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O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação – SAVIANI (RBHE)
SAVIANI, Dermeval. O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas: Autores Associados, 2014. 181 p. Resenha de: SILVA, Sarah Maia Machado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 3 (39), p. 321-327, set./dez. 2015.
Com muitas obras significativas publicadas, atualmente Dermeval Saviani é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do grupo nacional de estudos e pesquisas ‘História, Sociedade e Educação no Brasil’ (HISTEDBR). É Doutor em Educação pela PUC de São Paulo (1971) e Livre Docente em História da Educação pela Unicamp (1986). Entre 1994 e 1995, realizou estágio sênior na Itália. Condecorado com a medalha de mérito educacional do Ministério da Educação, também recebeu da Unicamp o Prêmio Zeferino Vaz de Produção Científica em 1997. Foi contemplado, por duas vezes, com o Prêmio Jabuti: em 2008, pela publicação do livro História das ideias pedagógicas no Brasil e, em 2014, pela publicação de Aberturas para a História da educação. Em 2012, recebeu pelo GT de História da Educação da Anped a Estatueta Paulo Freire, homenagem dedicada aos pesquisadores indicados pelos grupos de trabalho.
A obra O Lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação está organizada em doze capítulos e faz parte da coleção ‘Educação contemporânea’, da editora Autores Associados. Essa coleção abrange trabalhos que abordam o problema educacional brasileiro de uma perspectiva analítica e crítica. Educação e paixão são dois termos que movimentam os capítulos da obra, visto que são termos que têm uma relação: a educação pode ser considerada apaixonante e a paixão pode significar padecimento. O livro trata dos dois sentidos da palavra paixão.
A obra, que apresenta coletânea de estudos feitos por Saviani, em conferências realizadas em diferentes momentos, aborda o sofrimento dos educadores, colocando em xeque as contradições configuradas nas vicissitudes, nos dilemas e nos paradoxos enfrentados por eles no empenho em assegurar à população o direito à educação. Nesse sentido, a obra apresenta possibilidades para a realização de um trabalho significativo, resultado da dedicação apaixonada à educação.
No prefácio, Saviani destaca a motivação para a realização dessa produção, que, segundo ele, tem uma ligação intelectual e emocional; sua curiosidade intelectual destaca São Sepé, cidade do Rio Grande do Sul com nome de santo, santo este desconhecido da biografia de santos católicos. Então, a partir do poema popular ‘O lunar de Sepé’, o autor infere que a canonização de Sepé se deu não por um processo no Vaticano, mas pelo imaginário popular. O trabalho se intensifica com o VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, momento em que Saviani elaborara um estudo sobre a migração de sete povos das missões, tendo como eixo o poema ‘O Lunar de Sepé’. Ao satisfazer sua curiosidade, o autor também oferece uma homenagem à cidade natal de sua esposa. O prefácio apresenta ainda a estrutura geral da obra, bem como um breve relato sobre cada capítulo.
‘O Lunar de Sepé e a derradeira migração: a educação jesuítica entre as coroas de Espanha e Portugal’ é o título do primeiro capítulo, que apresenta na íntegra ‘O lunar de Sepé’, poema citado por Maria Genórica Alves, mestiça descendente de índios missioneiros. O poema está publicado no livro Contos gauchescos e lendas do Sul (1999) por J. Simões Lopes. Nesse capítulo, o autor retrata o fenômeno das migrações, elucida que as migrações ocorrem pela expansão do comércio, o que conduziu muitos povos do ocidente europeu a se lançar nas grandes navegações, visando à conquista de novas terras. O autor recua no tempo para trazer à tona as missões jesuíticas; assim, destaca que, em 1492, ocorre a descoberta da América por iniciativa espanhola e, em 1500, ocorre a chegada dos portugueses ao Brasil. Saviani fecha o capítulo com a seguinte reflexão: Que modelo educativo poderá dar conta dos conflitos e das contradições que atravessam o fenômeno das migrações neste tumultuado mundo em que vivemos?
O segundo capítulo, ‘Vicissitudes e perspectivas da pedagogia no Brasil’, a palavra ‘vicissitudes’, conforme o autor, retratada no prefácio do livro, sugere as dificuldades, os contratempos, as contrariedades, as crises, as provocações, os incômodos vividos pelos professores. Saviani enfatiza que, para a intencionalidade da realização da prática educativa, a pedagogia surge como uma teoria que deve orientar essa intencionalidade. Para o autor, desde a chegada dos jesuítas ao Brasil, temos a preocupação em desenvolver ação educativa de forma intencional.
De acordo com o autor, o termo ‘pedagogia’ está ausente da problemática pedagógica desde a expulsão dos jesuítas. Assim, no plano educacional de Nobrega, no Ratio Studiorum e nas reformas pombalinas, não aparece o termo ‘pedagogia’.
Saviani expõe, durante o capítulo, as vicissitudes que transcorrem no curso de pedagogia e na sua instauração, e indica que a primeira reformulação do curso de pedagogia aparece com a nossa primeira LDB, lei 4024/61, no parecer 251, de 1962. Nessa reformulação, manteve-se a duplicidade de bacharelado e licenciatura, assim como o núcleo básico do currículo formativo, e houve a dissolução do esquema 3+1. O autor destaca que as vicissitudes pelas quais passava a pedagogia conduziram à organização, na I Conferência Brasileira de Educação realizada em 1980, do Comitê Pró-participação na reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura, transformado, em 1983, na Comissão Nacional pela Reformulação de Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE), que, em 1990, se converte na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Em 2006, a pedagogia aprova as suas Diretrizes curriculares nacionais, aspecto apontado por Saviani como a oitava vicissitude da história da pedagogia no Brasil. O autor também assinala que o espaço apropriado para a realização de estudos e pesquisas educacionais amplos são as faculdades de educação.
No terceiro capítulo, ‘Pedagogia, paixão e crítica’, texto organizado para a aula inaugural de 2011 no curso de pedagogia da Unicamp, o autor se coloca em diálogo com os calouros do referido curso. Destaca a importância e o fascínio deles pelo ofício que chama de apaixonante: a pedagogia, que tem como objetivo a produção da humanidade no homem, e, nesse sentido, ele destaca o sentido dual da palavra paixão. Para abordar essa dualidade, Saviani aponta a paixão de ser professor em cinco estações em seu texto: 1.ª) a estação ‘Educação na Grécia’ elabora a perspectiva rígida e de sofrimento de que se reveste a educação; 2.ª) a estação ‘Educação em Roma’ apresenta a relação de entusiasmo pela educação e também de sofrimento, a relação de menosprezo à exaltação da educação, ambos os polos sintetizados na paixão; 3.ª) a estação ‘Educação na idade média’ assinala a decadência da cultura clássica e o surgimento das universidades e dos mestres livres; 4.ª) a estação ‘Educação moderna ou burguesa’ apresenta a constatação de uma escola institucionalizada e de uma educação miserável e precária; 5.ª) a última estação, ‘Educação no Brasil’, destaca a paixão do educador e seu padecimento, e a contradição de uma política educacional mais preocupada com as estatísticas do que com a qualidade da educação. O autor revela que é desejável estimular, nos estudantes de pedagogia e nos próprios pedagogos, o entusiasmo e a dedicação pela causa da educação, mas devemos atentar a uma postura ingênua que pode trazer o resultado contrário do que se quer de um ofício apaixonante como a pedagogia.
No capítulo seguinte, ‘Ética, educação e cidadania’, o autor aborda a trilogia ética, educação e cidadania, colocando a educação literalmente no centro do debate, remetendo às suas obras para elaborar alguns conceitos, como o de educação. Conforme o autor, a educação não apresenta a ética nem garante a cidadania, mas ela institui a humanidade no homem. O texto apresenta uma descrição sobre o homem, a educação e a ética e seus valores. Saviani coloca a educação escolar como um aspecto necessário para o desenvolvimento da cidadania, que juntamente com a ética, formam a trilogia apontada pelo autor. Tendo em vista essa trilogia, ele considera a sociedade burguesa e a divisão de classes, expondo as determinações sociais e históricas ali expressas, aspecto importante para a compreensão dos impasses recorrentes na sociedade atual capitalista e burguesa. Diante desse contexto, a ética, a educação e a cidadania, para o autor, converter-se-ão na expressão plena do desenvolvimento da existência humana.
