artística de uma obra literária em sua relação com a autêntica realidade” (p.217). O texto, que se dedica ao gênero romance europeu, é ainda fundamental como precedente à tese de Bakhtin acerca da obra de François Rabelais, conforme anuncia Bakhtin, ele mesmo, ao final do oitavo capítulo (p.191) e na nota de rodapé 59 (p.210).
O ensaio foi escrito originalmente entre 1937 e 1939, em Saviólovo, durante os expurgos stalinistas que levaram Bakhtin ao exílio. Em 1973, dois anos antes de morrer e já em Moscou, Bakhtin dedicou-se à revisão do manuscrito. Parte desse esforço resultou no acréscimo do Capítulo 10, intitulado “Observações finais” – como bem situa a “Nota à edição brasileira”, que abre o livro, relembrada pela nota de rodapé 64 (p.217), referente ao título do capítulo. E, embora um fragmento em que trata do tempo e do espaço no romance tenha se tornado público em 1974, na então União Soviética, por meio do terceiro número do periódico Questões de literatura (Voprosy literatury), a primeira publicação do texto integral ocorreu somente alguns meses após o falecimento do autor, em 1975, pela editora Khudozhestvennaia literature, junto aos demais ensaios de a Teoria do romance.
A versão de 1975 já é conhecida pelo leitor brasileiro através da tradução direta do russo para o português de Aurora Fornoni Bernardini e outros quatro tradutores, sob o título Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (Voprosy literatury i estetichi), publicada pela Unesp/Hucitec em 1988. O tempo e a reconhecida importância dada ao texto no Brasil desde a valorosa tradução anterior justificam uma resenha cujas linhas se atenham ao cotejamento das duas versões, compreendidas por nós como acontecimentos, e, principalmente, às contribuições dadas pela nova tradução.
Assim, embora igualmente vertida diretamente do russo, a tradução realizada por Paulo Bezerra parte da edição crítica publicada na Rússia em 2012, pela editora Iazyki Slaviánskikh Kultúry. O texto integral, que incorpora correções realizadas por Bakhtin nos manuscritos e cópias datiloscritas, compõe o conjunto de Obras reunidas – organizado por Botcharov e Vadim Kójinov (1930-2001) em sete tomos, cujo primeiro foi publicado em 1997.
Das novidades proporcionadas pela recente tradução, ressaltamos o acréscimo de “Folhas esparsas para As formas do tempo e do cronotopo“, conjunto de anotações sobre ideias desenvolvidas no décimo capítulo do livro, inéditas em português, encontradas no arquivo do autor. Material precioso, no qual podemos observar facetas do processo de reflexão e construção do texto bakhtiniano em seu trabalho de revisão, trinta anos após o primeiro texto.
De tal modo, a partir da obra publicada, ainda que revisada e acrescida do décimo capítulo e das ideias esboçadas nas dez folhas de rascunhos, parece possível pensar, por exemplo, a respeito de questões que envolvem movimentos e percursos do e no pensamento bakhtiniano. Pequenas pistas de como o autor reflete acerca de seus primeiros escritos, rastreáveis no corpo do texto preparado para publicação e que emergem das anotações em trechos como este, no qual Bakhtin afirma que seu trabalho trata “do cronotopo do universo representado no romance, dos acontecimentos representados”, mas que “ainda há o cronotopo representador do autor […], e o cronotopo do ouvinte ou leitor, os cronotopos dos acontecimentos da representação e da audição-leitura” (p.238).
Ou quanto ao fragmento: “É necessário distinguir o tempo arquitetônico (o cronotopo) e o tempo composicional da narração ou da representação” (p.241), que permite pensar a discussão no conjunto da obra bakhtiniana. A relação entre a noção de arquitetônica, pensada pelo jovem Bakhtin, e a ideia de cronotopo é retomada por Paulo Bezerra no posfácio do livro. Nas palavras do pesquisador: “é aí que a antiga arquitetônica dá lugar a essa categoria como um amalgama de ‘espaço-tempo'” (p.253).
