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Problematizando o Estudo Orientado (OE)
Autoestudo | Imagem: IA-JM
Colegas,
Bem-vindos à atividade de hoje, demandada pelo processo de formação continuada organizado pela Fundação Getúlio Vargas.
Vamos tratar de Estudo Orientado nas práticas do Ensino Médio.
Ao final deste encontro, esperamos que vocês estejam capacitados a reconhecer algumas das suas crenças epistemológicas, definir “Estudo Orientado” e experimentar uma seção de Estudo Orientado a partir das sugestões aqui apresentadas.
Para cumprir estas metas, nossa oficina será composta de três momentos didáticos:
Avaliação diagnóstica sobre nossas crenças epistemológicas
Leitura de texto sobre Estudo Orientado
Simulação de uma seção de Estudo Orientado
1. Avaliação diagnóstica sobre Crenças Epistemológicas dos Professores do Ensino Médio
O formulário aqui anexado colhe informação básica e preliminar sobre o estágio atual dos nossos conhecimentos e assentimentos em termos da estrutura e da natureza do conhecimento científico.Com ele, obteremos um perfil da nossa turma que pode deflagrar reflexões e fundamentar a próxima atividade do nosso curso.
Aqui, partimos da hipótese consagrada em diferentes áreas da Epistemologia de que as nossas crenças epistemológicas são relacionáveis às nossas concepções e práticas de ensinar e de aprender.
Por favor, leia com atenção os itens abaixo, assinalando uma alternativa para cada item. O tempo previsto para esta atividade é de 15 minutos.
2. Definições e sugestões para o Estudo Orientado
Observem o texto que se segue. Recriei esse diálogo a partir da leitura de A Didática magna, livro do educador João Amós Comenius, que viveu na Morávia (atual República Checa), entre os séculos XVI e XVII. A preocupação do aluno imaginário de Comenius é a de aprender sozinho, sem precisar da ajuda dos pais ou dos professores na escola.
– Professor, por que temos que frequentar a escola?
– Para conhecer as coisas, já que ninguém nasce sabendo.
– Mas, somos imagem e semelhança Deus e o senhor mesmo disse que Deus sabe tudo!
– Ah, meu aluno! Isso é verdade, Deus é mesmo sábio. Por isso mesmo, prevendo que não seguiríamos todas as suas orientações, colocou uma pedra no nosso caminho de aprender coisas novas. Esse obstáculo é a escola. Frequentando-a todo o dia, você valorizará o saber e, consequentemente, a grandeza do saber e do poder de Deus.
A saída criativa de Comenius, diante de um aluno que flagrou a contradição da cosmogonia cristã pregada pelo educador não nos serve mais. Não somos as imperfeitas imagem e semelhança de Deus e a escola não é uma espécie de castigo divino ou um antro de permissividade ideológica de esquerda, como pensa o dominante lobby brasileiro em favor do recente projeto de escola em casa (homescholing).
Contudo, o desejo de empreender uma “aprendizagem auto planejada”, “independente”, “autônoma”, a “autoeducação”, a “autoinstrução”, o “autoestudo” ou, simplesmente, a vontade de ser um “autodidata” (Knowles, 1975; Hiemstra, 1999) atravessa gerações de especialistas em aprendizagem escolar pelas mais diferentes ideologias e sob distintas orientações teóricas.
Neste texto introdutório, convido vocês a refletirem sobre o significado de Aprendizagem Dirigida pelo Aluno (ADA) que é o núcleo de um dos novos componentes curriculares do Ensino Médio: o “Estudo Orientado” (EO). Para estimulá-los na travessia, apresento diferentes funções assumidas pelo EO ao longo do tempo, na teoria pedagógica ee, na práticadocente de brasileiros estrangeiros.
A ADA ou o EO não são algo novo. Os manuais estão cheios de exemplo de gente famosa que aprendeu sozinho (como Leonardo da Vinci). O EO, contudo, é categoria requisitada em situação comunicativa recente, ante os avanços da pesquisa sobre aprendizagens, e legitimado componente curricular, construído coletivamente por docentes sergipanos.