No quinto capítulo, ‘Dilemas e perspectivas da formação de professores no Brasil’, o autor apresenta a situação atual da educação e a formação de professores; para tanto, retoma aspectos sobre a educação no século XX. O autor expõe cinco dilemas na formação de professores a partir de pareceres, resoluções e diretrizes nacionais. Os pareceres não denotam elementos que garantam uma formação de professores consistente. Além de apresentar os dilemas, o autor descreve as perspectivas da formação docente no Brasil, que ele coloca como desafios a serem enfrentados na formação de professores, principalmente a fragmentação e a descontinuidade das políticas educacionais. As condições do trabalho docente é outro ponto decisivo na formação, pois assim aparece o valor social da profissão. A garantia de uma formação consistente assegura condições adequadas de trabalho, e para tanto se deve olhar para os recursos financeiros correspondentes.
‘O direito à educação’ é o sexto capítulo, em que se apresenta a educação como direito proclamado, diferenciando os direitos civis, políticos e sociais. Para debater essas diferenças, o autor analisa as medidas tomadas pelo Estado perante o direito à educação.
No sétimo capítulo, o tema é ‘O paradoxo da educação escolar: análise das expectativas contraditórias depositadas na escola’. ‘Que escola queremos?’ é a questão que o autor analisa para elaborar os paradoxos que circulam no âmbito da sociedade no que se refere à educação. Saviani aponta que queremos uma escola que forme para a cidadania, e assim explora o paradoxo da escola cidadã, o paradoxo da escola imparcial, o paradoxo da escola igualitária e o paradoxo da escola equalizadora. O autor enfatiza que o desafio posto pela sociedade capitalista à educação pública poderá ser enfrentado com a superação da sociedade capitalista. Explica que a educação está intrinsecamente relacionada com os meios de produção capitalista e que, contraditoriamente, nela há elementos para a transformação do capital.
No oitavo capítulo, ‘Importância da filosofia para a educação’, o autor recorre à filosofia para compreender a situação atual da educação, marcada pela crise de paradigmas, pois considera a filosofia e a história como produção da própria existência humana no tempo. É a partir da filosofia que se acompanham reflexiva e criticamente as propostas educacionais e seus fundamentos e o homem se coloca como sujeito histórico.
‘Politecnia e a formação humana’ é o debate do nono capítulo, em que a noção de politecnia e de trabalho são o referencial. Saviani entende o conceito de trabalho como princípio educativo, ou seja, toda organização educativa se dá a partir do trabalho e do entendimento da realidade do trabalho. O homem se constitui enquanto homem a partir do trabalho, pois é preciso produzir sua existência. Nesse sentido, o que define a existência humana é a realidade do trabalho, e o autor assevera que a realidade da escola deve ser analisada por esse ângulo. A ciência atinge uma parcela pequena da humanidade nas formas anteriores de sociedade, e é na sociedade moderna que a ciência vai alargar o conjunto da sociedade, pois a potência material é incorporada ao trabalho social produtivo. Isso porque o domínio da ciência corresponde ao conjunto da sociedade; assim, o currículo escolar elementar precisa considerar essencialmente o domínio da linguagem escrita, sendo composto pelo domínio da linguagem, da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais. O autor considera que não podemos perder de vista o caráter transformador e revolucionário da educação diante de um momento em que, mais do que nunca, é necessário lutar e resistir para a transformação da sociedade, caminhando na possibilidade de que todos os homens se beneficiem do desenvolvimento das forças produtivas.
O décimo capítulo aborda o futuro da universidade entre o possível e o desejável. Saviani define que a universidade se encontra com dois futuros possíveis. O primeiro é que a universidade se verga às imposições do mercado. Com essa possibilidade, o autor constata que a universidade corresponde à tendência dominante e aponta ser um futuro indesejável. O segundo tem a sua possibilidade condicionada à reversão da primeira, o que implica projetos econômicos em torno da vida social atual. E inversamente ao primeiro, esse futuro não é previsível e sua visibilidade é problemática, mas desejável. A partir dos aspectos históricos da educação, o autor desenha o quadro em que se configura a educação superior no Brasil, afirmando estar ela submissa aos mecanismos e às demandas do mercado, sendo este um aspecto mundial que também se manifesta no Brasil.
‘Pós-graduação em educação, interdisciplinaridade e formação de professores’ é o décimo primeiro capítulo, no qual o autor segue discutindo a educação superior em nível de pós-graduação e resgata o significado e a implantação da pós-graduação no Brasil, abordando sua estrutura organizacional. A organização da pós-graduação no Brasil acontece com o parecer n. 9.77 do Conselho Federal de Educação em 1965. Trata-se de um parecer que trata da conceituação dos estudos pós-graduados, com base em experiências americanas. Para a abordagem crítica sobre a interdisciplinaridade e a abordagem científica da educação, Saviani analisa a estrutura curricular da pós-graduação. O autor problematiza a banalização da questão interdisciplinar recorrente na atualidade e explica o que é ciência da educação a partir das disciplinas psicologia, sociologia e história da educação. As abordagens disciplinares e interdisciplinares correspondem a um movimento analítico, abstrato, necessário para se passar à síncrese, movimento empírico, e ao concreto, a síntese do todo (caótico), conforme descreve o autor baseado na intuição do todo (articulado) apropriado pelo pensamento. Saviani afirma que este é o caminho para constituir uma ciência da educação. O capítulo ainda abre uma discussão sobre a formação docente e a pós-graduação, o resgate da história da educação a partir da colônia, apresenta como se deu a formação de professores.
E o capítulo final, décimo segundo, elenca ‘A importância da educação no projeto de desenvolvimento do País’. A questão do financiamento da educação é abordada pelo autor nesse capítulo final, no qual expõe que a relação entre educação e desenvolvimento pode ser considerada a partir de três distintas concepções: educação pelo desenvolvimento, educação para o desenvolvimento e educação como desenvolvimento. Como conclusão, destaca o Plano Nacional de Educação, como estratégia importante para tornar real a qualidade da educação pública. O autor enfatiza que dois eixos do PNE são necessários para isso: o financiamento e o magistério. A questão docente é primordial, pois dela depende o alcance das metas voltadas para a melhoria da qualidade na educação básica.
O livro é direcionado especificamente aos professores que sofrem com a questão salarial, com constrangimentos morais e materiais; professores sobrecarregados de aulas, que atuam em situações de precarização na escola. Saviani coloca em pauta o debate crítico sobre as questões educacionais e convoca a união das forças representativas dos professores, alunos e pais, na busca de uma educação de qualidade para a transformação da realidade social, política e cultural da sociedade em que vivemos com tantas desigualdades. Trata-se de uma obra de referência, alicerçada em compromissos éticos e políticos sólidos, preocupada com a elevação da cultura científica para todos, no sentido da tranformação da sociedade e do universo educativo. Para tanto, o autor se fundamenta nas matrizes culturais e filosóficas clássicas e no marxismo, reafirmando a necessidade da luta, da resistência, para a construção de uma sociedade coletiva para todos.
Desiré Luciane Dominscheck – Doutoranda em Educação linha de Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Membro do Grupo de estudos e pesquisa: HISTEDBR, Professora do História da Educação- Centro Universitário Internacional-Uninter. E-mail: desiredominschek@hotmail.com
Sarah Maia Machado Silva – Doutora em Educação :Linha Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas -Unicamp, membro do grupo de pesquisa Paideia. E-mail:sarahmariamachado@hotmail.com
Teoria (literária) americana: uma introdução crítica – DURÃO (AF)
DURÃO, Fabio Akcelrud. Teoria (literária) americana: uma introdução crítica. Campinas/SP: Autores Associados, 2011.Resenha de: PASINI, Leandro. Para onde vai a teoria? Artefilosofia, Ouro Preto, n.15, dez., 2013.