A respeito do novo sumário, destacamos a supressão do texto entre parênteses, precisamente “(Ensaios de poética histórica)” (BAKHTIN, 2002), após o título “Formas de Tempo e de Cronotopo no Romance” – “As formas do tempo e do cronotopo no romance”, na versão mais recente. No texto introdutório de Bakhtin, no entanto, “poética histórica” está presente nos subtítulos de ambas versões. A diferença fica pelo uso do plural na publicação anterior, “Ensaios de poética histórica” (BAKHTIN, 2002, p.211), em comparação ao uso do singular, “Um ensaio de poética histórica” (p.11), na publicação mais recente. De qualquer forma, a supressão no sumário não diminui a importância da poética histórica de Bakhtin para o tradutor, que a discute em “A poética histórica” (p.261), parte de seu posfácio.
A respeito da diferença entre os títulos dos capítulos, no título do Capítulo 6, onde se lia “trapaceiro” agora se lê “pícaro”, assim como no decorrer do texto. O título do Capítulo 7 difere, de “O cronotopo de Rabelais” para “O cronotopo rabelaisiano”; “de Rabelais” é igualmente substituído por “rabelaisiano” no título do Capítulo 8. No texto, nota-se também a estabilização de alguns termos que, mais que palavras, operam como conceitos-chave no pensamento bakhtiniano. É o caso da substituição de “autor em pessoa” (BAKHTIN, 2002, p.276 – na versão anterior) por “autor pessoa” (p.111 – na mais recente).
Em relação às notas de rodapé, a tradução anterior conta com oitenta e oito – entre notas de rodapé do autor, do tradutor, do editor e notas não especificadas. Sobre essas últimas, veja-se, por exemplo, os créditos à primeira nota constante nas duas traduções (BAKHTIN, 2002, p.211 – na versão anterior; p.11 – na mais recente), referentes ambas a uma palestra ministrada por Aleksei Ukhtómski sobre cronotopo na biologia e sobre questões de estética. Na versão anterior, não há qualquer indicação a respeito do autor da nota como há, por exemplo, na nota de rodapé 61 dessa mesma versão (BAKHTIN, 2002, p.316). Através da nova tradução, tornou-se possível identificá-la como nota do autor, tendo sido ainda complementada por uma esclarecedora nota do tradutor a respeito do palestrante. Ao mesmo tempo, a opção pela unificação da numeração referente às notas de rodapé, que antes era feita por capítulos, facilita a leitura e possíveis retomadas que se façam necessárias. Assim, embora o texto principal da presente tradução apresente menos notas de rodapé, ao todo setenta e cinco notas, destaca-se a forma como estão organizadas.
Além da primeira nota já mencionada (dividida entre autor e tradutor), há outras quatorze notas do autor e sessenta notas do tradutor. As notas de rodapé do tradutor vão além de explicações sobre o emprego de uma palavra ou de outra, ou sobre a tradução utilizada como fonte, oferecendo subsídios primorosos que contextualizam e detalham diversos aspectos da obra.
Os cuidados do tradutor, cujos conhecimentos não deixam de fora a teoria bakhtiniana, longe de serem meros preciosismos, visam assegurar que o texto vertido esteja em consonância com a perspectiva dialógica. Nesse sentido, um ganho importante da nova tradução diz respeito aos trechos de outros autores citados por Bakhtin no decorrer do livro, sobretudo os que compõem sua análise3. A começar pelas eventuais adaptações em relação às traduções em língua portuguesa consultadas – conforme a nota de rodapé 33 (p.125), referente ao Gargântua e Pantagruel de François Rabelais, por exemplo, bem como a nota 13 (p.56), referente ao Asno de ouro de Apuleio. Na nota referente à obra de Apuleio, o tradutor acrescenta que tais modificações visam acomodar a análise proposta por Bakhtin, adequando e atendo o texto citado aos propósitos do autor russo, sem com isso deturpá-lo de seus sentidos originais.
Quanto à análise de Gargântua e Pantagruel, aqueles que já leram Questões de literatura e de estética: a teoria do romance devem notar que em Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo, os trechos da obra de Rabelais encontram-se não mais em francês, mas em português, o que torna o texto mais acessível ao público brasileiro, em especial aos que não dominam a língua francesa. Além disso, as diferenças em relação às citações abrem uma porta de diálogo entre os próprios trechos citados, isto é, entre os conservados no original e os recolhidos por Paulo Bezerra na versão traduzida diretamente do francês para o português4.