O que significa Aprendizagem Dirigida pelo Aluno?
Aprender a aprender | Imagem: Canal Mauro Cesar
Iniciemos a resposta pela função da ADA. Ela serve aos que põe determinado valor no topo da hierarquia que orienta a construção do currículo. Bons exemplos desses valores são: a liberdade, de Paulo Freire, a democracia, de John Dewey (Bull, 2017), o respeito à propriedade capitalista e (do lado contrário) a valorização da diversidade indígena, de um modo de ser negro, como estratégias de descolonização do currículo (Mentz; Beer, 2019b, p.887–116.
Em termos pedagógicos, a ADA serve a comportamentalistas, Cognitivistas e conexionistas. Cito três exemplos das duas primeiras e mais conhecidas teorias. O aprender sozinho foi (e é) uma condição e uma finalidade na teoria marxiana da aprendizagem do socioconstrutivista russo L. Vygotsky. Vejam o que ele afirmou no início do século XX: “o aluno educa a si mesmo. No fim das contas, o que educa os alunos é o que eles mesmos realizam e não o que recebem; os alunos só se modificam através de sua própria iniciativa” (Vygotsky, 2003, p. 177).
Mesmo quem não cursou Pedagogia conhece intuitivamente as etapas que medeiam uma sequência didática representativa orientada pela Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Essa expressão sintetiza o processo de aprendizagem/desenvolvimento do aluno, configurado em três etapas: (1) o professor faz para o aluno ver como se faz; (2) o aluno faz com o auxílio do professor ou dos colegas; e (3) o aluno faz sozinho. O respectivo caminho do “autoestudo”, do “autoensino” ou da “autoaprendizagem” é, portanto, um meio e um fim, ao mesmo tempo.
Esse princípio foi recentemente aplicado à formação de professores na África do Sul – Zona de Desenvolvimento Proximal do Professor (ZDPP) – com a esperança de que os colegas da educação básica migrassem das práticas de exposição às práticas de descoberta.
Naquele país, o autoaprendizado dos professores de Ciências pode ser mediado pela: (1) auto assistência (autodiagnóstico sobre a prática docente); (2) uso da assistência especializada (aprendizagem baseada em problemas (PBL) e experimentos em laboratórios); (3) atividade de internalização (reflexões e registro em diário sobre a aprendizagem por investigação); e (4) atividade de demonstração teórico/prática do comportamento modificado. (Mentz; Beer, 2019b, p.52–53).
O colega professor que não sabe o que é ZDP (ou a ZDPP inspirada em Vygotsky) pode, por outro lado, conhecer a teoria da aprendizagem do estadunidense B. F. Skinner, que também teorizou sobre o estudo orientado do aluno. Para Skinner, um liberal comportamentalista, toda a aprendizagem resulta de esforço individual do aluno. E como todo mundo aprende efetivamente sozinho, em tese, os professores não seriam a principal peça na engrenagem da escola.
Essa transferência de poder — do professor ao aluno – se funda na compreensão de que a aprendizagem depende de constante reforço do que foi aprendido (uma espécie de “Muito bem! Você alcançou o objetivo”). Considerando que o aluno necessita de reforços constantes sobre o que aprendeu e que é impossível fornecer feedback imediato e simultâneo a 30 ou 40 alunos de uma mesma turma, o papel do professor, segundo Skinner, é (1) programar as aprendizagens, como estudos dirigidos e testes formativos, (2) orientar a execução das atividades programadas e (3) fornecer apoio afetivo a quem demonstra necessitar (Skinner, 1972, p.25) — como fazemos, hoje com um “Muito bem, você conseguiu!”.
No início do século XXI, o canadense Maurice Gibbon foi ainda mais radical, incorporando indiretamente as premissas de Vygotsky e Skinner, apresentadas acima. Gibbon pensa o auto-estudo dos alunos escolares como um objeto dos professores, ou seja, a orientação para o estudo individualizado é um método de ensino que deve substituir o método do ensino expositivo.