O livro Teoria (literária) americana: uma introdução crítica, de Fabio Durão, se apresenta como obra didática não apenas pela palavra “introdução” do subtítulo como por sua dedicatória aos “alunos da Unicamp”. Contudo, não há no livro sequer vestígio da organização didática tradicional que se esperaria de uma introdução. As corrente s teóricas em voga nos Estados Unidos nos últimos trinta anos, agrupadas sob o nome de Teoria (Theory), não são explicadas uma a uma, segundo critério e hierarquia que revelasse as preferências e a posição do Autor. Seguindo a mais autorizada das antologia s de língua inglesa, a Norton Anthology of Criticism and Theory, em sua edição de 2001, Fabio Durão lista as correntes surgidas depois da Segunda Guerra e que ainda são referência no debate teórico estadunidense: Estudos Culturais, Desconstrução e Pós-estruturalismo, Teoria e Crítica Feminista, Formalismo, Crítica Gay e Lésbica e Teoria Queer, Marxismo, Novo Historicismo, Fenomenologia e Hermenêutica, Teoria e Crítica Pós-Colonial, Psicanálise, Estudos de Raça e Etnicidade, Teoria de Reação do Leitor, Estruturalismo e Semiótica. Mesmo sob uma denominação genérica, é mais de uma dezena de perspectivas teóricas, em que cada um dos nomes pode se desdobrar em outros tantos, a exemplo das vertentes que o item “Desconstrução e Pós-estruturalismo” abriu no ambiente brasileiro. Nesse sentido, Fabio Durão rejeita conscientemente a compartimentação teórica, por um lado, e a postura de divulgador de ideias internacionais, por outro. Com isso, e causando grande espanto no contexto brasileiro, ele recusa a posição de mediador, de alfandegário cultural entre o que se faz nos centros e nas periferias do mundo universitário. Como consequência, não se pode esperar do livro uma simplificação de saberes complexos, como se, depois de sua leitura, fosse mais fácil compreender, por exemplo, Derrida, Spivak, Barthes ou Jameson, ou que uma receita fosse dada para que esses teóricos pudessem caber em um conhecimento panorâmico e pacificado. O livro se propõe, antes, a pensar a teoria teoricamente, ou seja, “tornar a Teoria ela mesma um objeto de reflexão teórica e crítica” (p. 4), encarando-a como uma nova formação discursiva, que será abordada por meio de sua ascensão e do debate que formou em torno de si. Para tanto, não se deve concluir que o Autor se desvincula da Teoria para abordá-la imparcialmente a distância. Seu ponto de partida é a “primazia do objeto”, pensado em consonância com a Teoria Crítica, de Adorno e Benjamin, que nesse caso não trata de questões artísticas e/ou filosóficas, mas da própria Teoria, que passa então por uma autorreflexividade radical. Esse procedimento, de pensar o fenômeno teórico pela perspectiva da Teoria Crítica, se realiza por meio de uma escrita ágil e desabusada, na qual a erudição, que existe, cede passo à argumentação civil e democrática, unindo curiosidade e vontade de conhecer à ausência de jargão e apelos a figuras de autoridade. Fabio Durão não é a priori contra nem a favor da teoria americana, ele não está entre os seus “defensores” nem entre os seus “detratores”. A Teoria é vista como u m fato consumado, pois, como diz o Autor: “seria inútil reivindicar um retorno aos velhos tempos anteriores à febre teórica” (p. 112), mas essa constatação não é um sinônimo de legitimação positiva da Teoria, ao contrário, ela é vista como “um campo marcado por contradições, constituindo-se, por fim, como uma aporia, pois se mostra ao mesmo tempo como imprescindível e insustentável” (p. 3). Entre as várias críticas que o livro dirige a ela, que não são poucas, duas são mais drásticas quando se pensa na relação entre Teoria e literatura: 1. a Teoria, em seus piores momentos, parece ansiar por uma autossuficiência que acaba por destruir os objetos, tornando-se assim intransitiva e autorreferente; 2. a consequência natural dessa autorreferrência é um solipsismo a um tempo ultracomplexo e sem finalidade, dando margem a constantes corridas em busca de uma autoridade abstrata. Contudo, a mistura de disciplinas e saberes, que podem ser vários, além dos imprescindíveis (Linguística, Psicanálise, Sociologia e Antropologia), faz com que o método criado pela Teoria adquira uma flexibilidade capaz de apreender qualquer objeto e se redimensionar em função dele, além de ter produzido a expansão e a multiplicação dos objetos de leitura. Assim, tamanha liberdade faz com que os eles possam ser tanto anulados quanto recriados, como Fabio Durão defende: “O papel da Teoria é contraditório, pois se por um lado ele relativiza a importância do literário, que agora passa a existir lado a lado com os cartoons ou o YouTube, por outro fornece um novo fôlego para a leitura de textos que de outra forma poderiam perder em interesse” (p. 49-50). A matriz prática dessa contradição é descrita no livro como uma crise interna dos estudos literários, devida, entre outros motivos, à redução do es paço socialmente ocupado pela literatura, que foi gradualmente substituído pelos meios de comunicação de massa, bem como às críticas internas da própria arte, presentes nas vanguardas do começo do século XX, e cuja corrente mais radical em sentido antiartístico, foi o Dadaísmo.
Como consequência dessa armadura argumentativa, é preciso notar a estranheza ou a novidade, ao menos no Brasil, de a Teoria ser objeto da Teoria Crítica, tendo em mente que esta se constituiu enquanto tal justamente pela plataforma de dar primazia a uma alteridade, colocando os conceitos em movimento ao contato com as obras artísticas. O perigo de uma Teoria Crítica cujo objeto é a Teoria reside principalmente na possibilidade de perda dessa alteridade, daquela “consciência da não id entidade entre o modo de exposição e a coisa” (ADORNO, Theodor W. Notas de literatura. São Paulo: Ed. 34/Duas Cidades, 2011, p. 37). Resumindo, entre Teoria Crítica e Teoria insinua-se, como que por contágio, uma perda de diferenciação cujo custo seria o evolar-se do adjetivo “Crítica” e a subsunção de Teoria como apoteose, mesmo que a intenção seja (auto)crítica. Parte central desse problema está presente no modo como Fabio Durão se comporta em relação aos objetos artísticos em comparação com o ethos anteriormente consolidado pela Teoria Crítica. Em dado momento, ele alerta para o perigo de se ler “Bakhtin sem Dostoievski ou Rabelais, Walter Benjamin sem Goethe, Deleuze sem Proust ou Kafka, Lacan sem Freud, Freud sem Sófocles ou Shakespeare” (p. 111). Dentro ou fora da Teoria Crítica – mas posta como pressuposto sobretudo por esta –, o contato com os objetos como configuradores do teórico é fundamental. Daí a pergunta: quais são os objetos literários ou artísticos que, presentes a cada entrelinha de Teoria (literária) americana, constituiriam a força dessa alteridade como resistência ao universal da Teoria? Salvo engano, as leituras constitutivas do Autor, subjacentes à sua perspectiva, não são literárias, mas teóricas, mais especificamente Adorno e Fredric Jameson. Essa questão se repõe na própria escrita do livro, que percorre com vivacidade e rapidez muitos campos teóricos diversos. A presença configuradora de uma obra ou de um conjunto orgânico de obras afetaria, em primeiro lugar, o estilo. Cada obra literária possui um travejamento próprio e oferece resistência ao campo da Teoria (tomada como um todo abstrato), pois aceita, virtualmente, algumas ideias teóricas mas não outras. Implicitamente, Teoria (literária) americana, mesmo defendendo os objetos, pare ce recusar, por sua própria natureza, o contato com uma ou conjunto orgânico de obras, que, por especificar o horizonte especulativo, colocaria diante do crítico um sem número de determinações e atritos a serem configurados pela escrita que seria, de certa forma, contaminada por alguns elementos desse(s) objeto(s). Contudo, essa imersão completa no campo da Teoria permite ao Autor captar a sua especificidade, a contradição viva e o nervo crítico que ela contém. Ao ser capaz de fundir diversos saberes e de refletir sobre os próprios pressupostos dessa fusão, a Teoria erige, como diz o Autor, “a transdisciplinaridade como seu princípio mais interno de funcionamento” (p. 13-14). A “visão de mundo” subjacente a essa prática é a radical separação entre o pens amento e a coisa. Como todo saber é construído, a própria construção do conhecimento passa ser o objeto da Teoria. É esse tipo de “relativismo construtivista” que permite o “trânsito entre todos os saberes da humanidade”, e, posso acrescentar, os conhecimentos passam a ser concebidos sobretudo como linguagem, fazendo migrar para o centro da reflexão da Teoria a atenção à linguagem anteriormente restrita aos estudos literários. A Teoria monta um campo de forças próprio em cujo centro ela mesma habita. Fabio Durão fala de uma exacerbação dos metadicursos da teoria literária” que passa a “constitui um campo (semi)autônomo. Ocorre a emancipação da Teoria em relação aos objetos, aos quais os estudos literários anteriores se modelavam; e essa emancipação possui um a liberdade virtualmente ilimitada de construir objetos de leitura e conhecimento, pois não apenas tudo pode ser objeto da Teoria como as mais imprevisíveis relações entre as coisas do mundo podem ser erigidas em objeto. Entretanto, se as potencialidades são enormes, as realizações são geralmente solipsistas, hipersofisticadas e herméticas, desabrochando o obscurantismo e a intransitividade do seio da liberdade, da práxis e da pluralização almejadas.