No prefácio da edição revista de Problemas da Poética de Dostoiévski, outra importante obra de Bakhtin também vertida por Paulo Bezerra, o tradutor discute implicações para a compreensão do pensamento bakhtiniano decorrentes de excertos de Dostoiévski retirados de traduções indiretas do russo. Nesse sentido, as traduções indiretas deram margem a equívocos e imprecisões, justificando a necessidade de substituí-las na ocasião de revisão. Paulo Bezerra ainda afirma nesse prefácio que a tradução direta permite “recriar o espírito da obra na linguagem mais próxima possível do original”, ao mesmo tempo que possibilita “uma compreensão muitíssimo mais ampla e profunda das peculiaridades da teoria bakhtiniana” (BEZERRA, 2010, p.VI). Assim, o rigoroso trabalho empreendido pelo tradutor nos garante uma melhor compreensão da teoria bakhtiniana, agora também através de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo.
Ao final do volume, acrescenta-se valioso posfácio já referido, intitulado “Uma teoria antropológica da literatura”, em que Paulo Bezerra nos oferece quinze páginas nas quais emoldura o texto que as precede. O título do posfácio, per se, instiga o leitor a pensar sobre o texto que acaba de ler (ou que pretende ler, nos casos em que o leitor folheia as páginas do volume antes de mergulhar no texto).
Bezerra, em sua discussão, nos recorda as influências de Einstein e Kant para o conceito de cronotopo bakhtiniano, mas também dá os devidos créditos ao biólogo russo Aleksei Ukhtómski – aquele palestrante mencionado pelo próprio Bakhtin em sua primeira nota (p.11) – pela aproximação da noção de cronotopo às questões de estética. Na primeira parte, intitulada “A construção de um conceito”, o tradutor nos brinda com a citação traduzida de um trecho transcrito da palestra do biólogo e aponta as diferenças entre os pensamentos desenvolvidos por Bakhtin e Ukhtómski.
Paulo Bezerra, ainda na primeira parte, situa a ideia de cronotopo no conjunto da obra bakhtiniana anterior e posterior às reflexões constitutivas de tal conceito, como a referida relação entre a noção de cronotopo e de arquitetônica, enquanto na segunda parte do posfácio, “Lapidando o conceito: ‘Observações finais'”, discute o décimo capítulo da obra. Na também já aludida terceira parte do estudo posfacial, “A poética histórica”, o autor trata das mudanças do tempo num determinado espaço, retomando outra noção cara a Bakhtin, a de grande tempo, a partir da qual podemos refletir sobre “a evolução, as mudanças e alternâncias dos diversos cronotopos à luz das novas realidades históricas e culturais que se alternam nos diferentes enredos literários” (p.262), sem que tais passagens signifiquem mera sequencialidade, linearidade ou progressismo.
A quarta e última parte, intitulada “O cronotopo além da literatura”, ressalta as diferentes áreas que hoje mobilizam o conceito bakhtiniano de cronotopo na Rússia, demonstrando a riqueza do conceito. Nas orelhas do livro, Samuel Titan Júnior, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo – USP, além de nos proporcionar uma bela metáfora fluvial a respeito da obra, reitera a ideia de estarmos diante de “um livro absolutamente singular, que ultrapassa qualquer categoria predefinida”.
Paulo Bezerra, além de tradutor, é docente, pesquisador e crítico. Em sua carreira foi professor na Universidade de São Paulo – USP, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Universidade Federal Fluminense – UFF, instituição na qual se aposentou e onde ainda hoje leciona como professor de teoria literária. Seu vasto trabalho de tradução compreende mais de quarenta obras em diferentes campos das ciências humanas, incluindo respeitáveis traduções de títulos como Crime e Castigo e Irmãos Karamázov de Dostoiévski, igualmente publicados pela Editora 34.
De Bakhtin, verteu os já apontados Problemas da Poética de Dostoiévski e Teoria do romance I: A estilística, bem como Estética da criação verbal, Os gêneros do discurso e Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Além de O freudismo: um esboço crítico, publicado no Brasil sob a assinatura de Bakhtin, mas cuja autoria é atribuída a Volochínov. Assim, o leitor de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo conta com um trabalho cujo tradutor é, além de professor de teoria literária e profundo conhecedor da cultura e língua russa, um pesquisador comprometido com a teoria bakhtiniana.