Diferente das bases especulativas de Vygotsky e experimentalista de Skinner, as estratégias de Gibbon estão justificadas nas declarações das neurociências que têm implicações diretas na aprendizagem escolar. Em termos gerais, sabemos hoje que a aprendizagem cerebral é dinâmica, autodirigida e individualizada. O cérebro “é uma máquina de criar significados, que cresce em ambientes ricos em estímulos, que busca padrões, que se baseia em experiências anteriores e que funciona melhor em situações não ameaçadoras.” (Gibbon, 2002, p.1; Brownlee; Schraw; Berthelsen, 2011, p.3). Todas essas qualificações do cérebro são potencializadas com a implementação de procedimentos da ADA.
Na Aprendizagem Dirigida pelo Professor (ADP), afirma Gibbon, o mestre decide as metas e o conteúdo a ser estudado, comunica o conteúdo e define os exercícios, monitora o trabalho do aluno e testa o seu desempenho. Já na Aprendizagem Dirigida pelo Aluno (ADA), o mestre ensina os alunos a definir objetivos e conteúdo, ensina as habilidades e processos envolvidos na definição de metas, na elaboração de planos e no desenvolvimento das ações, negocia propostas de trabalho pensadas pelo aluno, desafia os alunos para novas conquistas e revisa a avaliação que os alunos fazem dos seus próprios trabalhos (Gibbon, 2002, p.3).
Nos últimos três anos, várias publicações têm defendido a implementação da ADA em escolas que abrigam alunos de 10 aos 17, em diferentes situações comunicativas. Ela é vista como única proposta de ensino na escola, em nível de turma, grupo ou indivíduo (Gibbon, 2002). É vista como estratégia de ensino destinada ao cumprimento de projetos de vida no interior da escola, que compatibiliza diferentes e divergentes estilos de ensino (dirigidos pelo professor e dirigido pelo aluno), como a “aprendizagem autocombinada” (Bull, 2017). Por fim, ela é entendida como estratégia de aprendizagem para pessoas em formação, cujo projeto de vida é incompatível com a vivência escolar coletiva e presencial (Boles, 2014).
Este último é, por exemplo, o caso de navegadores, aventureiros, para os quais a autoaprendizagem deixa de ser o domínio de um conjunto de “ferramentas para fazer coisas” (como responsabilidade, autonomia, autodisciplina e atitude) para se transformar em uma “mentalidade”, estruturada em hábitos e predisposições que lhes possibilitam assumir “total responsabilidade por sua educação, carreira e vida” (Boles, 2014, p.21). Este não é o nosso caso da nossa formação. A modalidade de ADA que nos interessa (a do Currículo de Sergipe) é a que possibilita a boa convivência entre aprendizagem geral e disciplinar e a construção de projetos de vida.
O Estudo Orientado (EO) no Currículo de Sergipe
Como prescreve o Currículo de Sergipe, a ADA é o núcleo de um “componente curricular” chamado “Estudo Orientado”. Ele integra a parte flexível do currículo do Ensino Médio que tem a finalidade de apoiar e orientar o aluno “em seu estudo diário”, interior e exterior à escola, para que ele alcance os “objetivos traçados” em seus “projetos de vida”. (Santos, 2022, p.6).
A ferramenta material e inicial do ensino do EO é um acordo formal entre o aluno, o professor e, quando possível, os pais ou responsáveis pelo autor do plano. Esse acordo ganha a forma de um “contrato” ou de um “plano” que pode viabilizar partes de uma meta bem mais ampla: o “Projeto de Vida”.