A explicação desse paradoxo pode ser encontrada em um argumento constante ao longo do livro: a semelhança entre a natureza da Teoria e a lógica do capitalismo tardio estadunidense. O Autor julga possível “identificar na liberdade enunciativa do teórico algo da flexibidade que se exige do trabalhador no novo mercado e da produção pós-fordista” (p. 31). Essa relação não se dá de modo genérico, mas tem em seu “espaço enunciativo”, a universidade, o seu instrumento específico de realização, em que ocorre a transposição para a teoria americana do um modo de produção social, adequando seu funcionamento à universidade produtivista atual. A abundância, o múltiplo, a pluralidade e todo o discurso do “excesso” vinculado pela aliança entre a Teoria e a noção de “pós-modernidade” não se colocam no mundo sob a égide exclusiva da liberdade mas também da produção capitalista, da lógica da moda e da frenética produção e consumo de mercadorias. Eis a face de conformidade plena da Teoria com o mundo em relação ao qual ela se pretende radicalmente crítica. Desenvolvendo um pouco essa questão, pode-se explorar mais a relação entre a fusão de disciplinas e a lógica produtiva pós-fordista. Não me parece que essa relação aconteça somente no plano da produção. Há no próprio movimento abstrato de nivelamento de todos os conhecimentos, todas as linguagens e todos os objetos algo daquela lógica de mediação universal e abstrata que Marx viu na forma-mercadoria. Para dizer brevemente, a possibilidade de equalizar todos os produtos do homem foi conseguida pela abstração do valor de uso no valo r de troca. O teórico e seu texto, em seu grau máximo de flexibilidade, não se assemelham a essa forma de mediação universal e abstrata entre conteúdos e formas por vezes muito diferentes? Em outras palavras, não assume o seu trabalho e o resultado dele como uma mimese da forma-mercadoria ? Se essa dedução estiver certa, ela se coloca em outro nível em Teoria (literária) americana, pois se transforma em uma pergunta que deve ser feita em relação ao próprio Autor: ao analisar essa “formação discursiva”, ele mesmo se desidentificaria do processo de mediação universal e abstrata da natureza da mercadoria presente na prática contemporânea da Teoria? Porventura não faria Fabio Durão a mimese de seu próprio objeto, incorporando em sua capacidade de transitar entre tantas correntes críticas com tanta desenvoltura algo da abstração sem finalidade da forma-mercadoria? O livro corre esse risco, e ele nunca é de todo dissipado. Porém, mais importante do que constatar o perigo é ver como nele a exigência de recuperação dos objetos ganha novo sentido. Seguindo a linha mestra de raciocínio do livro, o aspecto positivo da contradição da Teoria, a sua demanda de liberdade, ao mesmo tempo que se adapta ao mercado neoliberal, possui uma dimensão utópica: “uma utopia do conhecimento, livre das amarras da tradição e da nacionalidade” (p. 29). Porém, como separar essa extrema liberdade autoproclamada da arbitrariedade advinda muitas vezes de instâncias de poder contrárias à mesma liberdade proposta pela Teoria? A resposta compõe o eixo mais importante da discussão proposta pelo livro: “a teoria americana é legítima quando permite o surgimento de um objeto que sem ela seria inconcebível” (p. 116). Nesse sentido, os objetos que precisam ser recuperados não são os antigos objetos da teoria literária, pois aqui não se trata de uma nostalgia ou de simples vinculação à Teoria Crítica. Não é o caso de voltar a ler os textos como Benjamin lia Kafka, Goethe ou Baudelaire, ou Adorno lia Eichendorff ou Beckett, embora esses ensaios de maneira alguma saiam do horizonte. Os objetos a serem recuperados, se entendo bem o sentido profundo do livro, ainda não existem ; eles não são “coisas” que foram abandonadas e podem ser simplesmente reencontradas. A demanda de Fabio Durão é por novos objetos que surgiriam somente quando a Teoria refletisse radicalmente sobre ela mesma, exasperando as suas insuficiências e fazendo surgir de uma severa autocrítica a possibilidade de emancipação real, uma emancipação que gerasse um “outro”. Assim, os objetos são uma espécie de alteridade utópica nascida da autorreflexão da Teoria sobre seus paradoxos, uma tentativa de sair de si mesma por uma dialética implacável, da qual decorreria no campo dos estudos literários, uma exigência de transformação social, uma práxis libertária. Alcançar a alteridade é também alcançar aquela limitação e particularização que definem uma personalidade – um nome –, e buscam retomar algo de humano, de realmente diferenciado, na lógica produtiva e mercantil atual. Recuperar os objetos, então, não é somente um conselho ou uma exigência, é igualmente uma promessa de felicidade e de superação da mercadoria no âmbito dos estudos literários.
Leandro Pasini.
Filosofia da práxis e didática da educação profissional – ARAUJO; RODRIGUES (TES)
ARAUJO, Ronaldo M. de Lima; RODRIGUES, Doriedson S. (Orgs.). Filosofia da práxis e didática da educação profissional. Campinas, Autores Associados, 2011, 148 p. Resenha de: PORTO JÚNIOR, Manoel José. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 10 n. 3, p. 561-565, nov.2012/fev.2012.
Este livro é constituído de cinco artigos apresentados no Seminário “A Pedagogia da Práxis e a Didática da Educação Profissional”, promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE) da Universidade Federal do Pará (UFPA). O prefácio é de Gaudêncio Frigotto e, como anuncia este autor: Em seu conjunto, os textos trazem uma contribuição original ao pensamento educacional brasileiro no âmbito da educação profissional, contrapondo-se não só à tradição liberal e neoliberal que dominam na teoria e na prática, mas também a tendências reducionistas ou academicistas oriundas de uma determinada leitura na tradição marxista. (p. V) O primeiro artigo, intitulado “Referências sobre práticas formativas em educação profissional: o velho travestido de novo ante o efetivamente novo” – de Ronaldo M. de Lima Araújo e Doriedson S. Rodrigues –, é dividido em duas partes, de acordo com os dois projetos antitéticos de formação dos trabalhadores, um deles sob a lógica do capital e o outro comprometido com a formação omnilateral.
Demonstrando a existência de um fio condutor entre as práticas pedagógicas do início da industrialização, distinguidas pelas séries metódicas ocupacionais, e a atual pedagogia das competências, o texto caracteriza o processo de formação vinculado ao capital como uma renovação do velho. Aponta as referências racionalista, individualista e neopragmatista da pedagogia das competências, identificando-a com a nova sociabilidade do capital. O ‘saber fazer’ passa a ser o discurso dominante dessa formação pragmática dos trabalhadores.
Na segunda parte, os autores apresentam bases para o projeto contra-hegemônico, percorrendo as elaborações de Marx, Pistrak, Gramsci, Saviani e Frigotto, revelando a evolução da noção de trabalho como princípio educativo. Defendem uma educação de base científica, que combata o espontaneísmo e o individualismo, baseada na solidariedade social, que reconheça o homem como um ser histórico.
Ciência e cultura são enfatizadas como constituintes de um projeto pedagógico que articula trabalho e educação, construindo uma educação omnilateral, crítica e articulada com a luta dos movimentos sociais.