Desde 2013, a Editora 34 – que vem desempenhando papel fundamental no campo editorial, contribuindo muito aos estudos bakhtinianos – já publicou outras cinco obras do Círculo com o mesmo rigor com que apresenta o volume em questão. A atualidade das traduções, consonantes com as discussões internacionais, tornam cada nova obra uma necessária referência. Além disso, muitos autores mobilizados por Bakhtin, inclusive nos seus estudos acerca do cronotopo, são dados a conhecer ou melhor conhecidos pelo público brasileiro através da Coleção Leste. Da mesma editora, a coleção reúne obras traduzidas diretamente do russo de escritores como Dostoiévski, Gógol, Tolstói, Púchkin, Turguêniev e Tchekhov, vertidos para o português por tradutores renomados como Paulo Bezerra, mas também Boris Schnaiderman.
Quando se trata do Círculo, e em especial desse volume em que Bakhtin se dedica ao conceito de cronotopo, não podemos ignorar todos os espaços-tempos reais envolvidos nos anos e lugares que separam o escrito original das diferentes versões e publicações na antiga União Soviética e, mais recentemente, na Rússia. Tampouco desconsiderar as questões espaço-temporais compreendidas pelas duas traduções brasileiras, que diferem nos textos utilizados como fontes e escolhas tradutórias, entre outros aspectos. Pensamos, assim (e ao menos), nos diferentes contextos de produção e recepção, bem como nos anos, quilômetros, limitações, possibilidades, processos históricos e culturas que separam cada um dos diferentes textos.
Além de todos esses aspectos, buscamos não perder de vista as tantas mudanças desses espaços no decorrer do tempo, bem como tudo o que se conheceu e produziu a respeito de Bakhtin e do Círculo nas últimas décadas – quando se trata das traduções brasileiras, estamos falando de um intervalo de exatos trinta anos entre a versão coordenada por Aurora Fornoni Bernardini e a de Paulo Bezerra. Afinal, como discute Bakhtin, “a nós se apresenta um texto, que ocupa um lugar definido no espaço, ou seja, é localizado, mas a sua criação, o conhecimento que adquirimos dele fluem no tempo” (p.229-230), pois ele é aberto, voltado para o exterior. Portanto, “o material da obra não é morto, mas falante, significante (ou sígnico), não só o vemos e tateamos como sempre ouvimos vozes nele” (p.229).
Nesse sentido, a publicação de Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo é, sem dúvida, um acontecimento, indispensável nesse diálogo alçado ao grande tempo. No mais, acreditamos que muitas são as contribuições a partir das distâncias e aproximações entre versões, o que, se bem conduzido, enriquece dialogicamente o próprio campo de estudos bakhtinianos, sobretudo se as diferentes traduções disponíveis ao público brasileiro forem postas em relação como em um metafórico encontro e sob diferentes pontos de vista.
1Em razão de uma decisão editorial e de tradução, com anuência de Serguei Botcharov (1929), herdeiro vivo dos direitos autorais de Bakhtin.
2Sobre o primeiro volume, ver a resenha de Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva (2015).
3Cabe realçar que a preferência pelo uso de traduções diretas do original para o português em relação aos trechos citados por Bakhtin vai além das obras analisadas, como é o caso das linhas referentes à Cursos de estética de Hegel, retiradas da tradução feita diretamente do alemão para o português.
4Ou ainda, diferenças quanto aos trechos citados que independem da língua. A título de exemplo, em comparação com a versão coordenada por Aurora Fornoni Bernardini, a tradução de Paulo Bezerra inclui um trecho que expande a citação sobre o espancamento dado pelo monge Jean (frei Jean, na versão anterior).
Referências
BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance (ensaios de poética histórica). In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora F. Bernadini et al. São Paulo: Hucitec; Annablume, 2002, p.211-362. [ Links ]
BEZERRA, P. Prefácio. In: BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução por Paulo Bezerra. 5. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. [ Links ]
FARIA E SILVA, A. BAKHTIN, M. Teoria do romance I. A estilística. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34, 2015. 256p. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v.11, n.1, p.234-239, Jan./Abr. 2016. Disponível em: [http://revistas.pucsp.br/bakhtiniana/article/view/24424/18223]. Acesso em: 05 dez. 2018. [ Links ]
Maria Elizabeth da Silva Queijo – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – LAEL, São Paulo, SP, Brasil; CNPq n. 168996/2018-9; https://orcid.org/0000-0002-7459-0360; elizabeth.queijo@gmail.com.