O contrato é um guia para o aluno e o professor. De um lado, expressa de modo claro o que o aluno propõe, os meios e as razões para tal. Do outro, “permite que os professores vejam rapidamente o que seus alunos pretendem e discutam cada elemento de sua proposta com eles” (Gibbons, 2002, p.20–21)
Há diferentes modos de nos engajarmos no ensino de EO. O próprio Currículo de Sergipe sugere alternativas no Caderno complementar Estudo Orientado. Por ele, somos convidados a ensinar o aluno a estudar de modo eficiente, eficaz e autônomo. Isso significa privilegiar o desenvolvimento de habilidades e predisposições, relacionadas à elaboração dos objetivos, meio, recursos e avaliação da aprendizagem, à motivação para o autoestudo, a responsabilidade na autogestão do tempo e do espaço, o desenvolvimento da concentração e muita disciplina pessoal (Santos, sd., p.14-15).
As habilidades para a produção de objetivos, escolha de métodos e recursos são as mais simples de serem ensinadas. Tudo isso pode ser feito por meio de exercícios de escrita, do emprego de formulários eletrônicos e de estudos de caso, por exemplo. Basta que lembremos nossa formação em Didática: conhecer os significados das palavras “habilidade”, “valor” e “conhecimento”, conhecer a ordem dos elementos de uma declaração de objetivo, segundo a sintaxe da língua portuguesa; reconhecer que objetivos, atividades e avaliação devem estar semanticamente alinhados, isto é, não apresentem contradição entre metas, conteúdo, técnicas e materiais, tempo e espaço de execução.
A responsabilidade e a autogestão são predisposições exercitadas na construção e aplicação dos próprios planos de aprendizagem. A formação continuada disponibilizará meia dezenas de possibilidades, mas o próprio Caderno complementar já sugere um modelo de “plano” que prescreve o quando estudar, o que estudar, com qual objetivo estudar, com quais meios, para apresentar quais resultados, o registro do que fez, do que não fez, por que não fez, como reprogramar o que não fez e o que melhorar sobre o que fez.
O Caderno também sugere uma série de técnicas para minorar as dificuldades de concentração, hierarquização das prioridades, separação dos óbices por níveis de complexidade, organização do tempo, leitura de fontes e organização das informações em diferentes suportes.
Obstáculos e soluções e autonomia docente na implantação do Estudo Orientado
Autonomia | Imagem: IA-MJ
O Caderno complementar, contudo, não toca nos problemas, embora saibamos de cor a lista de obstáculos a superar: a inadadaptação do software da Secretaria de Educação (que gerencia a oferta de ensino) às novas rotinas do Ensino Médio, a nossa mentalidade sobre o “ensinar” e o “aprender”, como também a mentalidade dos alunos e dos pais ou responsáveis em matéria de “sucesso” e “fracasso” escolar.
Nesse sentido, de modo indireto, o próprio Currículo de Sergipe oferece dois auxílios. O primeira é a concepção do OE como componente curricular, dotado de carga horária e responsáveis. O segundo é a inclusão do OE como matéria de formação continuada.
Isso significa, por exemplo, que durante as próximas 190 horas, vocês poderão desenvolver diferentes estratégias para superar o que talvez seja o principal obstáculo, no meu ponto de vista: a falta de motivação dos alunos.
Na formação, vocês serão convidados a exercitar estratégias de desafiar o aluno, despertar a sua curiosidade sensorial e cognitiva, despertar o seu desejo de controlar situações de aprendizagem, de ler, fantasiar e criticar a realidade mediante jogos, de envolver-se em situações de cooperação e de competição e, principalmente, serem reconhecidos pelos colegas e comunidade externa à escola. (Bull, 2017, p.66–82).
O EO é um componente curricular que desenvolve a autonomia do aluno e, coerentemente, oferece autonomia ao professor. Isso significa dizer que a estrutura do ensino de EO e a arquitetura da informação que o diagnóstico, o contrato de estudo, as formas de acompanhamento, negociação e revisão da avaliação dos alunos variarão conforme a natureza da matéria que o aluno quer aprender.