O segundo artigo, escrito por Marise Ramos, intitula-se “Referências formativas sobre práticas em educação profissional: a perspectiva histórico-crítica como contra-hegemonia às novas pedagogias”. Partindo dos pressupostos da luta de classes e da disputa por hegemonia, a autora insere a escola como mediação importante na luta pela emancipação humana. Contudo, salienta que a liberdade plena só virá a partir da superação da alienação do trabalho no campo das relações produtivas.
Para defender a pedagogia histórico-crítica, a autora revisita as pedagogias da essência e da existência, propondo a superação de ambas de forma dialética. Na crítica a ambas, aponta a ausência de historicidade do ser humano e das relações sociais.
Ramos demonstra o caráter pragmático da pedagogia nova, em busca de uma adaptabilidade dos educandos, sob o lema do ‘aprender a aprender’. Para isso, analisa as obras de Dewey e de Piaget e demonstra que as bases da pedagogia das competências são o (neo)pragmatismo e o (neo)tecnicismo.
Por fim, propõe o currículo integrado, que tenha o trabalho como princípio educativo e que forme uma unidade entre conteúdo e método, baseando-se nas seguintes etapas: prática social; problematização; instrumentalização; catarse; e prática social. Trabalho, Ciência e Cultura são as categorias básicas para a compreensão do processo de produção moderno.
O terceiro artigo, escrito por Maria Rita N. S. Oliveira e intitulado “Organização curricular da educação profissional”, trata de fundamentos de uma pedagogia da práxis, além de apresentar uma reflexão sobre as políticas de Educação Profissional, com vistas à organização curricular do ensino técnico. Para tanto, entende o ensino como prática social, permeado pelo trabalho, pela relação dialética entre sujeito e estrutura social e pelos métodos de ensinar e aprender. Salienta a necessidade de problematizar a relação entre ensino e pesquisa, de modo a superar dialeticamente as abordagens conteudista e experimental.
Ao tratar das políticas para a Educação Profissional de nível médio, a autora refere-se à dualidade estrutural da educação, mostrando que, agora, essa dualidade foi transferida, também, para o ensino superior. Entende tal situação como uma adaptação à nova ordem globalizada e excludente do capital. A pedagogia das competências possui o caráter pedagógico de conformar e adaptar o trabalhador para a nova sociabilidade. Contudo, Oliveira percebe as contradições existentes nesse processo, verificando que nas escolas ocorre a recontextualização por hibridização do currículo, que abre a possibilidade de disputas a respeito dos rumos do ensino.
A categoria conciliação caracterizaria as políticas públicas para a Educação Profissional do primeiro governo Lula, que produziu o decreto n. 5.154/04. O ensino integrado é proposto como forma de uma educação tecnológica, baseada numa visão unitária e dialética que integra a formação geral e a específica. Contudo, no segundo mandato, o caráter de conciliação é reforçado pela categoria da adesão. Assim, surge a organização da Educação Profissional por eixos tecnológicos e é instituído o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio, que indicam uma recomposição, pela submissão aos ditames do mercado, da hegemonia do produtivismo nessa modalidade de educação.
O quarto artigo, escrito por Gilmar Pereira da Silva e intitulado “Trabalho e educação na Amazônia: uma experiência de educação dos trabalhadores”, analisa a trajetória do Projeto Vento Norte da Central Única de Trabalhadores (CUT), que integra a atuação da central em seis estados: Pará, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre.
Com base nas categorias que fundamentam tal projeto – educação, trabalho e desenvolvimento –, o autor apresenta uma visão militante e posicionada a respeito dos embates que ocorrem internamente na CUT. E defende uma atuação da central sindical para além daquela tradicional, alargando a interlocução com grupos que extrapolam a parcela sindicalizada da classe, bem como propondo parcerias com outros sujeitos da sociedade civil. Aponta a complexidade do projeto em uma região tão vasta e com enormes dificuldades de transporte. Ainda, utilizando o conceito de região, salienta as peculiaridades culturais dos povos amazônicos, que não podem ser negligenciadas em um projeto da classe trabalhadora.
Em seguida, o autor discorre sobre a metodologia de pesquisa militante que utiliza, enfatizando a experiência como construtora do saber.
É a partir do posicionamento que caracteriza a postura propositiva e negociadora assumida pela CUT como resultado das limitações históricas que Silva justifica as atuações da central na área da educação, utilizando-se de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Também considera positiva sua atuação institucional, ocupando espaços no governo. Ao buscar referência em Gramsci, considera que a idéia de proposição não nega a revolução, como argumentam uma parcela de dirigentes da CUT, além de outros que já abandonaram a central.
O quinto e último artigo do livro, escrito por Justino de Souza Júnior, intitula-se “Educação profissional e luta de classes: um debate em torno da centralidade pedagógica do trabalho e do princípio educativo da práxis”. Como descrito no título, o autor polemiza a questão do trabalho como princípio educativo absoluto, buscando elevar a escola e a práxis político-educativa a uma condição de igualdade com aquele, baseando-se nas obras de Marx e Engels.
Na introdução, o autor discute a construção de um projeto histórico sob o ponto de vista do proletariado, definindo que tal projeto não existe a priori, mas, sendo resultado da contradição capital versus trabalho – que incita projetos antagônicos –, surge a partir da consciência dessa contradição adquirida a partir da experiência da luta de classes.
A polêmica estabelecida com o trabalho como princípio educativo, ao propor sua substituição pela práxis, decorre de sua definição de trabalho como trabalho abstrato. Para o autor, o trabalho abstrato (alienado, assalariado em sua forma histórica sob o capitalismo) produz, ao mesmo tempo, uma busca de formação/educação aligeirada e imediatista por parte da classe trabalhadora (lógica do capital) e, por outro lado, impõem relações sociais que favorecem sua identificação operária, em contraposição aos interesses do capital. A partir disso, considera que o trabalho alienado faz parte da proposta educativa emancipadora, ao lado da escola – com todos os limites de um espaço sob disputa desigual – e da práxis político-educativa desenvolvida e controlada pelos próprios trabalhadores. Essa última dimensão traria a possibilidade de tranformar a classe-em-si – potencialmente revolucionária – em classe-para-si – efetivamente revolucionária.
O autor problematiza a relação tempo de trabalho e tempo de não-trabalho na formação da omnilateralidade humana. Considera, então, que a categoria práxis político-educativa, abrangendo o momento laboral e o momento das demais atividades formativas sob uma lógica de classe, constitui-se como o princípio educativo mais potente. Assim, questiona a transferência do princípio ontológico do trabalho mecanicamente para a educação, como pretende a pedagogia centrada no trabalho.
O artigo tem como contribuição destacar os riscos de submissão do projeto educativo que se pretende emancipador à lógica estabelecida pelas relações de produção capitalistas. Contudo, entendo que suas críticas decorrem de definir o trabalho nas suas condições históricas atuais. Por outro lado, distanciar a práxis do trabalho, entendido ontologicamente, poderia supor que ela não possui nenhum grau de determinação pela forma de produção material da vida dos sujeitos. A práxis político-educativa da classe trabalhadora será totalmente consciente e emancipada? São boas as questões que surgem da leitura desse trabalho.
Por fim, o livro é um convite ao debate sobre a didática da Educação Profissional, socializando diferentes abordagens, sob o ponto de vista dos trabalhadores, a respeito dessa modalidade de educação.
Manoel José Porto Júnior – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense/Campus Pelotas, Pelotas, Brasil. E-mail: manoelportojunior@gmail.com
[MLPDB]Fundeb, federalismo e regime de colaboração – MARTINS (ES)
MARTINS, Paulo de Sena. Fundeb, federalismo e regime de colaboração. Campinas: Autores Associados, 2011. Resenha de: SILVA, Isabelle Ffiorelli. A “política de fundos” e os contornos federativos do estado brasileiro. Educação & Sociedade, Campinas, v.33 n.121 out./dez. 2012.
A pesquisa no campo das políticas educacionais, realizada por Paulo de Sena Martins em seu livro Fundeb, federalismo e regime de colaboração, traz uma análise acerca da adoção da “política de fundos” no país, tratando-a como inerente aos contornos do nosso Estado federado cooperativo. As características de nossa Federação e suas possibilidades de aperfeiçoamento são constantemente imbricadas com a formulação e implantação da “política de fundos”, cujas origens remontam ao período marcado pelo Movimento dos Pioneiros, mas somente adotada como política pública a partir dos anos de 1990.
O livro resulta da tese de doutoramento defendida em 2009 na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, cujo objetivo projetado e, a meu ver, alcançado foi compreender a capacidade dos fundos de assegurarem o regime de colaboração entre os entes federados e a busca pela equidade na distribuição dos recursos para os diferentes sistemas de ensino estaduais e municipais. Trata-se da análise de uma política pública, de seu processo decisório na formulação das leis regulamentadoras da principal política de financiamento da educação brasileira, a denominada “política de fundos”. Para isso, o autor utilizou textos teóricos, além do exame da legislação e de documentos técnicos, especialmente as notas taquigráficas das audiências públicas realizadas pelas comissões especiais e pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, que analisaram as Propostas de Emenda Constitucionais (PECs) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Na introdução são apresentadas as questões que irão permear toda a obra. Enfatiza-se o contexto de elaboração e negociação das leis e sua incidência na versão final aprovada, lançando mão de documentos técnicos para analisar o processo de tramitação das PECs do Fundef e do Fundeb, e tendo como tônica o mecanismo de fundo como possibilidade de fortalecer o Estado federativo cooperativo. Para tanto, são apresentadas as “falhas” detectadas no Fundef e as alternativas de aprimoramento no fundeb, tais como o cumprimento da regra de complementação da União e a necessidade de dar mais autonomia aos conselhos, a fim de aperfeiçoar a fiscalização e o controle social. Demonstra como o envolvimento da sociedade civil se deu de formas distintas na formulação da lei que regulamenta ambos os fundos, sendo que, no Fundef, a atuação crítica de entidades representativas da comunidade educacional foi muito mais no processo de execução do fundo por estarem relativamente desarticuladas no contexto de sua elaboração. Já na tramitação do Fundeb, tal comunidade obteve papel fundamental em vários momentos de embate, principalmente quanto à questão da inclusão das creches no novo fundo.
No primeiro capítulo, o autor inicia sua análise apresentando as tipologias de Estado federal e como a Federação brasileira se estruturou com base nas relações entre poder central e poderes estaduais e locais. Utiliza, para tanto, importantes autores da ciência política, do direito, da educação, da história e da economia. Considera que as regras distributivas de uma federação cooperativa devem estar em estreita relação com as regras distributivas do financiamento educacional; assim, as regras de redistribuição dos recursos destinados à educação no âmbito de cada estado, segundo as matrículas e as ponderações referentes às etapas, modalidades e tipos de estabelecimento, devem expressar um equilíbrio federativo, com efetivo regime de colaboração na repartição de competências concorrentes. Para ele, um Estado federado que se pretenda cooperativo deve buscar constantemente seu equilíbrio, no sentido da conciliação das autonomias locais com os interesses nacionais.
A Constituição brasileira é sempre mencionada pelo autor para afirmar o princípio do federalismo cooperativo, por meio da regulamentação e operacionalização de um regime de colaboração, também previsto na carta magna, entre os entes federados na implantação e manutenção das políticas públicas concorrentes. Não desconsidera que as ações dos envolvidos na gestão e financiamento das políticas públicas carecem de um processo de negociação permanente. Entretanto, a União tem papel importante de promover a equalização e a redistribuição, assumindo o papel de apoio técnico e financeiro aos entes subnacionais, visando corrigir as desigualdades de capacidade de gastos e de gestão das políticas públicas, em especial da educação. Aliás, toda política pública deve refletir o compromisso com o equilíbrio federativo! Nesse sentido, afirma categoricamente que a tradução do federalismo cooperativo nas políticas educacionais deve ser concretizada pela efetivação do regime de colaboração.
No segundo capítulo, o autor elenca os mecanismos de gestão intrínsecos ao federalismo o os analisa no âmago do Estado brasileiro, utilizando-se da legislação, sua constituição e reação na conflituosa arena política, e destacando seus reflexos no provimento do serviço público educacional. Mostra, desde o Ato Adicional de 1834 até a Constituição de 1988, o movimento de centralização e descentralização do poder político e suas repercussões na autonomia e equilíbrio federativos, ocorrendo tanto avanços como recuos a depender se o período político pendia para maior abertura política ou não. As garantias legais ao financiamento educacional foram propostas principalmente no contexto de promulgação da República Federativa, tais como a criação de uma taxa escolar, de impostos próprios provinciais, da vinculação de impostos, além de uma contribuição direta cobrada a cada família, embora ciente de que os instrumentos jurídicos foram (e ainda são) muitas vezes distorcidos ou ignorados.
O autor vai clarificando que, no bojo de uma gradativa evolução federativa, surgem os germens para os mecanismos de gestão e distribuição de recursos para a educação, por meio da adoção da vinculação de impostos (consagrada já nos anos de 1930) e da política de fundos (recuperada e regulamentada nos anos de 1990). Elucida-nos que, no primeiro meio, a discussão da inclusão sustentava a defesa dos “entusiastas pela educação” da obrigatoriedade do ensino para absorver as camadas sem acesso à educação; já no segundo meio, a questão da equidade orienta a luta pela democratização da educação, buscando a universalização de todas as etapas da educação básica e, ainda, das condições de sua qualidade. Nesse ínterim, surge a proposta de criação de um fundo escolar, sendo retomada em 1995 e reavivada pela tramitação da PEC que regulamenta o Fundef, redundando na aprovação da Lei n. 9.424, em 1996. Considerada como “minirreforma tributária” pelo formulador da proposta, Barjas Negri, Martins também reconhece seu potencial equitativo e o defende mediante seu aprimoramento pari passu com o pacto federativo. Assim, pondera que, apesar do contexto dos anos de 1990 estarem direcionados à gestão gerencial, os fundos contábeis surgem como estratégia política para alcançar a equidade, viabilizar a autonomia federativa, consolidar o controle social e aprimorar o regime de colaboração.
No terceiro e último capítulo da obra, o autor analisa o processo de tramitação das leis que regulamentam o Fundef e o Fundeb. Nos debates ocorridos no primeiro caso, as problemáticas que permearam os debates foram o gasto-aluno baseado no orçamento disponível, ao invés de orientado pela qualidade da educação, o risco de superlotação de salas e a prioridade do fundo para uma determinada etapa, em revanche com o conceito de equidade educacional. Já nos debates ocorridos no segundo caso, foram utilizados argumentos baseados nos efeitos previstos e/ou detectados do Fundef na educação infantil, na educação de jovens e adultos, no ensino médio e na secundarização da questão da valorização do magistério. Tais efeitos foram analisados em relação ao princípio da equidade, relação esta que denuncia a incapacidade do Fundef em interferir nas disparidades regionais e estaduais, sem a efetivação da complementação da União e a operacionalização do regime de colaboração. Nesse caso, “o fundo não suprime as diferenças, mas cria as condições para diminuí-las”, na medida em que absorve mecanismos capazes de superar a incomunicabilidade entre os fundos estaduais. Outro limite apontado referente ao funcionamento do Fundef consiste na definição anual do valor mínimo por aluno, que sempre foi desrespeitado e até mesmo congelado nos anos de 1998 e 1999, ilustrando a atuação coadjuvante do fundo no ajuste fiscal promovido naquele contexto de reforma do Estado.
Se tomarmos a ciência política como “óculos” de análise da política de fundos, tal obra se enquadra na análise da principal política pública para a gestão e financiamento da educação brasileira, mais especificamente na análise de seu processo de discussão, tomada de decisão e consequente formulação, mais do que a análise de seus efeitos produzidos durante e após sua implantação. Embora na obra encontremos pesquisas analisando os resultados e efeitos gerados pelo Fundef, após seus dez anos de funcionamento, principalmente no terceiro capítulo, a ênfase de esforços analíticos recai na avaliação do processo de formulação, tramitação e aprovação das leis que regulamentaram a política de fundos, explicitando seus avanços e retrocessos inerentes aos contornos do nosso Estado federado. Contudo, como possível coadjuvante no equilíbrio federativo, a política de fundos é defendida e aceita como política pública educacional, em constante aprimoramento inerente ao desenho do Estado democrático brasileiro.