Pode acontecer de os planos focarem apenas em conhecimentos, em determinadas habilidades, em tarefas ou capacidades (que reúnem objetivo de aprendizagem simples), em vivências (que modificam percepções, emoções, valores) ou em experiências sistemáticas de pesquisa demandadas e dirigidas pelos alunos.
Pode acontecer também que esses instrumentos sejam construídos a partir de questão e/ou demanda proveniente da formação geral. Você pode, legitimamente, considerar o conteúdo da sua área de atuação e especificá-lo no trabalho grupal ou individual, no horário específico.
Também não é necessário envolver todos os elementos de conteúdo elencados acima. Quando, por exemplo, vocês orientam o aluno na construção de um projeto de pesquisa que parte de um problema elaborado pelo próprio discente, já estão no ambiente do EO. Há manuais, inclusive, focados na construção de contratos de aprendizagem, cujos elementos principais são as etapas de uma investigação científica (Knowles, 1975).
Propostas similares de Estudo Orientado de Sergipe
A literatura nacional está repleta de estudos de caso que confirmam parte das justificativas e estratégias de implementação do EO no Ensino Médio em Sergipe. No Recife, por exemplo, em salas do Ensino Médio regular, a prática de EO prioriza o ensino em grupos, com eventuais auxílios de um colega (tutor) “não indicado” para o EO. O componente “funciona como um momento para realizar tarefas, fazer pesquisas, ler, tirar dúvidas, discutir assuntos em grupos, revisar conteúdos” e tem impactado na diminuição da distância entre “aprendizagem” e “série” (Pereira, 2020, p.23, 54).
No Rio Grande do Sul, no Curso Técnico Integrado em Administração do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS, Viamão), o EO concentra esforços para viabilizar a autonomia e o acesso dos alunos à “tecnologia digital” em atividades de “reforço escolar”. O recurso principal é um ambiente virtual de aprendizagem onde os alunos se orientam para produzir e postar filmes, games, quadrinhos e mapas conceituais, resultantes do aprofundamento de estudos demandado em outros componentes curriculares. (Gonçalves, 2021, p.84–86. Anexo, p.5).
Em Pernambuco e no Espírito Santo, há iniciativas próximas ao espírito cultivado no Currículo de Sergipe. No primeiro Estado, o EO “tem como foco” a atuação dos estudantes “de forma autônoma […] para se dedicarem aos assuntos que têm mais necessidade, para se organizarem para elaboração de trabalhos e desenvolvimentos de pesquisas”, embora haja orientação de formarem grupos (Santos; Silva; Lins, 2021, p.126).
No segundo Estado, o professor de OE recebe orientação a ensinar ao aluno a identificar “o que, quando e como estudar […] para que possa dedicar, de forma eficiente, tempo e esforço”, subsidiando os trabalhos do seu “Projeto de Vida” (Silva; Ferreira; Santos, 2021, p.48).
Aqui mesmo, em Sergipe, já há trabalho referenciando a implementação do EO no sentido de desenvolver “a capacidade de planejar do aluno, uma vez que tem por objetivo construir uma boa rotina de estudo, favorável para o aluno e que facilite o aprendizado” (Freitas; França, 2021, p.139).
Propostas diferentes e divergentes do Estudo Orientado sergipano
O EO também é apresentado de forma diferente e até desviante. No Rio Grande do Norte, o componente curricular foi espaço para a aplicação de estratégias lúdicas de desenvolvimento do raciocínio lógico, propostas por residentes pedagógicos (e não pelos alunos do ensino médio) (Ricardo; Faustino; Limeira, 2019).
No Mato Grosso do Sul, o EO serviu ao “aprofundamento e consolidação de conhecimentos específicos da Língua portuguesa e/ou matemática” (Perboni et al, 2018, p.13).
Na Paraíba, o OE foi espaço de demonstração do valor do software Padlet para o desenvolvimento das habilidades de autogestão do tempo e de organização do material para estudar (Lima; Sousa; Silva, sd). Apesar das boas intenções que guiaram os seus responsáveis, o EO foi um espaço de experimentação não necessariamente demandada pelo interesse individual do aluno do Ensino Médio.
Além compreender eventuais vieses que retiram o protagonismo do aluno no controle de sua aprendizagem, é importante diferenciar a proposta local das estratégias de uso emergencial. Um contra exemplo da experiência local são os Roteiros de Estudo Orientado, focados em disciplinas da formação geral e empregados para mitigar os efeitos do ensino a distância, durante a epidemia da Covid-19, em Minas Gerais (Pinto; Martins, 2021).
É importante não sucumbir às obviedades resultantes da implantação de novas rotinas no ensino público. Em Goiás, por exemplo, o OE foi considerado inadequada às condições precárias das escolas do Estado, no que diz respeito à biblioteca, laboratórios, quadro docente e, a principal delas, as divergentes perspectivas das orientações da Secretaria de Educação e da mentalidade dos professores. A Secretaria aconselha focar no projeto de vida dos alunos, enquanto o corpo docente e administrativo trabalha “para garantir a realização do processo de ensino” (Vidigal; Cardoso, p.16).
No Amapá, há docente, declarando que um “professor de metodologia” seria o ideal para reger o componente OE, profissional inexistente na escola, durante a Pandemia (Almeida; Gomes; Souza, 2021, p.22). No Espírito Santo, por fim, a reclamação dos professores é a inexistência da formação em OE, durante a graduação. (Costa; Ferreira; Cypriano, 2022, p.457).
Tais obstáculos são compreensíveis e reais. São também, por outro lado, previsíveis e superáveis capacitação e predisposição (incluindo o velho bom senso). É o que nos mostram, por exemplo, pesquisas nas escolas do Ensino Médio da Paraíba e do Mato Grosso. Para o combate do hábito da procrastinação dos estudos (em detrimento da concentração), foram propostos aos alunos a elaboração de diagnósticos (obstáculos psíquicos, materiais e hábitos contrários ao estudo), a confecção de listas de orientações sobre gestão do tempo e de recompensa pessoal e o emprego da técnica do Pomodoro (Costa et. al, sd.).
No Mato Grosso, a pesquisa indicou a necessidade de os professores de OE diagnosticarem os “estilos de aprendizagem” nos quais os alunos melhor se enquadram e, a partir desses dados, encontrarem os modos mais viáveis ao desenvolvimento do EO (Monteiro; Castro; Grellmann, 2019).
Conclusões
Neste texto, tentei convencê-los de que o Estudo Orientado (EO) é uma expressão nova para uma proposição antiga: o modo de ensinar que põe o aluno efetivamente no centro do processo da sua própria aprendizagem.
A maioria das coisas que realizam o EO podem ser sintetizadas com os nomes de “aprendizagem auto planejada”, “aprendizagem independente”, “aprendizagem autônoma”, “autoeducação”, “autoinstrução”, “autoestudo” ou, simplesmente, “autodidaxia”.
A sinonímia vai se ampliar ou se reduzir, a depender do domínio científico que o explora (a Sociologia ou a Psicologia), do país que a adota (o Brasil ou a Austrália), da ideologia que a requisita para formar este ou aquele sujeito ideal (a Direita democrática ou a Esquerda progressista).
Em Sergipe, EO é um componente curricular cujo objetivo geral é desenvolver o protagonismo discente por meio da oferta de conhecimentos, habilidades e predisposições que o capacitem a dirigir sua própria aprendizagem e, consequentemente, a produzir o seu Projeto de Vida (outro componente curricular).
Em termos específicos, é um componente que exige de nós algum domínio no ensino do autodiagnóstico, da produção de expectativas de aprendizagem, das estratégias de planejamento, implementação e avaliação desse planejamento pessoal.