Isabelle Fiorelli Silva – Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: isabellefiorelli@hotmail.com
As flores de abril: movimentos sociais e educação ambiental | Carlos Rodrigues Brandão
A leitura de As Flores de Abril: movimentos sociais e educação ambiental, de Carlos Rodrigues Brandão, permite a reflexão a respeito da interação entre o homem e a natureza e ainda sobre a Educação Ambiental. Tal reflexão destaca a questão ambiental, com ênfase para os movimentos sociais, especificamente os ambientalistas.
O autor enfatiza que o homem socializa a natureza, do qual ele faz parte, destruindo o meio ambiente, como se os recursos naturais não se esgotassem. Discute também a Educação Ambiental sob a perspectiva de uma nova lógica da natureza e uma nova ética ambiental, fundamentada na harmonia entre os seres humanos com a natureza, bem como entre si. Leia Mais
O legado educacional do século XX no Brasil – SAVIANI (C)
SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. Resenha de: TORRES, Eli Narciso da Silva Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, Set/Dez, 2010.
O livro O legado educacional do século XX no Brasil, assim como O legado educacional do século XIX, é o resultado de pesquisas das Professoras Jane Soares de Almeida, Doutora em História e Filosofia da Educação pela USP/SP, Rosa Fátima de Souza, Doutora em Educação pela USP/ SP e Vera Teresa Valdemarin, Doutora em História e Filosofia da Educação pela USP/SP, reunidas em torno do pensamento do Professor Dermeval Saviani (Unicamp). Os textos são fundamentais para a compreensão de aspectos da historiografia da educação brasileira. No entanto, no livro anterior, ocorreu um maior distanciamento do objeto em decorrência do fato de as autoras estarem analisando o século XIX, ou seja, localizando-se no fim do século XX. Enquanto em O legado educacional do século XX, o recuo não ocorre da mesma forma, pois a análise acontece enquanto os fatos são construídos historicamente, e os pesquisadores não veem com clareza a herança que estaria sendo transferida para o século XXI.
O primeiro capítulo “O legado educacional do ‘longo século XX’ brasileiro”, Saviani classifica o século XX como longo, pois o observa a partir de 1890, desdobrando-o até o início do século XXI. Saviani procura delinear os meandros políticos e sociais que propiciaram a materialização e a ampliação do sistema educacional brasileiro, principalmente as transformações sociais ocorridas a partir do fim do século XIX. Saviani aponta, principalmente, à abolição da escravatura no Brasil, à transição império/república, ao ideário de Estado laico, à cientifização a partir da influência positivista, ao fortalecimento do setor industrial, além de à ampliação e urbanização de centros urbanos, o que favoreceu a formação de novas classes sociais. Nesse contexto, ocorre o lançamento de O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no qual os escolanovistas partiam do pressuposto de que a educação é função essencialmente pública, laica e obrigatória. Porém, a influência estadunidense na formação do processo educacional brasileiro potencializou ainda mais as disparidades sociais.
Enquanto o segundo capítulo da obra, intitulado: “Mulheres na educação: missão, vocação e destino?: a feminização do magistério ao longo do século XX”, Almeida descreve a condição da mulher a partir da perspectiva de gênero, ou seja, mulheres como grupo social inseridas em uma sociedade hegemonicamente masculina. Outra especificidade é o fato de trabalhar a temática sob a perspectiva foucaultiana, utilizando-se de expressões como: “normalização da instrução feminina”, “vigilância do corpo” e “controle da feminilização”. Nesse bojo, a autora aponta às condições, pelas quais as mulheres brasileiras foram submetidas, perpassando desde a repressão sexual até a delimitação dos espaços públicos, respaldadas pela doutrinação religiosa imposta pela Igreja para alcançarem algumas condescendências, entre elas o magistério. Porém, se manteve o vínculo imaginário entre a função da professora e a maternidade, dessa forma, a mulher poderia continuar desempenhando sua função social predeterminada.
O terceiro capítulo, “Lições da Escola Primária”, é caracterizado pela reflexão de Souza acerca da constituição e estruturação dos grupos escolares, que se tornaram a representação da nova organização da escola primária, além de influenciar muitos intelectuais na maneira de compreender a escola durante o século XX. Seu projeto sociocultural estendeu-se até o advento da escola de Ensino Fundamental.
Ela reportava a uma clara concepção de ensino; educar pressupunha um compromisso com a formação integral da criança que ia muito além da simples transmissão de conhecimentos úteis dados pela instrução e implicava essencialmente a formação do caráter mediante a aprendizagem da disciplina social – obediência, asseio, ordem, pontualidade, amor ao trabalho, honestidade, respeito às autoridades, virtudes morais e valores cívico-patrióticos necessários à formação do espírito de nacionalidade. (SOUZA, 2004, p. 127).
Em o legado do século XX, no quarto capítulo intitulado “Os sentidos da experiência: professores, alunos e método de ensino”, Valdemarin converge e aprofunda o debate em torno de questões metodológicas, sobretudo, quando indica processos de substituição do método intuitivo – visão platônica dos sentidos sensoriais, símbolo da racionalização educacional, a partir do qual o aluno precisa chegar ao mundo inteligível para se aproximar do saber real. Pela concepção do pragmatismo deweyano, que observa e aprecia o empirismo cotidiano, desconsidera a dicotomia “realidade escolar e mundo baseado na experiência”, pois Dewey apresenta o conceito de experiência reflexiva para desencadear novas práticas pedagógicas e, consequentemente, aguçar a produção de novos conhecimentos dos alunos. O método deweyano de ensino observa as práticas educacionais, situando-o em um modelo de sociedade democrática e consolidada sob bases econômicas capitalistas.
O legado educacional do século XX no Brasil é uma importante contribuição desses pesquisadores à historiografia educacional brasileira. Além de sugerir diversos questionamentos oportunos acerca da constituição e consolidação dos modelos pedagógicos adotados no Brasil, revela as condições materiais e os agentes históricos que proporcionaram tal realização, os processos de “democratização da escola pública”, a promoção de um projeto cultural de racionalização da escola primária, de transformações da realidade profissional dos professores, homens/ mulheres, igualmente humanos, com desigualdades socioculturais e a introdução de novos métodos de ensino e aprendizagem do aluno e profissionalização do docente. Contribui, assim, para uma melhor compreensão de temas educacionais atuais, incoerências e avanços praticados no sistema de ensino da sociedade brasileira.
Referências
SAVIANI, Dermeval et al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. 224 p.
Eli Narciso da Silva Torres – Cientista Social. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista da Capes. E-mail: eli.educ@hotmail.com
Escola e democracia (edição comemorativa) – SAVIANI (TES)
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia (edição comemorativa). Campinas: Autores Associados, 2008, 164 p. Resenha de: RAMOS, Marise. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.7, n.1, mar./jun. 2009.
O leitor poderia se perguntar sobre o valor da iniciativa de se lançar uma edição comemorativa do livro Escola e democracia, de Dermeval Saviani, considerado um clássico na área da Educação. Para aqueles que não conhecem a obra, a resposta seria óbvia. Já os que a conhecem encontrarão a resposta para além do significado simbólico – que sustenta, a princípio, o caráter comemorativo da edição – vindo a se motivar pelo valor que os prefácios a oito edições, inclusive à presente, assim como o apêndice – o texto Setenta anos do ‘Manifesto’ e vinte anos de Escola e democracia: balanço de uma polêmica – acrescem à obra.
Os prefácios e o apêndice reiteram o estilo do autor de dialogar com os leitores, especialmente quando provocado, tornando públicas as motivações que subjazem à sua obra, mediante uma franca disposição de revisitá-la a partir das interpretações. No caso de Escola e democracia, a interpretação da obra original por pesquisadores dedicados ao estudo da História da Educação como um trabalho de natureza historiográfica levou Saviani a explicitar que se tratava, ao contrário, de uma obra de natureza polêmica. É a diferença entre ambas as abordagens que serve de fio condutor ao apêndice, dirigido, segundo o autor, aos historiadores da educação, constituindo-se, porém, num texto de referência teórico-metodológica para os estudiosos da educação em geral.
Primeiramente, dele depreendemos a necessidade de que a leitura de um texto não o desvie de sua origem ‘literária’ e de contexto. Nesse sentido, assim como o autor explica que Escola e democracia, um conjunto de textos que, valendo-se da metáfora da ‘teoria da curvatura da vara’, procurava polemizar com a visão apologética sobre a Escola Nova que mobilizou os educadores nas décadas de 1970 e 1980 – contexto em que reside e que justifica seu estilo polêmico – ele demonstra o quanto o Manifesto dos pioneiros da educação nova, documento cuja interpretação levou a tal apologia, era um instrumento político. Nesse sentido, o recurso em que se apóia toda a obra – a teoria da curvatura da vara – enunciada por Lênin ao ser criticado por assumir posições extremistas e radicais, foi amplamente utilizado pelos apologetas da Escola Nova. Porém, alerta o autor, diferentemente do uso por ele feito, o escolanovismo se valeu dessa metáfora como um dispositivo instaurador da própria verdade, o que exigiu a crítica formulada no livro em questão.
Demonstrado que o conteúdo de qualquer publicação escapa ao controle de seus autores, compreende-se, com o autor, que a natureza do Manifesto levou a “versões ‘popularizadas'” – “modo como esse ideário se fixou na cabeça dos professores” (p. 97) – sobre as quais incidiu a crítica formulada em Escola e democracia. Reitera o autor que em nenhum momento esteve em causa as elaborações dos Pioneiros, principalmente porque, como um documento de política educacional, essas versavam mais sobre a defesa da escola pública. Os esclarecimentos reaparecem neste texto, mas foram expostos no prefácio à 34ª edição que acompanha também a presente. Com argumentos cristalinos, o autor demonstra que, embora a Escola Nova tenha sido posta no centro da polêmica, o livro não se colocava contra o seu ideário em si, menos ainda à formulação contida no Manifesto, embora o reconhecimento de seu caráter progressista só tenha sido explicitado posteriormente, junto com os esclarecimentos. Mas a denúncia da Escola Nova teria sido uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia dominante, então caracterizada como a pedagogia burguesa de inspiração liberal.
Com esse texto e em outras passagens dessa edição comemorativa, aprendemos também o quanto repetir uma ideia de diferentes formas pode ser necessário para que seu conteúdo filosófico – a concepção de mundo que a sustenta – possa ser compreendido e, talvez, compartilhado. Foi o que levou o autor a esclarecer a relação entre as ideias expostas em Escola e democracia e a visão marxista, tal como fez no prefácio à 20ª e na atual edição da obra. É nessa perspectiva que os capítulos três e quatro do livro devem ser lidos, posto que neles o leitor (re)encontrará os fundamentos da pedagogia histórico-crítica, como contraposição à pedagogia burguesa de inspiração liberal que esteve na base da Escola Nova.
No prefácio à 34ª edição, o leitor encontrará uma posição mais contundente do autor nesse sentido. Ao negar que o livro tenha se proposto a ser um ‘antiManifesto de 1932‘, ele nos convida a lê-lo sim como um manifesto, mas de lançamento da pedagogia histórico-crítica. A maneira como ele mesmo enuncia a estrutura do livro qualifica o convite e ajuda a responder às perguntas iniciais deste texto, posto que, antes de tratar, no capítulo dois, da denúncia das visões apologéticas da Escola Nova – o que é feito mediante a apresentação de três teses que, pela via polêmica, curvam a vara para o outro lado – o leitor é brindado com um completo diagnóstico das principais teorias pedagógicas, cotejadas com as contribuições e os limites de cada uma delas. Se nesse capítulo a necessidade de uma nova teoria é anunciada, seus fundamentos teórico-metodológicos e sua proposição como uma pedagogia histórico-crítica é formulada, assim como se esclarecem, no último capítulo, as condições de sua produção e operação em sociedades como a brasileira.
Se o caráter didático dessas exposições justifica a pertinência de mais uma edição da obra, como bibliografia básica para os estudantes dos cursos de graduação em pedagogia e de pós-graduação em Educação; seus fundamentos filosóficos, demonstrados pela apropriação das categorias do método histórico-dialético para a formulação de uma teoria pedagógica, demonstram sua atualidade, por manter-se na contracorrente do pensamento hegemônico. Em tempos quando o velho se traveste de novo, tal como se vê com as pseudoteorias pedagógicas (neo)pragmatistas e (neo)construtivistas, a reafirmação da validade histórica da filosofia materialista histórico-dialética como referencial teórico-metodológico e ético-político é revolucionário.
É esta a referência que leva o autor a dialogar, de forma franca, clara e contundente, com seus críticos historiadores da educação, particularmente Clarice Nunes e Zaia Brandão. Isto ele faz reiterando que o equívoco de seus críticos foi não diferenciar a abordagem polêmica da historiográfica, posto que suas três polêmicas teses, a saber: a) do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência; b) do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos; e c) de como quando menos se falou em democracia no interior da escola mais ela foi democrática e quando mais se falou em democracia menos ela foi democrática, foram tomadas como resultado de uma investigação historiográfica e não como exercício de um procedimento expresso na metáfora da teoria da curvatura da vara. Ainda que enunciadas como teses, na linha do método dialético essas ideias tratavam-se mais de antíteses que, postas em contradição com as primeiras, potencializariam a síntese que seria uma nova teoria pedagógica. Mas com esse exercício, alerta o autor, ele se situava no âmbito do debate ideológico e não no plano da discussão historiográfica. Isto não foi reconhecido por seus críticos, dentre os quais Clarice Nunes.
O deslocamento dessas ideias do plano ideológico para o historiográfico também estaria na origem da interpretação de Zaia Brandão de que, pela sua análise, ter-se-iam apagado as diferenças, ambiguidades e contradições que atravessaram a história do movimento da escola nova. A memória do próprio marxismo ou de marxistas que nela estiveram ter-se-ia, então, silenciado. Ao contrário, o que os críticos historiadores chamam de silenciamento do marxismo o autor explica como a compatibilidade que houve entre marxistas e liberais em torno do objetivo modernizador que o ideário da Escola Nova propunha. Tal compatibilidade talvez tenha se reforçado pela hegemonia do Partido Comunista, para o qual era necessário, primeiro, realizar a revolução democrático-burguesa como condição para se colocar, posteriormente, a revolução socialista.
Esses argumentos que o autor agora traz a público, porém, não estavam dados na obra original. Neste momento, ele se vale de outro de seus estudos, qual seja, o texto O pensamento de esquerda e a educação na República brasileira. Um estudo que, segundo o próprio, não sendo historiográfico, mas tendo um certo caráter analítico sem o objetivo de polemizar, procura compreender o processo histórico, apresentando um enunciado na condição de hipótese a ser mais bem investigada. A ocupar o primeiro plano de uma análise, um assunto dessa complexidade histórica e política não seria simplesmente tematizado para contrapor a uma crítica, tal como é o propósito do autor nesse texto. Por isto, o respeito aos limites com que é tratado. Sua abordagem, porém, não deixa de nos convidar a um estudo mais aprofundado, reiterando, então, o mérito do diálogo travado com o autor com seus críticos.
É o diálogo, portanto, o ponto forte dessa edição comemorativa de Escola e democracia. A carta de Zaia Brandão enviada ao autor em resposta a tais considerações é expressiva. Ao reconhecer a impropriedade de se ter tomado o texto como historiográfico, reitera-se, porém, o impacto que o mesmo provocou na historiografia da educação. A tal consequência não prevista, porém científica e politicamente tão relevante, somente uma obra da envergadura de Escola e democracia poderia levar. Tornar público esse debate, “rompendo o silêncio em torno das interpretações produzidas no âmbito da historiografia da educação brasileira” sobre o seu trabalho, “tão somente com o espírito de somar esforços no fortalecimento de nossa área de investigação” (p. 100), é digno de um intelectual como Dermeval Saviani. Quanto ao valor da iniciativa de se lançar uma edição comemorativa do livro Escola e democracia, com a ampliação que se quis retratar aqui, esperamos que o leitor possa se posicionar com a oportunidade de (re)visitá-la.
Marise Ramos – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: ramosmn@gmail.com
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