Como vocês vão implementar esse componente? Isso depende de muitas variáveis. Vocês podem ser tocados pelas urgências de uma turma, de um grupo de alunos, de um indivíduo. Podem priorizar uma habilidade, um conhecimento, uma predisposição que enucleia ou não um outro componente curricular ou uma área do conhecimento. Podem formatar o componente a partir da sua observação em aulas na formação geral, da procura deliberada do aluno por auxílio, da conclusão de que a escola pode fazer uma intervenção direta para solucionar um problema na comunidade e assim por diante.
Orientado pela experiência narrada acima, penso que as mais determinantes variáveis, por fim, serão: a sua predisposição em auxiliar o aluno a aprender e o seu reconhecimento de que a ênfase na aprendizagem dirigida pelo aluno não é mais uma moda ou uma invenção de gente que nunca passou na porta de uma escola. Ela resulta do avanço da pesquisa sobre o tema, em diferentes áreas do conhecimento, que prescreve um cérebro em constante aprendizagem, que aprende quando estimulado por novas situações da vida prática, que aprende em interações sociais diversas, que incorpora ferramentas digitais de modo inusitado e que exige recompensas de tipo vário.
Ensinar Estudo Orientado em favor dos alunos, enfim, é uma atitude política, democrática e uma demonstração de que professamos (individualmente) sofisticadas crenças epistemológicas.
3. Simulação de uma seção sobre Estudo Orientado
Vocês já responderam à avaliação diagnóstica inicial e já conhecem os resultados da turma em termos de crenças epistemológicas e predisposição ao EO. Já ampliaram a informação sobre o significado de EO, as formas indicadas e contra-indicadas para a implantação desse componente curricular em Sergipe. Agora, eu os convido a experimentar ao menos uma habilidade básica constitutiva do ensino de EO: a construção de um contrato de aprendizagem.
O roteiro que se segue é apenas uma em tantas possibilidades. Ele foi construído para ser aplicado em, no máximo, 30 minutos, no nosso ambiente de formação. Trata-se de uma síntese do que pode ser desenvolvido em um mês de EO.
Vamos experimentar? Quem se propõe a interpretar o professor? Quem quer ser o ansioso aluno?
Ao final da experiência, espero que vocês percebam que já têm um plano ou um contrato de aprendizagem em mãos. Só é preciso pô-lo em prática.
Roteiro simplificado de interação com o aluno
- O que você quer fazer, saber ou experimentar? (Objetivo)
- Porque você quer fazer, saber ou experimentar isso? (Importância)
- Em quanto tempo você quer alcançar esta meta?
- Como você espera estar após este tempo?
- Quais experiências você pensa necessitar para alcançar esta meta? (Plano)
- Quais conhecimentos você pensa necessitar…?
- Quais habilidades você pensa necessitar…?
- Qual o desafio que você apresenta a si mesmo? (Desafio — expectativa de aprendizagem formal)
- Que dificuldades você prevê para cumprir vencer este desafio — deficiências em termos de conhecimentos, habilidades, hábitos…? (Resolução de problemas)
- Está consciente de que vai ter que modificar…?
- Já tem um lugar para estudar, onde? (Gestão)
- Já tem material para estudar, qual?
- Quais pessoas podem te ajudar?
- Quantas horas por dia pretende se aplicar ao estudo?
- Vamos elaborar uma lista das tarefas a cumprir e do tempo a reservar? (Gestão/Avaliação)
- Vamos elaborar uma lista de desempenhos gradativos a atingir?
- Vamos elaborar uma escala de pontuação para os desempenhos a atingir?
- Qual será o melhor modo de demonstrar que você avançou em relação às metas, lendo, falando, submetendo-se a um teste?
- Quem serão os seus mais apropriados avaliadores?
- Qual a forma gratificante de comemorar a sua futura conquista? (Celebração)
Fonte: Adaptado de Gibbon (2002, p.74 – 77).
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Para citar este texto:
FREITAS, Itamar. Problematizando o Estudo Orientado (OE). Resenha Crítica. Aracaju/Crato, 28 mar. 2023. Disponível em<https://www.resenhacritica.com.br/a-cursos/problematizando-o-estudo-orientado-oe/>.